trump
Mostrar mensagens com a etiqueta trump. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta trump. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

So Help Us God


O impensável aconteceu. Donald Trump é o presidente eleito dos Estados Unidos da América. Como foi possível? E agora?




A 9 de Novembro de 1989, o mundo ocidental assistiu, esperançado, à queda de um muro. Um muro de vergonha que durante quase três décadas separou famílias e amigos de Berlim, alemães de um lado e do outro e simbolizou a separação entre dois blocos civilizacionais opostos.

Por cruel ironia do destino, precisamente 27 anos volvidos, os americanos elegeram um homem cuja promessa mais sonante foi a de erguer um muro na fronteira com o México. Se isto fosse um tema divertido diria que vem tarde demais, o Herrera já saiu de lá. Não sendo, resta-me fazer uma pequena reflexão sobre os motivos que conduziram o primeiro pussy grabber da história a chegar à Sala Oval e o que se segue agora que a catástrofe aconteceu.


Como foi possível?


Não sou, nem de longe nem de perto, um especialista sobre a sociedade americana. Sou um observador razoavelmente atento aos fenómenos que trespassam as notícias e aos que por elas deslizam sem grande alarido.

Lembro-me bem da esperança que senti aquando da primeira eleição de Barack Obama, como se um novo e invisível muro tivesse sido derrubado. O primeiro negro presidente, mas mais do que isso, alguém capaz de entusiasmar as massas à volta do seu discurso progressista e inclusivo. Tão inspirador que lhe valeu o Nobel da Paz, vejam bem. O Commander-in-Chief das forças armadas mais poderosas do mundo, primeiro e último responsável por todas as acções por elas cometidas, laureado pelos "seus esforços pela fraternidade entre nações e/ou redução de armamento. Em rigor, "shall have done the most or the best work for fraternity between nations, for the abolition or reduction of standing armies and for the holding and promotion of peace congresses". O Comandante Supremo das Forças Armadas.

Oito anos volvidos, a sua maior bandeira e previsível legado - a reforma do sistema de saúde - está a um pequeno passado de ser obliterado. Pelo meio, milhares de outras coisas, evidentemente, desde o pacote de estímulo e reforma legislativa do sector financeiro, pós crise do subprime de 2008 até à captura de Bin Laden, assistida ao vivo pelo presidente e seu staff, para lá de promover a queda de Gaddafi, retirada do Iraque e tentativa de sair do Afeganistão (não consumada). 

O que sobra hoje, qual a imagem mais forte dos dias que correm da sua passagem pelo poder?

Sobra a simpatia, o sentido de humor e a determinação de um homem que um dia deu a sensação de poder fazer do mundo um sítio um pouco melhor mas que, no final, deixa o cargo sem nada de relevante ou decisivo ter feito para evitar e depois travar uma das maiores crises humanitárias do século, a que se vive na Síria, às custas da coligação de dois ditadores sanguinários, Putin e al-Assad, contra os quais não pode ou não quis fazer nada.

Por outro lado, lá nos Estados Unidos a globalização cobrou a sua "portagem" e a classe média e média-baixa sentiu-a como ninguém, assistindo impotente à deslocalização das suas indústrias para o estrangeiro, com destaque para a China e México. Menos emprego, menor poder de compra e uma economia dual, cheia de contrastes extremados que vão desde Silicon Valley até ao Rust Belt.

Se nem Obama conseguiu mudar o mundo - ou, no que interessava para a eleição, a América - como poderia alguém tão embrenhada no tal establishment como a cínica Hillary Clinton ser digna da confiança dos americanos? Chegámos a um momento da História em que a democracia tem que ser posta em causa.

Não para a substituir por qualquer outro sistema autoritário ou anárquico, mas antes para a dissecar ao milímetro e perceber em que ponto é que os eleitores deixaram de se sentir representados pelos seus eleitos. Em que ponto é que o ecossistema político de cada nação se fechou em si mesmo, perdeu a noção do seu propósito primeiro e passou a partilhar o espólio por ciclos de alternância (alô Portugal?), sem cuidar de verdadeiramente responder aos anseios dos cidadãos seus representados.




Making America White Again


As causas serão muitas, em boa parte já bem estudadas e documentadas por quem de direito, mas aqui importa-me realçar os efeitos dessa alienação da classe política ocidental (para não generalizar ao que não tenho a certeza ser verdadeiro) da realidade que o cidadão comum enfrenta no dia-a-dia.

Em minha opinião foi este desconforto, este afastamento entre eleitor e eleitos, esta revolta ainda contida das pessoas que elegeu ontem Donald Trump. Isto e uma condição endógena da sociedade americana, que se tem vindo a desenvolver ao longo das décadas, e que tem a ver com o ressentimento que a população branca tem vindo a desenvolver face ao crescimento (em todos os sentidos, desde o demográfico ao cultural e sócio-económico) das outras "minorias" não-brancas. 

Parece-me razoável que a América branca, rural e industrial, envelhecida, que reside entre as duas costas se tenha empenhado em eleger o primeiro candidato em décadas a dar-lhes atenção e a prometer devolver a "ordem natural das coisas". Um péssimo propósito mas que terá valido milhões de votos, ao passo que muitos dos "indignados" com os insultos de Trump possam ter ficado em casa em vez de ir votar.

