E, como podem ver, fui completamente levada a sério. Pelos menos consegui, mais ou menos, que não lhe chamassem Haku, uma vez que usar o nome de um personagem do Miyazaki correu mal da primeira vez. Quase me convenceram que talvez o Haku encontrasse a Chihiro, como no filme, mas achei melhor não arriscar.
Assim sendo, apresento-vos o Douro (para alguns aqui de casa Haku Douro).
De resto os dias têm passado lentamente. Parece que aqui tudo demora mais tempo a acontecer. Deve ser impressão, porque já vou no segundo cão; já conheci pessoas novas, incluindo o embaixador de um país que quero visitar; já tive um belo fim-de-semana em Liquiça; já apanhei um daqueles sustos com o Nicolau a gritar no meio do mar porque um bicho o estava a morder (saiu de lá com uma belíssima alergia, que passou pouco tempo depois); já estou demasiado morena e demasiado mordida pelos mosquitos; já temos os uniformes da escola que começa na sexta-feira e já terminei dois livros.
Deve ser impressão, dizia, até porque o tempo é uma coisa muito relativa como se sabe, e como se tem vindo a confirmar em estudos cada vez mais exaustivos, mas o facto de não ter sempre internet disponível é capaz de justificar muita dessa sensação.
O que não deixa de ser curioso é que a coisa que acontece mais depressa neste país é o nascer e o pôr-do-sol. O dia começa e acaba com uma rapidez estonteante e é muito desconcertante este desfasamento entre a lentidão que acontece no meio.
Enquanto não me encaixo
10.9.15
Ao contrário do que eu esperaria não sou melhor mãe por ter alguém a ajudar (leia-se a fazer praticamente tudo) em casa. E apetecia-me muito desculpar-me com o calor, com as coceiras e inchaços que os mosquitos me provocam e com o não fazer ideia do que o futuro me reserva, mas olhando para mim, como se estivesse de fora, vejo uma enjoadinha de merda. É certo que dois meses em casa com eles, e em tantos contextos diferentes, não é, como se costuma dizer, pêra doce. Mesmo assim, enjoadinha de merda.
Depois, a vida em Timor não se tem revelado o “sonho” que imaginei. Primeiro, porque estou completamente entediada e a odiar-me por estar completamente entediada num país novo. A seguir, porque nos roubaram a chihiro, uma cadela timorense bebé que desapareceu no mesmo dia em que chegou aqui a casa.
Eu sempre a dizer que ter um cão é como ter um filho e fui logo ceder a deixá-la sozinha por alguns instantes no jardim. Quem é que sai de casa e deixa um bebé sozinho? Sim, sim é um cão, já sei, e não me interessa. Passei a noite toda a chorar e a maldizer os timorenses que se riram quando lhes fui perguntar com gestos e várias línguas misturadas se tinham visto um cão pequeno (devia ter dito “asu ki’ik”); a maldizer Timor e as baratas do tamanho de ratos que subiam pelas valetas que eu iluminava à procura da chihiro.
É uma questão de tempo. Acabarei por encontrar o meu lugar neste sítio com tantas coisas boas e outras menos boas, até lá espero encontrar a cadela à venda numa esquina e reconhecê-la.
Depois, a vida em Timor não se tem revelado o “sonho” que imaginei. Primeiro, porque estou completamente entediada e a odiar-me por estar completamente entediada num país novo. A seguir, porque nos roubaram a chihiro, uma cadela timorense bebé que desapareceu no mesmo dia em que chegou aqui a casa.
Eu sempre a dizer que ter um cão é como ter um filho e fui logo ceder a deixá-la sozinha por alguns instantes no jardim. Quem é que sai de casa e deixa um bebé sozinho? Sim, sim é um cão, já sei, e não me interessa. Passei a noite toda a chorar e a maldizer os timorenses que se riram quando lhes fui perguntar com gestos e várias línguas misturadas se tinham visto um cão pequeno (devia ter dito “asu ki’ik”); a maldizer Timor e as baratas do tamanho de ratos que subiam pelas valetas que eu iluminava à procura da chihiro.
É uma questão de tempo. Acabarei por encontrar o meu lugar neste sítio com tantas coisas boas e outras menos boas, até lá espero encontrar a cadela à venda numa esquina e reconhecê-la.
