quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

...

E decidi:
não é louco o meu coração.
Insano é ser humano
enquanto o mundo é cão.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

TAO

Queria poder entender
o sentimento do universo
e permitir que as coisas morram
para que virem bom adubo
e nutram as entranhas do solo
para alimentarem os jambeiros e mangueiras
mais doces, a cada dia.
Porque não há, nem haverá
fruta melhor que a vendida
nos portões do cemitério da Várzea.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Da liberdade de credo...

Feliz natal para o cristão...
mas o que dizer ao pagão?
Ao apóstata, herege ou ateu,
àquele que já decidiu,
como Nietzsche, que deus morreu?
Manda pra putaquiopariu?


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

...

De minha vida escrevo um blues,
mas o que eu sinto é hard core.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Balanço

Deus me livre
que um dia encontre meu filho
pendurado em uma árvore,
no estranho balanço
com o vento a empurrá-lo
[de sul a norte.

Deus me livre
que as cordas sustentem
o seu peso ainda tão jovem,
o seu coração irrequieto
sem mais ranger, sem
[um porquê.

Deus me livre
não relembrar seus sorrisos
quando olhar esse cajueiro
e ter que manda-lo cortar
e cimentar todo o jardim.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

TUIN


O cabelo encaracolado,
que muitos chamam de pixaim,
não deveria ser condenado
com o mau título de ruim.

Por menor que seja seu cacho
não deveria ser esticado,
nem assim podado tão baixo
que pareça envergonhado.

Ele cresce, enfrenta o sol
em cabeças de black armado
mantendo a sua luta em prol
de deixar seu clarão ofuscado.

E não tapa com uma peneira
esse formato arredondado
do tal arbusto-cabeleira:
é nuvem em dia ensolarado.

Como poderia ser tão ruim
o enrolar de teus cabelos?
Bom de verdade é o mais tuin,
porque ruim mesmo é não tê-los.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um Partido

Às vezes, quando volto pra casa mais baixo que de costume, penso no que sou: a soma de minhas falhas, a sombra do que poderia ter sido e que desfiz como gelo a derreter-se na pia.

Deixei que o acúmulo dos detritos depositados no Capibaribe e o esgoto do Beberibe, na linha da água e no anzol, alimentassem as estruturas desse meu corpo de sal.

Tornei-me esta poluição, esta fumaça de mim mesmo sufocando os carros.

Esta piada tão batida e mal contada que não causa nem sequer indiferença.

No hoje, sou apenas a frustração, a mágoa, o rancor... Poeta não, que é palavra desonesta. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

...engarrafado.

Há dias em que o vermelho do semáforo
não entende teus anseios de liberdade.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O Perfume da Doida

Mas que aroma louco
tem o seu pescoço!
é chocolate... é canela...
É cheiro de rosa amarela...
Ah! É cheiro de flor!

Parece que você tirou,
agora, biscoitos do forno
e o seu corpo se inundou
com esse seu cheiro tão morno.

Ah! É o cheiro do seu beijo
movendo-se pela brisa
na velocidade da preguiça
em seu sorriso de bocejo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

um poeminha curto

quando o mau tempo
seu sol me veta
abro um céu qualquer
e finjo ser poeta

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

HOMEM (II)

Tu sabes, homem, és feio!
Sempre foste, fruto verde ou maduro.
Eras feio quando nasceste,
Serás muito mais ainda em teu futuro,
e após da dor de tua morte.

(Mesmo que tudo isto pouco te importe
pois serás, por uma vez mais,
um a mais entre os teus semelhantes.)

Com olhos desajustados
e essa tua cara tão desalinhada,
um coração rancoroso,
envolto na dura pedreira que
não será dinamitada.

Feio foi o fatal fruto de tua semente:
medo e desespero de
bebês horríveis que choram sem dentes.
Pois teu amor não se embeleza, 
não haverá musa linda o suficiente.

E este será teu legado:
Esses olhos, mais que tristes, amargos;
a gastrite doendo-te a alma;
um fungo voraz comendo tua unha;
em teu nome a vil alcunha
de errante, louco perdido a vagar;

o instinto de se destruir
e quando não conseguir, se matar.




quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Inutilidades

Inútil é essa vida em prosa
Em que nem mesmo a rosa
tem significado algum.

Inútil é ser mais um
comprador e vendedor
de carne, droga e amor,
de armas, arroz e feijão,
sorrisos, apertos de mão
e aparelhos de celular.

É tão inútil garimpar
no coração do poeta
aquela palavra certa
feita de sangue e mar

É inútil essa ferida
latejante em meu calcanhar
doendo em minha vida.