E daqui se pode passar para um terceiro conjunto de razões: as sondagens. Todas, sem excepção, falharam miseravelmente. Será que se as sondagens tivessem previsto o resultado que foi o final, a votação teria sido a mesma? Aposto que não, precisamente porque eliminaria o efeito anestético que as mesmas tiveram em gente que julgou ser garantida a derrota de Trump. 

Só assim se consegue perceber como foi possível que o candidato mais transversalmente hostilizado pelos média e celebridades americanas tenha conseguido chegar a presidente dos Estados Unidos, sobrevivendo inclusive a todas as suas mentiras, escândalos, insultos, plágios, declarações xenófobas, machistas e inflamatórias e à absoluta falta de propostas concretas e/ou exequíveis.




E agora, vem aí o Armaggedon? Não, é um "novo" Deal, estúpido!


Com todo o risco que prever o comportamento de alguém tão instável e egocêntrico encerra, eu diria que não, nem por sombras. 

Em primeiro lugar e desde logo, porque o presidente não governa sozinho. As escolhas que fizer para a sua entourage poderão ajudar a perceber qual será o "tom" inicial da sua presidência, mas para lá disso existem outras câmaras de poder que controlam a acção presidencial - e não será por serem dominadas pelo seu partido que terá carta branca para as suas loucuras.

Depois, porque Trump é um empreiteiro-sucateiro no seu máximo esplendor, um chico-esperto empreendedor com uma confiança inabalável em si mesmo e nos seus métodos "inovadores" para atingir os seus propósitos. Ou seja, é um homem de negócios e continuará a ser.

O seu discurso de vitória não lhe assenta minimamente, mas foi essencial tê-lo feito. Foi a tal faceta de businessman que se sobrepôs, porque era importante acalmar as bolsas e mercados financeiros, e também porque lhe caiu no colo uma missão para a qual não está nem remotamente preparado e até ele reconhece que vai precisar de muita gente - uma boa parte, já muitas vezes vítimas dos seus desvarios e insultos - para o ajudar.
No que ao resto do Mundo interessa, a política externa americana, é bem possível que os próximos anos sejam "diferentes", com o surgimento de novos alinhamentos e o quebrar de alianças antigas. É aqui que temo mais o seu ego e que possa reagir recorrendo aos seus instintos mais primitivos (quase todos, no caso dele). Não é de excluir que povos inteiros possam passar "um mau bocado" à custa da sua imprudência e impreparação - mas também, sejamos honestos, não há já neste preciso momento quem esteja a sofrer para lá do que seria humanamente aceitável? A diferença é o receio de que agora possamos ser nós. Resta-nos confiar na sabedoria e bom senso dos seus conselheiros, para que nenhum conflito regional possa alguma vez evoluir para uma escala mais perigosa para todos.

O discurso de Trump foi revelador em alguns aspectos, nomeadamente quanto ao caminho que ele entende ser o correcto para fazer a economia crescer: construir. Build, build, build, ou não fosse ele o Bob, o Construtor da vida real. Trump planeia reformar as infraestruturas da nação, aumentando assim o emprego e melhorando as condições de funcionamento da própria economia. Diz que é uma espécie de New Deal à la Trump, desta vez liderado por um "republicano" (read and weep FDR!). Só falta explicar um pequeno detalhe: onde vai buscar o dinheiro para todo esse investimento, conciliando isso com a prometida diminuição de impostos e consequentemente da receita federal. Lookout FED, Donald is coming for you (and your printing machines)! 




E afinal, nem tudo é mau.


Para lá do mais do que óbvio bónus que os americanos recebem ao ter a hottest First Lady ever (desde que o botox e o silicone se mantenham estáveis e intactos), não vamos ter que aturar Hillary Clinton. Tenho genuína pena pela oportunidade que se perdeu de ter uma mulher presidente, pelo progresso que representaria para a raça humana como um todo. Mas Hillary também não me parece bem uma mulher, nem um homem, mas something in between. Eu não gosto de Hillary, mas teria votado nela. Contrariado. E mentalmente, votei. Sobra-me assim agora um sincero alívio após as lágrimas da derrota. Queriam uma mulher presidente, que ganhasse as eleições com uma perna às costas, tivessem convencido Elizabeth Warren a concorrer, em vez de colocar Hillary à frente de tudo e todos. Mas se calhar, não queriam.


Seja como for, 8 de Novembro de 2016 entrará certamente na História como um marco significativo. De quê exactamente, é o que se verá daqui em diante. Eu gostava que fosse o grito de alerta que as outras nações democráticas ouviram com horror e lhes permitiu antecipar a proliferação de Trumps por este mundo fora. Que as incentivou, uma após a outra, a reformar os seus sistemas e os seus políticos e os redireccionou de volta para a prossecução do superior interesse do bem comum. Deixem-me sonhar, porque a realidade soa a pesadelo.

Imaginem se um dia Joe Berardo se candidata a primeiro-ministro e tem como opositora a Ana Gomes (kudos ao Jorge, Porta 19). Querem mesmo ser forçados a ter de escolher entre um dos dois? Ou correr o risco de Joe ganhar? Fuck U!



Lápis Azul e Branco,

Do Porto com Amor



P.S. - O contrato proposto por Trump ao eleitor americano para os primeiros 100 dias da sua presidência, aqui. Se ainda não estavam preocupados, agora é uma boa altura para começar. Ah e tal que ele não vai fazer nada do que diz... ah e tal que ele jamais seria eleito...