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segunda-feira, 11 de março de 2013

Um coração maior que a vida


13.03.11_Slavoj Zizek_Um coração maior que a vidaPor Slavoj Žižek.*
For the english version, click here.
Devo confessar que, muitas vezes, não gostei do que Hugo Chávez fazia, principalmente nos últimos anos do seu reinado. Não me refiro às ridículas acusações referentes à sua ditadura “totalitária” (às pessoas que afirmavam isto, aconselharia um ano ou dois numa ditadura de estilo stalinista!). De fato, ele fez muitas loucuras. Em matéria de política externa, não é possível perdoar-lhe a amizade com Lukaschenko e Ahmadinajad; em política econômica, a série de medidas improvisadas e mal formuladas que, em vez de resolver realmente os problemas, procuravam cobri-los de dinheiro para que não aparecessem; os maus tratos contra os prisioneiros políticos, a ponto de merecer uma reprimenda do próprio Noam Chomsky; até – no final – algumas medidas culturais ridículas como a proibição dos Simpsons na TV.
Mas tudo isto se torna insignificante diante do projeto fundamental com o qual se comprometera. Todos sabemos que, no capitalismo global dos nossos dias, com sua evolução espetacular, mas profundamente desigual, são cada vez mais numerosas as pessoas sistematicamente excluídas da participação ativa da vida social e política. O crescimento explosivo das favelas nas últimas décadas, principalmente nas megalópoles do Terceiro Mundo, das favelas da Cidade do México e de outras capitais da América Latina até a África (Lagos, Chade) à Índia, China, Filipinas e Indonésia, é talvez o acontecimento geopolítico crucial dos nossos tempos. Como, dentro em breve a população urbana da terra superará a população rural (ou, quem sabe, dada a imprecisão dos censos do Terceiro Mundo, já aconteceu), e como os habitantes das favelas serão a maioria nas populações urbanas, não temos condições de tratar com um fenômeno marginal.
Esses grupos enormes constituem evidentemente um dos objetos privilegiados da ajuda humanitária e das instituições assistenciais para as elites liberais – basta lembrar de imagens emblemáticas como a de Bill Gates abraçando uma criança indiana paralítica. Somos constantemente solicitados a deixar de lado as nossas divisões ideológicas e a fazer algo a respeito – quando vamos a uma loja da Starbucks para tomar uma xícara de café, sabemos que já estamos fazendo alguma coisa, porque uma parte do preço que pagamos vai para as crianças da Guatemala ou de outro país.
Mas Chávez via que isto não bastava. Ele via no horizonte os contornos de um novo apartheid. Ele via a luta de classes de outrora ressurgindo sob a forma de novas divisões e até mesmo divisões mais profundas. E ele fez alguma coisa a respeito. Ele foi o primeiro a não só “cuidar dos pobres”, no velho estilo peronista, falando por eles, mas a canalizar com determinação toda a sua energia no seu despertar e efetivamente na sua mobilização como agentes políticos ativos e autônomos. Ele viu claramente que, sem a sua inclusão, nossas sociedades caminharão paulatinamente para um estado de guerra civil permanente. Basta lembrar da frase imortal do filme Cidadão Kane, de Orson Welles, quando Kane, acusado de falar pelos desfavorecidos contra a sua própria classe, responde: “Se eu não defender os interesses dos não privilegiados, alguém mais o fará – talvez alguém sem dinheiro ou propriedades e isto será muito ruim”. Este “alguém mais” seria Chávez.
Portanto, enquanto ouvimos todo este palavreado a respeito do “legado ambíguo” de Chávez, do fato de ele ter “dividido a sua nação”, sempre que o expomos a uma crítica muitas vezes merecida, não devemos esquecer o sentido de tudo isto. Ele se referia ao povo, ao governo de, para e pelo povo. Toda a confusão foi uma confusão criada pela dificuldade de realizar este governo. Com toda a sua retórica teatral, Chávez foi sincero a esse respeito, ele queria dizer isto mesmo. Seus fracassos foram os nossos fracassos.
Ouvi dizer que existe uma doença do coração – como órgão – que vai crescendo excessivamente sem conseguir funcionar como deve, incapaz de bombear todo o sangue através das veias dilatadas. Talvez Chávez tenha morrido porque tinha um coração grande demais.
*Tradução de Anna Capovilla, publicado no jornalO Estado de São Paulo em 10/03/2013.

fonte: http://blogdaboitempo.com.br/

domingo, 10 de março de 2013

Em Porto Alegre, Slavoj Žižek expõe seu pessimismo e a falta de rumos da esquerda



