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domingo, 16 de janeiro de 2011

Da Crítica Aberta ao Abraço no Sistema Capitalista: A Trajetória Artística e Ideológica da banda Charlie Brown Jr. no Contexto da Indústria Cultural

A banda brasileira de rock Charlie Brown Jr. foi formada na cidade de Santos, litoral de São Paulo, no ano de 1992. A trajetória do Charlie Brown Jr. pode ser tomada como um instigante exemplo de como a indústria cultural absorve e transforma a orientação ideológica de determinados artistas.

No início da carreira o Charlie Brown Jr. contava com a presença de Chorão, no vocal; Champignon, no baixo; Renato Pelado, na bateria; Marcão, na guitarra; e Thiago Castanho, também na guitarra. A banda se destacou no cenário musical brasileiro ao apresentar uma sonoridade bastante própria, misturando hardcore, punk rock californiano, hip hop, reggae e rap. Com um ritmo envolvente e letras que faziam críticas a sociedade e apresentavam as perspectivas do jovem contemporâneo, o Charlie Brown Jr. logo chegou às paradas de sucesso.

O primeiro álbum da banda, Transpiração Contínua Prolongada, foi lançado, através da Virgin Records, em 1997, e, contou com a produção do lendário produtor musical Rick Bonadio. Mas foi com o segundo álbum, Preço Curto... Prazo Longo (1999), que a banda conquistou de vez boa parte do público jovem, principalmente devido ao fato de a canção Te Levar tornar-se a música de abertura do seriado Malhação, da TV Globo. Tal fato deu uma maior visibilidade à banda, uma vez que, a partir daquele momento, o Charlie Brown Jr. passou a ser conhecido, e, ouvido, pelas mais diversas camadas sociais.

Um exemplo do tipo de mensagem que o Charlie Brown Jr. transmitia, com suas músicas, pode ser verificado a partir de uns versos da canção Não é sério, música que esteve no terceiro álbum da banda, lançado em 2000 pela Virgin Records:

Eu sei como é difícil

Eu sei como é difícil acreditar

Mas essa porra um dia vai mudar

[...]

“O que eu consigo ver é só um terço do problema

É o Sistema que tem que mudar

Não se pode parar de lutar

Senão não muda

A Juventude tem que estar a fim

Tem que seu unir

O abuso do trabalho infantil, a ignorância

Só faz destruir a esperança

Na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério

Deixa ele viver... É o que liga”[1]

Através desses versos, podemos perceber que o Charlie Brown Jr. defendia a idéia da necessidade de se mudar o sistema capitalista, sistema vigente na sociedade brasileira. Nesse processo de transformação do sistema em um outro que fosse mais igualitário, a juventude deveria ter um papel central. Nesse sentido, a canção Não é sério convida os jovens a se unirem em uma luta coletiva por uma sociedade melhor, pois, somente assim, a juventude ganhará um maior respeito por parte da sociedade.

Já no álbum 100% Charlie Brown Jr. (2001), lançado pela grande gravadora EMI, o Charlie Brown Jr. apresentou uma excelente canção de protesto chamada Eu protesto, da qual extraímos os seguintes versos:

Foi você quem colocou eles lá

Mas eles não estão fazendo nada por vocês

Enquanto o povo vai vivendo de migalhas

Eles inventam outro imposto pra vocês

Aquela creche que deixaram de ajudar está por um fio

E a ganância está matando a geração 2000

E a sua tolerância está maior do que nunca agora...

Dormem sossegados os caras do Senado

Dormem sossegados os que fizeram esse estrago

Dormem sossegados os caras do Senado

Dormem sossegados os que pintaram esse quadro.[2]

Eu protesto, como se percebe, é uma canção que critica não só a classe política, mas também o próprio povo, que, afinal de contas, elegeu as pessoas que estão no poder. Criticando a tudo e a todos, a música denuncia a desigualdade social, a ganância dos poderosos, bem como a tolerância e passividade do povo brasileiro.

Já no álbum Bocas Ordinárias (2002), gravado pela EMI, o Charlie Brown Jr. trouxe a canção Papo Reto, na qual é descrito o comportamento e estilo da própria banda:

Você falou pra ela que eu sou louco e canto mal,

Que eu não presto, que eu sou um marginal,

Que eu não tenho educação,

Que eu só falo palavrão,

E pra socialite eu não tenho vocação...

Sei que isso tudo é verdade, mas

Eu quero que se foda essa porra de sociedade

Pago minhas contas, eu sou limpinho,

Não sou como você filho da puta, viadinho.[3]

Em 2002, o Charlie Brown Jr. já era uma banda de sucesso e tinha já um público bastante fiel. Mas mesmo com o sucesso e com o dinheiro, a banda continuava tendo uma cultura própria do seu lugar social de origem (a classe baixa), como observamos na letra de Papo Reto: falavam palavrões, não tinham educação, se identificavam com os marginais da sociedade, mas, a despeito de tudo isso, mostravam-se orgulhosos de pagar as próprias contas e não deverem nada a ninguém.