Somos todos um (ou estou a dar em mística)
7.9.15
Tentativa falhada de mostrar a animação na nossa rua, ao final da tarde, por oposição à calma que reina quando anoitece
Estamos aqui há pouco mais de uma semana e a Bea já tem amigos que a convidam para eventos sociais. Uma noite destas, quando ela estava em casa de uma amiga e o Jaime num jantar institucional dei por mim a pensar que não devia ter chamado "sardão medonho" ao toké que vive no jardim, já que a partir desse dia nunca mais o ouvi cantar. É claro que ele não poderia saber que lhe chamei nomes, mas um bicho tão considerado aqui em Timor é bem capaz de saber ler pensamentos, ou assim.
Depois cheguei à conclusão que só podia estar a sofrer com a insularidade. É claro que uma semana não chega para sentir os efeitos do isolamento, mas toda a gente sabe que eu gosto de sofrer de alguma coisa. E estava nisto, e a sentir-me um bocado ourada por causa da cerveja (o que só prova que eu não sou mais eu) quando o gajo começa a cantar. Até me arrepiei. Nessa noite, aliás, fartou-se de cantar, sempre em número par, sinal de boa sorte, dizem.
Se há uns tempos me tivessem dito que um dia viveria em Timor-Leste e que passaria serões a ouvir e a contar tokés teria achado muita piada. Agora que aqui estou acho mais piada acordar a meio da noite e perceber o absoluto silêncio que reina entre as cantorias dos galos, o ladrar dos cães e a música das muitas festas que estão sempre a acontecer.
Quando Dili dorme ouve-se um som completamente novo para mim. É como se todos nós, animais incluídos, dormíssemos o mesmo sono.
Nunca me tinha sentido assim
3.9.15
Não compreendo o que se passa na Europa, e não é só por causa da imagem do menino morto que deu à costa, há já algum tempo que não percebo o que se passa nesse continente (é estranho sentir-me já tão distante). Também não faço a mais pequena ideia do que se passa na Ásia, ou nos outros continentes.
Podia até ter uma opinião sobre determinados assuntos, porque já se sabe que não é preciso ter muitos conhecimentos sobre as coisas para se opinar sobre elas, mas nem isso. Bem, talvez tenha sobre o batom da Ana, a nossa empregada, mas nem acerca desse detalhe, muitíssimo interessante, saberia discorrer, creio eu.
Não sei o que me aconteceu. Estou numa espécie de hibernação mental. Nem o livro do Terzani, que terminei hoje, me tirou desta letargia.
E isto seria muito bom se eu estivesse a usufruir desta falta do que fazer, ou se esta apatia fosse a capa natural do frenesim que costuma revolver-me as entranhas perante um novo desafio, mas não é nada disso. Não se passa nada. E isso é muito estranho, quando se passa tanto.
Podia até ter uma opinião sobre determinados assuntos, porque já se sabe que não é preciso ter muitos conhecimentos sobre as coisas para se opinar sobre elas, mas nem isso. Bem, talvez tenha sobre o batom da Ana, a nossa empregada, mas nem acerca desse detalhe, muitíssimo interessante, saberia discorrer, creio eu.
Não sei o que me aconteceu. Estou numa espécie de hibernação mental. Nem o livro do Terzani, que terminei hoje, me tirou desta letargia.
E isto seria muito bom se eu estivesse a usufruir desta falta do que fazer, ou se esta apatia fosse a capa natural do frenesim que costuma revolver-me as entranhas perante um novo desafio, mas não é nada disso. Não se passa nada. E isso é muito estranho, quando se passa tanto.
Estamos bem
1.9.15
Estava a aterrar em Timor-Leste, depois de uma escala em Singapura desafiante (juntem jetlag + crianças pequenas com jetlag + quarto alugado no airbnb, numa casa com mais dois quartos alugados com várias camas + apanhar um taxi, onde o taxista quase não conta, já que tudo é controlado por um "sistema"), e pensei que devia sentir alguma coisa especial ao avistar a ilha dali de cima. Pensei que era gaja para me emocionar, mas depois olhei para o Isaac, o mais entusiasta nestas coisas das descolagens e aterragens dos aviões, e vi que tinha adormecido a 30 segundos de aterrar em Timor. Era esse o sentimento certo - um certo sossego. Emocionei-me na mesma, nunca vou ser capaz de controlar sentimentos.
Depois cheguei à minha casa timorense, vi as papaias, as frangipanis, os detalhes curiosos (chamemos-lhes assim) espalhados pela casa, os timorenses que vivem à nossa volta, com as suas bancas de legumes e as campas dos mortos enterrados ao lado. Ouvi o toké que vive no jardim e os galos dos vizinhos e lembrei-me da Helena. Não deve faltar muito para o bicho que canta tão bem começar a irritar-me (conseguiram-no fotografar e aquilo é um sardão medonho), para deixar de me rir quando a água acaba e tenho de sair do banho para ligar o motor que puxa a água do poço, para abrir guerra contra a Natureza que insiste em entrar pela casa dentro, para me chatear com este mar de gente que vive à nossa volta e que acorda quando o dia nasce.
