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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

AMIGO ANTÓNIO EM ENTREVISTA


O Amigo António, já aqui referido várias vezes, sempre com a humildade da sua opinião esclarecida embora raramente em consonância com o «politicamente correcto», ofereceu-me uns apontamentos da entrevista que deu à professora de sociologia Arlete de Betencourt e que pensa que esta não tornará pública.

P. O Sr. tem emitido opiniões que chocam os diversos partidos. Afinal qual é o seu partido?

R. Não tenho clube de Futebol como não tenho partido político. Por vezes, perante a insistência nesta pergunta, acabo por dizer que o meu partido é Portugal. Raramente vejo um partido apresentar ideias e argumentos que concorram para um Portugal mais rico e mais solidário e, quando surge uma dessas excepções, evidencio o meu agrado pela atitude de tal partido. Mas isso significa apenas que aplaudo essa ideia. Hoje existe fraco espírito de missão e os entusiasmos próprios de fugidios momentos, raramente se integram numa ideologia coerente vantajosa para satisfação dos portugueses. Mas, como em tudo o resto, só servem para impressionar agradavelmente os eleitores.

P. Mas pode dizer-me em quem tem votado?

R. Nunca votei num partido como muita gente faz «porque esse foi sempre onde votei desde o início». Há pouco mais de meia dúzia de anos, em eleições em que o candidato é uma lista, o meu voto foi em branco, como uma manifestação de ausência de confiança em todas e cada uma das listas. Agora o espírito é o mesmo, mas opto pela abstenção para que os partidos, em que não confio, não beneficiem do subsídio correspondente a mais um voto. É que cada voto que entre nas urnas, mesmo nulo ou branco, conta para o subsídio que os partidos recebem do nosso dinheiro.

P. Pelos vistos não gosta das listas concorrentes a eleições.

R. Realmente, não. Não é lógico que se vote numa lista, por vezes de dezenas de pessoas que não conhecemos. E tem havido casos em que, mais tarde, delas tem saído grandes malandros, quer viciados na corrupção, ou no tráfico de influências, ou no roubo de gravadores a jornalistas, ou em negociatas de promiscuidade entre interesses públicos e privados, autores de leis mal feitas, por incapacidade ou por má intenção, etc., etc. Por isso, defendo que não devemos votar numa lista em que haja indivíduos em que não tenhamos o mínimo, de informação segura para neles acreditarmos.

P. Qual é a sua opinião sobre a forma como decorrem as campanhas eleitorais?

R. A minha opinião é a pior possível. Normalmente não passa de uma técnica de publicidade duvidosa, para não dizer falsa, por vezes orientada por técnicos de publicidade comercial, com promessas de autênticos milagres que curam todos os males e geram um paraíso onde não faltam os sucessos e os prazeres do maior bem-estar. Estas patranhas sem lógica nem possibilidade de concretização, não convencem os eleitores com inteligência acima da média a não ser os que estão interesseiramente amarrados ao partido e que vão votar no seu próprio tacho. A restante população, tal como compra a banha de cobra, ou outra mesinha cura-tudo ou o bilhete de um sorteio ou aproveita o crédito que lhe impingem e que depois o coloca em dificuldade para pagar com juros, deixa-se levar pelo político bem falante que garante ou assegura que o voto lhe vai trazer o melhor com que sempre sonhou.

P. E acha isso inconveniente?

R. Não posso deixar de considerar um sistema péssimo. A democracia não funciona, convenientemente, com eleitores abúlicos, apáticos, desinformados que agem como dóceis rebanhos conduzidos para o açougue por pastores que não merecem a confiança das ovelhas. Depois ficam com uns mandatários mal escolhidos, sem preparação, sem a honestidade suficiente, que rasgam as promessas feitas na campanha e actuam segundo os seus caprichos, custe o que custar, sem darem contas nem explicações a quem os mandatou, como se fossem ditadores ou oligarcas autoritários e arrogantes, sem que os seus mandantes, os que os escolheram, os possam destituir por não corresponderem ao contrato feito ao serem eleitos, isto é, não cumprem as promessas pelas quais em troca receberam o voto.

