Tive de ir ao supermercado outra vez, é a segunda esta semana. Não sabia que comíamos tanto! Se isto durar muito mais tempo, mais vale começar a plantar batatas nos vasos e arranjar uma galinha poedeira como animal de estimação. O Nicolau pediu para ir comigo e quando lhe disse que não podia teve um ataque de choro, que estava farto de não poder fazer nada. Depois, fez três tostas mistas na tostadeira que o Pai Natal lhe ofereceu e ficou de bem com o mundo, outra vez.
Logo a seguir ao hospital, o sítio que mais temo é o supermercado. Saio sempre de lá a achar que venho carregada de vírus em todo o lado e quando chego a casa, depois de lavar as mãos, fico a olhar para as compras no saco sem saber como pegar nelas.
Já comecei a tricotar a camisola, pelo meio do sistema solar e de numerais mistos (seja lá o que isso for), e não me lembrei que para a semana são férias da escola, por isso já não vou terminá-la. Nem sei se a termino algum dia, mas é mesmo muito bom voltar às agulhas! Como é possível ter estado tanto tempo sem fazer malha?
Por falar nisso tenho de ir. Preciso de perceber como vou encaixar o José Marías entre o tricot e o copo de vinho.
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Auto-ajuda
13.6.19
Isto, porque acordei num daqueles dias em que precisava de uma razão para sair da cama, além das evidentes, e almoçar num bom restaurante pareceu-me a melhor. Ao sair de casa já tinha decidido que ia trazer o livro que estivesse na mesa, fosse qual fosse, porque de certeza traria uma mensagem subliminar.
Não posso dizer que tenha percebido a mensagem, se é que tem alguma, mas também não dei o tempo por perdido. Além disso, acho que foi por causa dele que acabei a ouvir um podcast, que é uma coisa muito pouco habitual, e a certa altura, lembrei-me de quando era pequena e ia para a cama mais cedo imaginar a minha casa. Não sei quanto tempo durou esta incursão pela minha casa imaginária, mas todos os dias eu revia-a detalhadamente e transformava-a. Também não sei se alguma das minhas casas reais se pareceram com a(s) da minha imaginação, mas parece-me que todas cumpriram o propósito que me levava a querer ir dormir mais cedo para sonhar: não ter ninguém a dizer-me como manter o meu espaço. Seria já uma manifestação de independência? É pouco provável, era muito pequena, ainda. Enfim, se calhar era mais uma brincadeira habitual de crianças, mas agora fiquei a pensar nisso e nas mais de dez casas em que vivi.
Às tantas não é assim tão descabido ler livros de auto-ajuda (não são todos?).
Falta de ar
29.5.19
Nos dias de lucidez, que não são assim tantos, porque mesmo não estando sob efeito do poderoso analgésico dos assalariados tenho as mesmas preocupações da grande maioria dos seres humanos: alimentar os filhos, mantê-los saudáveis e instruídos, lavar e secar a roupa, acompanhar uma das séries do momento e salvar o planeta. Nesses dias, dizia, reparo como o mundo é simples.
Acontece-me reparar nisso em situações inusitadas, por exemplo, com a chávena de café, acabado de moer, nas mãos e o sabor e o aroma de Timor a despertarem sentidos que nem sabia que tinha, ou a olhar para as voltas da máquina de lavar com papeis, que hão-de ter saído de um dos bolsos de umas das calças, colados no vidro.
É como se ficasse hipnotizada por instantes e visse o mundo tal como é: um magnífico acaso. O que me lembra uma das frases que sublinhei n'O Cisne Negro, e que é bastante apropriada a esta fase em que me falta o ar tantas vezes: ''Esquecemos rapidamente que o simples facto de estarmos vivos já é um extraordinário rasgo de boa sorte, um acontecimento remoto, uma ocorrência casual de proporções descomunais. Imagine um grão de pó ao lado de um planeta mil milhões de vezes maior do que a Terra. Esse grão de pó representa as probabilidades favoráveis ao seu nascimento; o enorme planeta seriam as probabilidades contra. Por isso pare de suar por coisas pequenas. Não seja como o ingrato que recebeu um castelo de presente e ficou preocupado com o bolor da casa de banho.''
