domingo, 12 de junho de 2011

O VELHO BRÁS

Brás era um velho preto,
às vezes, um preto velho,
Vivia embriagado, o vigia
do edifício, no turno da noite

O seu salário, já mínimo,
De dor e de dar pena,
Ficava com o dono do bar,
Que, como um bom cristão,
Não deixava faltar bebida

E tomava mais uma lapada
Do chicote, no bucho sedento,
Ferrava um sono pesado,
Cavalgava em seu devaneio

Brás cantava toda noite
Montava a cambaleante bicicleta
Conduzida por um sonho alheio

Ria e contava piada,
Chorava a morte da mãe,
Que perdeu quando era menino

E velho Brás dançava
Gargalhava com a boca banguela,
Falava de um tempo perdido
Com domínio da norma culta
Do seu português tão ébrio,
De quem só conhece escrita
Do nome do próprio batismo
O velho, às vezes, chorava
E ria com mesma frequência!
Chorava a demência da filha,
Mas sorria, o vazado sorriso,
Alegre por horas inteiras

E eu que era menino,
Judiava do pobre Brás,
Fingia ser o espírito
Da falecida mãezinha,
Fazia o velho cair,
Roubava a cana-companheira

E toda a pirralhada
Ria do preto velho
Bastava ele chegar

Declamava a primeira toada,
Cantava a Iansã, orava a Frei Damião,
Amarrava as calças furadas
E ria com os olhos do cão

Um comentário:

Anônimo disse...

Fascinante narrativa, parabéns!

Abraço.