Em palavras, um olhar sobre um documentário da TVE
Iraquara não é só pedra, terra vermelha, grotões e falésias. É terra rica, de povo misturado com muitas histórias e causos para contar. Iraquara é a pamonheira que vende de casa em casa, no bocapil artesanal, seu produto de milho. É a cortina de rochas e a vegetação verde que recebeu seu primeiro habitante por volta de 12 mil anos atrás. É, literalmente, o coração da Chapada Diamantina.
É o incontável número de garimpos, que depois deram origem aos seus diversos povoados. É a famosa Estrada Real, caminho onde os boiadeiros, tropeiros e comerciantes cruzavam rotineiramente, que ia de Jacobina (norte) até a cidade de Rio de Contas (sul), passando por Iraquara. É o século XIX de tantos diamantes e ouro “interminável”.
Ah, quantas cidades maravilhosas em uma só! Quantas Iraquaras em uma Iraquara apenas! Lugar que é a Parnaíba, que em Tupi significa “local de muitas ilhas”, hoje Iraporanga (“Pote de mel”, em Tupi). Reza a lenda que a vila de Parnaíba, como era conhecida antigamente, ficava onde atualmente existe uma lagoa coberta por taboas, uma espécie de planta aquática. Descoberta por volta dos anos de 1755 ou 1760, quando os bandeirantes por lá estiveram – deixaram até um facão com a inscrição “Parnaíba” em sua lâmina – o principal povoado iraquarense também nasceu por acaso.
Certa feita, o povo saiu da vila antiga para a novena de Santo Antônio. Chegando lá, foram surpreendidos por uma chuva bastante forte que alagou todos os engenhos, casas, plantações de cana, chácaras. Tudo tinha virado lagoa. Assim, tiveram de ficar nas proximidades da igrejinha, que ficava mais afastada da parte afetada pela tempestade. Todos perderam tudo que tinham. Todavia, fizeram daquele episódio um recomeço em suas histórias e acabaram construindo tudo novamente.
Iraporanga que hoje é a morada do sanfoneiro Hugo Luna, que canta a magia do lugarejo nos versos:
“A vila de Parnaíba
Devolve a cada criatura
Um pouco de sua criança
Um mistério de alma pura
Sua tarde fria e quieta
Abriga mil borboletas...”
Iraquara é também a Iraporanga da senhora Vanderlina Vieira, ou simplesmente Dona Vanda. Mulher antiga que considera todo mundo parente, que quando vê uma pessoa de fora já chama para tomar um cafezinho e que diz: “O povo de São Paulo pergunta logo se eu sou da Bahia. E eu respondo que sim, com certeza. E da Parnaíba!”
Iraquara que é o Esconso, as lindas cachoeiras do Riacho do Mel – ah, inesquecível Cachoeira do Mel! -, terra propícia ao turismo de contemplação. Iraquara que é a Água de Rega (foi assim batizada por ter muitas terras irrigadas), duas vezes invadida pela Coluna Prestes, um agrupamento de cerca de 4 mil homens, liderados por Luís Carlos Prestes, que se deslocou por todo o Brasil manifestando-se contra o então presidente Arthur Bernardes – na Bahia, os integrantes da Coluna Prestes ficaram conhecidos como “Revoltosos”.
Terra minha que também é a terra de “seu” Lau (Claudiano de Souza), que até hoje mostra os buracos nas janelas, oriundos das balas atiradas pelos “revoltosos”. Terra de “Liozão” (Leopoldo Costa), contador de histórias e homem que diz já ter visto lobisomens e sombras estranhas dentro das grutas.
Iraquara de cozinha sui generis, do famoso godó de banana, do cortadinho de palma, da malamba. Iraquara da cachaça orgânica, do Pedro José de Araújo, mais conhecido como “Dr. Xarope”, que há 30 anos, e no mesmo local, vende suas folhas e raízes especiais para todo tipo de moléstia. Aí vai a lista: jatobá, catuaba, pau de resposta, nó de cachorro, jatobá roxo, Dom Bernardo, carumbinha, guabiraba, capina seca, canhanhinha, cipó-cabeludo, quebra-facão, pistola-de-quati, espinheira santa, jarrinha...
E quem por lá passa, recebe a advertência:
“O homem quando envelhece
O olho enverdece
A barriga cresce
O reumatismo aparece
A câimbra desce
A perna amolece
A barba embranquece
A vista escurece
A velha oferece
E o velho agradece”
Ah, Iraquara feita de magia! Que é o artesanato feito na pedra ardósia, na palha seca, na madeira. Iraquara do tradicional Pau-de-Fita, dos Ternos de Reis - manifestação popular que presta homenagem aos Reis Magos. Que adentram as casas em cantoria bonita:
“Oi de casa!
Oi de fora!
Oi de casa!
Oi de fora!
Maria, vai ver quem é!
Maria, vai ver quem é!
Somos cantadores de Reis.
Somos cantadores de Reis.
Quem mandou foi São José!
Quem mandou foi São José!”
Aí o dono da casa oferece muita bebida e comida e a festança não tem hora para terminar...
Iraquara que fez o compositor Carlos Pita escrever os seguintes versos:
“Ir pra Iraquara e querer ficar
Deixar o coração solto no vento
Montanhas, grutas, sentimentos
E o pensamento solto no ar
Flor de Água de Rega, Toca de Mel, terra vermelha
Lapa Doce, gruta de prazer
Viu, passarinho! Viu...
Viu, meu amor! Viu...
Passar na Parnaíba e escutar
As histórias que Liozão tem pra contar
De uma terra que um dia
Já foi mar.”
Sem mais palavras...
* Imagem: Arquivo pessoal.