Foto: Ramiro Furquim/Sul21.
Natália Otto
O filósofo esloveno Slavoj Žižek sentou-se frente a uma plateia lotada na Câmara Municipal de Porto Alegre minutos após o anúncio da morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na noite de terça-feira (5). A fala de um dos maiores teóricos da esquerda contemporânea não poderia começar diferente: “Chávez era um de nós, independente do que se queira dizer sobre ele”, afirmou, enquanto o burburinho da notícia percorria a plateia.
“Todo mundo gosta de simpatizar com favelas, de fazer caridade. Caridade é o que existe de mais fashion no novo capitalismo global. Faz as pessoas se sentirem bem e, ao mesmo tempo, despolitiza a situação”, prosseguiu Žižek. “Todos querem fazer caridade, mas nem todos querem incluir a favela na política. Chávez viu que não incluir todos os excluídos significa viver em uma permanente guerra civil. Por isso ele viverá para sempre, acho”, sentenciou o teórico.
Nascido em Liubliana, na Eslovênia, em 1949, Žižek é considerado um dos principais nomes da teoria crítica na atualidade. Com mais de sessenta obras publicadas, o filósofo veio ao Brasil para lançar seu último livro, Menos Que Nada: Hegel e a sombra do materialismo histórico, pela editora Boitempo, que promoveu o evento.
Em uma fala inquieta e bem humorada, com espaço para longas digressões e até piadas, Žižek falou durante quase duas horas sobre os rumos – ou a falta deles – dos movimentos de esquerda contemporâneos.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21.
Chávez e o perigo do “oportunismo de princípios”
“Sempre tento ser um pessimista. Tento resistir a esse entusiasmo estilo ‘ah meu Deus, Chávez!’”, afirmou Žižek durante a breve entrevista coletiva que concedeu antes da palestra. Perguntado sobre os governos de esquerda da América Latina, e ainda sem saber da notícia da morte de Chávez, contou que, para ele, o problema principal é sempre de ordem econômica. “Nesse sentido, acho que talvez Chávez tenha sorte demais. Os amigos dele me dizem que ele não resolve problemas, ele pode se dar ao luxo de injetar dinheiro aonde queira”, explicou.
“Acho que o maior serviço que alguém pode prestar a todos esses movimentos de esquerda, como na América Latina, é, neste momento, sermos críticos e realistas. Para ser um utópico você precisa ser realista, senão você acaba se tornando um oportunista de princípios”, disse Žižek. E explicou: “É muito fácil não fazer nada politicamente, dizendo que não quero sujar minhas mãos, que sou fiel aos meus princípios, e ainda pensar ‘que maravilha, não traí meus ideais’. Mas essa é a tragédia da esquerda radical”, lamentou.
No momento em que o filósofo acabou sua fala sobre a América Latina, foi avisado de que Chávez havia falecido. “Bom, agora é a hora de sermos menos críticos”, reiterou. “A luta continua.”
Foto: Ramiro Furquim/Sul21.
Indecisão e falta de rumo marcam ações da esquerda e das elites dominantes
“As pessoas não sabem o que querem” foi quase um lema repetido por Žižek ao longo de toda sua fala. Para ele, nem as elites dominantes, a esquerda radical, os imperialistas, os manifestantes da Primavera Árabe e de Wall Street, ou mesmo os teóricos – nenhuma dessas pessoas tem ideia clara do que busca ou que está acontecendo com o mundo.
“A lição que tiramos de experiências como as da América Latina é que ainda não temos um novo modelo. O século XX acabou, o comunismo não funcionou, a social democracia e o estado de bem estar social funcionaram bem enquanto duraram, mas estão desaparecendo”, pontuou ele.
Apesar da atual falta de rumo da sociedade, o filósofo afirmou que não é suficiente dizer que vivemos em uma crise do capitalismo. Na China e na Coreia, ele lembrou, a economia prospera, assim como na maioria dos países subdesenvolvidos. “A crise existe apenas na Europa e ainda um pouco nos Estados Unidos”, afirmou.
Žižek apontou a crise financeira de 2008 como um exemplo que prova que nem mesmo as elites têm controle sobre a sociedade. “Os marxistas têm essa antiga paranoia de que há um centro imperialista, um grupo de pessoas que se encontra de dois em dois meses em algum lugar entre Washington e Wall Street para tomar todas as decisões”, brincou. “Seria até bom se houvesse um centro assim. Quanto mais eu vejo, mais percebo que isso não existe, e que eles (elites) não sabem o que estão fazendo”.
