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segunda-feira, 8 de março de 2010

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Alma Mater #6 – Sagrado Feminino – Parte 01

 

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Em em meu último post aqui no Alma Mater prometi que o próximo texto seria sobre o Sagrado Feminino. Quatro meses se passaram desde então e a vida corrida me impediu de cumprir a promessa, mas como diz o FiliPêra: “É melhor levar o tempo que for preciso e fazer bem feito.” (Nota do Editor: Essa é a política do NSN para com prazos, que praticamente não existem por aqui).

Senti que era hora, quando surgiu a oportunidade de iniciar o blog She-NSN justamente nesse 8 de março, onde o mundo, por um breve momento, no tempo lembra que nós mulheres não mais aceitamos ser empurradas para os calabouços da História.

Não levarei esse texto para o caminho do discurso ortodoxo feminista, não porque o considere errado ou desnecessário, mas sim porque o próprio Alma Mater é o meu manifesto muito pessoal em favor da luta diária desses Grandes Mulheres, as do passado e as do presente.

O que peço a vocês leitores é que observem o mundo a sua volta despidos do preconceito, releiam as biografias de Hipátia de Alexandria, Safo de Lesbos, Boudicca e Aspásia de Mileto, observem que apenas um 8 de março ainda é pouco para que a mulher recupere o status que lhe é de direito, não mais e nem menos do que o do homem, mas o de igualdade e respeito.

O SAGRADO FEMININO ATRAVÉS DA HISTÓRIA

Meu muito querido amigo Vinicius Cabral, professor de História apaixonado, assim como eu pelos períodos Antigo e Medieval, iniciou comigo uma gostosa brincadeira pelo Formspring. A idéia era testar nossos conhecimentos, ao mesmo tempo em que emitíamos nossas opiniões. A brincadeira tornou-se tão séria que o levou a escrever em seu blog, o História Zine, um maravilhoso texto sobre Sagrado Feminino que vocês encontram AQUI e de onde na cara de pau surrupiei o título acima! Esse pequeno tesouro que o Vinicius nos deu é o pontapé para tudo que vocês encontrarão aqui no Alma Mater.

NO PRINCIPIO ERA MÃE, O VERBO VEIO DEPOIS

A frase que do título acima é da escritora americana Marilyn French em seu livro Beyond Power e resume brilhantemente a base do Sagrado Feminino. As três maiores religiões monoteístas - Cristianismo, Judaísmo e Islamismo – independente de seus dogmas individuais, possuem em comum a crença em um mesmo Deus-Pai. Mas o que poucos sabem é que muito antes já existia a Grande Deusa-Mãe cultuada desde tempos remotos, que remetem a Pré-História.

 

Venus

Achados arqueológicos em sítios como o de Çatalhüyük, na antiga Anatólia, região que corresponde hoje a parte da Turquia, levantaram fortes suspeitas de que as primeiras sociedades teriam como religião um culto centrado no feminino através da figura de uma Deusa-Mãe que era representada pela Natureza. As famosas estatuetas das Vênus - figuras femininas de proporções robustas que em geral possuíam seios fartos, ancas largas, abdômen protuberante, vulva saliente e coxas grossas - figuram como prováveis representações dessa religiosidade baseada na fertilidade. A mais famosa dentre elas é a Vênus de Willendorf, que foi desenterrada a 8 de Agosto de 1908 em um sítio arqueológico situado próximo a cidade de Willendorf, na Áustria.

Essas primeiras sociedades eram caçadoras-coletoras e viviam somente daquilo que abundava na terra – frutos e raízes - além da facilidade na caça de animais de pequeno porte. As tarefas eram partilhadas entre os sexos e não havia desigualdade. A figura da mulher possuía mais destaque, não por ser melhor do que o homem, mas pelo simples fato de ter o dom de gerar dentro de si a vida. A participação masculina na procriação era desconhecida, o que acabou originando a crença de que as mulheres eram seres divinos. A escritora Barbara G. Walker em seu livro O I Ching da Deusa, descreve:

 

“O útero cheio de sangue era capaz de criar, magicamente, sua prole, coagulando ou solidificando de alguma maneira a sua própria substância semilíquida num novo corpo vivo.”

É fácil imaginar que os nossos antepassados primitivos, ao observarem tanto as mulheres quanto as fêmeas do reino animal gerando a vida, por associação chegariam a conclusão de que a Terra de onde nascem as águas que matam a sede, o alimento que os nutre e as cavernas que servem de abrigo, seja também uma mãe, a Grande-Mãe, divina e generosa.

 

EurynomeJanto

A GRANDE DEUSA-MÃE E OS MITOS DE CRIAÇÃO

O antropólogo Joseph Campbell dividiu os Mitos de Criação em quatro partes, onde nas palavras da escritora Rose Marie Muraro:

 

“Surpreendentemente, esses grupos correspondem perfeitamente as etapas cronológicas da história humana.”

E ela complementa:

 

“Na primeira etapa, o mundo é criado por uma deusa mãe sem auxílio de ninguém. Na segunda, ele é criado por um deus andrógino ou um casal criador. Na terceira, um deus macho ou toma o poder da deusa ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na quarta etapa, um deus macho cria o mundo sozinho.

Essas quatro etapas que se sucedem também cronologicamente são testemunhas eternas da transição da etapa matricêntrica da humanidade para sua fase patriarcal.”

Da Ásia a África, das Américas a Oceania, a Velha Europa, Oriente e Ocidente, os Mitos de Criação foram recorrentes em todo o globo terrestre. E no próximo post irei contar como a Grande Deusa-Mãe teve seu apogeu e posteriormente queda e as consequências por trás desse simbolismo para todas as mulheres do passado até os dias de hoje.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

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Alma Mater #5 - Aspásia

 

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Aspásia de Mileto (Ilustração de Pierre Gustave Eugene Staal)

Quando iniciei as pesquisas para contar mais uma biografia de uma das Grandes Mulheres do Passado, já havia delineado como ponto de partida contar um pouco mais da Grécia Clássica me redimindo assim da superficialidade no texto sobre Safo de Lesbos.

Todavia, conforme fui me aprofundando, percebi que a linha que pretendia seguir começou a apresentar bifurcações que hora se entrelaçavam com a reta que havia dado início a tudo. Consciente dessa situação, passei a anotar os tópicos relevantes e quando dei por mim a lista estava definitivamente ficando enorme!

Curiosamente, essa semana eu havia proposto ao FiliPêra escrever sobre Sagrado Feminino e Sexualidade da Mulher o qual recebi carta branca para tocar pra frente. Eu pretendia pensar nisso só depois de falar de Aspásia mas a biografia dessa Grande Mulher me fez rever essa decisão.

Por tanto, vou abordar todos os temas recorrentes a vida de Aspásia e em breve sairá o primeiro artigo do Alma Mater que não focará em uma única mulher, mais sim falará do Sagrado Feminino e o porque das mulheres ao longo da História terem sido demonizadas e como isso se estende até os dias de hoje.

Mas antes de dar início gostaria de deixar para todos os leitores uma frase do filósofo espanhol George Santayana para reflexão:

“Aqueles que não conseguem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo.”

ASPÁSIA DE MILETO

Antes de iniciar a biografia de mais uma das Grandes Mulheres do Passado vejo a necessidade de falar da Grécia Clássica.

Os acontecimentos anteriores e durante a vida de Aspásia em Atenas, assim como a observação da vida das mulheres na sociedade grega são imprescindíveis para a compreensão do papel exercido por ela em seu tempo.