A banda continuou sua trajetória até que, no de 2005, Marcão, Renato Pelado e Champignon deixaram o Charlie Brown Jr., devido a divergências musicais com Chorão e com a gravadora. Thiago Castanho, que havia saído em 2000, voltou, na guitarra, sendo acompanhado de André Ruas, na bateria, e, Heitor Gomes, no baixo. No mesmo ano de 2005, a nova formação do Charlie Brown Jr. lançou o emblemático álbum Imunidade Musical, lançado pela EMI.

Imunidade Musical trouxe uma mudança radical no tipo de mensagem trazida pelo Charlie Brown Jr.. As letras passaram a ser mais politicamente corretas, os palavrões sumiram e as críticas ficaram extremamente leves. Um exemplo dessa mudança de tom é a canção Senhor do Tempo, da qual extraímos os seguintes versos:

Eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar

Então tomei um caminho diferente

Tanta gente equivocada faz mal uso da palavra

Falam, falam o tempo todo, mas não tem nada a dizer

Mas eu tenho um santo forte e é incrível a minha sorte

Agradeço todo tempo ter encontrado você

O tempo é rei, a vida é uma lição

E um dia a gente cresce,

E conhece a nossa essência e

Ganha experiência

E aprende o que é raiz, então cria consciência.

Tem gente que reclama da vida o tempo todo

Mas a lei da vida é quem dita o fim do jogo

Eu vi de perto o que neguinho é capaz por dinheiro

Eu conheci o próprio lobo na pele de um cordeiro

Infelizmente a gente tem que tá ligado o tempo inteiro,

Ligado nos pilantras e também nos bagunceiros

[...]

Vivendo nesse mundo louco hoje só na brisa

Viver pra ser melhor, também é um jeito de levar a vida

[...]

Vem que o bom astral vai dominar o mundo

Eu já briguei com a vida

Hoje eu vivo bem com todo mundo aí

Na maior moral é Charlie Brown.[4]

Quão diferente é essa letra em relação às letras dos primeiros álbuns da banda! A mensagem trazida aqui é a de que o sistema capitalista não pode ser vencido, cabendo a cada um escolher o seu próprio caminho. O gesto de reclamar é visto como algo que não adianta mais nada, cada um deve lutar para chegar aonde se deseja, mas de lutar de uma forma madura e serena. Outro dado interessante é a desconfiança para com os “pilantras” e os “bagunceiros”, personagens sociais com os quais o Charlie Brown Jr. se identificava no início da carreira. Senhor do Tempo traz as marcas da perda dos ideais rebeldes da juventude. Trata-se de uma canção que traz claramente as mudanças no comportamento de Chorão, vocalista da banda, que, conforme foi envelhecendo, foi ficando cada vez mais politicamente correto ao longo da carreira.

Em 2009, o Charlie Brown Jr. saiu da EMI e assinou um contrato com a Sony Music, outra grande gravadora. No mesmo ano foi lançado, com a nova gravadora, o álbum Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva, no qual a banda mergulhou de vez no politicamente correto. Desse álbum, no qual Bruno Graveto substituiu André Ruas na bateria, trazemos aqui uns versos de uma canção também chamada Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva:

É assim que eu quero ser, sim, um cara melhor

Não melhor do que ninguém, mas o melhor que eu puder ser

O tempo passa e tudo muda e você tem que entender

Que existem vários caminhos, escolha um pra você

Você tem o dom da voz, você tem o poder

De prosperar, de evoluir e de fazer acontecer

De prosperar, de evoluir e de fazer acontecer

Entenda como se comportam os homens

Não se respeitam e não se tratam como irmãos

Pois quase tudo gira em torno de poder

E sufocado eu me liberto nessa canção

Então faça o que tiver que fazer

Busque a evolução e se liberte

Não fique aí perdido no espaço

Pois ficar só reclamando é muito fácil

Você nasceu para brilhar, o sol está em suas mãos

[...]

Camisa 10 joga bola até na chuva

[...]

Sólido na volta, por cima, eu vou com tudo

Pode anunciar e convidar todo mundo

Nessa vida eu quero amor, paz, sossego e liberdade

Charlie Brown Jr. invadindo a cidade.[5]

Como se observa, o discurso politicamente correto aqui está fortemente presente. A mensagem trazida pela música é a de que é preciso amadurecer na vida, parar de reclamar, e, começar a agir. Não se deixa de reconhecer que o mundo e a nossa sociedade possuem problemas, mas o que se defende é que é preciso se adaptar às regras da sociedade. Com um tom motivador, a música traz a idéia que não importa o quanto esteja chovendo, um verdadeiro camisa 10 sempre é capaz de jogar bem e vencer no jogo da vida. Devemos nos comportar como um camisa 10... Portanto, o que se busca agora não é mais uma mudança no sistema, mas sim a conquista de uma vida melhor (entenda-se a compra de bens de consumo) dentro do próprio sistema. Todavia, os caminhos a serem trilhados devem ser sempre caminhos individuais e não coletivos, tal como era pregado pelo Charlie Brown Jr. na música Não é sério, o que mostra a presença de um forte individualismo, elemento muito presente na nossa sociedade capitalista.

