Por Germano Xavier
V
Após ter tido conhecimento de causa sobre a questão das colas que colam a si mesmas, após ter se indignado com sua geladeira nova que, segundo ele próprio, gela demais, revelado seu gosto por antiguidades sem serventia, após ter tentado o pneumotórax (aquele troço que só o Manuel Bandeira sabe o que é direito), após ter ido visitar um de seus impérios do Ártico (ali no Condado de Spitzbergen) e ter cheirado cheiros horríveis em proximidades latrinais, após ter pedido ajuda até ao Padin Pade Ciço (o que demonstra enorme desespero de alma), averiguado locais "privados" e esconderijos, após ter seguido misteriosas pegadas perto do porto de seu império do hemisfério norte, após ter adentrado no H.M.S. Beagle – isto mesmo, a embarcação do grande pesquisador Charles Robert Darwin -, depois de haver procurado por todo o seu aposento, dentro do veleiro, o grande vitorioso das guerras inexistentes, o herói épico dos romances sem cavalaria, Ele!, o homem que Deus guarda, O Próprio, sim!, aquele que não é o Adriano, atacante do Flamengo, mas que também é imperador, ele mesmo, Napoleão Joujaumontx, o faraó dos faraós, rei das inutilidades da mente, investe novamente suas forças para efetuar a captura do seu famigerado gato Pinóquio, conhecido atualmente pela alcunha de “O Traidor”, que no começo desta história fez o favor de roubar o chinelo arrebentado do seu senhor e seu amo, Napoleão Joujaumontx.
Quando todos pensavam que o infalível homem haveria de desistir de sua invernada contra as diabruras do seu gato ladrão, quando todos duvidavam da possibilidade de renovação da coragem por parte do general dos generais, lá estava ele, aqui está ele, mais vivo do que nunca, sorrindo-nos um sorriso amarelo com sua peculiar cara de ontem, provando-nos mais uma vez que continua sendo aquele ser de alma inquebrantável a quem devemos todas as loas do mundo.
Napoleão Joujaumontx, visivelmente transtornado depois de perder de vista os fiéis indícios da presença de Pinóquio nos corredores do H.M.S. Beagle, resolveu descansar um pouco e, para a sua surpresa, quando acordou, e ainda na cama, sentiu que o navio balançava menos que o de costume.
- Será qui êssi naviu tá mesmu paradu ou sô eu qui tô ficano lelé das mentalidadi? Tudin pur culpa daqueli salafráriu de bichanu! Ah, si eu pegu eli!
O magnânimo e indiscutível senhor das horas pôs-se a levantar de onde estava, e por meio de uma olhadela firmada em umas das escotilhas do H.M.S. Beagle, reparou que o navio estava atracado em algum porto de alguma grande cidade.
- Minha Nossa Sinhora du Patrucíniu di mô deus, ondi será qui eu tô!? Durmi dimais, minha virge santinha imaculada. I eis qui tô eu pirdidin aqui, nessa insalubridadi.
Depois de reposicionar ao corpo a sua belíssima vestimenta de imperador, Napoleão Joujaumontx deixou seu aposento e foi em direção à tábua de saída da barcarola. Decide atravessar a estreita peça de madeira onde alguns carregamentos estavam sendo despejados em terra firme, até para respirar melhor o ar das tantas incertezas que permeavam o seu raciocínio, mormente desde que Pinóquio houvera sequestrado irracionalmente o seu chinelo defeituoso. Quando terminou de passar para o outro lado, Napoleão Joujaumontx sentiu um cheiro de sardinha apodrecida ao molho de tomate, a tal da boca-torta, cheiro sempre presente na boca de Pinóquio quando este investia suas garras nas latas de sardinha da despensa do império caseiro napoleônico e lambuzava-se nelas, irrefreadamente, o que causava ao seu dono desafeições terrivelmente incontornáveis. E, roendo as unhas, pensou com os seus botões:
- Ah, Pinóquio, agora eu ti atrupelu! Nem qui a genti dê a volta nu planeta eu num vô dêxá tu iscapuli. Não adianta tu si iscundê, eu sei qui tu taqui.
Antes de começar sua disparada ao encontro do ladrão dos chinelos velhos e arrebentados, o grande imperador dos grandes impérios nada imperiais ainda viu o Sir. Charles Robert Darwin acionar um buzinaço de dentro da cabine do H.M.S. Beagle, indicando a todos os tripulantes e prováveis passageiros que era hora de retomar os rumos normais da viagem. Destino: Ilhas Galápagos, no gradioso oceano Pacífico.
O mais elegante de todos os elegantes, atingido por um sentimento de gratidão, bateu os pés, prontamente, e fez o gesto de continência na direção do capitão da embarcação, como se num apuro de despedida veementemente saudosista. Porém, no instante seguinte, recobrando as vistas para tudo que estava ocorrendo ao seu derredor, Napoleão Joujaumontx percebeu que não podia perder mais tempo e desandou a dar piques demasiado acelerados na direção do desconhecido.
- Ripa na chulipa e rumboraquibora! - disse, afetado.
O desvio de atenção durante a saída do navio do famoso Sir Dr. Charles Robert Darwin foi suficiente para fazer com que Pinóquio se afastasse com mais segurança das possibilidades de captura do nosso senhor imperador Napoleão Joujaumontx. Uma chuva fina caía na zona portuária da cidade, onde ele estava e, também, lugar de onde Pinóquio não deveria ainda ter conseguido se afastar.
- Quem tá na chuva é pá si moiá.
Assim pensando, caminhou até o fim do porto, deixando-se molhar pelos pingos grossos da chuva que caía do céu cinza daquela cidade estranha. Depois de mais de duas horas andando no que parecia ser a zona sul da localidade, Joujaumontx decide sentar-se num banco de uma praça com o intuito de descansar as pernas fatigadas de quem tem no sangue a ávida ganância pelas vitórias. E nosso queridíssimo imperador não suportou o peso das pálpebras e levemente cochilou.
Sobressaltado, despertou após ter tido um sonho possivelmente revelador no tocante ao destino que Pinóquio houvera traçado no interior da cidade. Pela primeira vez o fabuloso, o general das multidões sem grito, o vestido branco de Marylin Monroe, o príncipe que beijou a Bela Adormecida, o inquestionável Napoleão Joujaumontx teve consciência de seus poderes de ordens premonitórias e clarividentes. Um momento fenomenal e que jamais deveria ser esquecido das memórias de todas as gentes do mundo! Mais uma prova da genialidade escabrosa de nosso ídolo-mor. E sem refutar, partiu seguindo os indícios do sonho há pouco sonhado...
* O que será que o nosso herói sonhou no banco da praça da inusitada cidade? Terá forças Napoleão Joujaumontx para conseguir de volta o objeto surrupiado por seu gato Pinóquio? Só há um jeito de descobrir o final desta estapafúrdia historieta: esperar o próximo capítulo. Vocês não perdem por esperar! Continuemos, bucaneiros...