A Grécia na Antiguidade

Para um melhor entendimento dos períodos citados, deixo abaixo a cronologia básica:

 

1550 a 1100 a.C.

Período Micênico

1100 a 750 a.C.

Idade das Trevas

750 a 480 a.C.

Período Arcaico

480 a 320 a.C.

Período Clássico

320 a 30 a.C.

Período Helenístico

30 a.C. a 529 d.C.

Período Greco-Romano

Uma curiosidade que muitos desconhecem é que os gregos chamavam a si mesmos de helenos, e o território onde habitavam de Hélade, e isso perdura até os dias de hoje, pois oficialmente o nome do pais é República Helênica. As palavras “Grécia” e “grego” são de origem latina e era a forma que os romanos designavam os habitantes e o território habitado pelos helenos.

A Grécia na Antiguidade não foi uma nação homogênea, sendo formada por cidades-estados independentes e cada qual possuindo seu próprio sistema de governo, leis, calendários e moedas, mantendo em comum o idioma apesar dos inúmeros dialetos. As mais importantes na época de Aspásia foram Atenas e Esparta.

 

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(Grécia na Antiguidade)

Essas duas pólis foram de extrema importância no período conhecido como Clássico que inicia-se em 480 a.C. e vai até 320 a.C. e que foi pontuado por duas guerras: As Guerras Médicas ou Medo-Persas, onde uniram forças contra o Império Persa Aqueménida, e a Guerra do Peloponeso onde tornaram-se rivais. E é justamente no espaço de tempo entre essas duas guerras que surgirá a figura de Aspásia, que posteriormente terá forte participação nas decisões de Estado.

A primeira Guerra Médica ocorreu entre os gregos e os medo-persas pela disputa da Jônia, na Ásia Menor.

A Jônia era uma colônia grega, porém, a expansão persa sob o poder de Dario I tomou o controle da região. Em 499 a.C. as colônias gregas lideradas por Mileto e com o apoio de Atenas, revoltaram-se, mas foram vencidas entre 497 a 494 a.C. Mileto foi destruída e Dario I resolveu punir Atenas, enviando seu poderoso exército ao continente. Todavia, os atenienses, liderados por Milcíades, saíram vitoriosos na batalha de Maratona em 490 a.C.

Após esse primeiro confronto foi criada a Liga de Delos, uma liga marítima organizada e liderada por Atenas e formada principalmente por cidades-estados que encontravam-se próximas do Mar Egeu no intuito de se protegerem de novas investidas persa.

Esparta, no final do Século VI a.C., já havia tomado a frente para criar e liderar a Liga do Peloponeso formada por quase todas as cidades peloponesas com exceção de Achaea.

Essas duas ligas uniram-se em 480 a.C. contra um inimigo em comum, o Império Persa e seu Imperador Xerxes I, filho e sucessor de Dario I, tornando-se a Liga Helênica.

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(Liga Helênica)

Essa segunda Guerra Médica hoje é mais conhecida por um episódio que recentemente foi levado aos cinemas em uma obra adaptada da HQ do escritor Frank Miller, o filme 300.

Quem não se emocionou com a história do Rei Leónidas I e seus corajosos soldados espartanos que sacrificaram suas vidas para conter os avanços do numeroso exército de Xerxes na Batalha das Termópilas?

O sacrifício dos 300 de Esparta não impediu a invasão da Ática, que já havia sido evacuada para Salamina, sob as ordens do general ateniense Temístocles. Em 479 a.C., na Batalha de Platéias, os gregos derrotam os persas, os sobreviventes medo-persas tentam se retirar para a Ásia Menor mais são dizimados pelo exército de Alexandre I da Macedônia.

Ao término das batalhas, as duas ligas se separam e a tensão entre Atenas e Esparta, que já existia muito antes da chegada dos persas, retorna dessa vez com muito mais força, o que resultará mais a frente na Guerra do Peloponeso.

Após as Guerras Médicas, emerge em Atenas a figura de um homem que mudará para sempre a história da democracia ateniense, sob sua liderança a cidade irá florescer e prosperar, e o período que cobre o final das guerras até a sua morte ficará registrado nos anais da História como o Século de Péricles. Péricles foi um político e grande estadista ateniense que subiu ao poder em 461 a.C., após conseguir condenar seu rival Cimon ao exílio.

Quando a Liga de Delos foi criada, em 477 a.C., tinha como objetivo construir uma frota potente e numerosa, seus membros poderiam contribuir com navios ou dinheiro. A maioria das cidades-estados optaram pela segunda opção. Como Atenas era a cidade líder, ficou responsável pela administração desses bens. E é justamente do dinheiro enviado por seus aliados que Péricles irá fazer Atenas crescer e prosperar.

Suas obras para embelezar a cidade foram muitas, a mais notável permanece parcialmente em pé até os dias de hoje e seguramente é a maior referencia que a Grécia possui de sua Era de Ouro, o Partenon, construído na Acrópole de Atenas.

 

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Paternon

Com o uso do dinheiro da Liga de Delos, Atenas crescia e tornava-se a cidade-estado mais forte, e conseguinte passou a considerar um ato de traição qualquer pólis que tentasse se retirar, além de posteriormente taxar como impostos as contribuições dos aliados.

E é em meio a ascensão da cidade pela liderança de Péricles que surge Aspásia e através dela a sociedade ateniense conhecerá o poder do feminino e por um átimo no Tempo a figura da mulher grega será vista sob um novo olhar...

 

A Mulher Grega na Antiguidade

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas

Elas não têm gosto ou vontade

Nem defeito nem qualidade

Têm medo apenas

Não têm sonhos, só têm presságios

O seu homem, mares, naufrágios

Lindas sirenas

Morenas”

Mulheres de Atenas

Letra e música de Chico Buarque

 

O trecho acima é apenas um pequeno fragmento da música de Chico Buarque, mas é o suficiente para retratar como era a vida das mulheres na Grécia na Antiguidade. E ao contrário do que alguns pensam, a intensão do autor não foi estimular as mulheres de hoje seguirem de fato o exemplo das atenienses e sim fazer uma ironia e alertar para que não se sujeitem ao mesmo. Para entender melhor o papel da mulher grega daquela época usarei como base a vida das mulheres de Atenas. E como exemplo metafórico lanço mão das duas mais famosas epopéias da literatura clássica: A Ilíada e A Odisséia.

As duas obras são atribuídas ao poeta Homero e juntas compõem os textos mais reverenciados na Antiguidade ao ponto de terem sido consideradas fontes de sabedoria e ensinamento.

Em a Ilíada temos o feminino fortemente representado na figura de Helena, esposa do rei espartano Menelau. Ela é sem sombras de dúvidas o “pomo da discórdia” entre gregos e troianos. Contudo não se deve deixar de lado uma outra personagem feminina, a Deusa Afrodite responsável direta pelos acontecimentos que levaram a Guerra de Tróia. Em a Odiséia figura a Rainha Penélope esposa do herói Odisseu e junto a ela a Deusa Atena, protetora desse bravo guerreiro.

Essas quatro figuras femininas em síntese representam os dois lados de uma moeda: a forma como a sociedade grega observava suas mulheres. Helena e Afrodite compõe o perfil das mulheres possuidoras de beleza ímpar, a primeira é considerada a mais bela mortal e a segunda a mais bela das imortais, que são inteligentes e argutas, demonstrando possuírem caráter dúbio, utilizando-se de subterfúgios para conseguirem o que desejam.