É um céu de tão azul
ficar vermelho no fim da tarde.
É o olho de Christine
tão branco, cheio de sal.

Inútil é toda a letargia
de um mundo sem poesia.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SESTA

No momento depois da ceia,
por mais que evite,
tentando gostar do sofá,
dói-me a gastrite.

Recolho, então, minhas armas
antes em riste,
pois dói-me mais aquela briga.
(puro palpite...)

Na céu da boca, o refluxo:
o suco gástrico,
resquício e dessabor do almoço:
rançoso, ácido.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

a Ricardo Diniz

Escrevo como alguém que tenta
Desatar o nó na garganta
Que ficou tanto tempo sedenta
Que perdeu de água a esperança

Escrevo como quem contraiu Chagas
E leva bem inchado o coração
E não restam tantas palavras,
Já que não lhe sobra respiração

Escrevo como se tantos poemas
Aliviassem ao menos a dor.
Quem dera o maior de meus problemas
Fosse a manjada rima: amor!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Existência

no google,
busquei o conceito epistemológico
do existir.

muitos disseram
tanto faz, não importa...

outros,
é o ser:
é cagar,
é cuspir!

sábado, 8 de outubro de 2011

Balé

Enquanto ela dançava no palco
No meio exato do espetáculo
Tropeçou, deslizando em falso
E intentando um simulacro
Agarrou na velha cortina
Que se rasgou de cima a baixo
tombando de bunda pra cima

E tamanho foi seu fracasso
Tanta vergonha a bailarina
Sentia em seu rosto corado
Que chorava como menina
E lamentava a triste sina,
Em meio a um pranto inacabado,
De sozinha ter resvalado

E sua cara toda manchada
Num único borrão no talco
Vista pela gente calada
Destoava, meio ao terceiro ato
Como se houvera de fato
Perdido uma pessoa amada

Levantou-se então sozinha
Ajeitou o seu tule de seda
Enxugou a sua triste carinha
E olhando toda a gente azeda
Quando fugia para a coxia
Caiu, de novo, como uma bêbada

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

JUVENTUDE

Nenhum poeta na minha idade
Será reconhecido
Enquanto anda pela cidade

Nenhum poeta na minha idade
Será bastante lido
Por ter poesia de qualidade

Nenhum poeta na minha idade
Será muito querido
Pois não será uma assumidade

Porque na minha idade
Um poeta é mais um vagabundo
Cheio de muita vaidade

Porque na minha idade
Um homem constrói o próprio mundo
Vivendo a realidade

Porque, é a pura verdade,
Ninguém se importa o quão profundo
a minha dor se acabe

terça-feira, 20 de setembro de 2011

domingo, 18 de setembro de 2011

OS OLHOS DO CÃO

No meio do caminho, vi uma cena mórbida
Olhei os olhos de um cão, fora de sua órbita

Ele fora esmagado por uma carreta
Com todas suas dezesseis rodas largas
que passaram por cima da cabeça

Por obra do acaso, um olho inteiro
Fitava os meus com sua pesada carga
E reprimia meu olhar de carniceiro

sábado, 17 de setembro de 2011

HOMEM

Para provar que a verdade
era sua testemunha
trazia uma identidade
e o registro de nascimento
indicando um povoado
lá perto de Riacho das Almas,
onde o espírito de sua mãe
descansava, havia quarenta anos.

Para provar que o facão
retalhou-lhe a juventude
trazia as mãos muito grossas,
os dedos também bem largos,
embaixo dos documentos,
pelos tantos anos passados
em São Lourenço da Mata
por causa do corte da cana.

Para provar a fome
não chorava – falava lento –
e pelo hábito da profissão
também cortava as palavras.
A filha tão moça mataram.
Deixara um neto pequeno,
que precisava comer.
E ele agora já velho e analfabeto,
no Recife, não tinha emprego.

Busquei por alguma moeda,
Não tinha nenhuma comigo.
Mas ele nem me olhou.

Ignorou meu burguês camarote
de estudante universitário
pagando meia-passagem.