Diários
14.5.19
Por falar em memória, no livro que estou a ler esbarrei nesta frase: ''A memória acredita antes que as recordações surjam. Acredita mais tempo do que as recordações, mais tempo que as lembranças, por mais espantosas que sejam'' (da edição Livros do Brasil). Não tenho a certeza do que quer dizer mas, além da coincidência, pareceu-me importante.
E por falar em coincidências, li um artigo sobre uma viagem por aquela que será a rota marítima mais perigosa do mundo, ou seja, o Estreito de Magalhães. Quando comecei a ler não associei logo o Strait of Magellan à passagem marítima descoberta pelo navegador português, mas assim que percebi fui reler algumas coisas sobre a circum-navegação de Fernão de Magalhães (nota-se muito que História sempre foi uma das minhas disciplinas preferidas?). Pouco depois entrei numa livraria para fazer tempo antes de um encontro e o primeiro livro que me saltou à vista foi qual? O Diário de Fernão de Magalhães, claro. Mesmo tendo prometido a minha mesma que não ia comprar nada, ia só ver, tive de o trazer. Não resisto a Diários.
Cheguei ao futuro
27.7.18
Fiquei fascinada com a ideia da Biblioteca Brautigan quando li sobre ela no "Bartleby & Companhia", de Vila-Matas. Trata-se de uma biblioteca que reúne manuscritos que nunca foram publicados, depois de terem sido recusados pelas editoras.
Saber que há um sítio onde se guardam "livros abortados", deu-me vontade de criar um sítio idêntico para os meus artigos abortados.
Na verdade, ao longo destes anos coleccionei mais ideias que nunca chegaram a ser artigos, do que artigos já escritos mas, por qualquer razão, apetece-me inverter o paradigma. A acreditar neste artigo do El País (de 2014), no futuro escrever-se-ão brautigans como agora se escrevem novelas, por isso acho que já estou no futuro.
Os meus brautigans vão estar ali na página com o mesmo nome.
Saber que há um sítio onde se guardam "livros abortados", deu-me vontade de criar um sítio idêntico para os meus artigos abortados.
Na verdade, ao longo destes anos coleccionei mais ideias que nunca chegaram a ser artigos, do que artigos já escritos mas, por qualquer razão, apetece-me inverter o paradigma. A acreditar neste artigo do El País (de 2014), no futuro escrever-se-ão brautigans como agora se escrevem novelas, por isso acho que já estou no futuro.
Os meus brautigans vão estar ali na página com o mesmo nome.
Causa e efeito
11.5.18
Haverá, com certeza, evoluções sociais, revoluções económicas, conjugações astrológicas que justifiquem isto de estarmos todos na mesma altura a olhar para a nossa vida, a tentar entender o caminho percorrido e a pensar no que fazer a seguir.
Há quem lhe chame meia idade, parece. Ou condição humana. Ou ainda a angústia do contribuinte na altura de preencher o modelo 3.
Depois, há quem esteja, como a criança mais nova aqui de casa, a tentar compreender como isto tudo começou:
- Há uma coisa que eu não compreendo, mamã
- O quê?
- Todas as mães nascem das mães, não é?
- É
- Até mesmo os pais, não é?
- É
- Então, como é que a primeira mãe teve filhos se o pai ainda não tinha nascido para lhe dar sementes?
Estive quase para lhe dizer que há muito, muito tempo as mulheres não precisavam dos homens para engravidar, como n'A Fenda, da Doris Lassing, mas o Isaac que estava a ouvir a conversa rematou com um: "Oh Nicolau, mas não vês que quando Deus fez a mulher também fez um homem?"
Voltando à meia idade, recebi uma mensagem da minha rica filha com um vídeo, que dizia: "És tu tal e qual". Quem me conhece, e quem já leu aqui centenas de posts sobre a minha luta com a domesticidade, sabe que não sou nada assim ("não eras", diz ela, a minha rica filha, sublinhado e tudo com o tom certo de voz), mas é um facto que agora tenho necessidade de ter mais arrumação à minha volta do que há uns anos. Que raio de pessoa me estou eu a tornar?