Por conseguinte Penélope e Atena representam o ideal de mulher, são leais, que honram os seus homens; da parte de Penélope sua fidelidade ao marido vem do compromisso do casamento e por parte de Atena o compromisso com um dos seus protegidos. Seguramente elas refletem o conceito da pureza e castidade: enquanto Penélope, sem sucumbir aos muitos pretendentes a sua mão e por extensão a sua cama, aguarda pacientemente o marido retornar da guerra, o que só ocorre vinte anos após sua partida; Atena é a Deusa que repudia totalmente o sexo em detrimento da razão.

Helana, Afrodite, Penélope e Atena são em última análise, a forma representativa das mulheres gregas divididas em dois grupos sociais: as esposas e as prostitutas.

 

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Busto de Aspásia (Museu Pio-Clementino – Vaticano)

A sociedade grega da Antiguidade claramente possuía um caráter sexista, e a posição da mulher era infinitamente inferior ao do homem.

Elas não usufruíam da mesma educação dedicada ao sexo oposto, ficando restritas a educação considerada própria para uma mulher, todas ligadas as atividades domésticas, local onde passavam a maior parte de suas vidas. Ainda solteiras na casa do pai e posteriormente na casa do marido.

Os casamentos não eram por amor e sim por negócio, sendo elas a mercadoria de troca. A escolha do pretendente era feita pelo pai. Na falta deste, por um irmão, avô ou um tutor legal e tinha o seu valor taxado onde o pretendente pagava em forma de dote. Sua função principal era de reprodutora e o casamento servia para legitimar esse aspecto.

Crianças do sexo masculino eram celebradas pois significavam a continuidade da linhagem paterna, crianças do sexo feminino não eram bem recebidas, significavam antes de qualquer coisa despesas, principalmente no futuro quando fossem casar, por tanto, não era raro o infanticídio de recém-nascidas.

A vida doméstica não mudava se comparada ao lar de seu pai, não possuíam o direito de se movimentar livremente dentro de casa, ficando a maior parte do tempo restritas ao gineceu, recinto próprio para o uso feminino.

Não deveriam dirigir a fala com muita frequência ao marido, na verdade eram estimuladas a manterem-se em silêncio. Não compartilhavam sequer o mesmo momento das refeições e se o esposo recebia amigos, ela jamais deveria comparecer ao festim.

Para tudo o mais eram consideradas insignificantes. Não possuíam direitos politico-jurídico, se ficavam viúvas não herdavam os bens do marido e eram obrigadas a casar novamente para ter um homem à administra-los ou ficar sobre a tutela de um filho ou de algum parente do sexo masculino.

Esse é o quadro geral da figura da mulher grega tomando como base conforme dito anteriormente, as atenienses. Cabe aqui acrescentar o papel da mulher espartana já que citei que não faz muito tempo o cinema trouxe à luz da Sétima Arte a obra adaptada de Frank Miller, Os 300 de Esparta.

A figura da rainha espartana Gorgó, esposa de Leônidas I, ao surgir nas telas como uma mulher forte e determinada, provavelmente lavou a alma de muitas mulheres. Heródoto e Plutarco citaram com admiração essa Grande Mulher, mas a verdade sobre a vida das mulheres espartanas está bem longe da utopia Hollywoodiana.

Alguns observadores históricos consideram que em Esparta as mulheres gozavam de um pouco mais de “liberdade” do que as atenienses, porém a histografia nos revela que não era bem por ai. As meninas, desde criança, eram estimuladas, para não dizer obrigadas, a praticar exercícios físicos e a participar de jogos; a real intenção era de que desenvolvessem excelente musculaturas, um corpo perfeito e rígido, sinal claro na concepção espartana de fertilidade.

Em público trajavam vestimentas curtas no intuito de exibirem seus corpos modelados pelos constantes exercícios, e assim mostrarem-se como mercadoria a ser avaliada por possíveis pretendentes. Existia também a crença de que os filhos nasceriam sadios e vigorosos se ambos os país fossem fortes, enfim, a mulher não passava de uma máquina parideira comparável a uma égua robusta.

Os homens quando não estavam em guerra, passavam seus dias em constantes treinamentos militares, relegando suas esposas a um segundo plano. Mas aqui, longe do controle sobre os corpos das mulheres como os atenienses tinham, as espartanas eram livres para tomar os homens que quisessem desde que esses fossem espartanos também. O intuito é de que elas dessem mais filhos para o Estado, independente de quem fosse o genitor, mas esses deveriam ser exclusivamente esparciatas.

As crianças nascidas dessas relações fora do casamento eram consideradas filhos de seu marido e quanto mais parideiras elas fossem, mais atraentes se tornavam. Os filhos homens viviam ao lado da mãe até os sete anos, depois eram separados e passavam a pertencer ao Estado que iria treina-los desde cedo nas artes da guerra.

As filhas mulheres também iniciavam aos sete anos o treinamento militar, contudo dormiam em casa. Tomavam aulas de educação sexual com suas mães e após a primeira menstruação iniciavam nas práticas do sexo.

Quando atingiam a idade entre 19 e 20 anos, pediam autorização ao Estado para casar e passavam por um teste, onde deveriam comprovar sua fertilidade ao engravidar de um escravo. A criança nascida dessa relação, assim como o escravo em questão eram posteriormente mortos.

Caso não conseguissem engravidar eram enviadas aos quarteis para assim como os homens, servirem no exército. As emoções não eram bem vindas, não havia estímulo para as artes. Uma frase dita pelas mulheres espartanas sintetiza exatamente a forma com lidavam com os sentimentos: "Meu filho, volta com teu escudo, ou em cima dele" (o que significa ao pé da letra: retornar glorioso ou morto).

Enfim, a tal “liberdade” espartana no final das contas não era muito melhor do que a opressão ateniense. Esse é o quadro da vida das mulheres casadas, atenienses e espartanas, como visto não era o que se pode chamar de inclusivo e justo. Por outro lado havia o segundo grupo de mulheres, que aparentemente estariam em oposição a condição social das casadas, porém, como dito anteriormente ambos os grupos fazem parte da face da mesma moeda.

E é em uma passagem da obra apócrifa Contra Neera, atribuída ao orador e político grego Demóstenes, que encontramos a melhor síntese para expressar o papel da mulher grega na sociedade:

"Temos cortesãs para nos dar prazer; temos concubinas para com elas coabitarmos diariamente; temos esposas com o propósito de termos filhos legítimos e de termos uma guardiã fiel de tudo o que se refere à casa".

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Aspásia – Pintura de Marie-Geneviève Bouliard (Museu de Belas Artes de Arras)

A prostituição feminina era praticada de três formas diferentes, mas antes de descreve-las apresento mais uma curiosidade, a origem etimológica da palavra prostituta:

Prostituta

Palavra de origem latina que remonta ao tronco linguístico indo-europeu.

«lat[im] prostitŭo,is,ī,ūtum,ĕre 'colocar diante, expor, apresentar à vista; pôr à venda; mercadejar com a sua eloquência; prostituir, divulgar, publicar', de pro- 'na frente, diante de' + statuĕre 'pôr, colocar, estabelecer; expor aos olhos', de stātus,us 'repouso, imobilidade; atitude, postura (de um combatente); assento, situação; estado das coisas, modo de ser', do rad[ical] de stātum, sup[i]n[o] de stāre 'estar'»

Em Histórias de Palavras - do Indo-Europeu ao Português

Ernesto d´Andrade

(Lisboa, A. Santos)

Segundo o Professor de Língua Portuguesa Paulo Tortello a explicação seria:

“Para melhor mercadejar o corpo, dispunham-se as meretrizes em altas cadeiras ou mesas à entrada dos lupanares.” (Lupanares era a forma como os romanos chamavam os prostíbulos ou bordéis)

 

Pois assim sendo, retorno a condição da prostituição feminina na Grécia antiga.

