Prosimetron
quarta-feira, 6 de setembro de 2023
A manhã de Verão
sábado, 7 de janeiro de 2023
«Come chocolates, pequena; Come chocolates!»
segunda-feira, 13 de junho de 2016
Marcadores de livros - 405
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rossio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja […]
A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras —
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Álvaro de Campos
In Poesia, Ed. Teresa Rita Lopes. Lisboa: Assírio & Alvim, 2002
segunda-feira, 18 de abril de 2016
Revisitar um monumento e sítio...
Lisboa com suas casas
sábado, 13 de junho de 2015
Tavira
Cheguei finalmente à vila da minha infância.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.
(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).
Tudo é velho onde fui novo.
Desde já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos prédios —
Um automóvel que nunca vi (não os havia antes)
Estagna amarelo escuro ante uma porta entreaberta.
Tudo é velho onde fui novo.
Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.
A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.
Paro diante da paisagem, e o que vejo sou eu.
Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos — Senhor do mundo —
É aos 41 que desembarco do comboio [indolentão?].
O que conquistei? Nada.
Nada, aliás, tenho a valer conquistado.
Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala...
De repente avanço seguro, resolutamente.
Passou roda a minha hesitação
Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira.
(Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)
Sou forasteiro tourist, transeunte.
E claro: é isso que sou.
Até em mim, meu Deus, até em mim.
8-12-1931
Álvaro de Campos
In: Fernando Pessoa - Livro de Versos. Intr., transcr., org. e notas de Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1993
domingo, 3 de maio de 2015
terça-feira, 24 de março de 2015
sábado, 14 de fevereiro de 2015
Cartas
Todas as cartas de amor
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas).
21-10-1935
Álvaro de Campos
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). p. 84.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
Comemorações
domingo, 30 de novembro de 2014
Do Poeta que faleceu há 79 anos
terça-feira, 9 de abril de 2013
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
O combate do Carnaval e da Quaresma
Detalhe Óleo sobre tela, Kunsthistorisches Musem, Viena.
O carnaval visto por Álvaro de Campos
CARNAVAL [a] (trecho)
A vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira...
A cada hora tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa...
Cada momento é um carnaval imenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisto maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso
De mais... Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça...
(...)
s.d.
Álvaro de Campos, Livro de Versos, (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993, 7a.
Agradeço à Cláudia Ribeiro que me enviou esta imagem e ao Luís que a colocou.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Aviso por causa da moral
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Praias de Portugal - 14. b)
«Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada [...]; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo [...]. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.»
Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, 13 Jan. 1935
terça-feira, 19 de abril de 2011
O Melodioso Sistema do Universo
The Cleveland Museum of Art, Ohio, EUA
O Melodioso sistema do Universo
O melodioso sistema do Universo,
O grande festival pagão de haver o sol e a lua
E a titânica dança das estações
E o ritmo plácido das eclípticas
Mandando tudo estar calado.
E atender apenas ao brilho exterior do Universo.
Álvaro de Campos, In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002 (Casa Fernando Pessoa)
domingo, 13 de junho de 2010
Em torno de dois Fernandos!
Tabacaria, declamação de João Villaret
sábado, 27 de fevereiro de 2010
«Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra...»
Gravura de W. H. Burnett (fl. ca 1830-1860)
http://purl.pt/5544
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em [Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem [consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da [vida...
Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é [feliz.
Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que [está em cima
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada [real.
Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da [cozinha
No pavimento térreo, Sou qualquer coisa do príncipe de todo o [coração de rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me [perdi.
Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel [emprestado que eu guio?
Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero...
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei [ao vê-lo sem vê-lo,
À porta do casebre,
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,
O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida.
Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim...
Álvaro de Campos
In: Poesia. Lisboa: Ática, s.d., p. 37-39
domingo, 6 de setembro de 2009
Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!
Suave todo o passado - o que foi aqui de Lisboa - me surge...
O terceiro-andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem o futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a-horas próprio, hoje morto.
Meu Deus, que fiz eu da vida?
Que noite serena, etc.
Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...
Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça.
Álvaro de Campos
In: Poesias. Lisboa: Ática, s.d., p. 121-122
A primeira quadra era citada num livro que acabei de ler hoje.
Dizem que Álvaro de Campos é o Pessoa preferido pelas mulheres. É o meu caso, para além, claro, de Bernardo Soares.
sábado, 21 de março de 2009
Dia da Poesia I - Ode Marítima, Álvaro de Campos.
(…)
Ergue-se uma leve brisa marítima dentro de mim.
Às vezes ela cantava a «Nau Catrineta»:
Lá vai a Nau Catrineta
Por sobre as águas do mar…
E outras vezes, numa melodia muito saudosa e tão medieval,
Era a «a Bela Infanta» … Relembro, e a pobre velha ergue-se dentro
de mim
E lembra-me que pouco me lembrei dela, depois, e ela amava-me
Tanto!
Como fui ingrato para ela – e afinal que fiz eu da vida?
Era a «Bela Infanta»… Eu fechava os olhos, e ela cantava:
Estando a Bela Infanta
No seu jardim assentada…
Eu abria um pouco os olhos e via a janela cheia de luar
E depois fechava os olhos outra vez, e em tudo isto era feliz.
Estando a Bela Infanta
No seu jardim assentada,
Seu pente de ouro na mão,
Seus cabelos penteava…
Ó meu passado de infância, boneco que me partiram!
Não poder viajar para o passado, para aquela casa e aquela afeição,
E ficar lá sempre, sempre criança e sempre contente!
(…)
Fernando Pessoa, Poesia de Álvaro de Campos, Lisboa: Planeta DeAgostini, 2002, p.85-86.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Poesia com Máscaras, Álvaro de Campos!
Álvaro de Campos, POESIAS, Editorial Nova Ática.