Logo eu, que por tantas vezes,
dei trocados só para me livrar
dos olhos do pedinte.

domingo, 11 de setembro de 2011

MAIS VALIA

Trabalha e trabalha
Não pode parar!
Porém a mão falha
Por não aguentar
O fio da navalha
Que desce a cortar
O alto da palha
Da cana a voar

O facão que talha
As hastes no ar
Também espalha
O sangue a jorrar
Nos dedos, uma malha
Tentando estancar
E o olho esbugalha:
É a morte a chegar!


quarta-feira, 7 de setembro de 2011

CONJUNTIVITE

Hoje meus olhos amanheceram pregados
Remelados excessivamente
Como que por concreto armado
Tapara-se a porta da frente

domingo, 4 de setembro de 2011

Alzheimer

Quando os longos anos tingirem de branco
os cabelos, que por hora tenho tantos,

começarei a esquecer meu endereço,
os aniversários e estações do ano
e a meu filho direi: "Não te conheço!"

Por fim, todos sonhos não realizados
e todo abandono de ser humano.
Restará só meu riso emoldurado!

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

ÍCARO

O elevador parou no décimo quarto andar.
Para não perder a viagem,
Decidiu subir mais um lance de escadas.

Décimo quinto andar:
O olho se enche de uma lágrima grossa, rançosa, ressentida,
amarga da curta vida.
Preparando para ser fixador da fotografia
do enorme campus a ser gravada na retina.
A vista mais distante pede para não ser parte do cenário.

(Talvez não seja tão feio morrer com um ipê-amarelo nos olhos).

O nó na garganta se trava
O parapeito é que é muito alto
Para qualquer último salto
E não lhe resta mais palavra

Talvez reze,
Talvez peça que não seja pecado o seu ato

Talvez respire assim tão fundo
Que todo oxigênio do mundo
Não caiba dentro do pulmão

Talvez pense:
Aqui se acaba a solidão!

Abre as asas previamente derretidas pelo sol, pelos risos,
Pelas penas a serem defenestradas

As penas se espalham
São negras, azuis e amarelas
tingidas com a anilina mais barata,
dessas que se desbotam na chuva

(Como as de quem não primou por um acabamento perfeito)

A cera goteja
E assim se esparrama no chão
Cobrindo todo seu corpo
Como casulo de abelha

E é vermelha
tão vermelha
que tem cor de telha
Aquela cera

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Crônica

Enquanto o destino tenta pôr-nos a prova
Em resposta a tantas vidas feitas em prosa

Releio aqueles meus remendados versos
Eu apago, reescrevo e escanciono
Escolhendo as rimas nos tempos certos

Então, como cronista de meu dia
Relato a vida: gozo e abandono
Em toda sua infinita poesia

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Estômago

                          para Christine

Quando se está com sobrepeso
E golfa-se em um bocejo
O gordo sente-se um Obeso!

sábado, 20 de agosto de 2011

DEVIR

Quando eu for pouco menos que uma lembrança
E pouco mais que o sustento de uma planta

Esperarei brotarem em botões
Os dias que estavam já enraizados
Nas negras paredes de meus pulmões

E assim cumprirei a sina de ser gente
Guardado no chão duro argiloso
Plantado lá, como uma semente

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sol – Vide Bula

Ao abrir as janelas de aço,
Abro o sorriso e injeto
Os raios desse sol direto
Na veia saltada do braço

Porque é a luz intravenosa
O que dilata a pupila
deste coração que brilha
por uma risada nervosa

Mas a luz do sol intenso,
Que aparece num sorriso,
Apaga quando é preciso
Poupar-se num dia tenso

E se extingue também quando
O lado mais escuro da alma
Treme por medo e não cala
Contra meu próprio comando

quinta-feira, 23 de junho de 2011

SOBRE ALGUMA POLÍTICA


Em alguns momentos,
é preferível a chuva
E a inundação,
Também a Guerra
E a inanição.

Em alguns destes dias,
(estratégicos, obviamente!)
É melhor mesmo que todos se calem,
E unam-se a um sonoro silêncio:
Permanecendo em seu devido lugar

Pois é necessário o desastre,
O analfabetismo e a miséria,
A desnutrição e a disenteria,
Infindáveis amputações
e um tanto assim de sofrimento

Tudo isso: em prol de um bem maior!

Pois, depois que passam os difíceis tempos 
(que são meramente pontuais)
Todos sabem:
Vão-se os dedos, mas ficam-se os anéis!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Dez-dobras

Vi vidas
vividas
Por outros e por aí

Mas

vivi da
vida
vivida
unicamente por mim

não me arrependo, porém,
de ter vivido
do olvido
Do teu ouvido
Que não escutou minha voz
pois não havia nem nós, nem vós
Quando estávamos sós em sóis 
tão  d  i  s  t  a  n  t  e  s
e nos instantes 
s  e  p  a  r  a  d  o  s
por sistemas solares diferentes
de galáxias talvez opostas

Então, já doído das doidices deste mundo
e afirmando-me enquanto doido de pedra
desdobrei [brei-do-des]
o que havia escondido

E tu, como es contido,
não me reprimiste verbalmente
pois tu sabes
que tudo o que for verbal: mente
tanto na mente, quanto no verbo!