As três classes de prostitutas eram: As Dicteríades, as Auletrides e as Hetaerae.

As Dicteríades, ou Pornais, estavam na escala mais inferior, sendo formada pelas mulheres paupérrimas e, em sua grande maioria eram escravas. Cobravam valores baixíssimos e parte do que recebiam ia para as mãos de seus donos (proxeneta). Esses por sua vez, poderiam ser cidadãos, já que a exploração desse tipo de “trabalho” era considerado uma forma de rendimento como outra qualquer. Elas eram obrigadas a usar peruca amarela ou tingir os cabelos na mesma cor para quando saíssem as ruas se distinguissem das mulheres nobres.

O famoso legislador Sólon abriu bordéis estatais em seu tempo, que em sua grande maioria estavam situados em zonas de atividade. A clientela era formada principalmente por marinheiros e cidadãos pobres. Durante muito tempo as Dicteríades trabalharam nesses locais, porém, com o taxamento de impostos “sobre serviços”, foram surgindo os bordéis privados. Assim como as mulheres casadas, eram vetadas a participar de eventos públicos e não podiam possuir bens pessoais.

As Auletrides eram as prostitutas independentes, estavam acima das Dicteríades e atendiam a classe média. Eram excelentes dançarinas, cantoras ou instrumentalistas musicais. Proviam em sua maioria de famílias muito pobres e eram vendidas ainda meninas para proxeneta ou para “madames” que as instruíam desde cedo. Eram habitualmente contratadas para trabalhar em festas privadas e orgias, com uma clientela formada principalmente por jovens entre 21 a 30 anos. Assim como as mulheres casadas e as Dicteríades, não podiam participar de eventos públicos e também não podiam possuir bens pessoais.

As Hetaerae, ou amigas intimas, eram a elite, as cortesãs de luxo de extremo refinamento. Pode-se dizer que eram a versão grega das gueixas japonesas. Possuíam instrução completa, eram versadas em Ciências, Filosofia, retórica, política, artes, música, dança, teatro, instrumentos musicais, línguas estrangeiras, além de serem belíssimas.

Eram treinadas a partir dos 18 anos e proviam das famílias nobres. Safo de Lesbos foi uma das grandes mestras em seu tempo (anterior ao de Aspásia), tendo fundado uma escola para essas moças. Participavam de eventos públicos, banquetes ou debates de filosofia e política. Possuíam liberdade de locomoção dentro e fora de Atenas e nas Cidades-Estados aliadas.

E é como uma das mais famosas hetaerae da Antiguidade que Aspásia entrará para a História.

Só para complementar antes de adentrar de vez a vida de Aspásia, é preciso que fique claro que, apesar de exercerem papeis diferentes na sociedade, mulheres casadas e prostitutas não diferenciavam muito umas das outras, todas carregavam o triste destino de terem nascido em um tempo e lugar onde o feminino era depreciado.

Mesmo as hetaerae, que gozavam de certas regalias e eram muito admiradas, tinham que conviver com fato de que nunca seriam equiparada ao nível dos homens por serem mulheres. Quanto a vida pública, as mulheres de todas as classes eram permitidas participar de alguns festejos como as celebrações em honra a Deusa Deméter e de sua filha Perséfone e as festas dionisíacas.

Vale ressaltar ainda que esses dois grupos de mulheres representavam as duas pontas de uma reta, no meio desse caminho existiam as sacerdotisas com a função de Oráculo, as chamadas Pítias, mas destas irei falar no artigo sobre Sagrado Feminino.

 

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Escultura de Aspásia (localizada na Grécia)

“Nos tempos de Péricles, Aspásia foi a mulher mais famosa de Atenas.

O que também poderia ser dito de outra maneira: nos tempos de Aspásia, Péricles foi o homem mais famoso de Atenas.”

Fragmento do livro Espelhos – Uma História Quase Universal, de Eduardo Galeano

 

A vida de Aspásia, assim como de todas as Grandes Mulheres do Passado, nos chegou em pequenos fragmentos.

Sabe-se que nasceu provavelmente em 470 a.C., na colônia de Mileto, na atual Turquia. Era bela, inteligente e bem falante. Em 450 a.C. migra para Atenas, onde passar a viver como estrangeira residente onde posteriormente conhece Péricles, com quem iria manter uma intensa relação.

Tornaram-se amantes por volta de 440 a.C. e a paixão entre os dois alçou um patamar que não era bem visto pelos opositores do líder ateniense. Ele era casado e sua esposa da qual não se sabe o nome, lhe dera dois filhos. Contudo, não resistiu ao amor profundo que sentia pela amante, uma lei criada por ele mesmo que impedia um cidadão ateniense casar com um estrangeiro não foi motivo suficiente para impedi-lo de se divorciar da esposa para viver ao lado de Aspásia.

O amor que viviam quebrava regras de comportamento, diziam que Péricles raramente se ausentava de seu lado e quando assim o fazia, dava-lhe um beijo a porta da entrada de casa, na saída e na volta, isso aos olhos de todos.

Os historiadores de seu tempo alegavam que a residência de Aspásia tornara-se um grande pólo de cultura, onde se debatia livremente as artes, a ciência, a filosofia e política, muito semelhante ao que mais tarde seriam os salões franceses do Iluminismo.

Tornou-se professora de retórica e sua casa era frequentada por grandes nomes, entre eles o filósofo Sócrates, que a admirava “pela rara sabedoria política”. Péricles dizia que era Aspásia quem escrevia os grandes discursos lidos por ele.

Ela era como uma rainha sem coroa, a Primeira-Dama não reconhecida oficialmente mas que com certeza possuía forte influencia sobre o marido. Em 440 a.C. a cidade-estado de Samos entra em guerra com Mileto pela posse da cidade de Priene. Atenas impõe que as batalhas cessem e que a arbitragem seja decidida por ela no que é ignorada por Samos. Péricles então assina um decreto enviando uma expedição e nessa campanha muitos soldados atenienses morreram até Samos ser derrotada.

De acordo com Plutarco, Péricles só tomou a decisão de atacar por aconselhamento de Aspásia, que era natural de Mileto. A influência dela sobre o líder grego começou a incomodar tanto seus inimigos, que esses tramaram para destruir de vez o casal.

Um processo público foi seguido de uma denúncia contra Aspásia no Areópago pelo crime de ter ofendido os deuses. Um crime muito sério na época e que podia ser punido com a morte. Compareceu perante um tribunal composto por 1500 homens para responder esta acusação. Péricles toma a sua defesa e durante três horas faz um discurso apaixonado, utilizando sua eloquência, prestígio e até mesmo suas lágrimas para garantir a absolvição de sua amada.

Não muito tempo depois eclode a Guerra do Peloponeso. O dramaturgo Aristófanes, um dos inimigos declarado de Péricles, acusa Aspásia, em sua comédia Acharnians, de ser a responsável por influenciar o líder ateniense de levar Atenas a entrar em guerra com Esparta.

Não existe respaldo histórico para tal acusação, independente da influência de Aspásia sobre Péricles. A verdade é que Esparta a muito buscava um motivo para um confronto com Atenas, pois temia-lhe o crescente poder e riqueza, e esse motivo se deu quando Corcira, colônia de Corinto, buscou aliança com Atenas. Corinto era aliada de Esparta o que em tese obrigaria Corcira por extensão fazer o mesmo. Com os dois lados em tensão permanente, foi preciso apenas Corinto pressionar Esparta para que a guerra fosse deflagrada.

