Ao longo da história da filosofia, a lógica tem
sido usada como ferramenta fundamental que nos auxilia a distinguir argumentos
válidos de inválidos.
Referem-me com frequência que reduzir a filosofia
à lógica retira àquela parte essencial do seu papel.
Acontece que não se reduz em momento algum a filosofia
à lógica, mas analisa-se logicamente os argumentos, o que deve ser natural em
grande parte do trabalho filosófico.
Como já foi explicado em posts anteriores, a lógica não capta,
por si só, todas as subtilezas da argumentação, mas é uma ferramenta preciosa
quando bem aplicada à argumentação.
É o caso dos inspetores de circunstâncias. Como o nome sugere, um
inspetor de circunstâncias vai inspecionar as condições de verdade de um dado
argumento dedutivo. A regra da validade dedutiva indica que um argumento é
válido se for impossível uma circunstância em que a ou as premissas seja(m)
verdadeira(s) e a conclusão falsa.
Tomemos um exemplo prático de um argumento:
Exemplo 1
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A relva é amarela e as nuvens
cor-de-rosa
Logo, a relva é amarela
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Este argumento tem uma premissa apenas e uma conclusão. Sabemos que a premissa
é falsa, a conclusão também e o argumento é válido. Intuitivamente sem recurso
a um inspetor compreendemos a validade do argumento.
Exemplo 2
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Se Deus existe, a vida faz sentido
A vida faz sentido
Logo, Deus existe
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Que dizer deste argumento? Em princípio um crente aceitará a primeira premissa,
mesmo que não seja estritamente necessário que a aceite para justificar a sua
crença. Será o argumento dedutivamente válido? Tudo o que há a fazer é
inspecionar as circunstâncias em que ocorre verdade e falsidade nas premissas
do argumento. Temos de testar pelo inspetor todas as circunstâncias possíveis.
Utilizando o dicionário, obtemos:
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Deus existe – p
A vida faz sentido – q
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(O dicionário consiste em traduzir cada uma das
diferentes proposições que compõem o argumento em variáveis proposicionais,
normalmente expressas em
p, q, r.)
De seguida, formalizamos o argumento:
O argumento na tabela, se usarmos corretamente simbologia lógica convencionada,
deverá constar assim:
(O símbolo ╞ significa
“logo”, é indicador de conclusão e designa-se martelo semântico.)
Para p e q existem quatro variações de
verdade. Ou ambos são falsos, ou ambos são verdadeiros. Ou p é
verdadeiro e qfalso, ou o contrário. Existem mais? Não.
Fazemos então uma tabela onde dispomos estas variações:
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Verdade para p e
verdade para q
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1.ª premissa
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2.ª premissa
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Conclusão
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p q
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Se p então q
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q
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Logo, p
╞
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1.ª circunstância
2.ª circunstância
3.ª circunstância
4.ª circunstância
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V V
V F
F V
F F
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V
F
V
V
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V
F
V
F
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V
V
F
F
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O que é que observamos no inspetor? Chama-se inspetor de circunstâncias, já que
a tarefa é mesmo a de inspecionar no argumento o que acontece no caso de
verdade ou no caso de falsidade. Assim, na primeira circunstância, em que p é
verdadeiro e q é verdadeiro, a primeira premissa é verdadeira,
a segunda também e a conclusão também. Ou seja, passa o teste da validade.
Lemos então assim: se for verdade que Deus existe e se for verdade que a vida
faz sentido, então também é verdade que Deus existe na conclusão e o argumento
é dedutivamente válido.
Se olharmos para a 3.ª circunstância, o que é que acontece? Se for falso que
Deus existe (p) mas verdadeiro que a vida tem sentido (q); e se
afirmarmos na premissa a consequente (q) e na conclusão a antecedente (p),
então, as premissas do argumento são ambas verdadeiras e a conclusão falsa.
Ora, se atendermos à regra da validade dedutiva, verificamos que esta é
violada.
Falta ainda explicar um passo. Como é que sabemos os valores de verdade nas
colunas das premissas e conclusão? Pelas regras simples da lógica
proposicional. P e q isoladamente são
proposições simples (melhor, são classes vazias que representam simbolicamente
classes vazias de coisas ou estados do mundo). P e q podem
ser conectados logicamente. Há quatro modos principais de conectar proposições
simples, tornando-as compostas: a condicional, a bicondicional, a conjunção e a
disjunção. E também podemos negar as proposições (simples ou compostas), mas
isso não irei adiantar para já, uma vez que o que pretendo mostrar é a
utilidade dos inspetores.
Exemplos de proposições compostas:
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Condicional
Bicondicional
Conjunção
Disjunção
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Se Deus existe, a vida faz sentido
Deus existe se e somente se a vida faz sentido
Deus existe e a vida faz sentido
Deus existe ou a vida faz sentido
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As frases apresentadas nesta grelha são modelos, pois
depende muito de como falamos ou como escrevemos quando filosofamos. Tudo o que
há a fazer é estudar pacientemente modelos mais típicos de apresentação das
proposições na linguagem natural.
Conclusão: os inspetores são uma boa ferramenta para avaliar muitos
argumentos. E se for ensinada de início, pode-se recorrer a esta ferramenta
todo o ano. Isto se o manual que usamos a aplicar também.
Escreverei mais adiante um post a
explicar modos eficazes de trabalhar com proposições.