Ele falou sobre os movimentos sociais como o Occupy Wall Street, em que “pessoas protestam contra injustiça, querem democracia, sentem que o presente sistema econômico é injusto, mas nunca fica claro para onde elas estão se movendo”, explicou. Ainda assim, a postura de Žižek não é a de descartar esses movimentos, acentuando ser crucial evitar tanto o pragmatismo político quanto o “oportunismo de princípios” no momento da ação. “Não devemos pensar que temos problemas concretos para resolver, como o racismo, então podemos deixar a batalha ideológica totalmente de lado. Por outro lado, e acima de tudo, precisamos evitar oportunismos como dizer que o grande problema é o capitalismo e ficar sentados, esperando a grande revolução que nunca acontece”, afirmou.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O que conseguimos com uma modernidade alternativa é o capitalismo alternativo”
No contexto em que a esquerda não sabe o que quer, Žižek utiliza a filosofia do alemão G.F.W. Hegel para afirmar que, de fato, é impossível compreender por completo os rumos do futuro. “Hegel proíbe a especulação do futuro. Para ele, podemos apenas prever a abertura do futuro”, explicou o teórico. “Ele fala sobre a alienação da nossa vida, em que o processo é tão aberto que, quando você faz algo, não pode incluir no que você está fazendo as consequências da própria ação”.
O filósofo também falou sobre questões de eurocentrismo e multiculturalismo. Žižek citou o conceito de “modernidades alternativas”, que sugere uma ideia que é possível pensar uma modernidade para países em desenvolvimento, pós-coloniais, que não seja eurocêntrica. “O que conseguimos com a modernidade alternativa é o capitalismo alternativo”, afirmou ele.
“Acho que essa é uma tese muito perigosa. O marxismo compreende que há certos antagonismos que são inerentes ao capitalismo. A teoria da modernidade alternativa pensa esses antagonismos como se eles não pertencessem ao capitalismo em si, e sim a alguns tipos de capitalismo”, explicou. “O capitalismo é um fenômeno global, um sistema que pode funcionar em qualquer civilização. Devemos rejeitar essa ideia de um relativismo do capitalismo, pois ele é multicultural”, pontuou o filósofo.
Žižek afirmou que mesmo o imperialismo colonial foi multicultural, e usou como exemplo a colonização britânica na Índia, que teria reintroduzido o sistema de castas no país – depois tido pelos indianos como um traço cultural seu e, portanto, fazendo com que sua manutenção ganhasse a aparência de um ato anticolonialista. “Em um processo dialético, você perde alguma coisa, mas o que você perde não precede a perda. Você perde algo e retroativamente o sonho de ter o que você perdeu emerge”, explicou Žižek.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21.
A crise na Europa e a “ameaça liberal”
Sobre a recente crise na Europa e a decorrente ascensão do nazifascismo na região, em especial na Grécia, o filósofo afirmou que “o que está acontecendo na Europa não é um fenômeno mundial, e sim algo muito particular”. Para ele, estes grupos que buscam proteger o legado europeu são a verdadeira ameaça da região. “Há coisas no legado europeu pelas quais vale a pena lutar, como o estado de bem estar social, mas não é isso que está ocorrendo”, lamentou.
Ainda assim, Žižek lembrou do perigo de que a retórica contrária aos grupos nazifascistas consiga unir os liberais e os esquerdistas. “Eu não ficaria muito fascinado com esse perigo do novo fundamentalismo. É uma ameaça liberal, como se eles dissessem ‘esqueça as suas ideologias, temos um mesmo inimigo’, e não é tão simples assim”, explicou.
“Precisamos lembrar que são as dinâmicas do capitalismo global que geram o fundamentalismo”, ressaltou Žižek. “Então há um limite na interação entre os esquerdistas e os liberais na luta contra o fundamentalismo. Temos que permanecer esquerdistas como princípio”, pontuou.
Žižek, que diz de si mesmo não ser um “otimista fácil”, voltou à Hegel para finalizar sua fala pedindo que a esquerda não se deixe carregar “no trem da história”, aguardando passivamente um progresso futuro. “Se o capitalismo seguir no rumo em que está indo, vamos acabar com uma sociedade na qual eu não gostaria de viver”, alertou o filósofo. “Na Eslovênia, costumamos dizer que sempre há uma luz no final do túnel. E essa luz é, geralmente, o farol de um outro trem vindo na nossa direção”, sentenciou ele.