Verdade Absoluta


M E N T I R A

domingo, 12 de junho de 2011

O VELHO BRÁS

Brás era um velho preto,
às vezes, um preto velho,
Vivia embriagado, o vigia
do edifício, no turno da noite

O seu salário, já mínimo,
De dor e de dar pena,
Ficava com o dono do bar,
Que, como um bom cristão,
Não deixava faltar bebida

E tomava mais uma lapada
Do chicote, no bucho sedento,
Ferrava um sono pesado,
Cavalgava em seu devaneio

Brás cantava toda noite
Montava a cambaleante bicicleta
Conduzida por um sonho alheio

Ria e contava piada,
Chorava a morte da mãe,
Que perdeu quando era menino

E velho Brás dançava
Gargalhava com a boca banguela,
Falava de um tempo perdido
Com domínio da norma culta
Do seu português tão ébrio,
De quem só conhece escrita
Do nome do próprio batismo
O velho, às vezes, chorava
E ria com mesma frequência!
Chorava a demência da filha,
Mas sorria, o vazado sorriso,
Alegre por horas inteiras

E eu que era menino,
Judiava do pobre Brás,
Fingia ser o espírito
Da falecida mãezinha,
Fazia o velho cair,
Roubava a cana-companheira

E toda a pirralhada
Ria do preto velho
Bastava ele chegar

Declamava a primeira toada,
Cantava a Iansã, orava a Frei Damião,
Amarrava as calças furadas
E ria com os olhos do cão

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Flor

Dormi: esqueci os problemas,
Sonhei (com momentos alheios)
Comi: um maná divino
Brotado em pedras do deserto

Alonguei: todos os músculos
Relaxei: o queixo e o pescoço
E respirei: profundamente
Algum pensamento qualquer!

Destravei: a nuca e o braço
Demorei: demoradamente,
Como quem esquecera o tempo
E já a pusera na mente

Senti-me, então, um demente!
Pois, como que naqueles momentos,
De tanta vida crescente,
Estive com ela ausente?

sábado, 4 de junho de 2011

Poesia Concreta

Se minha poesia fosse concreta
Atiraria vigas em seus ouvintes
Causaria desabamentos rotineiros
e insistiria em deixar encarceirados
Dentro de minúsculos cubículos
ou por debaixo dos entulhos
todos que nos trucidam diariamente

Se essa poesia fosse concreta
Subiria as encostas dos morros
taparia as passagens da água
E haveria mais enchentes
E desastres que de costume

Se essa poesia fosse concreto-armado
Armaria toda a população com fuzis, escopetas,
Alguns homens de verdade teriam canhões,
Outros pistolas e facas amoladas nos dentes!
Guilhotinaria nosssos reis e sultões
sob os seguintes dizeres:

"Todo bom cidadão
tem por direito
Matar um mau político"

Minha poesia, porém,
não é concreta!
Ela é tão abstrata
Que nem eu sei
sobre o que escrevo!


terça-feira, 31 de maio de 2011

Viver


Viver
É vir e ver
A saída que vida
Tem p’ra dar

É ter o poder
De quase sempre morrer
P’ra ressuscitar

É desistir de tudo          
Desconstruir um mundo
P’ra recomeçar

É quando dormir,
O sono se permitir
E ter por direito sonhar

Pelo menos assim é comigo,
Porque ao contrário, amigo...
ao contrário não dá!

terça-feira, 24 de maio de 2011

quinta-feira, 12 de maio de 2011

INVERNO

Esses dias transpiram
Correm em círculos chuvosos
Transbordam as horas
Alagando as nossas vidas

Os guarda-chuvas iludem-nos
Prometem um abrigo impossível
E duelam contra o vento!
Uma vez derrotados,
nos golpeiam como um inimigo

Defraudado pela chuva,
Vejo teu rosto alagado, derrotado,
Assim como o meu,
Pelo inverno de chuvas eternas

quinta-feira, 5 de maio de 2011

NOSSA SENHORA DA SOLEDAD

Nossa Senhora da Soledad,
Bendizei o poeta que sozinho
relê o seu verso e o reescreve

Como eremita, isolado em seu Eu,
Espiona os versos escondidos
Nos lugares insólitos da alma