P. Mas Portugal tem melhorado apesar de tais inconvenientes?!

R A esta sua pergunta, costumo responder com muita ironia: É verdade que depois do 25/A, passámos a ter televisão a cores, por cado por fibra, internet, telemóvel, computadores, tablets, e-mail… Mas isso foi a evolução do globo, em que a nossa posição não sobressaiu como gostaríamos. A comparação com os países europeus não é favorável de uma maneira geral. Os nossos governos têm piorado na forma como encaram a desejável melhoria da qualidade de vida. Cada mudança acaba por aumentar a quantidade de sanguessuga que se alimentam do nosso dinheiro, sem trazer melhor qualidade ao País. Aumentam as fundações, os observatórios, as PPP, os assessores, os consultores, mas do seu trabalho não tem resultado desenvolvimento para Portuga. No entanto florescem os ex-políticos, todos a viver na maior (mesmo os que entraram na política de tanga), os bancos, os serviços e empresas públicos e os coniventes e cúmplices.

P. Acha que a crise política de há dois meses e meio teria sido melhor resolvida com eleições antecipadas?

R. Não havia necessidade nem vantagem. O país nestes quase 40 anos não melhorou com mudanças de governos. Tem vindo a piorar continuamente e agora as eleições antecipadas seriam mais um agravamento: tempo perdido, custos das eleições e depois o aumento dos parasitas do Estado, porque o novo governo traria mais sugadores do erário a somar aos já existentes. Porque, embora este governo diga que para os eleitores não há direitos adquiridos e faça cortes cegos em tudo quanto esteja ao seu alcance, os políticos não são alvos disso pois os seus «direitos adquiridos» têm sido respeitados, porque, entre si, eles são de uma solidariedade sem hesitação, num compadrio que ignora fronteiras entre boys, sem olhar a partido. E se saem de umas funções vão para outras porque já ganharam posse e direito ao descanso eterno. São inúmeros os que saltam entre o Estado e o privado que tem relações com o este, do que resulta a promiscuidade e a «podridão dos hábitos políticos» referida por Rui Machete e ele, neste assunto, sabe bem do que fala.

Imagem de arquivo

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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O amigo António e as eleições

Hoje não fico pelas conclusões da conversa com o Amigo António e desço ao diálogo, tanto quanto a minha memória permite, porque não fiz qualquer gravação.

_ António, depois de conversar com várias pessoas, ainda não estou decidido em quem irei votar. Concordo contigo quando dizes que a decisão é nossa e a opinião dos outros não deve ser vinculativa, mas peço-te que me digas como orientar o raciocínio para me decidir.

_ Sabes que movimento o meu raciocínio no âmbito de valores e conceitos, sem me deter nos pormenores que só servem para embotar a nossa visão e desviar a atenção do fundamental. Em democracia, o voto é um direito e um dever que consubstancia o slogan «a soberania reside na população». Mas cuidado, porque a democracia representativa que hoje é tida como o regime menos mau, pouco tem a ver com a democracia directa, dos velhos tempos da Grécia antiga, em que o povo se reunia na praça central, a Ágora, onde eram tomadas as decisões mais importantes da cidade, por voto livre de todos os presentes. Agora, em democracia representativa, não é praticável cada cidadão se pronunciar nas decisões a tomar, e o povo limita-se a eleger os seus representantes, delegados, para gerirem os problemas colectivos.

_ Nesse caso, para escolher aquele em quem vou delegar todos os meus poderes de cidadania, preciso de o conhecer muito bem e de ter a certeza de que ele merece toda a minha confiança e vai resolver os assuntos do meu interesse como se fosse eu.