Em conversa com o Jaime desabafava que nos últimos 10 anos a minha vida mudou radicalmente (o que eu adoro exageros!). Tenho menos amigos; estou quase "maníaca" das limpezas e tenho sono antes da meia-noite. Isto para referir as coisas más, logo a seguir atirei com as boas (parece que a meditação funciona mesmo): um grande amor na minha vida; mais resolvida e segura em muitos aspectos; uma família feliz.
O que não percebi na altura, até porque não conseguimos terminar a conversa, foi a provável relação causa e efeito entre umas e outras.
Entretanto apontei no meu caderno que tenho de ler Debaixo do Vulcão, por causa da frase "No se puede vivir sin amar". Há muitos livros que fiquei com vontade de ler por causa destas entrevistas que a Céu anda a fazer, mas este de Malcolm Lowry senti que era obrigatório.
Deve estar tudo relacionado.
Deve estar tudo relacionado.
Domingo de manhã
22.8.17
O meu pai é o da direita. No meio está o irmão Ismael e à esquerda o António
O meu pai morreu há 31 anos. Tinha 35, portanto este ano entraria na reforma se ainda estivesse vivo. Não sei se ainda teríamos o minimercado "S. Félix" e se ele assaria frangos ao domingo de manhã. Passou a ser quase uma tradição sair da missa e ir comprar frangos ao Cirilo. Depois era só preparar um arrozinho, uma salada de alface e tomate e fritar batatas. Ficava-se assim com o almoço de domingo composto sem ter de deixar o assado no forno e alguém a por um olhinho para não queimar, enquanto se cumpria o dever cristão.
Em nossa casa também se comia, de vez em quando, frango ao domingo, mas como a minha mãe e avó não gostavam, continuámos fieis ao lombo assado.
A minha mãe decidiu fechar o minimercado depois de o meu pai morrer e a minha avó teve de ir com o livro dos calotes bater à porta das pessoas para pedir o dinheiro que deviam.
Tanta coisa mudou desde o final dos anos 80, inclusive a idade da reforma.
Claro que se o minimercado ainda existisse já não íamos à feira de Barcelos, à quinta-feira, comprar a fruta. Nem vinham os "viajantes" recolher as encomendas para serem entregues não me lembro em que dia da semana. Seria tudo muito diferente.
Talvez o sorriso do meu pai ainda fosse bonito.
Também poderia acontecer de o meu pai ser bem sucedido na política, como ansiava, e chegasse a Presidente da Junta, já que era uma pessoa bastante querida e popular lá na aldeia. E se os meus pais ainda estivessem juntos, ele era capaz de conseguir fazer um bom trabalho. Mas não estou a ver como o casamento deles poderia continuar a funcionar, se é que alguma vez funcionou, depois da C.
Um dia perguntei à minha mãe se a C. saberia que ele tinha morrido. Ela disse que provavelmente não.
Quando recordo a minha infância tenho a mesma sensação que Marit, uma personagem de um conto de James Salter, sinto que está lá quase tudo como um romance muito parecido com a minha vida.
E no entanto, aos 35 anos, a idade com que o meu pai morreu comecei outra vida.
Auto-retrato
13.2.17
Apetece-me deixar crescer a melena com cada vez mais brancas e ficar com uma daquelas cabeleiras mescladas que agora estão muito na moda. Só que depois apercebo-me que essas cabeleiras mesmo não sendo pintadas, exigem cuidados. Ainda por cima, os meus cabelos brancos são aqueles cabelitos que ficam no ar quando prendo o cabelo, estão a ver? (Parece que se chamam baby hair, tornando esta coisa do envelhecimento ainda mais engraçada)
Nunca nada é como imaginamos. Uma pena.
Quando falha a luz, ou quando sou a única pessoa acordada e não está a dar nada de jeito na televisão e não me apetece ler, ou jogar no telemóvel (estou viciada num jogo parecido com o Tetris), ponho-me a ver as melhores audições do Britain Got Talent no youtube e farto-me de chorar, sobretudo naquelas em que os familiares dos concorrentes não conseguem esconder o orgulho. Eu sei, tenho problemas. Também chorei no La La Land.
