Apesar de sabermos, desde pequenos, que um dia
todos nós morreremos, é difícil estar preparado para a morte de alguém que
amamos muito. Ao longo da vida criamos uma ilusão segundo a qual as outras
pessoas são nossas: gostamos de dizer “o meu pai”, “a minha mãe”, “os meus avós”,
“os meus filhos”, “a minha esposa”, etc. Mas as outras pessoas não nos
pertencem, elas não são, de fato, “nossas”. Cada ser humano chega a este mundo,
convive com os outros, constrói relações, passa por várias experiências e, após
algum tempo, falece. Não há nada que se possa fazer em relação a isso. Quando
alguém que amamos deixa este mundo, nós sofremos porque nos damos conta da
ilusão sob a qual vivíamos. Finalmente percebemos que aquela pessoa não era uma
propriedade nossa e que, aceitemos o fato ou não, o tempo dela neste mundo
chegou ao fim.
Quando eu era criança, o meu Vô Chico era para
mim o homem mais incrível do mundo. Mesmo estando na terceira idade e sendo
aposentado, ele ainda continuou trabalhando durante vários anos como jardineiro,
em Monte Carmelo-MG. O trabalho era para ele uma das coisas mais importantes da
vida. O meu avô era um homem muito forte, e todos se impressionavam com o fato
de que ele conseguia fazer coisas que mesmo os mais jovens não davam conta.
Honesto, alegre e humilde, meu avô se dava muito bem com todo mundo e, não por
acaso, ele conquistou a admiração e o respeito de muitas pessoas na cidade.
Duas pequenas histórias ajudam a dar a dimensão
da grandeza do meu avô.
Quando trabalhava como jardineiro, era comum
que ele passasse boa parte do dia fora, às vezes atendendo até mais de uma
casa. Por isso, ele costumava levar algum dinheiro no bolso para o caso de precisar
comprar algo para comer durante o dia, pois nem sempre os proprietários das
casas lhe forneciam o almoço. Mas em várias oportunidades, ao estar andando
pelas ruas e se deparar com alguma pessoa pedindo dinheiro, o meu avô logo
tirava o que estava carregando no bolso e dava para a pessoa. E fazendo isso,
não era raro que ele passasse o dia todo sem comer, afinal, os “patrões”
geralmente só o pagavam pelo trabalho ao final do dia. E mesmo ficando sem
comer, ele se sentia alimentado depois de realizar a boa ação: “Eu nunca senti
fome depois de ajudar uma pessoa na rua”, ele me contou várias vezes.
O meu avô tinha o coração do tamanho do
universo. Durante as minhas últimas férias em Monte Carmelo, nós estávamos
conversando sobre diversos assuntos quando, de repente, começamos a falar sobre
os problemas sociais existentes no mundo e a questão da pobreza. Em um dado
momento, ele me olhou fixamente nos olhos e disse: “Por que será que tem tanta
gente passando fome no mundo? Eu fico numa dó desse povo, sabe, Rodrigo... Das
crianças principalmente. Por que será que o mundo tem que ser desse jeito?”. E
naquele momento, os olhos dele se encheram d’água, tamanha a sua tristeza em
relação ao problema da desigualdade social. Para alguém tão generoso e que
sempre estava disposto a ajudar os outros, era difícil para ele compreender o
porquê de alguns homens viverem com muito enquanto muita gente vivia com tão pouco.
Meu avô simplesmente não conseguia entender as razões de existir tanta ganância
e egoísmo em nosso planeta.
Eu poderia ficar aqui recordando várias outras
histórias a respeito do meu avô. Mas acho que os fatos narrados acima já são
suficientes para mostrar o quanto ele era um homem bom, de coração puro e cheio
de generosidade. Meu Vô Chico foi o ser humano mais iluminado que eu conheci e,
embora eu soubesse que um dia ele iria falecer, a minha mente sempre se recusou
a pensar demais no assunto, como se no fundo eu acreditasse que o meu avô
pudesse, como que por algum milagre, viver para sempre com todos nós aqui na Terra. É
verdade que, nos últimos anos, ao perceber que o meu avô estava envelhecendo e
ficando com a saúde mais frágil, eu comecei a me dar conta de que, mais dia
menos dia, eu teria que lidar com a notícia da sua morte. De qualquer maneira,
foi impossível me preparar totalmente para isso. A ilusão teimava em continuar
existindo, como normalmente acontece com a maioria das pessoas.