_ É isso mesmo, e até deve saber resolver os problemas melhor do que tu, porque deve ser um dos elementos mais válidos do País e procurará as soluções que melhor contribuam para os interesses nacionais, que favoreçam os cidadãos em geral, desenvolvendo uma sã justiça social. Mas, infelizmente, a tua escolha é limitada a meia dúzia de indivíduos ou de listas de voluntários que são colocadas à tua frente para escolheres uma. E se para Presidente da República, o problema não é fácil, para as legislativas, então, trata-se de uma tarefa desumana. Em boa verdade, não deves votar numa lista em que haja um indivíduo que não conheças bem e em quem não deposites total confiança. Mas, na realidade, aparecem listas de dezenas de elementos e apenas conheces, e mal, o líder. Desta forma falar de democracia e dizer que o povo é que escolhe, é uma falácia, é vitupério.

_ Mas o que pode fazer um simples cidadão como eu, perante tal cenário?

_ Não pode fazer muito. Uma grande maioria, por medo de represálias (há países onde é obrigatório ir votar), ou por dever de gratidão a um cacique, ou esperança de ser beneficiado por um seu favor, vão votar num partido porque já o fazem desde as primeiras eleições em que participaram ou porque simpatizam com um cabecilha local. Outros que pensam um pouco, e vêm que uns e outros não fizeram muito pelos cidadãos mas sim pelo próprio enriquecimento e dos seus familiares e amigos, recusam ser cúmplices daquilo que se atrevem a denominar de palhaçada, e surge o número assustador da percentagem de abstenções. Os analistas chamam aos abstencionistas cobardes, indiferentes, apáticos, sem sentido de cidadania. Um segundo tipo é o dos que não querem deixar de comparecer, pelos motivos atrás referidos, inutilizam o boletim de voto com um risco em diagonal ou frases insultuosas. Em geral estes votos inúteis, inválidos, são interpretados como de gente ignorante que não soube fazer a cruz dentro do quadrado, e o boletim deixou de ter significado. Um terceiro tipo de votantes tem vindo a aumentar que é o dos votos em branco que são interpretados como um sentimento de falta de confiança em cada um dos candidatos. O votante em branco pretende dizer: não sou preguiçoso nem indiferente e estou aqui para vos dizer que nenhum de vós merece a minha escolha.

_ Mas um boletim em branco pode ser aproveitado por um dos elementos da mesa para fazer uma cruz no seu candidato preferido. Não achas que há esse perigo?

_ Claro que acho isso possível. Nestas lutas pelo poleiro podem ocorrer lutas homicidas do género da que em Nova Iorque entre dois homossexuais terminou com a morte de um. Mas para o votante em branco isso não tem grande inconveniente porque ele sabe que um candidato acaba por vencer, mas como nenhum lhe merece confiança, a perda é menor. Por outro lado, por pior que sejam os elementos da «classe» política, não parece fácil tal conivência, e também porque não aceitariam a divisão dos boletins em branco por igual e não chegariam a acordo noutro critério, acabando por o desentendimento ser conhecido publicamente e gerado escândalo.

_ Falaste na necessidade de conhecer bem cada candidato ou lista para nisso assentar a decisão do voto. Mas, nas próximas eleições, para PR, não há muitos dados a apreciar por quem não tenha seguido durante anos as vidas de cada um, porque as pelavras deles não são confiáveis.

_ Pois é, meu caro, ninguém é bom advogado em causa própria. Repara no que eles dizem de si próprios «está disponível para «falar forte e grosso aos mercados financeiros, especuladores e aos senhores que mandam na Europa». Irá ser o «provedor do povo». Só ele mesmo poderá vencer o favorito na segunda volta. Etc. A par do auto-elogio, a maior parte dos discursos são vergonhosamente demolidores da imagem do rival que as sondagens colocam em melhor posição. Por outro lado, ao mesmo tempo que a generalidade das pessoas diz que é preciso haver grandes mudanças, vê-se uma convicção e de certo modo adesão à continuidade das pessoas e, portanto das ideias e das decisões o que retira a mínima esperança de soluções eficazes para a crise que estamos a viver, porque só por milagre quem esteve nas causas do problema pode travestir-se ao ponto de ser agente da solução. Creio que já te dei tópicos suficientes para puxares pelo bestunto e tomares a decisão que mais estiver de acordo com o teu pensamento.