Já pensei várias vezes coleccionar notícias de pessoas que morrem em acidentes inusitados, como o da mulher de 29 anos que caiu de umas escadas rolantes, no World Trade Centre, em Nova Iorque, a tentar apanhar o chapéu da irmã gémea. O que é que lhe deu? Ainda por cima era treinadora de remo, como é que uma treinadora de remo se desequilibra e cai de umas escadas? A sério, se eu quisesse inventar um acidente nunca me ocorreria tal coisa.
No fim-de-semana fui à praia com os miúdos sozinha, porque o Jaime tinha de trabalhar. Sentei-me numa cadeira e avancei 50 páginas do livro, enquanto eles brincavam com outras crianças que lá estavam. De vez em quando olhava para o mar e suspirava (e perguntava-me como é que a Areia Branca se tornou uma praia tão suja nos últimos tempos) com aquela satisfação de quem tem os miúdos por ali a rir e a inventar brincadeiras, enquanto nós estamos na nossa vida.
Percebi, finalmente, porque há tanta literatura, tanto cinema e tanta arte em geral, que mostra os filhos crianças como acessórios que aparecem de vez em quando.
O livro que estou a ler é O Fim do Homem Soviético e, felizmente, é tão viciante como o Tetris, um jogo inventado na Academia Russa das Ciências (claro), em 1984. E agora fiquei a pensar se isto significa que devo voltar ao George Orwell.
Já está
10.1.17
Ficar muito tempo sem escrever num diário levanta um grande problema: Deve uma pessoa seguir escrevendo, como se não tivesse havido um hiato de tempo? Na verdade, ainda não passou um mês, e não há assim tanta coisa a acontecer num mês, certo? Errado.
A vida numa ilha tropical do sudeste asiático pode ser muito aborrecida, não sei se é por isso que os expatriados bebem tanto, mas ao mesmo tempo parece que está tudo a acontecer. Como se os fragmentos dos dias formassem um todo mais claro. O que até faz sentido, porque os dias passam mais lentos e nesse abrandamento é mais fácil ver a paisagem à volta.
E vejo uma filha quase adulta e um quase recém bebé que vai este ano para a escola primária, que é aquele patamar em que os pais dão por terminada a primeira infância.
Acho que é por isso que este blog deixou de ser o diário desesperado de uma doméstica (sim, é mais giro stay-at-home-mom, mas o glamour nunca foi o meu forte e eu até acho que tentei algumas vezes).
Por isso e porque agora não tenho de limpar a casa, lavar a roupa e secá-la em cima dos aquecedores, limpar a areia dos gatos e levar os miúdos a um jardim para correrem em liberdade. Bem, esta última parte até podia ser uma coisa gira, só que nem por isso. Para mim era uma canseira. Até tinha pesadelos com o mais pequeno a cair daquela girafa do jardim da Estrela.
E até me podem vir dizer que o pior está para vir. Que quando são pequeninos é que é bom. Sim, é bom, de uma forma peculiar, mas também é tremendamente exigente. O que faz com que acredite, talvez erradamente, que a parte difícil está feita. Ou isso, ou comecei a viver naquelas bolhas em que se põe lá dentro o que nos interessa.
É que a bem dizer eu nunca me preocupei tão pouco com a educação deles como no último ano (e até tenho um filho sem vontade nenhuma de aprender o currículo escolar), mas a sensação que tenho é que tudo está a correr bastante bem (sim, eu acabei de escrever isto).
Pois, mas isto não aconteceu durante o mês em que não escrevi aqui, poderão dizer-me. Pois claro que não, isso tem vindo a acontecer.
O que aconteceu no último mês foram as mesmas coisas de sempre. Hoje, por exemplo, acordei tarde, fui mordida por formigas assassinas, porque não reparei que a toalha do banho estava cheia delas outra vez, e depois comi uma panqueca feita no micro-ondas, porque o gás acabou precisamente quando ia começar a fazê-la no fogão.
