Realização: Francis Lawrence
Argumento: Peter Craig e Danny Strong
Não é difícil dizer que Katniss Everdeen tornou-se uma das melhores e mais influentes heroínas da ficção moderna desta última década. Não só pela interpretação da actriz, mas sobretudo pelo que a personagem simboliza, não só para a Mulher no particular, mas também para a Humanidade no geral. A figura heróica que vem do povo, que evolui na adversidade extrema e que apesar de todos os seus defeitos e impulsividade, consegue ser líder de uma revolução que acaba por desconstruir a sociedade de Panem como a fomos conhecendo. Isso é permitido também por toda a simbologia e mitologia que os romances de Suzanne Collins trouxeram. Vejamos toda a mitologia: um voyeurismo institucional, no formato de uma ditadura autoritária e totalitária, onde apenas uma elite beneficia do esforço e sacrifício físico, mental e emocional de uma larga população. Um colapso total das instituições e valores morais, um jogo sádico e brutal exibido a toda a sociedade e a opressão física e moral do povo. Uma metáfora perfeita e actual ao sistema político facilmente identificável pela audiência que, juntamente com a protagonista, vai evoluindo com a narrativa que aponta para várias referências, desde a reality TV, às guerras, passando pelos gladiadores da Antiga Roma, até aos mitos de Teseu e o Minotauro. Ora ao longo da saga, que chega agora ao fim, o espectador vai crescendo com Katniss. Desde o momento que era uma pobre e impetuosa adolescente que prefere sacrificar a sua vida em favor da irmã e que, inadvertidamente, e devido aos seus dotes (sobretudo morais), torna-se o símbolo e o rastilho para uma revolução anunciada. O povo precisa de um símbolo. E apesar da figura inconstante que é, Katniss tem uma energia e um rasgo, que acabou por evoluir de algo impensado para uma consciência e determinação política e que foge às habituais dicotomias entre o feminino e o masculino.
Depois dos primeiros filmes terem mostrado o sadismo dos Jogos da Fome e a inesperada ascensão de uma heroína, a primeira parte da conclusão da saga revela um olhar maduro e consciente para a problemática inicial. Se a grande arma de uma sociedade totalitária é a propaganda, não será errado também dizer que a revolução também vive do mesmo. A sociedade exige-o. A notoriedade de uma campanha política planeada ao mínimo detalhe, assim como a construção de uma narrativa, é o leitmotiv dos dois lados de uma guerra. Essa opção que a história introduz permite denunciar a ambiguidade moral entre o Poder instaurado e a Revolução que se planeia insurgir. Isto porque se os meios não são assim tão distintos, é verdade que as intenções também poderão não o ser. E se era no poder da propaganda política que A Revolta - Parte 1 se inspirava, a Parte 2 acaba por explorar o perigo da confiança cega quando um Messias se prontifica a salvar um povo da escravidão.
The Hunger Games: A Revolta - Parte 2 beneficia do facto de ser o culminar de uma saga e de uma história tão poderosa como esta. É o clímax de todo um crescendo e uma antecipação que se criou desde o primeiro filme, e daí notar-se o evoluir das sequências de acção (note-se a cena na praça com uma das armadilhas do Capitólio ou uma especial cena quase final aos portões do palácio) como conclusão da epopeia. Katniss assume um protagonismo notável: representa uma sociedade de espectáculo, filmando também vídeos de propaganda e tentando forçar a rendição do Capitólio e Snow. É um jogo cínico e político, que ganha tempo para respirar, mas que também se assume redundante, especialmente se considerarmos a divisão do último romance em dois filmes, com um mero motivo capitalista. Até porque Francis Lawrence, não desfazendo o que conseguiu fazer com os três últimos filmes da saga (em grande parte, devido à força do material e dos actores), nunca conseguiu imprimir o seu cunho pessoal, como Gary Ross conseguiu no primeiro capítulo. Percebe-se a sua competência, mas sente-se a sua posição de tarefeiro sob o domínio de um grande estúdio que tenta não polarizar a audiência, com uma cinematografia arrojada ou com uma posição mais, ou menos, divergente.
O filme versa sobre o poder da união, o sistema político e a sociedade contemporânea criada à base de propaganda (reality television, redes sociais), mas também imprime um cunho agridoce sobre a ilusão da salvação ou da insistência do ser humano em persistir nos mesmos actos, apesar das lições, supostamente, previamente aprendidas. É ainda assim um grito de revolta e liberação, uma representação de uma sociedade, a nossa talvez, que parece também ela condenada e que carece de um símbolo de força e luta.
O filme versa sobre o poder da união, o sistema político e a sociedade contemporânea criada à base de propaganda (reality television, redes sociais), mas também imprime um cunho agridoce sobre a ilusão da salvação ou da insistência do ser humano em persistir nos mesmos actos, apesar das lições, supostamente, previamente aprendidas. É ainda assim um grito de revolta e liberação, uma representação de uma sociedade, a nossa talvez, que parece também ela condenada e que carece de um símbolo de força e luta.