Com a invasão de Esparta a Ática, Péricles convence os atenienses a refugiar a gigantesca população dentro das longas muralhas que ligavam Atenas ao seu porto. Porém, as más condições de higiene, e o fato de ser um espaço pequeno demais para tantas pessoas, acarretou em uma grande epidemia que se abateu sobre eles, matando quase um terço da população. Entre os mortos encontrava-se o próprio Péricles e seus dois filhos do primeiro casamento.

Pouco antes de morrer, os atenienses mudaram a lei que limitava a cidadania aos nascidos de pai e mãe atenienses para uma que considerava a cidadania apenas por parte de pai concedendo assim ao filho que Aspásia tivera com Péricles, a cidadania e conseguinte, legitimando-o como único herdeiro.

Após a morte do marido, ela casou-se com um general ateniense, Lysicles, que sob sua influência e ensinamentos tornou-se um excelente orador, assumindo um posto de magistrado. Com ele, teve mais um filho e ficou novamente viúva em 428 a.C., quando o esposo morreu em batalha.

Pouco se sabe o que aconteceu com Aspásia após a segunda viuvez. Acredita-se que tenha se retirado da vida pública e continuado a administrar suas aulas de retórica. Sua morte é datada em aproximadamente em 401 a 400 a.C.

Os escritores mais importantes do mundo antigo, como Platão, Xenofonte, Plutarco e Cícero mencionam em suas obras o nome de Aspásia com elogios as suas qualidades. Contudo, essa Grande Mulher do Passado, apesar da imensa colaboração para o desenvolvimento da cultura em Atenas e certamente para todo o mundo posterior, foi relegada aos calabouços da História sendo lembrada - quando é lembrada - apenas como a concubina de um dos homens mais exaltados na histografia mundial.

Abaixo seguem cinco vídeos que compõe o documentário realizado pelo canal History Channel: Construindo um Império – Grécia.

Nele vocês encontrarão o surgimento, o apogeu e o declínio de Atenas, assim como a história de Aspásia e Péricles.

 

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terça-feira, 21 de julho de 2009

Avatar Colaborador Nerd

Alma Mater #4 - Boudicca

Por Dolhpin

 

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Antes de qualquer coisa...

Meu artigo de hoje começará diferente, com um tom meio de desabafo e tornando vocês leitores, meus confidentes. A questão é que depois da experiência com Hipátia e Safo nos posts anteriores, onde fui rasa ao descrever a Grécia na Antiguidade o que me levou a cometer alguns equívocos, prontamente ajustados em meus comentários. Porém, não me satisfazendo de forma alguma, parei para reavaliar a minha abordagem para esta coluna.

Falar de História é falar de vida, não só dos que já se foram, mas as nossas e certamente as dos que ainda virão. Nós respiramos História, cada segundo de oxigênio inspirado é um ponto que estamos construindo dentro dela, seja em nossa própria Linha do Tempo, ou em uma escala muito maior. O que fazemos hoje é História! Talvez ela fique apenas no âmbito familiar e torne-se motivo de causos para nossos filhos e netos, mas também possa ser que dentre nós esteja o próximo Einstein, não importa, no que diz respeito a História, todos, independente do papel social exercido, somos indivíduos transformadores.

Quando me propus a escrever o Alma Mater, no intuito de trazer a tona a vida dessas incríveis e injustiçadas mulheres do passado, eu sabia que não conseguiria dar o tom leve e gostoso que encontramos sempre nos textos deliciosos que os rapazes do NSN nos presenteiam diariamente. E mesmo os artigos fortes, que vêm se tornando marca do blog, como a coluna Glaspost do Voz do Além, possuem aquela característica própria das mentes jovens que enxergam possibilidades em meio ao caos.

Entendam, não quero dizer com isso que sou uma tiazona pessimista... ao contrário, me vejo como uma tiazona que vê as mesmas possibilidades, e é justamente por isso que me sinto tão a vontade aqui! Mas não dá para deixar de lado uma característica muito minha que é a de sempre levar fatos históricos para um âmbito bem pessoal. Posso dizer a vocês que quase nunca consigo ser apenas uma observadora imparcial do passado. Caramba! É História diacho! Se eu for imparcial, fria como muitos acadêmicos são, não terei como dizer com segurança que pessoa eu sou, já que iria ignorar toda uma carga de acontecimentos que delinearam o mundo em que vivo hoje!

Portanto, peço primeiro que me perdoem por não ter dado a vocês nos dois primeiros artigos uma visão mais ampla da Grécia Antiga e prometo que irei em breve remediar isso. Também peço que relevem o meu tom formal e muito didático quando escrevo, tenho certeza que uma aula de História presencial seria muito mais divertida a exemplo de alguns professores loucos que tive o prazer de conhecer no passado e que muito me influenciaram no despertar ao amor a essa disciplina tão mal vista. E por último convido-os a apreciar e principalmente a refletir a história de mais uma das Grandes Mulheres do Passado...

 

Boudiccastatue

Boudicca a Rainha Guerreira

"Boadicéia era alta, terrível de olhar e abençoada com uma voz poderosa. Uma cascata de cabelos vermelhos alcançava seus joelhos; usava um colar dourado composto de ornamentos, uma veste multi-colorida e sobre esta um casaco grosso preso por um broche. Carregava uma lança comprida para assustar todos os que deitassem-lhe os olhos."

Dio Cássio

Falar de Boudicca (também Boudica, Boadicéia, Boadicea, Buduica e Bonduca) certamente me deixa um bocado dividida, pois diz respeito a dois povos da Antiguidade que muito admiro. Se por um lado eu afirmo com paixão que minha Alma é Romana, por outro não consigo deixar de imaginar que por conta da minha descendência francesa, provavelmente tenho sangue gaulês correndo nas veias. Junte a tudo isso a minha fervorosa defesa a causa feminista e lá estou eu roendo as unhas pensando como ser didática e ao mesmo tempo emocional para escrever esse artigo! Pois então tentarei ser meio termo para não cansar vocês mais do que já devem estar cansados depois do meu discurso acima!

Há alguns anos atrás, uma amiga fazia uma piadinha séria para ilustrar o processo de romanização aos povos conquistados. Ela dizia que quando um governador romano chegava a Província conquistada, reunia as pessoas e passava a discursar o quanto era vantajoso para eles, os bárbaros, fazerem parte do Império. Era algo mais ou menos assim:

- Viemos aqui para trazer para vocês a pax romana, os aquedutos, as estradas...

Alguém na multidão levantava a mão timidamente pedindo para ser ouvido e com o devido consentimento dizia:

- Ãh, mas não precisamos disso, estamos satisfeitos com o que temos...

E o governador então ordenava aos soldados, apontando para quem havia falado:

- Cinquenta chibatas!

E voltava-se para a multidão e continua:

- Viemos aqui para trazer a pax romana, os aquedutos, as estradas...

Como eu disse acima, a piadinha é para ilustrar como os romanos viam os povos conquistados, e como muitos historiadores bem observam, é uma forma de demonstrar a separação étnica onde fica evidente a divisão do “Nós” e o “Eles”. Adentrar no processo de expansão do Império Romano e a política de romanizar os povos conquistados me levaria a escrever muito mais do que um artigo e certamente essa coluna não é a mais apropriada. Deixo então para uma proposta mais oportuna. Cabe aqui aproveitar o assunto como pano de fundo para contar a vida de uma das Grandes Mulheres da História, Boudicca, rainha dos Iceni, tribo celta da Britânia e que foi responsável por uma das maiores revoltas contra o Império.

