O
que é que eu fiz neste Primeiro de Dezembro, feriado nacional por via da libertação do domínio dos Filipes,
reis espanhóis que se eternizavam a reinar em Portugal havia sessenta anos. Reza a história que a um de Dezembro de mil seiscentos
e quarenta, quarenta benditos conjurados
esconjuraram a obediência à coroa espanhola e proclamaram de novo o Portugal
independente, defenestrando o traiçoeiro Miguel de Vasconcelos e remetendo à
origem e com aviso de recepção, a duquesa de Mântua. Bingo. E depois ainda houve o convite a D. João, a
ver se o senhor duque queria ser rei (se isto é coisa que se pergunte). E ele em
Vila Viçosa, hã, hã, hã... não atava nem desatava, pensando em espadeiradas que
lhe acertassem e exércitos espanhóis cheios de genica a invadirem o Portugal, e
tão bem que se estava no Paço alentejano. E vai daí, a mulher, que até era espanhola, não esteve
com meias medidas e encostou-o à parede, ou aceitas ou vais bater a outra porta,
que bem se vê nos olhos dela que foi assim que tudo se passou. Mas o que consta
dos autos é que mais lhe valia ser
rainha uma hora que duquesa toda a vida. Seja como for, temos que convir, falou
bem.
Pois,
mas eu vinha falar do meu primeiro de Dezembro. O assunto nem era a revolução
de 1640. Isto porque tenho de começar o calendário. E entrei tão, mas tão bem,
com a missa de Bernstein. Coisa mais bonita. Abençoada canseira que me fez
correr o dia todo para chegar em cima da hora. Tanta gente em palco (mais de
250 músicos) e todos tão completos no seu papel. E logo eu que tanto gosto de
coros: eram vários, o da Gulbenkian, pois claro; os coros participativos e os
coros infantis da Casa Pia de Lisboa e do
Instituto Gregoriano; a orquestra da Gulbenkian, a Orquestra Geração e músicos
da Escola de Jazz Luís Villas-Boas. Foi um espectáculo ma-ra-vi-lho-so.
E
pensar que esta missa foi encomenda de Jacqueline Kennedy para a abertura do Kennedy Center for the Performing Arts no ano de 1971. Não me esqueci, bem sei que nessa
altura a senhora tinha nome Onassis, mas para mim Onassis não conta como não
contou para a D. Jacqueline. Havia de facto um milionário com tal nome e ela
usou-lhe poder e influência, não que lhe
existisse.
Obrigada, Bernstein, estou rojada a teus pés desde a missa. E já sabes, se os
anjos te chatearem, agora que suponho sejas
todo colcheias e claves de sol, desabafa à vontade. Conta comigo para o que for,
um recado musical, uma pauta preenchida que queiras divulgar, uns cânticos
ainda mais celestes que os que ouvi hoje, estás à vontade.
E obrigada a todos que, em palco ou fora dele, deram
o seu contributo em arte tão completa. O sabor da qualidade foi prazer raro.
Respirei.
Primeiro de Dezembro que, na SIC, foi um bocadinho diferente :))
ResponderEliminarBoa semana
Não vejo TV:).
EliminarO título de Marcel Proust, em busca do tempo perdido, parece-me ilustrar bem o seu afã musical (disse-nos que despertou tardiamente para a música). E vejo aquela casa já como pertença sua, onde ruma em peregrinação regular na procura do que de melhor o catálogo propõe face à disponibilidade de bilheteira.
ResponderEliminarDepois, oferece-se à alma do grande compositor-maestro para contar consigo para o que for, um recado musical, uma pauta preenchida, uns cânticos celestes.
Ora se, no azul etéreo do espaço sideral, lá onde os génios descansam, a sua voz for ouvida, que será da sua prosa que aos meus ouvidos já me soa como música?
Pois, Joaquim, morrendo eu, morre a prosa. E lá me encontro com o maestro, caso ele queira descer uns largos degraus que a genialidade não me assenta.