Mas, para já, estou só a stressar com a novidade de ter uma empregada em casa todos os dias. Além do lixo é o meu maior stress. Podem odiar-me à vontade.
Às 4h da madrugada
27.8.15
A insónia não é novidade a esta hora da madrugada. Tem sido assim nos últimos dias deste longo mês de Agosto.
Agosto foi sempre o mês mais longo do ano, também isso não é novidade.
O hotel, sim, é novo. Novo para mim, porque o chão gasto e o cheiro a desodorizante deixam claro que de novo tem pouco.
Daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não gosto muito da ideia de passar tanto tempo dentro de um avião, ou melhor, de três aviões, mas todos parecem calmos (e não é só porque estão a dormir) e isso tranquiliza-me.
Lisboa não parece a mesma, sem uma casa a que chamemos nossa, mas soube-me bem o caril de camarão com quiabos e o chacuti de frango, no meu restaurante preferido.
Não sei se já tinha dito que daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não é bem uma mudança de casa como todas as outras, sobretudo com tantas lágrimas misturadas, mas no fundo é isso: vamos mudar de casa.
Agosto foi sempre o mês mais longo do ano, também isso não é novidade.
O hotel, sim, é novo. Novo para mim, porque o chão gasto e o cheiro a desodorizante deixam claro que de novo tem pouco.
Daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não gosto muito da ideia de passar tanto tempo dentro de um avião, ou melhor, de três aviões, mas todos parecem calmos (e não é só porque estão a dormir) e isso tranquiliza-me.
Lisboa não parece a mesma, sem uma casa a que chamemos nossa, mas soube-me bem o caril de camarão com quiabos e o chacuti de frango, no meu restaurante preferido.
Não sei se já tinha dito que daqui a umas horas começa a longa viagem que nos levará para a casa nova. Não é bem uma mudança de casa como todas as outras, sobretudo com tantas lágrimas misturadas, mas no fundo é isso: vamos mudar de casa.
“Boa noite, não se preocupe. Boa sorte!”
19.8.15
Isto não está fácil. A minha mãe complicou, como sempre, a minha vida. Entrou num processo tal, nas últimas semanas, que se tornou incapaz de cuidar da minha avó (ela culpa a minha avó da vida miserável que tem, eu culpo a minha mãe de complicar a minha vida. Isto é tudo um ciclo, como se sabe).
Depois de arrumar a minha casa em Lisboa, no sentido literal, tenho estado a arrumar a casa da minha mãe nos dois sentidos – literal e figurado. Limpo a merda dos gatos, dos meus e não só, que vivem aqui; limpo a merda das galinhas; limpo a merda das sanitas. Procuro um Centro de Dia para a minha avó e vejo-a pedir à minha mãe, em desespero, que não a abandone.
Desespero com o desespero das duas.
Decido não me deixar abater, já que não é novidade para mim que esta casa tem a capacidade de deitar abaixo todos os filhos da minha mãe, menos (aparentemente) o meu irmão mais novo, que é o que vive mais distante, por enquanto.
Decido não me abater, dizia, e mantenho a ideia de marcar um jantar para me despedir dos meus amigos. No processo das mensagens, via telemóvel novo, isto é, smartfone usado, engano-me num receptor e, depois de corrigir o erro, recebo a seguinte resposta: “Boa noite, não se preocupe. Boa sorte!".
Choro compulsivamente. Não sou de ferro, foda-se!
Depois de arrumar a minha casa em Lisboa, no sentido literal, tenho estado a arrumar a casa da minha mãe nos dois sentidos – literal e figurado. Limpo a merda dos gatos, dos meus e não só, que vivem aqui; limpo a merda das galinhas; limpo a merda das sanitas. Procuro um Centro de Dia para a minha avó e vejo-a pedir à minha mãe, em desespero, que não a abandone.
Desespero com o desespero das duas.
Decido não me deixar abater, já que não é novidade para mim que esta casa tem a capacidade de deitar abaixo todos os filhos da minha mãe, menos (aparentemente) o meu irmão mais novo, que é o que vive mais distante, por enquanto.
Decido não me abater, dizia, e mantenho a ideia de marcar um jantar para me despedir dos meus amigos. No processo das mensagens, via telemóvel novo, isto é, smartfone usado, engano-me num receptor e, depois de corrigir o erro, recebo a seguinte resposta: “Boa noite, não se preocupe. Boa sorte!".