Falar de Boudicca é falar da conquista da Britânia (região que hoje corresponde a Inglaterra e a Escócia), pelos romanos e para entender seu o papel na História faz-se necessário explicar a situação dessa Província em sua época.

Em 43 d.C. o Imperador Cláudio conquistou o território de reduto celta conhecido como Britânia, essa não fora a primeira incursão romana, quase um século antes Júlio César já havia aportado na ilha após a conquista da Gália, conseguindo obter bons resultados levando algumas tribos celtas a tornarem-se reinos clientes, entre essas tribos encontrava-se a Iceni. Quando Cláudio expandiu a conquista do território subpujando as tribos celtas rebeldes, os Iceni gozavam de certas regalias devido a sua posição pró-Roma, o que incluía a continuar a cunhar suas próprias moedas, ficando acordado que pagariam tributos e forneceriam suprimentos para os soldados romanos.

Porém, em 59 ou 60 d.C. o rei Iceni Prasutargo morre, e como não tinha filhos homens, deixa o reino sobre a autoridade de sua esposa Boudicca e sua herança as suas duas filhas, tendo o cuidado de separar o valor correspondente aos tributos romanos do restante dos bens deixados, provavelmente pensando nos dotes para os futuros esposos destas. Como Roma não reconhecia a linha de sucessão dinástica através das mulheres, a morte de Prasutargo é entendida como o fim do tratado e o Imperador Nero ordena que o território seja anexado ao restante da Província.

As terras conquistadas foram divididas, e como a lei romana considerava ilegal dar bens pessoais para outros sem o consentimento do Imperador, esposa e filhas perdem todos os seus recursos. Sem ter como pagar os tributos em sua regência, Boudicca e suas filhas são pegas para servir de exemplo de como o Império tratava os seus subordinados.

Antes de adentrar nos acontecimentos que levaram Boudicca a liderar um levante contra a ocupação romana faz-se necessário descrever alguns fatos pertinentes que foram propícios para toda a situação posterior.

A Britânia como reduto celta era formada por diversas tribos e é fato que não eram coesas, havendo desde antes da chegada dos romanos, disputas territoriais. Após Júlio César obter aliança com algumas tribos como já dito acima, o Imperador Cláudio em sua conquista obteve segundo inscrições em seu Arco do Triunfo a rendição voluntária de onze tribos que tornaram-se reinos clientes. Todavia a conquista romana não foi homogênea havendo tribos que nunca se renderam à Roma e conseguinte mantinham pequenas rebeliões.

Em paralelo aos acontecimentos em território Iceni o governador da Província, Suetônio Paulino estava em batalha por ordens de Nero contra o que era considerado até então o último reduto Druida na ilha de Mona (atual Anglesey). Em Camulodunum (atual Colchester), a maior cidade da Britânia e capital da tribo dos Trinovantes, pequenas rebeliões ocorriam devido ao fato de estarem descontentes com os maus tratos, taxas muito altas e as confiscações de terras. Em resumo, a Britânia seguindo o exemplo da Gália no tempo de Júlio César (a resistência gaulesa liderada por Vercingetorix) estava em ebulição e seguindo a tradição romana de pegar bodes expiatórios para dar o exemplo do que acontecia aos que ousavam desafiar o poder do Império, encontraram na situação de Boudicca a oportunidade de demonstrar o tratamento destinado aos opositores.

Em 60 ou 61 d. C., soldados romanos estacionados próximos a tribo Iceni invadem o território, assassinam nobres, açoitam Boudicca e muitos deles estupram suas filhas na sua frente, estava enfim sacramentado o fato histórico que ficou conhecido como A Revolta de Boudicca.

Em sua ira essa grande rainha conseguiu o que apenas Vercingetorix na Gália havia conseguido quase um século antes, unir tribos celtas. Sob suas ordens os celtas caíram sobre os romanos e a todos que fossem pró-Roma. Acredita-se que o exército de Boudicca era composto por mais de 100.000 pessoas e Tácito afirma que mais de 70.000 pereceram nas mãos dos rebeldes. Esse levante resultou na destruição total de três cidades: Camulodunum, Londinium (atual Londres) e de Verulamium (atual St. Alban) todas queimadas sem restar uma casa em pé.

Após a conquista desta última, houve um confronto entre as forças de Boudicca e as legiões romanas sob o comando de Suetônio. A grande rainha é descrita usando sua tartan (tecido xadrez típico) e completamente armada, segundo Tácito, “numa aparência quase aterrorizante”. Quem assistiu o filme Coração Valente, que conta a história do escocês William Wallace, vai recordar que na batalha final, ele, assim como seus homens pintam o rosto e o corpo de azul, isso deve-se a tradição celta que era mais comum entre os Pictos da Escócia. Na última batalha de Boudicca, seu exército seguiu a tradição pintando seus corpos de azul, muitos deles nus, portanto lanças e espadas enquanto brandiam e gritavam ao som de tambores e cornetas.

 

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A batalha de Watling Street (provável local, segundo muitos historiadores) foi derradeira para abafar o movimento contrário a Roma. Apesar de seu contingente numeroso, o exército de Boudicca desconhecia totalmente as táticas de guerra dos romanos e não resistiu perante a estratégia de Suetônio. As legiões romanas dizimaram em torno de 80.000 bretões entre homens, mulheres e crianças e até mesmo animais, o que era uma prática habitual ao esmagar uma rebelião.

A tradição diz que Boudicca sobreviveu a batalha para retornar a sua casa e, junto com suas filhas, se envenenaram, pois seguramente se fossem capturadas jamais teriam clemencia por parte do Imperador e certamente seriam ainda mais barbarizadas até serem executadas.

A história empurrou para seus calabouços a imagem dessa Grande Mulher que fez valer seu poder e que foi tão respeitada pelos seus. Sua memória foi resgatada no século XVI pela rainha Elizabeth I que interessada em promover o conceito da rainha guerreira nobre, transformou Boudicca em ícone histórico.

Abaixo encontra-se o discurso de Boudicca ao seu exército antes da última batalha, o texto é de autoria do historiador romano Tácito em sua obra Annales. Lembrando que o autor pertencia ao lado conquistador e portanto sua visão não é de forma alguma imparcial. As palavras, supostamente proferidas por Boudicca, refletem principalmente a idéia de romanização e conseguinte separando bretões e romanos na divisão étnica do “Nós” e o “Eles”.

 

“Essa não é a primeira vez em que os Bretões foram liderados por uma mulher. Porém agora ela não veio gabar o orgulho de uma longa linhagem de ancestralidade, nem mesmo para recuperar seu reino e a riqueza saqueada de sua família. Ela tomou o campo, como os miseráveis entre eles, para fazer valer a causa da liberdade pública, e para buscar vingança por seu corpo costurado por vergonhosas faixas, e suas duas filhas abominavelmente arrebatadas.

Para o orgulho e arrogância dos romanos nada é sagrado; tudo é sujeito à violação; os velhos suportam o açoite, e as virgens são defloradas. Mas os deuses vingadores estão agora à mão. Uma legião romana atreveu-se a encarar os bretões guerreiros: com suas vidas eles pagaram por sua impetuosidade; aqueles que sobreviveram à matança daquele dia adoeceram escondidos atrás de suas trincheiras, meditando em nada além de como se salvarem em vergonhosa fuga.