_ Caro António, esta conversa foi muito proveitosa e vou ver se a reproduzo no meu blog para meditação dos leitores. Dentro em breve irei pedir a tua reflexão sobre esta frase que ouvi há pouco: «A humanidade está tão enlouquecida, desprezando valores e princípios, que já precisa de seguir os exemplos de animais ditos selvagens e irracionais, mas que se mostram mais sociáveis e regrados do que os humanos. Deus deve estar arrependido de ter construído um mundo assim e deve estar a pensar em se demitir!».

_ Não me metas nessas divagações. Isso seria areia demais para a minha camioneta.

Imagem do Google

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Pela iniciativa individual e contra a restrição e repressão estatal

Há muito que não tenho aqui trazido uma das interessantes conversas com o meu amigo António, velho companheiro desde os tempos da mais tenra infância. Se as conversas anteriores versavam recordações de tempos idos e amigos comuns da escola primária, agora, como a vida nacional lhe está a repugnar com a lavagem de roupa suja a propósito da eleição de um de cinco candidatos para um cargo que dizem não ter qualquer poder e para o qual serviria qualquer português com uma minidose de sensatez, decidiu falar do caso do neto mais velho, mas com apenas 12 anos e poucos meses.

O miúdo, filho de pai português e de mãe americana de ascendência italiana, já aprendeu a pilotar aviões. Fiquei espantado e quis que ele repetisse e explicasse. O miúdo, além de bom estudante, era bom na natação, tendo conquistado vários prémios nas competições em que o seu clube entrava. Em mini-férias de inverno ia com o pai fazer ski para uma serra relativamente próxima e deslocava-se com tal agilidade que o pai sentia-se pouco à vontade para o acompanhar, pelo menos com a vista. Entusiasmado com a aviação teve aulas com um instrutor com qualidades didácticas para ensinar crianças e cedo o miúdo começou a fazer as piruetas permitidas pela fragilidade de um pequeno meio aéreo.

Mostrou-me fotografias a confirmar algo do que dizia, mas a minha incredulidade assentava na dificuldade de cá se obter a carta de condução de um simples carro que se desloca em solo rígido e não no fluido gasoso que se chama espaço aéreo. Então ele explicou que não podemos analisar os países evoluídos em comparação com o nosso rectângulo, onde o Poder tudo regula, por vezes mal o que o leva a fazer excepções e confusões criando um emaranhado «legislativo» em que ninguém conhece as linhas com que se deve coser e que originam a necessidade de cunhas e a respectiva corrupção. Cá nada se deixa, como lá, à liberdade individual suportada pela cultura do respeito pelos direitos e liberdades dos outros e respectiva responsabilização.

A propósito da excessiva regulamentação citou o caso da ASAE que funciona com a repressão da pormenorizada especificação das actividades económicas, em vez de as estruturar, simplificando a burocracia, reduzindo os circuitos de distribuição por forma a diminuir a diferença entre o preço pago ao produtor e aquele que é exigido ao consumidor final. A propósito da liberdade de comercializar os produtos, citou que o sogro de outro filho, também na América, é abastado agro-pecuário e, num dia fixo da semana, envia um camião carregado para vender directamente ao consumidor, no «farmer’s market» da cidade, um espaço maior do que um campo de futebol onde os camiões dos agricultores estacionam e, com uma balança e uma caixa registadora, vendem por um preço que, estando livre de intermediários, é bom para eles e para os clientes. Um país em que há liberdade e ausência de repressão e de caça à multa por parte do Poder.

Quando ouvi o amigo António referis a ASAE, a prioridade dada à repressão e ao cerceamento da iniciativa privada, em vez da reestruturação das actividades económicas, simplificando e tornando-as mais criativas e rentáveis, recordei-me da leitura do livro do amigo Manuel Pedroso Marques «Tempos Difíceis Decisões Urgentes».