Fonte: http://www.sul21.com.br/jornal/2013/03/em-porto-alegre-slavoj-zizek-expoe-seu-pessimismo-e-a-falta-de-rumos-da-esquerda/

Em Porto Alegre, Slavoj Žižek expõe seu pessimismo e a falta de rumos da esquerda


Por Natália Otto/SUL21

O filósofo esloveno Slavoj Žižek sentou-se frente a uma plateia lotada na Câmara Municipal de Porto Alegre minutos após o anúncio da morte do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na noite de terça-feira (5). A fala de um dos maiores teóricos da esquerda contemporânea não poderia começar diferente: “Chávez era um de nós, independente do que se queira dizer sobre ele”, afirmou, enquanto o burburinho da notícia percorria a plateia.

“Todo mundo gosta de simpatizar com favelas, de fazer caridade. Caridade é o que existe de mais fashion no novo capitalismo global. Faz as pessoas se sentirem bem e, ao mesmo tempo, despolitiza a situação”, prosseguiu Žižek. “Todos querem fazer caridade, mas nem todos querem incluir a favela na política. Chávez viu que não incluir todos os excluídos significa viver em uma permanente guerra civil. Por isso ele viverá para sempre, acho”, sentenciou o teórico.
Nascido em Liubliana, na Eslovênia, em 1949, Žižek é considerado um dos principais nomes da teoria crítica na atualidade. Com mais de sessenta obras publicadas, o filósofo veio ao Brasil para lançar seu último livro, Menos Que Nada: Hegel e a sombra do materialismo histórico, pela editora Boitempo, que promoveu o evento.
Em uma fala inquieta e bem humorada, com espaço para longas digressões e até piadas, Žižek falou durante quase duas horas sobre os rumos – ou a falta deles – dos movimentos de esquerda contemporâneos.

Chávez e o perigo do “oportunismo de princípios”

“Sempre tento ser um pessimista. Tento resistir a esse entusiasmo estilo ‘ah meu Deus, Chávez!’”, afirmou Žižek durante a breve entrevista coletiva que concedeu antes da palestra. Perguntado sobre os governos de esquerda da América Latina, e ainda sem saber da notícia da morte de Chávez, contou que, para ele, o problema principal é sempre de ordem econômica. “Nesse sentido, acho que talvez Chávez tenha sorte demais. Os amigos dele me dizem que ele não resolve problemas, ele pode se dar ao luxo de injetar dinheiro aonde queira”, explicou.
“Acho que o maior serviço que alguém pode prestar a todos esses movimentos de esquerda, como na América Latina, é, neste momento, sermos críticos e realistas. Para ser um utópico você precisa ser realista, senão você acaba se tornando um oportunista de princípios”, disse Žižek. E explicou: “É muito fácil não fazer nada politicamente, dizendo que não quero sujar minhas mãos, que sou fiel aos meus princípios, e ainda pensar ‘que maravilha, não traí meus ideais’. Mas essa é a tragédia da esquerda radical”, lamentou.
No momento em que o filósofo acabou sua fala sobre a América Latina, foi avisado de que Chávez havia falecido. “Bom, agora é a hora de sermos menos críticos”, reiterou. “A luta continua.”

Fonte: http://anacarolinapontolivre.wordpress.com/2013/03/07/em-porto-alegre-slavoj-zizek-por-natalia-ottosul21/

Crítico de Chávez, Slavoj Zizek fala sobre a morte dele: "não é o momento de sermos críticos agora com ele"




O esloveno Slavoj Zizek já declarou em entrevistas que o governo de Hugo Chávez apresentava o dinheiro como solução para qualquer problema e já criticou o que considerava os equívocos da política externa do presidente venezuelano, como seu alinhamento ao Irã de Ahmadinejad e a Belarus de Alexander Lukashenko. Já se referiu à experiência de Evo Morales à frente da Bolívia como mais popular e efetiva do que a "revolução bolivariana" chavista. Pretendia levar esse tom mais crítico também à palestra que ministrou nesta terça-feira na Câmara de Vereadores, sobre Hegel e Marx. Ao saber, em plena coletiva de imprensa anterior à conferência, que Chávez havia morrido, Zizek fez um comentário que antecipava uma mudança de direção.

– Não é o momento de sermos críticos agora com ele – disse ele.

Ao assumir seu lugar na mesa da Câmara, de onde discursaria para o plenário, Zizek primeiro pediu desculpas à plateia por estar falando no "idioma do imperialismo", o inglês, mas se referiu à experiência como libertadora porque falar em uma língua outra que não a nativa fornecia um bem-vindo distanciamento ao que queria dizer. Depois, admitiu que a morte de Chávez levantava uma nova necessidade em sua fala

– As limitações de Chávez foram as limitações do momento presente, mas é preciso deixar bem claro que ele era um de nós – disse.

Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/03/critico-de-chavez-slavoj-zizek-fala-sobre-a-morte-dele-nao-e-o-momento-de-sermos-criticos-agora-com-ele-4064995.html