Da zoeira da preparação, e dos gritos do exército bretão, os romanos, mesmo agora, encolhem-se aterrorizados. Qual será o caso deles quando o ataque começar? Olhem ao seu redor e vejam seu contingente. Contemplem o magnífico espetáculo dos espíritos da guerra, e levem em consideração as razões pelas quais nós erguemos a espada da vingança. Neste local nós devemos também conquistar, ou morrer com glória. Não há alternativa. Embora uma mulher, meu propósito está fixo; os homens, se agradá-los, poderão sobreviver com infâmia, ou viver em escravidão.”

segunda-feira, 29 de junho de 2009

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Alma Mater #2 - Safo de Lesbos

Por Dolphin

 

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“Há quem afirme serem nove as musas. Que erro! Pois não vêem que Safo de Lesbos é a décima?”

Platão

 

Quando surgiu a oportunidade de escrever essa coluna para falar das Grandes Mulheres do Passado me perguntei até onde eu deveria ir. Cair no lugar comum de resumir biografias ou ir além, deixar de ser imparcial e permitir que a emoção flui-se?

Escrever sobre Safo de Lesbos foi motivo para mais uma vez me questionar… sua vida chegou-nos envolvida em muitas suposições, em geral revestidas de questionáveis verdades deixando de lado evidências históricas. Não vou negar que fiquei na dúvida sobre qual caminho seguir: apresentar a vocês leitores o feijão com arroz, ou lhes dar algo a mais, mesmo correndo o risco de criar polêmica? Nesse momento foi imprescindível o apoio incondicional do nosso Editor-Chefe. As palavras do FiliPêra foram decisivas: Um bom texto nunca é imparcial. Portanto, é isso o que vocês irão encontrar aqui: um texto com toda a minha visão pessoal apoiada por pesquisas diversas. Com ela aponto o meu dedo para o que considero uma das maiores falhas históricas e por tabela exponho meu desgosto com a herança patriarcal que herdamos!

Safo, ou Psappha, como ela própria assinava no dialeto eólico próprio de sua terra - a ilha grega de Lesbos - nasceu entre 630 a 612 a.C. em uma família rica da cidade de Eressos. Mas, ainda criança, mudou-se para a capital Mitilene, um grande pólo cultural na época. Para as mulheres gregas não havia espaço além do âmbito doméstico: suas vidas resumiam-se a cuidar da casa e eram vistas pelos homens como menos do que nada. Mesmo a função de reprodutora era apenas considerada como necessária para perpetuar a família através da linhagem paterna. Safo, pela condição aristocrática, possuía um pouco mais de direitos, sendo permitida às mulheres dessa classe uma educação calcada no aprendizado da dança, retórica e poética. E graças a isso foi, sem dúvida alguma, a maior poetisa da Antiguidade.

Ainda jovem foi deportada para a cidade de Pirro sob a acusação de conspirar contra o ditador Pitaco. Quando retornou e ainda temendo-lhe as palavras, ele a exilou na Sicília. Lá conheceu um rico comerciante com quem se casou. Ele veio posteriormente a falecer, deixando-a viúva cedo e com uma filha.

Não há indícios em sua poesia de uma propensão à política; provavelmente suas palavras eram consideradas perigosas por serem a descrição fiel das emoções e sentimentos. A Grécia helenística, com sua postura racional, desprezava a observação das emoções em detrimento a contemplação filosófica. Vale aqui ressaltar que o estudo da filosofia era considerado de autonomia dos homens, pois a idéia vigente, como Aristóteles afirmava, era que as mulheres possuíam um cérebro menor. Nas palavras de Pitágoras “existe um princípio bom que gerou a ordem, a luz e o homem; há um princípio mau que gerou o caos, as trevas e a mulher”. Certamente os poemas de Safo deveriam ser considerados suspeitos por expor sentimentos como o amor, a tristeza e o medo. Suas palavras eram tão eloquentes que médicos chegavam a diagnósticos utilizando-as como referência. Suas descrições acerca de uma série de sintomas físicos levou Plutarco a descrever o caso de um jovem enfermo:

 

“Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele. Mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava em si todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava. Seu rosto se ruborizava. Um suor súbito irrompia através de sua pele. Os batimentos do coração se faziam irregulares e violentos. Incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.”

Sua vida tornou-se de fato polêmica quando retornou a Mitilene decidida a proporcionar as jovens mentes femininas um estudo mais abrangente, fundando assim uma escola só para moças. Nesse ponto fatos históricos e lendas se cruzam e misturam-se. Sabe-se que ensinava às suas discípulas dança, música e poesia; chamava-as de hetairai, que significa amiga, nunca de alunas. Seu suposto envolvimento com elas foi o que deu origem ao termo lésbica ou amor sáfico, para descrever a relação sexual entre mulheres. A lenda em torno de sua homossexualidade perdurou até os dias de hoje devido aos fragmentos de poemas que sobreviveram ao tempo. Neles são encontrados versos dedicados às suas jovens discípulas e em especial a sua favorita, Átis. Isso foi o suficiente para que historiadores chegassem a conclusão de que a poetisa envolvia-se com as jovens ensinando-as as artes do amor. Cabe aqui esclarecer um ponto que foi totalmente desconsiderado: o fato de Safo ser devota da Deusa Afrodite, o que torna pertinente questionar a visão de que fora homossexual.

O culto a Afrodite chegou-nos com uma visão preconceituosa dada o forma como suas lendas foram perpetuadas. Sua sexualidade livre não encontrou lugar nas mentes embolotadas, castradas e racionais do período helênico e assim o continua. Muito antes dos gregos importarem seu culto ela era uma das representações da Grande Mãe em Chipre e sua popularidade se espalhou por toda a Grécia clássica. Representava em sua essência o Sagrado Feminino, tanto que em seu templo em Corinto era praticada a prostituição religiosa, aonde os homens iam em busca de contato e benções dessa deusa através de suas sacerdotisas… a relação sexual com elas era um canal direto com Afrodite.

 

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É provável que a escola de Safo tenha sido na verdade um local de ensinamento dos Mistérios de Afrodite, seus poemas dedicados às alunas eram escritos no intuito de prestar homenagens às jovens quando essas se casavam. Esses poemas eram recitados pelas amigas da noiva e certamente possuíam o caráter de serem bênçãos. Não descarto a possibilidade de a poetisa ter se envolvido amorosamente com qualquer uma de suas hetairai, o que continuaria a fazer parte do pensamento liberto do culto a Afrodite, mas é pouco provável que isso tenha ocorrido de fato. Contudo, a época em que Safo fundou sua escola a imagem de Afrodite já era outra aos olhos da sociedade helenista de caráter fortemente patriarcal tanto que seu nome romano, Vênus, deu origem a nomenclaturas de conotação negativa como a palavra venéria. Com isso, a escola não demorou muito para cair na ira de pais zelosos que começaram a afastar suas filhas da influência da professora, não muito tempo depois foi fechada.

No século III a.C. eruditos alexandrinos reuniram sua obra em nove livros que infelizmente não chegaram a nós devido a intolerância da igreja. Considerada pornográfica pelos monges copistas na Idade Média, foram queimadas. Sobreviveram fragmentos e um poema completo.

Safo foi certamente única, foi comparada a Homero sendo chamada de “A Poetisa” e considerada uma dos “Noves Poetas Líricos”.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

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[Dia dos Namorados] Alma Mater #1 - Hipátia de Alexandria

Por Dolphin*

 

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"Reserve o seu direito a pensar, mesmo pensar errado é melhor do que não pensar."