Hoje completou um mês que o meu Vô Chico
faleceu. No último dia 16 de março, chegou ao fim a ilusão de que o meu avô “me
pertencia”. Após cumprir sua jornada na Terra, ele foi chamado de volta aos
braços do Pai. Sua partida deixou um buraco enorme no meu coração, e para
sempre terei que lidar com a saudade que vou sentir dele, isto é um fato. Mas
passados alguns dias de sua morte, tenho pensado muito sobre a sua vida e sobre
os exemplos que ele deixou para todos nós. Tenho refletido muito sobre tudo
isso e cheguei à conclusão de que não há motivos para eu ficar triste.
Não, não pode haver tristeza quando o assunto é
o meu Vô Chico. Este é um sentimento absolutamente incompatível com a beleza do
seu sorriso, o seu inesquecível sorriso que ficará para sempre em minha
memória. Não posso ficar triste com sua morte porque, em minha Fé, eu sei que
ele está em um lugar muito bonito agora, um lugar bem melhor que este mundo em
que vivemos. O que morreu foi o seu corpo físico, não o seu espírito. A alma de
meu avô vive e descansa em paz agora. Quando fecho os olhos, consigo ver
perfeitamente o meu avô caminhando por um lugar repleto de flores e árvores,
com pássaros cantando e muito verde ao redor. Neste lugar, eu sei que meu avô
pode caminhar o quanto quiser, afinal, suas pernas não doerão mais, a fadiga
não o incomodará novamente e seus pulmões não ficarão sem ar, pois estes problemas que o
incomodavam tanto em seus últimos anos de vida terrena agora não podem mais alcançá-lo. O meu avô está livre de qualquer limitação terrena. Eu gosto de imaginar as
coisas dessa forma, e encarar a morte de meu avô desta maneira tem me dado
muitas forças. A certeza de que ele está em um lugar melhor agora acalma o meu
coração.
O meu avô está bem, eu sei disso!
E se ele está bem, não há motivos, portanto, para ficar
triste. A saudade sim é algo inevitável, que continuará machucando um bocado o
meu coração durante muito tempo, mas não sinto que eu deva ficar triste por
causa da morte do meu avô. Afinal, não há agora sequer barreiras físicas entre
mim e ele. Se antes eu tinha que viajar pouco mais de cem quilômetros para
vê-lo e sentir sua presença, agora, eu sinto que em espírito o meu avô está
sempre comigo. Este sentimento me conforta e me dá forças para seguir em
frente. Deus foi bom comigo ao permitir que eu pudesse conviver com o meu avô
por muitos anos, e Deus continua sendo bom comigo ao me proporcionar a sensação
de que o meu avô permanece ao meu lado. Por tudo isso, eu sou grato a Deus e
não me sinto no direito de ficar triste.
Nestes últimos dias, tenho me lembrado muito de
algo que o escritor Guimarães Rosa uma vez escreveu: “Deus nos dá pessoas e
coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas para
ver se já somos capazes da alegria sozinhos... Essa... a alegria que ele quer.”
O que aprendi com essas palavras é que a ausência física do meu avô pode até me
fazer sentir saudade, mas nunca pode me deixar triste, pois eu sei que uma das
coisas que meu avô mais gostava era ver seus familiares alegres e sorrindo. Assim,
espero continuar tendo forças para seguir sorrindo e alegre, afinal, creio que
Deus e meu avô ficarão contentes com isso.
Termino este texto com uns versos que eu mesmo
escrevi há alguns dias atrás. Eles sintetizam bem o fato de que, se por um lado
a morte nos afasta fisicamente daqueles que amamos, por outro lado o amor e a
memória permitem que aqueles que amamos sempre estejam conosco. Ter meu avô
sempre comigo é uma dádiva, o mais bonito de todos os presentes. E novamente,
sou grato a Deus por isso...
“Quando você que eu tanto amava
Neste mundo vivia
Se perto de você eu estava
A sua presença eu sentia.
Agora você que eu ainda amo
Neste mundo não mais está
Mas posso sentir sua presença comigo
Sempre, em qualquer lugar.”
Uberlândia-MG, 16 de abril de 2018