EliminarPode crer, gosto daquela casa. Só uma nuance, não sei escolher o que de melhor há no catálogo. Escolho ao acaso, ou ao que me parece um bom acaso. E por vezes acerto. Outras nem tanto. Dir-me-á, mas por que é que não lê as informações anexas a cada concerto. Para ser surpresa, Joaquim. Eu não fazia a mínima ideia do que ia ouvir. Ao invés de montes de gente gosto de surpresas:).
Mas não há que temer, nem o Natal me afasta completamente da escrita; é mesmo só por morte. Mas há menos tempo livre.
Assim se ganha alma nova. Abençoado música.
ResponderEliminarBoa semana, Bea.
Verdadinha, Nina:).
EliminarComo a música pode fazer a diferença num dia com outras lembranças históricas à mistura… A missa de Bernstein. Magnífica! Gostei muito do seu texto.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
A missa é magnífica. Mas os artífices foram geniais.
EliminarA Bea tem a sua peregrinação e quanto a mim, a um bom local de culto. Eu que estou mais perto, nem vou lá tanto quanto devia. Mas foi lugar de toda a minha adolescência e entrada na idade adulta, inesquecíveis jardins.
ResponderEliminar~CC~
São mesmo inesquecíveis jardins. Sou imensamente grata ao arquitecto paisagista que os projectou. A Gulbenkian é o meu lugar preferido em Lisboa, um céu aberto.
EliminarBem gostava que tivesse sido o meu lugar de adolescência e até me bastaria só de juventude. Mas descobri-o no tarde da vida, como a música clássica:). Talvez valorize mais também por isso.
Mas a menina Bea anda sempre a cirandar, a fazer programas tão bons, até parece que vive em Lisboa :)
ResponderEliminarTenho saudades de ir à Gulbenkian, ia lá muito, antigamente.
Belíssimo programa, Bea, e ainda bem que respirou ma-ra-vi-lho-sa-men-te!!!
Boa tarde.
🎹 📯 🎻🎺
Ai respirei, respirei, não se nota pela crónica?
ResponderEliminarNesta fase da minha vida, se vivesse em Lisboa, era a achata, a vai a todas da Gulbenkian (todas não, mas bastantes).
Vá, monta-se nas suas tamanquinhas e vai até Lisboa. Depois é só dar um passeiozito pelos jardins a confirmar se continua tudo muito igual, assiste a um espectáculo ou vê uma exposição, faz um lanche num dos restaurantes, etc.
Boa noite, Maria
Ah, Bea, se fosse só montar-me nas tamanquinhas ia lá ainda hoje...
EliminarA questão é que não posso mesmo: impossível levar a minha mãe comigo, impensável deixá-la sozinha.
Tão simples quanto isso.
Consolo-me a pensar que há tanta coisa que queria ver e/ou rever que ir lá por um dia seria uma enorme frustação.
Mas vá contando, que eu gosto do seu contar :))
Abracinho.
🍒
Maria, há uma coisa chamada mulher a dias, empregada paga à hora, vizinha paga à hora, etc. Uma das minhas amigas teve a mãe acamada e com alzheimer durante seis anos em sua casa. Não deixou de me visitar (embora eu fosse mais assídua o que é compreensível). Nesses dias, uma senhora paga à hora tomava conta da doente. Era caro, vivemos longe uma da outra; mas acertaram o preço e era menor do que o de uma mulher a dias paga à hora; e a senhora era tão simpática que ainda lhe passava a roupa a ferro e fazia refeições para ficarem prontas no frigorífico ou na arca congeladora. Além disso, a minha amiga precisava, para sua sanidade mental, ter algum recreio. Como a Maria, provavelmente, precisa. Já pensou em fazer algo de semelhante? Vai fazer bem às duas.
EliminarE eu não sou nada dessa opinião de que um dia só é uma grande frustração. Um dia não é melhor que nenhum? A beleza fica em nós por tanto tempo, até para sempre. Como os AA, digo que é um dia de cada vez. E sempre com a esperança de que, no caso, haja mais vezes.
Pense nisso. E obrigada pelas cerejas
Imagino o quão gratificante foi esse encontro de vozes... Bj
ResponderEliminarFoi lindo, Gracinha.
EliminarAinda bem que começou o mês da melhor maneira! :)
ResponderEliminarBeijos
Pode dizê-lo, Cidália: da melhor maneira:).
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