terça-feira, 12 de setembro de 2017

desimitação de roberto bozzetti

quando morto eu for
morta dor sem remédio
de estar vivo

não esqueçam vossas mercês
de rir um pouco mais
do que se vai corpo

não chamem pela alma
que não há

tomem o que fica apenas
pulsando entre o riso
franco das histórias
e o nada

quanto ao bolor anjosiano
o fedor indelével
incinerem

ou joguem por cima
a terra

que o morto mais –
não há


(oswaldo martins)

domingo, 3 de setembro de 2017

O velho novo Francisco

Caravanas é um disco de muitas entradas, mantém a qualidade poética das músicas, uma constante na obra do compositor, e ainda acrescenta uma raiva contida, medida, como no melhor da poesia contemporânea. Da belíssima Tua cantiga, que abre o álbum, a Caravanas, que o fecha, incluindo as duas regravações, a obra é um presente à sensibilidade embutida desses tempos bicudos.

O compositor convida a sorrir por dentro, chama atenção para aquele psiu, pontua que o poeta – a figura arquetípica do poeta – hoje tem outra beatriz a cantar que não a da literatura tradicional, reinventa a idade e duela com a juventude no que ela tem de mais belo ao mandar às favas astros, sinopses e o escambau, sugere o encanto de la casualidad e a altura dos vagabundos de picas enormes e sacos de granadas.

O vasto repertório bate na surdez que vitima os que, virtuosos e ordeiros, sentem o pejo da nudez agressiva dos torsos nus, os que não largam mulher e filhos – e, por óbvio, suas babás – para as passeatas copacabanas e jardins (de Alá).

Ao apontar para a necessidade de se manter fiel à canção, aponta para a percepção nítida de que são outros os tempos da canção, permitindo que o ouvido atento, por sua vez, por sua voz, perceba a síntese – ou o sincopado – da melhor obra publicada nesses últimos anos.

(oswaldo martins)

IN LIMINE



Folga se o vento sopra no pomar e o
faz tremer na ondulação da vida;
aqui se afunda um morto
urdume de memórias,
que horto já não é, mas relicário.

Não é um vôo este adejar ao sol
e sim a comoção do eterno seio;
vê como se transforma um pobre veio
de terra solitário num crisol.

Ímpeto desta parte do árduo muro.
Se avanças, tens contatos
(tu talvez) com o fantasma que te salva;
aqui vão-se compondo histórias, atos
riscados pelo jogo do futuro.

Procura a malha rota nesta rede
que nos estreita, e pula fora, escapa!
Vai, por ti faço votos — minha sede
será leve, a ferrugem menos áspera.

(Tradução: Ivo Barroso)



IN LIMINE

Godi se il vento ch'entra nel pomario
vi rimena l'ondata della vita:
qui dove affonda un morto
viluppo di memorie,
orto non era, ma reliquiario.

Il frullo che tu senti non è un volo,
ma il commuoversi dell'eterno grembo;
vedi che si trasforma questo lembo
di terra solitario in un crogiuolo.

Un rovello è di qua dall'erto muro.
Se procedi t'imbatti
tu forse nel fantasma che ti salva:
si compongono qui le storie, gli atti
scancellati pel giuoco del futuro.

Cerca una maglia rotta nella rete
che ci stringe, tu balza fuori, fuggi!
Va, per te l'ho pregato,— ora la sete
mi sarà lieve, meno acre la ruggine…

(Eugenio Montale)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

desimitação de duque estrada

no
hino à república dos bananas

a boca encaixa um suga suga
que mais lembra um uga uga

quem sabe até o funga funga
os velhos monos tunga tunga


(oswaldo martins)

desimitação de sêneca ou prolegômenos de hipócrates

gaia por nascer

breve espaço em longa e curta
duração põe de quatro a palavra
para um coito um sei lá não sei
da louca possessão que se fora

a zumbir no voejo do traçante
ao meia nove no entorno caos
e a batida funk


(oswaldo martins)