Neste
lago a transbordar de horas preguiçosas, procuro distinguir tempos e divido as manhãs da rotina semanal em tarefas
específicas, arrumo-as. Na prateleira dos dias existem horas de ir ao super, limpar a casa, fazer sopa, compotas, etc. Mas, talvez por não
apetecer o recheio, por vezes, revolvo-me em horas transgressoras. Então,
aniquilo horários e sento-me a ler. De tanto livro que li, não recordo uma
lição específica, nem houve aquele dia gratificante em que encontrei o princípio
que me serviu, estrela polar do meu norte. Os livros são desde sempre o meu
escape. Recreiam-me. E, enquanto nos livros de estudo o que mais gostava era já
ter estudado, nestes, compraz-me o durante, estar a lê-los. Tenho uma amiga que,
após a leitura, elabora relações entre a história e a vida do autor, atribui às
personagens um valor real (são esta e aquela pessoa) e faz ela mesma um livro
dentro do livro, onde autor e personagens surgem num enredo quase maior que o escrito.
Quando discutimos juntas uma obra - temos gostos literários bastante próximos e devo-lhe muita leitura -,
fico boquiaberta com o que nela consegue descobrir e, para lá da banalidade, pouco acrescento, ela interpretou tudo. Claro
que não sabemos se as suas afirmações correspondem à verdade, mas admiro-lhe
tal perspicácia. Mas, o ponto é que leio as histórias sem querer saber o que
está por detrás da mão que escreve. Interessa-me o escrito, páro no improvável
das metáforas e encantam-me certos parágrafos pela beleza ou realismo da
descrição. Se, enquanto leio, estou lá com as personagens, depois disso, elas
não me atormentam nem interessam. Passaram. Penso nos livros lidos como algo de
que gostei ou não, sabendo porquê. E Ponto.
É
certo, os livros abrem-nos a outros horizontes, mas, do pouco que vi pelo
mundo, aprendi que nada é como ir e estar lá. Nada. A descrição, por melhor que
seja, não provoca sensações e emoções idênticas a quem pode ver e passear pelos lugares. A
realidade, natural ou construída, será sempre o grau máximo do sentir. Mas
o que nos livros atrai os homens – os que escrevem e os que lêem -, arrisco
afirmar, são as paixões humanas e a forma como cada autor, na sua época, joga
com elas. Toda a escrita é forma de estar não estando e convenço-me que
escrever seja a expressão mais comum da nossa periclitante eternidade.