Estou eu na minha sala na sede da Unesco em Paris quando escuto a menina que trabalhava comigo comentar que o duty free shop estava com algumas promoções. Eu, ingenuamente, fiquei pensando: será que ela está falando do duty free do aeroporto? Mas daí ela continua: "dei um pulo lá na hora do almoço". Ué, pensei eu, fingindo que não estava escutando a conversa alheia.
Alguns dias depois, há cerca de um ano, minha chefe comenta comigo que eu deveria comprar o vinho da Unesco para levar para a minha família. "Mirella, aqui é o único lugar do mundo onde você pode comprar esse vinho. Ele é ótimo e é bem barato." E um balãozinho saía da minha cabeça: "vinho da Unesco? Será que dão para os funcionários no Natal?". Eu conhecia a lojinha da Unesco, onde é possível comprar as publicações da organização, canetas, selos e lembrancinhas. Com certeza a lojinha não é administrada por nenhum brasileiro, já que não vi nada com os dizeres "estive na Unesco e lembrei de você".
Mas, voltando ao assunto, tive que perguntar a Anna Maria, a chefe: "Mas onde eu encontro esse vinho da Unesco?." A resposta me pegou de surpresa: "No duty free da Miollins". Miollins é o endereço de outro prédio da sede da Unesco, em Paris. Sim, isso mesmo, dentro da Unesco há um duty free shop onde os funcionários podem comprar coisas que se vendem em um duty free de aeroporto: cremes, bebidas, eletrônicos e outros trecos, além de garrafas de vinho com o rótulo da Unesco. Será que você, leitor, está pensando o mesmo que pensei naquele momento? Não acredita?
Eu tive que ir ao duty free para ver com meus próprios olhos. Eu não acreditava - ou não queria acreditar - que havia um duty free em um lugar como a Unesco e muito menos que havia garrafas de vinho produzidas especialmente para a organização. Mas é verdade. Fui ao duty free e estava bombando. Várias carinhas conhecidas dos corredores da Unesco passam por lá diariamente. São os mesmos que tomam decisões que afetam a vida de milhares de pessoas no mundo todo. Não que eu ache que uma pessoa que trabalha com desenvolvimento tenha que se privar de fazer compras, por exemplo. Mas as compras não precisam estar lá escancaradas no ambiente de trabalho, no horário de trabalho, e ainda sem a cobrança de impostos. Vi gente literalmente "limpando" a ala das bebidas. Época de Natal, só mesmo tomando muito vinho da Unesco para comemorar. O pior é que tenho que confessar que comprei uma garrafa de vinho. Tinha que mostrar para minha família que não estava inventando história. Paguei uns 15 euros, se não me engano, o que não é tão barato assim para um vinho na França, como minha chefe me havia dito. Mas deve ser porque ela é chefe na Unesco e, quem conhece os salários da ONU, sabe que 15 euros é dinheiro de pinga!