Mas também aconteceu uma viagem com um reencontro ansioso e uma despedida dramática. Com momentos de contemplação que só as viagens proporcionam e com a sensação (um pouco intensificada pelo fim da leitura do livro "O Grande Bazar Ferroviário", no fim da viagem) de que esta parte da vida já está. Passemos à seguinte.
Continuar a cantar
13.12.16
A Patti Smith esqueceu-se de uma parte da letra da canção "Hard Rain's A-Gonna Fall", de Bob Dylan, durante a actuação na entrega do Nobel. Ela disse que estava muito nervosa, os meios de comunicação social disseram que estava emocionada, mas nada disso interessa. Interessa o poema, a interpretação, com a falha incluída, ou talvez nem isso.
A mim interessa-me o que lhe terá passado pela cabeça, naqueles milésimos de segundo em que percebeu que não se lembrava do que vinha a seguir. Aquele momento transformado em buraco negro.
É mais ou menos isso, esses buracos negros, que passamos toda a nossa vida a evitar. Os momentos "e agora?"
E é por isso que nem nos passa pela cabeça não ter um emprego, não ter a roupa pendurada no roupeiro, não beber café, não mandar os filhos para escola, mandar os filhos para longe, ou viver sem "a triste comédia de uma reunião de amigos", como tão bem diz Theroux n' "O Grande Bazar Ferroviário".
Mas, pelo que vimos, não é assim tão mau. Atravessa-se o buraco negro, pede-se desculpa e continua-se a cantar.
A mim interessa-me o que lhe terá passado pela cabeça, naqueles milésimos de segundo em que percebeu que não se lembrava do que vinha a seguir. Aquele momento transformado em buraco negro.
É mais ou menos isso, esses buracos negros, que passamos toda a nossa vida a evitar. Os momentos "e agora?"
E é por isso que nem nos passa pela cabeça não ter um emprego, não ter a roupa pendurada no roupeiro, não beber café, não mandar os filhos para escola, mandar os filhos para longe, ou viver sem "a triste comédia de uma reunião de amigos", como tão bem diz Theroux n' "O Grande Bazar Ferroviário".
Mas, pelo que vimos, não é assim tão mau. Atravessa-se o buraco negro, pede-se desculpa e continua-se a cantar.
Eu faço legos e descasco laranjas
21.9.16
Enfim, vem tudo isto a propósito de ter-nos calhado um horário escolar que faz com que tenha sempre um dos dois comigo, o Nicolau de manhã e o Isaac de tarde, e, por isso, tenho a sensação de que os meus anos de caos regressaram, como se pode ver no cenário da outra fotografia, que é o meu local de trabalho.
Bem sei que, como diz o inigualável Mário de Carvalho, "ninguém tem o menor respeito pelo trabalho da escrita" e se até Alexandre Herculano era acusado de não fazer nada, o que posso eu, uma aspirante, esperar? Não posso deixar de transcrever a hilariante passagem do livro "Quem Disser o Contrário É Porque Tem Razão": "Conta-se que a velha criada de Alexandre Herculano, quando um jornalista curioso lhe perguntou o que fazia o mestre desterrado em Vale dos Lobos, respondeu: «Não faz nada. Nadinha. Passa os dias a ler e a escrever»". Maravilhoso.
Ao menos eu posso dizer que faço legos e descasco laranjas e explico como se faz contas de subtrair.
Em aprendizagens
5.9.16
Endorreia: o uso do gerúndio de forma exagerada num texto.
Fazer nada
17.6.16
Admiro profundamente a filosofia cosseriana da preguiça, mas devo dizer que há poucas coisas tão extenuantes como fazer nada. É certo que Cossery não tinha de interromper as suas reflexões para limpar o rabo a um filho e descascar uma laranja a outro, ou varrer os restos de comida espalhados pelo seu quarto da Saint Germain-des-Prés, mas ainda assim sabemos que essa actividade interior é, ou pode ser, muito intensa.