Não é por acaso que uns países se desenvolvem e outros decaem, esquecendo períodos de grande sucesso que tiveram de ser relegados para a poeira da história.

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O António, «de pequenino torceu o pepino»

Há dias um comentário no post «Jovem flautista com futuro prometedor» referia a dificuldade que um jovem filho de pobres não pode concretizar a sua vocação cultural e artística, desde que esta exija meios exteriores às escolas do Estado. E mesmo que os seus objectivos se enquadrem na estrutura concreta, o estímulo é praticamente inexistente, como refere Jorge Nogueira citado no post «Aluno português brilhou em competição no Japão», quando fala das dificuldades que teve de vencer.

Por acaso, ontem almocei com o amigo António, já aqui referido algumas vezes, e por saber das dificuldades com que se debateu, abordei com ele este tema. Embora tivesse nascido no início do ano, o pai no Outubro anterior a completar 7 anos, tentou matriculá-lo na primária, mas a professora recusou-se a abrir a excepção, mesmo tratando-se de poucos dias, e disse que apenas poderia entrar no ano seguinte. Foram 12 meses em que o pai, usando livros escolares emprestados por um vizinho, foi ensinando o António e quando este entrou na escola já sabia tanto como os da segunda classe.

Foi utilizado pela professora para ajudar os que sabiam menos, e assim continuou até ao fim da quarta classe, porque compreendia as coisas rapidamente e a professora servia-se dele como um auxiliar precioso, para ensinar as classes mais atrasadas, enquanto ela repisava com os da sua classe. Os pais, dadas as referências da professora às suas qualidades e gosto pelos livros, tencionavam matriculá-lo na Escola Comercial e Industrial da cidade, distante de seis quilómetros da sua casa, à semelhança de dois rapazes mais velhos, um e dois anos.

Mas a professora e o marido, também professor numa aldeia vizinha, pressionaram os pais a levá-lo para o liceu e que se estes não quisessem, seriam eles (professores) que lhe pagariam as despesas do primeiro ano e, depois, os pais que decidissem. O professor conhecia o António porque os alunos que estavam a preparar-se para os exames iam lá para casa fazer exercícios depois das aulas e ele observava como cada um se desempenhava das dificuldades.

Os pais, honrados e briosos, apesar das dificuldades de rendimentos, não aceitaram tal ajuda e decidiram seguir tais conselhos e suportar as despesas inerentes, com sacrifícios que podiam ter sido maiores do que se veio a concretizar. O António aceitou sem hesitar percorrer todos os dias a pé, os seis quilómetros de manhã e à tarde, evitando os custos de pensão na cidade. Nunca faltava e, pelo caminho, com chuva, neve, vento ou sol forte, ia recapitulando de cabeça as lições, e recebia todos os anos um diploma de assiduidade por nunca ter faltado ou sequer chegado atrasado. De manhã, procurava estar meia hora antes para cobrir qualquer pequeno atraso a que fosse obrigado.

Mas além da poupança em pensão, houve o incentivo escolar traduzido na isenção de propinas, devida às boas classificações, sempre no Quadro de Honra, em todos os anos e uma bolsa de Estudo no 6º ano, por no exame do 5º ter sido o melhor classificado de todos os examinandos. Uma parte da bolsa serviu para comprar uma bicicleta que facilitou as deslocações entre a casa e o liceu. Também teve apoio da Mocidade Portuguesa que lhe forneceu alguns livros de estudo, dos quais se orgulha de ainda ter e usar os dicionários de Português-Inglês e Inglês-Português.

Conta com orgulho que suportou bem a diferença de vida dele em relação aos colegas: enquanto perdia mais de uma hora em viagem à tarde para regressar a casa, os outros ou iam a explicações (ele nunca soube o que isso era) ou brincavam. Criou sentido da responsabilidade, qualidades de trabalho, capacidade para procurar vencer as dificuldades, sem subserviência a professores nem arrogância para os colegas, amigo de ajudar e ensinar os mais fracos, ao ponto de se ter arriscado como me contou e aqui referi em «Sorte a mais dá azar!».

