Jens: Pequenos canalhas
A estupidez da humanidade nunca deixa de me surpreender. Minha mais nova fonte de estarrecimento é o tal de bullying, a denominação chique para a velha e antiga provocação praticada por adolescentes nas escolas, atualmente resolvida na bala.
No meu tempo não era assim. A pegação de pé, como hoje, era através de apelidos depreciativos. No Ginásio Padre Réus alguns apodos entraram para a história da instituição, como, por exemplo, Cadela, Gão e Solange. O primeiro se chamava Júlio, mas tinha uma cara e um olhar carente de cadela abandonada. O segundo pertencia à turma mais velha – estava no Científico – e era um bom jogador de basquete (os caras do Científico não jogavam futebol de salão, esporte preferido pela plebe infantil – nós, os ginasianos). O problema com o Gão era quando um gaiato, prudentemente oculto, berrava “Vem cá, Gão”. O cara ficava uma fera. Identificado o engraçadinho, a briga era certa. Seu nome de batismo perdeu-se nos escaninhos da História. Já Solange era o codinome do Artur, meu colega de turma. Ele tinha cabelo crespo e ruivo (depois foi apelidado de Bombril), que lembrava a galinha de estimação do Carlos Bronco Dinossauro- a Solange, naturalmente –, personagem interpretado por Ronald Golias, no programa A Família Trapo, um sucesso de audiência da TV Record nos anos 60.
Ontem, como hoje, as alcunhas não eram aceitas pacificamente. Naquela época, a honra era restabelecida com socos e pontapés, na pracinha em frente ao colégio, depois da aula (“pedrada não vale”). O interessante é que não havia revanche. O perdedor aceitava o resultado e a vida seguia em frente – não sem antes os contendores levarem uma tunda dos genitores. Naquele tempo, os pais acreditavam ser sua obrigação impor regras de comportamento aos filhos, e uma delas é que não deviam brigar no colégio, não importa o motivo. A gente sabia: brigou na rua, apanhou em casa. Simples assim – “endurecer sem jamais perder a ternura”, a receita de civilização preconizada pelo doutor Benjamin Spock bem antes de Che Guevara.
Pessoalmente, não tive maiores problemas nesta área. Nos anos de delinquência fui chamado de Mister, Kopachevisky (o Kopa) e Bolo Fofo.Os dois primeiros foram em razão do meu segundo nome (Edi) acoplados a séries de tevê. Mister, fazia referência a Mister Ed um cavalo falante. Kopachevisky por causa do soldado Ed Kopachevisky, personagem de um eposódio da série Combate . Bolo Fofo foi quando eu era lindinho e gorduchinho (graças às doses industriais de Biotônico Fontoura e Toddy, ministradas pela mãe). Só quem me chamava assim era a sorridente e carinhosa Naira. E a Nairinha, meu primeiro amor, podia tudo. Assim, sem estresse.
Outros camaradas não foram tão felizes, como o Coveiro (alemão, magro, alto e cadavérico – um excelente goleiro de futsal – o fdp defendeu um dos meus melhores chutes), o Dezudo (um nerd que só tirava 10, tentamos fazer sexo com ele durante todo o Ginásio; aparentemente, ninguém conseguiu), o Touro Louco (protagonista da maior briga que já presenciei – um dia (re)conto como foi), e o Pãozinho (no tempo em que os guris bonitos eram chamados de Pão – vão no Google, jovens).
Pra não dizer que não falei das mulheres, registro a Maria Olho de Boi (Maria Catarina, na verdade. Coxodulzíssima, também) e a Maria do Lordo (uma magrela provocante que ostentava um traseiro encantador. A propósito, “lordo” é uma palavra que não se encontra nos dicionários, mas, suponho, vocês sabem do que se trata).
Eram assim, aqueles tempos: bobagens, bobagens e bobagens. Éramos também, cruéis, certamente. Mas, no final, todo mundo se salvava. Armas, jamais.