Por isso, muitas vezes eu desejo ter um emprego. Ter um emprego é uma coisa fantástica para se deixar de pensar. Passa-se a ter preocupações, que é diferente. Mas ter um emprego, a fazer coisas importantes, como aumentar o número de visualizações nas redes sociais, ou a testar o interesse dos consumidores em determinado produto, obriga-nos a levantar de manhã e a vestir uma roupa bonita, a fazer qualquer coisa ao cabelo e a pôr batom do cieiro. Obriga-nos a sair de casa e a deixar as crianças em algum lado, ou entregues a alguém que cuide delas. Obriga-nos a fazer coisas muito chatas e a ter reuniões insuportáveis, que depois precisamos de compensar com gin tónicos e umas férias num sítio exótico.
Basicamente, apetece-me ser como Sarag mas, felizmente, só às vezes.
Há sensações universais 13
21.4.16
"But as long as the corners of the room remained in shadow, she could almost believe it was a painting: a minor effort by a would-be Sickert, in which wallpaper and wardrobe mirror offered the same creepy green. Was that why people went on leaving home to struggle with luggage and exchange rates? Not for the shot at novelty or adventure, profit or escape, but in the hope that their lives would be lifted into art?
The problem was that the mirror always held her, too: untransformed in the foreground of the scene."
Michelle de Kretser, Questions of Travel, Allen&Unwin, 2013
Evolução das espécies
4.3.16
Imagem retirada daqui
Fiquei com vontade de saber coisas sobre Empédocles, mas não tinha internet para ir ao google.
Entretanto, já com uns quantos gigabytes comprados na Timor Telecom, abro o facebook e dou de caras com o "A Morte de Empédocles", de Hölderlin.
E depois de alguma pesquisa fiquei a saber que Empédocles tem uma teoria da evolução bastante curiosa. "Para ele no princípio havia numerosas partes de homens e animais - pernas, olhos, orelhas - que estavam distribuídas desordenadamente. Através do amor essas partes se juntavam aleatoriamente formando criaturas disformes que eram inviáveis para sobreviver e pereciam. As espécies que formavam uma boa combinação sobreviviam."
Desequilíbrios
15.2.16
Fui a correr para a casa de banho por causa de um distúrbio intestinal e fiquei a pensar (não levei o telemóvel para fazer scroll down no facebook) que não deixa de ser curioso que o meu corpo entre nesta espécie de falência quando mais cuido dele.
Faz parte do processo de limpeza, parece.
Pensar nisto, escrever isto, quotidianizar isto é aborrecido, mas as melhoras físicas e emocionais são evidentes.
O segurança está a limpar o suor do rosto, neste momento. Tem um trabalho que talvez lhe permita jantar nos próximos dias, enquanto eu estou preocupada com o equilíbrio dos diferentes planos da existência.
Comovo-me com o gesto mas volto rapidamente aos meus pensamentos sobre "O Erro de Descartes" que afinal já não me apetece ler, a distância a que estou de uma exposição de arte contemporânea, o "Revenant" que ainda não fui ver, porque só há uma sessão por dia, às 13h00.
Eu diria que há aqui um claro desfasamento entre o plano mental e os outros.
Vou comer seis colheres de sopa de iogurte grego com um punhado de framboesas.
Há sensações universais 12
24.1.16
«Há, de facto, uma canção que poderia ter esse título [O Dia Conseguido]. É Van Morrison quem a canta (...) pescar nas montanhas, retomar a viagem, comprar o jornal de domingo, retomar a viagem, uma pequena refeição, retomar a viagem, o brilho do teu cabelo, a chegada ao anoitecer e o último verso que é qualquer coisa como: "Porque é que os dias não podem todos ser como este"»
Peter Handke, Ensaio sobre o Dia Conseguido, Trad. Maria Alexandra Ambrósio Lopes, Difel, 1994
Peter Handke, Ensaio sobre o Dia Conseguido, Trad. Maria Alexandra Ambrósio Lopes, Difel, 1994
Na caixa de correio 6
23.12.15
Chegou, quase um mês depois de o ter comprado. E comprei-o para ter este prazer de abrir um embrulho de um livro que, além de me interessar, veio de longe, enviado pela ennui. Assim até já parece Natal.
Os livros
7.10.15
Pois bem, enquanto arrumávamos as nossas coisas decidimos que deveríamos mandar para cá alguns livros, juntamente com outras coisas essenciais, como o órgão da Bea, a minha máquina de costura e a iogurteira.