E ao voltar a referir-se o caso da flautista e do comentário, ele disse que há dias um general que foi colega dele no liceu, lhe recordou que os dois eram os mais pobres do liceu, mas o pai do agora general tinha posses para o hospedar na cidade. Sem dúvida que as posses dos pais são um pilar importante, mas além disso é preciso vocação, dedicação ao estudo, com sentido das responsabilidades, boa organização e gestão do emprego do tempo e persistência no esforço.

Obrigado António por esta conversa muito interessante e espero que o teu sentido de humildade me desculpe ter aqui publicado este resumo, pouco, claro para não ser extenso.

Imagem da Net

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Embraiagem partida

Vou relatar uma conversa com o amigo António (já há muito que não trazia aqui notícias das nossas conversas) porque pode ser útil a alguém que se sinta em tal situação.

No restaurante onde tinha almoçado, um dos clientes contava ao seu companheiro de mesa que a filha tinha ficado com o carro parado no IC 16 porque o cabo da embraiagem se partira e não conseguia fazer as mudanças. E quando quis ir colocar o triângulo foi-lhe difícil abrir a porta porque os carros passavam tão velozes e próximos que teve medo de ficar sem porta e ser atropelada.

Quando encontrei o Amigo António, de quem já aqui falei, disse-lhe o que ouvi e ele relatou a situação em que se viu metido no mato em Angola, em situação de guerra, com uma avaria semelhante. Vou tentar reproduzir o que me disse.

A sua companhia, em meados de 1963, estava instalada em condições precárias junto a uma picada paralela à fronteira Norte, de que distava cerca de 40 quilómetros. A área da unidade poderia ser utilizada para passagem do exterior para as matas mais a sul de grup+os rebeldes com armamentos, munições e outros materiais. Havia grupos de militares a patrulhar a área ou no reabastecimento de água ou na obtenção de lenha ou reabastecimento e fins administrativos à sede do Batalhão a 30 quilómetros dali.

Um dia ia integrado da equipa de menos de dez homens que ia à lenha, deslocando-se num Mercedes Unimog. A distância era de pouco mais de meia dúzia de quilómetros ao longo da picada onde havia troncos secos ainda de pé originados por queimadas de vários anos antes. O veículo estacionou fora da picada num terreno plano e limpo, uns homens ficaram vigilantes zelando pela segurança, embora o perigo não fosse grande nem muito provável, enquanto os outros cortavam a lenha e carregavam a caixa de carga.

Carregado o veículo com cerca de duas toneladas de lenha, quando todos se preparavam para partir, o condutor disse que a embraiagem não funcionava, estava em baixo sem permitir desembraiar para poder fazer as mudanças. E confessou que assim não conseguia nada, nem sabia o que fazer.

Problema grave. Não havia qualquer maneira de comunicar com o aquartelamento a não ser, por estafeta. Mas dividir aquele pequeno grupo em dois, seria loucura, porque qualquer deles ficaria de tal maneira frágil que seria dizimado por qualquer grupo rebelde, mesmo que pouco numeroso.

O António contou isto emocionado e disse que procurou recordar-se do que aprendeu na cadeira de motores, sobre o funcionamento da embraiagem que serve para permitir que as duas rodas dentadas da caixa de velocidades que têm que engrenar obtenham uma velocidade idêntica.

Arriscou tentar suprir a incapacidade do condutor para levar o carro ao destino, mandou subir o pessoal para cima da lenha que primeiro mandou arrumar por forma a que o esticão do arranque, que podia ser forte, não ferisse ninguém. Sentou-se ao volante, perante o condutor e os outros que olhavam incrédulos, boquiabertos e receosos, engatou em primeira e, depois, tentou pôr o motor a funcionar. Foi uma surpresa agradável, feliz quando o carro começou a avançar, com alguns soluços de início, mas depressa adquiriu velocidade, em primeira.