Hipátia de Alexandria

Quando tive a idéia de escrever sobre a vida das Grandes Mulheres do Passado a primeira personagem real que me veio à cabeça foi Hipátia de Alexandria. Me lembro do dia que li sobre ela em um de meus livros relacionado ao Império Romano. Havia apenas um pequeno parágrafo… a sensação que passava era de que só estava ali para preencher espaço e dizia apenas: Hipátia de Alexandria, matemática e filósofa, foi diretora da Academia de Alexandria (Biblioteca de Alexandria) e morreu em 415. Nada mais, apenas essa curta frase, porém foi o suficiente para despertar em mim a curiosidade. Afinal, quem fora essa mulher que não só fora matemática e filósofa numa época impensável para as mulheres exercerem tais funções, como chegou a ser diretora de uma das maiores escolas da antiguidade?! Dali para frente procurei pesquisar tudo o que podia. Infelizmente não nos chegou muito sobre a vida dessa Grande Mulher, mas o que temos vale como lição para se carregar para sempre.

Hipátia nasceu em Alexandria por volta do ano 370 D.C. Para aqueles que não lembram, Alexandria é uma cidade do Egito e foi fundada por Alexandre da Macedônia, popularmente conhecido como Alexandre, O Grande.

Na antiguidade Alexandria foi um grande pólo de cultura e livre expressão, mas, na época em que Hipátia nasceu, a cidade encontrava-se em uma disputa entre a Igreja Católica, que crescia em poder rapidamente, e as correntes filosóficas que punham em cheque as doutrinas da nova religião.

Filha de Theon, filósofo, matemático e astrônomo, diretor do Museu de Alexandria; Hipátia creceu em um ambiente cercado de cultura sendo guiada por seu pai nos estudos da Matemática e Filosofia. Ele acreditava no ideal grego da “mente sã em um corpo sadio” (“men sana in corpore sano”) estimulando a filha a exercitar tanto a mente como o corpo, contam as lendas que ele desejava torna-la “um ser perfeito”.

Ainda jovem viajou a Atenas para complementar seus estudos. Era conhecida na Grécia como “A Filósofa”, já demonstrando cedo sua profunda sabedoria. Sócrates Escolástico relata:

 

“Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipátia, filha do filósofo Theon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe para receber seus ensinamentos.”

Ainda em Atenas tornou-se discípula de Plutarco e professava ensinamentos Neoplatônicos. Ao retornar a sua pátria, foi convidada para assumir uma cadeira na Academia de Alexandria como professora. Por volta dos 30 anos, tornou-se diretora da Academia. Seus conhecimentos abrangiam a Filosofia, a Matemática, Astronomia, Religião, poesia e artes. Era versada em oratória e retórica. Escreveu diversos livros e tratados sobre álgebra e aritmética. Seu interesse por mecânica e tecnologia a levaram a conceber instrumentos utilizados na Física e na Astronomia, como o astrolábio plano, o planisfério e um hidrômetro. Infelizmente suas obras foram perdidas durante o incêndio que destruiu a Biblioteca de Alexandria. Tudo o que chegou-nos vem através de suas correspondências. Um de seus alunos Hesíquio o hebreu, escreveu:

 

“Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que a quisessem ouvi-la... Os magistrados costumavam consulta-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade”.

Hipátia foi uma Grande Mulher que nasceu na época errada. Sua defesa fervorosa ao livre pensamento, seus ensinamentos Neoplatônicos, sua observação de que o universo era regido pela leis da matemática a caracterizaram como herege em um momento onde o Cristianismo triunfava sobre o Paganismo. Enquanto Orestes, um ex-aluno, fora prefeito da cidade, sua vida estivera protegida. Mas quando Cirilo tornou-se bispo de Alexandria, determinado a destruir todo o movimento pagão, sua morte foi anunciada.

 

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Rachel Weisz, no filme Agora, de 2009

Em uma tarde de 415 D.C. retornando a sua casa, Hipátia foi abordada por uma turba de cristãos furiosos que a arrancaram de sua carruagem, arrastaram-na para uma igreja e lá rasgaram-lhe as roupas deixando-a completamente nua e assim puseram-se a retalhar seu corpo esfolando-lhe a carne de seus ossos utilizando para isso cascas de ostras afiadas. Por fim desmembraram-lhe o corpo e os atiraram as chamas.

Morria com ela toda uma era de liberdade e florescimento filosófico e cultural em Alexandria e certamente para todos que viviam sobre a espada afiada da nova religião.

Carl Sagan escreveu em seu livro Cosmos:

 

“Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e sua base era em Alexandria. Apesar das grandes chances de florescer, ela decaiu. Sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipátia. Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciências, e devido a Alexandria estar sob o domínio romano, após o assassinato de Hipátia, em 415, essa biblioteca foi destruída. Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época.”

Essa Grande Mulher nutriu toda uma época com a luz do conhecimento e do saber. Calaram-lhe a voz e empurraram sua lembrança para as profundezas do esquecimento. Mas, dois milênios não foram suficientes para apagá-la da memória de todos os famintos pela verdade. Hipátia retorna forte e vibrante ao alcance daqueles que buscam por seus ensinamentos. Ainda há pouco, enquanto terminava minha última pesquisa para esse artigo, me deparei com a notícia de que o diretor Alejandro Amenábar recentemente lançou no festival de Cannes o filme Ágora, que conta ao mundo a vida de Hipátia de Alexandria.

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*Carina Delmas, a Dolphin, é amante da liberdade e fã de V, personagem de Alan Moore.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

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Grandes Mulheres do Passado… resgatando dos grilhões da História e trazendo-as à Luz do Saber

Por Dolphin 

 

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Alma Mater significa Mãe Nutridora. Esse era um epíteto utilizado na antiguidade para se referir as Grandes Deusas, as mães divinas que nutriam seus filhos devotos à luz da sabedoria. A mitologia clássica está repleta de ações dessas Deusas no intuito de conduzir os seus rumo ao caminho do saber. A fusão mitológica grego-romana só veio a enriquecer ainda mais tão belas lendas. Da cornucópia mágica da vaca Alcméia que alimentou Zeus ainda bebê, passando pelos gêmeos Rômulo e Remo alimentados por uma Loba e chegando as sementes de romã que alimentaram a donzela Coré no reino de Hades o que temos são metáforas para o Alimento da Alma, o conhecimento, a sabedoria.

Alma Mater é por definição ensinamento, é nutrir aqueles que têm sede de aprendizado, saciar as almas que buscam a verdade, que tem fome da verdade.

Aqui no NSN, Alma Mater torna-se a voz das Deusas ecoando através das histórias de vida das Grandes Mulheres do Passado, que nutriram o nosso mundo com conhecimento, sabedoria, verdade, força e paixão. Mulheres que foram relegadas aos calabouços da História, ignoradas por sua condição feminina tão depreciada ainda nos dias de hoje. Que suas histórias tragam a tona o valoroso papel exercido pelas mulheres ao longo dos séculos, que ele não só seja reconhecido, mas que principalmente sirva de aprendizado para uma nova postura de respeito aos direitos feminino.

 

Nota do FiliPêra: Saúdem a nova coluna do NSN, que falará da Força das mulheres ao longo da História. Foi com grande prazer que aceitei a proposta dada pela Dolphin, colaboradora e amiga aqui do NSN, que ampliou uma idéia de post que tinha dado para ela. O resultado é a coluna Alma Mater… Vocês não perdem por esperar!


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