Este livro surgiu na sequência da célebre série «Twin Peaks», um dos grandes sucessos televisivos dos anos 90, criada por Mark Frost e David Lynch.
«Quem matou Laura Palmer?» tornou-se, certamente, na questão mais mediática na altura, e precisamente pela pressão em torno da mesma, a série acabaria cancelada na 2ª temporada, após desvendarem o assassino (tão previsível) da Laura.
O enredo centra-se no assassinato de uma jovem miúda, Laura Palmer, tida naquela pacata vila, como exemplar e modelo a seguir. A Laura é boa aluna, é cordial, é bonita e boa filha.
Após o assassinato é encontrado, então, um diário secreto. Porquê secreto? Diriam, vocês, que todos os diários são secretos. E eu dar-vos-ia toda a razão. Acontece, porém, que a nossa pequena Laura tinha dois diários, um bem mais secreto do que outro. O primeiro tinha a intenção clara de ser revelado ao mundo numa tentativa de manter a aparência da menina perfeita, salvaguardando a imagem que sempre tentou semear. O segundo, o derradeiro diário secreto, mostrava um lado sombrio e altamente patológico de uma púbere em queda livre.
«O Diário Secreto de Laura Palmer», livro escrito por Jennifer Lynch, filha de David Lynch, um dos criadores da série, retrata o lado sombrio da adolescência, o deslocamento, a busca incessante da identidade e o abuso sexual.
Laura esconde em si segredos impensáveis a uma púbere de 12 anos. Aliado a isso, revela uma maturidade anormal, eventualmente, com base em experiências que a própria decide aniquilar de si mesma, deslocando-se da realidade e alojando-se em pensamentos cada vez mais delirantes. Essas experiências são fruto do abuso sexual de que é vítima, nunca descrito frontalmente, sempre num limiar entre a realidade e a fantasia.
Aliado a essa instabilidade emocional da jovem, o acesso a drogas, que culmina num grave transtorno relacionado a substâncias, aprofunda ainda mais os delírios de Laura, muitas vezes, não sabendo com certezas plenas onde esteve, com quem esteve, o que fez, se dormiu, se sonhou, se escreveu.
O presente livro destaca assim a vida de um adolescente, vítima de abuso sexual, que na sequência disso mesmo tem de lidar com as suas próprias compulsões sexuais como forma de atenuar uma culpa auto-infligida.
Essa culpa percorre todas as entradas do diário secreto de Laura, até completar 16 anos de idade. Considerando-se suja, despojada de qualquer valor, a Laura sabota qualquer oportunidade de ser feliz e valorizada, havendo aqui uma clara definição de comportamentos típicos de uma vítima de abuso sexual.
Típico é também o padrão do abusador. Se eventualmente é daquelas pessoas que não quer saber, por algum motivo, pare de ler agora.
Foi o pai quem matou Laura Palmer e para quem lê este livro, logo nas primeiras páginas, consegue descobrir isso mesmo, pelo toque ligeiro que a autora impõe na personagem para, desde logo, o fazer desaparecer de cena.
Também é assim com os abusadores sexuais na vida real. Como fantasmas. Andam por ali mas não se deixam, realmente, ver. A Laura sempre o sentiu por perto mas a forma de o materializar, essa, é deveras difícil para uma miúda de 12 anos.
As consequências de um abuso e, sobretudo, a culpa que a vítima carrega em si mesma, está exemplarmente bem descrita ao longo do livro de Jennifer Lynch. Através de simples entradas no seu diário, conhecemos uma Laura, entre muitas, cuja infância é ceifada por um BOB, entre muitos.
Uma história perturbadora mas, ainda assim, a merecer destaque pela temática urgente que encerra.