Choro compulsivamente. Não sou de ferro, foda-se!
Sabedoria popular
12.8.15
Visto isso o problema da minha mãe está relacionado com o momento da concepção, e eu não vou entrar em detalhes, porque a minha avó contou-me o sucedido muito envergonhada, acrescentando que nunca tinha falado do assunto a ninguém.
Mas nem tudo está perdido, porque se o médico da cabeça que eu sugeri for bom e ela tomar os remédios pode ser que as coisas se componham.
Mas nem tudo está perdido, porque se o médico da cabeça que eu sugeri for bom e ela tomar os remédios pode ser que as coisas se componham.
Cuidar
11.8.15
Andamos uma vida inteira a correr atrás do Amor, esse mesmo com maiúsculas, o verdadeiro e único. Acreditamos, mesmo quando não acreditamos, que existe a pessoa certa para nós. Ou talvez até mais do que uma. Não sei se porque está escrito em todo o lado, em palavras e não só, ou se os nossos átmos estão programados para isso.
Seja como for, é bonito quando acontece, mesmo quando não acontece e nós achamos que sim. Uma pessoa fica feliz. Uma pessoa encontra sentido nesta confusão toda. Uma pessoa brilha e sorri muito mais. Se calhar brilha, porque sorri.
E isso é tudo muito bonito. Muito bonito mesmo. Mas, aqui entre nós que ninguém nos ouve, o verdadeiro achado, a verdadeira felicidade é juntarem-se pessoas que gostam de ser cuidadas a pessoas que gostam de cuidar.
Ou então ser como Elisabeth de York.
Seja como for, é bonito quando acontece, mesmo quando não acontece e nós achamos que sim. Uma pessoa fica feliz. Uma pessoa encontra sentido nesta confusão toda. Uma pessoa brilha e sorri muito mais. Se calhar brilha, porque sorri.
E isso é tudo muito bonito. Muito bonito mesmo. Mas, aqui entre nós que ninguém nos ouve, o verdadeiro achado, a verdadeira felicidade é juntarem-se pessoas que gostam de ser cuidadas a pessoas que gostam de cuidar.
Ou então ser como Elisabeth de York.
Do que eu gosto é de vinho, mas há execpções
6.8.15
Acordei, na segunda-feira, completamente em pânico, porque me tinha esquecido de enviar o texto para a semana da cerveja do Lifecooler. Nunca me tinha acontecido tal coisa na vida e até saltei da cama (coisa rara, sobretudo àquela hora da manhã).
Depois de trocados alguns SMS, percebi que estava no timing, que era esta semana que deveria enviar o texto, e abracei o meu superego. Acho que o achei espectacular e tudo.
É claro que esta alegria e auto-valorização duraram pouco tempo, por não ter conseguido escrever o texto que gostaria, e ainda por cima cheio de gralhas (obrigada Nelson, pela edição), mas acho que, mesmo assim, vou continuar a ter em boa conta este meu nível de consciência.
E nem sequer quero saber se é completamente ultrapassado citar Freud, sei é que o meu superego, ou o referente mais actual, tem feito algumas coisas por mim bastante interessantes, como mostrar-me erros ortográficos em sonhos, que me passaram despercebidos quando os escrevi acordada, corrigidos pela minha professora de História do 11.º ano.
Sim, já me aconteceu acordar uma manhã completamente em pânico, depois de ver num sonho uma antiga professora escrever no quadro preto, com a sua letra magnífica de professora primária, uma palavra que eu tinha escrito mal num e-mail, e que na altura nem sequer me tinha apercebido.
Depois de trocados alguns SMS, percebi que estava no timing, que era esta semana que deveria enviar o texto, e abracei o meu superego. Acho que o achei espectacular e tudo.
É claro que esta alegria e auto-valorização duraram pouco tempo, por não ter conseguido escrever o texto que gostaria, e ainda por cima cheio de gralhas (obrigada Nelson, pela edição), mas acho que, mesmo assim, vou continuar a ter em boa conta este meu nível de consciência.
E nem sequer quero saber se é completamente ultrapassado citar Freud, sei é que o meu superego, ou o referente mais actual, tem feito algumas coisas por mim bastante interessantes, como mostrar-me erros ortográficos em sonhos, que me passaram despercebidos quando os escrevi acordada, corrigidos pela minha professora de História do 11.º ano.
Sim, já me aconteceu acordar uma manhã completamente em pânico, depois de ver num sonho uma antiga professora escrever no quadro preto, com a sua letra magnífica de professora primária, uma palavra que eu tinha escrito mal num e-mail, e que na altura nem sequer me tinha apercebido.
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