Bendizei,
para que em sua descrença,
O poeta descubra-se deus
de seus versos solitários

domingo, 24 de abril de 2011

Chá de trombeta


Andando em seu Éden pessoal
José pensou que era santo
Escutou as trombetas dos anjos
Nos lírios no canto da casa

E em seu delírio branco
Esmigalhou cada pétala,
Ferveu seu dia em um chá,
Bebeu o paraíso em dois goles grandes

Aquela flor coloriu tanto
A sua vida, antes tão fosca,
Que José decidiu viajar
e nunca mais voltou!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Homem-Bomba

Quando chegar em casa
Com essa bomba chiando
Desafivelarei o cinto de meu peito
E sozinho,
                Deixarei tudo explodir!

Vitrine


Na vitrine, pensei que eras manequim,
Vestias um colete de borboletas
E uma dessas calças de brim

Tive vontade de comprar-te
E levar-te para minha casa

Te observaria por horas a fio
E te consumiria por toda a vida

Então percebi
Que não estavas a venda!

sábado, 2 de abril de 2011

DESFIGURA

Tenho me destruído por partes,
Cada dia, arranco um pedaço,
Me consumo e me desfaço
Em tantos e diversos encaixes

Em peças empilhadas desmontáveis
Dos quebra-cabeças que sou
De vários sentidos descartáveis,
Formo-me e deformo-me,
Despedaçando-me onde vou

Deixo pra trás, então, um rastro
De vasto sentido destroçado
Do que fui e não sou mais
E do que jamais terei passado

O que me resta então é o aguardo
O medo de quando não houver
nem sobra, nem resto guardado,
E o pensamento não mais puder
Ser nem ao menos arruinado

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Objetivos

Abro o blog,
estampada está a pergunta:
"Quem sou eu?"


- Quando souber,
deixo de escrever!

Uma ideia


Eu rimo mais ideias
E nem sempre palavras
Pois as palavras são o arrimo
Das ideias inacabadas

As ideias depois de vertidas
Se consolidam, coaguladas
Nos condenam em muitas frases
E em fases mal fadadas

Por isso, prefiro sempre
As ideias que as palavras
Porque não há obrigação em ideias
Pois nem sempre são realizadas

As palavras, porém, após ditas
Não podem ser retiradas
Eu, por outro lado, me conforto
Em ter ideias, quando quero, apagadas

Mormaço

A transpiração nas horas insones
do mormaço que antecede a chuva
nas madrugadas quentes – entrecortadas –
Sem náusea, sem vento, só o ventilador gira ...
Controlado pelo medo das próprias janelas
Fechadas pelos demônios
que permaneceram do lado de fora
Golpeando-a:  “Deixa-me entrar!!!”

Quando me escondo, em meu peito desnudo,
suado e sem lençóis, os dedos tocam a face,
a boca seca e a voz pela metade contestam:


“Não há o que ver aqui, amigo,
Só as hélices que circulam sobre minha cabeça”
"Deixa-me ver também as hélices”


“Mas para quê?
Se há tanto vento e vida ai fora!
Fica aí mesmo!
Aqui dentro estou preso!
Há grades em minhas portas,
Me escondo nessas paredes,
Fiz de mim, meu próprio exílio...”

“Tu não entendes a solidão,
Ainda tens as hélices...!”

Diálogo do timoneiro persa com seus botões

O que me enerva
Não é o ópio,
Nem a erva,
Ou a bebida que me destrói,
bendita droga da destruição!

Querida,
O que me corrói
Não é a droga,
É a vida,
Que é, quase sempre,
do mesmo jeito de sempre!
E acaba sempre
Do mesmo jeito de sempre!

A bailarina

A bailarina cantou uma canção.
Foi tão pequenina, tão simples,
que nem notei quando terminou!
Então a menina não dançou
e parou seu canto (de menina!)
Pois não tinha mergulhado de cabeça
em todas as piscinas que podia
Nem visto o que lhe esperava no final da festa!
Estava muito mais preocupada com asas das borboletas,
Com as casas das vespas,
Onde o sol se esconde de noite...
Essas bobagens que só intrigam os poetas...

PALMA

Na palma da mão há o céu
o céu na mão e na alma
a alma da mão é o véu
que esconde os olhos e a fala

a palma da mão é a concha,
o buso do mar da voz,
que ecoa no ouvido o segredo
que vai e volta na boca

a palma da mão leva o ser
numa linha intransferível da vida
A palma da mão é o prazer
Que vem, que vai e que finda

Na Sistina, a palma da mão é o dedo
que aponta as verrugas e os erros de deus