Em suma, temos que a trajetória artística e ideológica da banda Charlie Brown Jr. é representativa de como a indústria cultural se apropria de artistas engajados politicamente, moldando-os ao seu gosto. O Charlie Brown Jr. começou sua trajetória criticando a sociedade, denunciando os problemas sociais e incentivando a juventude a exercer o seu papel transformador na história, mas, com o decorrer dos últimos anos a banda abraçou o sistema, adotando uma postura politicamente correta, defendendo que todos possuem capacidade de vencer na vida, mas dentro do próprio sistema, é claro.

Essa mudança de comportamento é própria de uma banda que conseguiu o seu espaço na mídia, vendeu muitos discos, ganhou muito dinheiro, enfim, conseguiu vencer dentro do sistema. É por isso que o Charlie Brown Jr. tem abraçado o sistema, uma vez que a banda de Chorão conseguiu tudo o que tem graças ao próprio sistema.



[1] CHARLIE BROWN JR. Não é sério. In: ______. Nadando com os Tubarões. São Paulo: Virgin Records, 2000.

[2] CHARLIE BROWN JR. Eu protesto. In: ______. 100% Charlie Brown Jr. São Paulo: EMI, 2001.

[3] CHARLIE BROWN JR. Papo Reto. In: ______. Bocas Ordinárias. São Paulo: EMI, 2002.

[4] CHARLIE BROWN JR. Senhor do Tempo. In: ______. Imunidade Musical. São Paulo: EMI, 2005.

[5] CHARLIE BROWN JR. Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva. In: _____. Camisa 10 Joga Bola Até na Chuva. São Paulo: Sony Music, 2009.


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Apontamentos sobre o Triângulo Music 2010

Nos últimos anos, o Triângulo Music se consolidou como um dos maiores eventos da cidade de Uberlândia (MG). Marketing forte, atrações de destaque no cenário nacional e grande público fizeram o festival realizado no estádio do Parque do Sabiá se transformar em um dos grandes eventos de Minas Gerais e do Brasil.
Mas a edição de 2010, edição que será realizada no mês de setembro (dias 24 e 25), tem uma programação que deixa a desejar. Se na primeira edição (realizada em 2005) o festival se voltou para o pop e o rock nacionais, a edição deste ano realmente abriu as porteiras para ``todas as tribos´´, tal como prega o slogan do festival, dando prosseguimento a um processo observado com a sucessão das edições. Cláudia Leitte, Hori, João Bosco & Vinícius, Jota Quest, Ivete Sangalo, Victor & Leo, NX Zero, Restart e duas bandas a serem escolhidas por meio de um concurso serão as atrações do festival neste ano.
Para quem acompanhou as edições anteriores, fica visível a invasão crescente do axé, do sertanejo e das bandas ``emo´´. Não tenho nada contra os referidos estilos musicais, cada um ouve o que quer. Mas o fato é que o Triângulo Music 2010 não terá nada de singular em relação a outros eventos da região. Afinal de contas, essa região do país (triângulo mineiro, oeste de São Paulo, interior de Goiás etc.) já oferece muitas opções de eventos com estes estilos musicais, principalmente o sertanejo.
Na minha opinião, faltam atrações de rock na edição de 2010. ``Mas o Hori, o NX Zero e o Resart não são bandas de rock?´´, você deve estar pensando. Honestamente, não considero essas bandas como bandas de rock, são apenas bandas ``emo´´ que não fazem um som de boa qualidade. O Hori é liderado pelo ``filho do Fábio Jr.´´, também chamado de Fiuk, um jovem de rostinho bonitinho que não canta bem. O som do NX Zero também é bem inferior ao que é feito por outros artistas e bandas nacionais. Já o Restart parece-me uma banda pré fabricada, sem identidade e nem personalidade, apenas fazendo sucesso com o seu visual fashion e super colorido.
Sinto falta de bandas como Skank, O Rappa, Os Paralamas do Sucesso e outras que eu poderia citar. Um festival com bandas de rock de boa qualidade seria muito mais interessante aqui no meio do cerrado. Assim como seria interassante também um festival mais aberto a artistas da nova MPB, como Vander Lee.
Porém, não sou ingênuo, sei que o Triângulo Music tem como único objetivo lucrar. Como o que dá lucro no Brasil são músicas do momento, canções que arrebentam nas paradas de sucesso, ainda que não tenham grande qualidade musical e poética, o Triângulo Music 2010 será recheado desse tipo de música. A garotada e os organizadores podem até gostar, mas acho que merecíamos um festival com uma melhor qualidade musical.