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É sabido que a crise está a afectar gravemente o sector dos meios de comunicação social, muito dependente das receitas publicitárias e muito sujeito às aleatoriedades das estratégias de investimento e dos rendimentos bolsistas dos grupos económicos em que crescentemente se insere.
Não deixa por isso de ser surpreendente a notícia de que um jornal como o
El País, a jóia espanhola do grupo PRISA, recusou no início deste mês publicar, no suplemento
Babelia, o anúncio à edição espanhola do
Le Monde diplomatique, espaço publicitário que é aliás comprado no
El País pelo referido jornal há mais de quatro anos.
A justificação enviada pelo
El País à administração da edição espanhola a 5 de Março foi apenas
esta: «O anúncio contratado pelo
Le Monde diplomatique para ser inserir na
Babelia do próximo dia 7 de Março não vai ser publicado. O motivo é que a redacção do
El País não deu autorização».
O que explica esta estranha decisão? Não pode deixar de se notar que no número de Março – cujo conteúdo seria publicitado no anúncio em questão – a edição espanhola do
Le Monde diplomatique publica em manchete um artigo do jornalista Pascual Serrano, intitulado
«La crisis golpea El País» (A crise golpeia o
El País), em que analisa as dificuldades económicas atravessadas pelo grupo espanhol.
O
grupo PRISA é detentor de um grande número de meios de comunicação social (imprensa, rádio, televisão, cabo, edição), sobretudo em Espanha e na América Latina, mas também em Portugal, onde desde 2007 detém 94,39% do capital da Media Capital e 99,94% do da TVI. No seu sítio Internet o grupo apresenta-se, aliás, como «um grupo global», «o primeiro grupo de meios de comunicação nos mercados de língua espanhola e portuguesa, líder em educação, informação e entretenimento».
O artigo de Pascual Serrano apresenta vários elementos sobre a crise no grupo PRISA: quebra de cerca de 80% no valor das acções em 2008; redução de 56,8% no seu rendimento bruto, no total de 83 milhões de euros; dívida de quase 5 mil milhões de euros, tendo que ser pagos até ao final de Março quase 2 mil milhões; suspensão do pagamento de dividendos a accionistas, algo que acontece pela primeira vez desde que passou a ser cotado em Bolsa, em 2000…. Apresenta também elementos sobre a grave situação do diário
El País, dificuldades que associa, entre outros aspectos como a quebra de vendas, à estratégia do grupo de «procurar a qualquer custo um forte crescimento na América Latina, algo que sem dúvida conseguiu, mas pagando o preço de perder a sua solidez empresarial».
É difícil de acreditar que um jornal como o
El País, que pretende ser uma referência em matéria de ética jornalística, reaja a uma situação de crise económica pensando que é possível ocultar a informação, nomeadamente dos seus leitores. Mas também é verdade que a comunicação é cada vez mais um espaço onde se misturam várias lógicas, com todo o peso das lógicas comerciais, económicas e financeiras. E que a mercadorização da informação e a remuneração do capital accionista tende a implicar uma opção pela venda dos leitores, ou da atenção dos leitores, aos anunciantes e não pela venda de notícias e demais informação aos leitores.
No quadro do debate sobre a necessidade de leis e regulações que de facto protejam o direito fundamental à informação, limitem a concentração da propriedade dos
media e assegurem o pluralismo, é comum dizer-se que com a chegada da globalização neoliberal à comunicação social ficamos todos a perder. Não sabíamos que isso também podia querer dizer que um gigante da comunicação social podia perder as receitas publicitárias pagas por um jornal que, fora do
mainstream da comunicação, teima em depender dos seus leitores. Tempos interessantes.