Portanto, assim de repente vimo-nos perante o dilema de decidir que livros levar para uma ilha, que não sendo deserta é, pelo menos, distante. E eu, que nunca soube responder a essa pergunta dos livros e da ilha, acho que escolhi depressa e sem pensar muito. Tanto que nem me lembro ao certo que livros estão neste momento em alto mar. Lembro-me que pus de parte a biografia da Duras e alguns livros do Vila-Matas mas não tenho a certeza sobre o Diário da Virgínia Woolf. Também tenho a impressão que separei um clássico, tipo A Odisseia, que nunca li e queria aproveitar para ler, mas creio que eram demasiados volumes e desisti.
Assim sendo, no que diz respeito aos livros viemos apenas com os que estávamos a ler na altura, que é mais ou menos o equivalente a vir para cá apenas com a roupa que tínhamos no corpo. O que, em boa verdade, é o suficiente, se pensarmos bem.
Perante isto, e depois de terminar o meu "Disse-me um Adivinho", dei por mim a ler o"Apenas Miúdos", da Patti Smith e um policial da Camilla Läckberg, trazidos pela Bea. Depois, decidi comprar mais um ou dois e, perante a oferta, optei pelo "Comer, Orar, Amar", porque uma das partes do livro passa-se em Ubud, um dos sítios que mais gostámos de conhecer em Bali e "Da Cruz ao Sol Nascente", um livro de um Jesuíta que conta a sua experiência em Timor ao longo de 38 anos.
Entretanto, estou a ler um emprestado, A Batalha das Lágrimas, e sinto-me como quando tinha 11, ou 12 anos e lia tudo o que me aparecia à frente, desde aqueles romances de cordel Sabrina, até ao Dostoievski, com o mesmo entusiasmo.
Portanto, assim de repente vimo-nos perante o dilema de decidir que livros levar para uma ilha, que não sendo deserta é, pelo menos, distante. E eu, que nunca soube responder a essa pergunta dos livros e da ilha, acho que escolhi depressa e sem pensar muito. Tanto que nem me lembro ao certo que livros estão neste momento em alto mar. Lembro-me que pus de parte a biografia da Duras e alguns livros do Vila-Matas mas não tenho a certeza sobre o Diário da Virgínia Woolf. Também tenho a impressão que separei um clássico, tipo A Odisseia, que nunca li e queria aproveitar para ler, mas creio que eram demasiados volumes e desisti.
Assim sendo, no que diz respeito aos livros viemos apenas com os que estávamos a ler na altura, que é mais ou menos o equivalente a vir para cá apenas com a roupa que tínhamos no corpo. O que, em boa verdade, é o suficiente, se pensarmos bem.
Perante isto, e depois de terminar o meu "Disse-me um Adivinho", dei por mim a ler o"Apenas Miúdos", da Patti Smith e um policial da Camilla Läckberg, trazidos pela Bea. Depois, decidi comprar mais um ou dois e, perante a oferta, optei pelo "Comer, Orar, Amar", porque uma das partes do livro passa-se em Ubud, um dos sítios que mais gostámos de conhecer em Bali e "Da Cruz ao Sol Nascente", um livro de um Jesuíta que conta a sua experiência em Timor ao longo de 38 anos.
Entretanto, estou a ler um emprestado, A Batalha das Lágrimas, e sinto-me como quando tinha 11, ou 12 anos e lia tudo o que me aparecia à frente, desde aqueles romances de cordel Sabrina, até ao Dostoievski, com o mesmo entusiasmo.
Mulher boa mulher
15.7.15
Peguei no livro, a caminho da casa de banho, e abri-o na página marcada: "Hoje em dia é difícil arranjar uma boa mulher - asseada, ilustrada, neurótica, sexualmente competente, boa mãe - mas é fácil arranjar uma mulher boa: deprimida, técnico-sexualmente avançada, vadia e sem pachorra para conversas de biberões".
E, então, lembrei-me porque tinha deixado de gostar de ler Filipe Nunes Vicente.
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