Mas ir em primeira toda a distância seria a destruição do motor e, tomou outra iniciativa, baseado na técnica antiga usada na «mudança com dupla» em que se procurava, com a aceleração do motor, tornar mais próximas as velocidades dos carretos a engrenar na caixa. E com mais ou menos aceleração e um puxão seco da manete de velocidades conseguiu, passar todas as velocidades, para cima e para baixo, sem arranhar, até ao aquartelamento.

O António conta com emoção que foi um caso muito feliz, mas que não esperava que conseguisse fazer aquilo com tanto sucesso. Nunca o tinha feito nem ouvira alguém dizer que o tivesse tentado fazer.

E assim, com estes desabafos de gente com experiência, vamos aprendendo truques de sobrevivência que nos poderão ser úteis em situações difíceis.

Imagem da Net.

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Como arranjar currículo?

Há pessoas que detectam todo o saber e qualidades pessoais dos outros «em menos de um fósforo», mas eu sou mais lento e fiquei surpreendido com o meu amigo António já aqui referido várias vezes. Ontem, domingo tive o prazer de passar algum tempo com ele em amena cavaqueira sobre aspectos da vida actual, do País e do Mundo.

A dada altura, nem me lembro a que pretexto, disse-me que um amigo lhe contou que um primo relacionado com pessoas de grande poder de influência precisava de empregar uma filha num serviço público, ou empresa pública, em lugar muito bem remunerado, mas a moça tinha feito a licenciatura numa dessas universidades, tipo grandes oportunidades, daquelas que têm má fama e arriscam-se a fechar como já aconteceu a outras muito badaladas, e depois de se formar não fez nada. Nada tinha de currículo!

Falou no caso a um amigo muito bem colocado na pirâmide dos tachos e obteve a resposta de que seria difícil, porque para o lugar haveria muitos políticos a querer encaixar familiares e amigos e que, sem currículo, seria quase impossível conseguir ser admitida. Mas iria ver o que se podia arranjar.

Palavras simpáticas a funcionar e, passados dias, lá veio a solução: o amigo conseguiu que num momento se construísse um currículo de fazer inveja a qualquer jovem licenciada mesmo que tivesse a competência da Mónica Lewinsky.

Ao chegar a este ponto exclamei: Oh António, isso cheira a fantasia de pura ficção. E ele respondeu que estava a contar tal como a ouviu. E disse que num belo dia foram para o Diário do Governo (agora teria outro nome) dois despachos, um a contratar a menina Manuela para secretária pessoal dessa entidade a partir de uma segunda-feira e o outro a exonerá-la a seu pedido a contar da sexta-feira seguinte e aproveitava para declarar que nesses quatro dias ela evidenciou excelsas qualidades pessoais e profissionais e desempenhou as funções com inexcedível dedicação, competência e lealdade.

Menina muito prendada que, em tão poucos dias, tão bem se adaptou ao serviço e soube mostrar todos os seus talentos. E o seu extraordinário chefe teve a perspicácia de avaliar tudo isso e ir ao âmago das suas excelsas qualidades pessoais. Puramente fantástico!

E com tal currículo, ela foi admitida ao importante cargo que pretendia.

Coisas destas só em contos de fadas ou moiras de encantar, e mostrei ao António que podia ir contar essa história a outro porque eu não a engolia.

Mas, quando cheguei a casa deparei, com muito espanto, com esta imagem em anexo a um e-mail e fiquei com a impressão que o António não é aquela pessoa simples e cinzenta que aparenta e deve andar metido nos segredos dos deuses.

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domingo, 30 de agosto de 2009

Sorte a mais dá azar!

Depois dos desabafos do velho António já aqui reproduzidos em A boa estrela e a tempestade e Como lhe nasceu o gosto pela leitura começa a ser um prazer sentar-me a seu lado e ouvi-lo falar dos seus tempos de menino com dificuldades que lhe exigiam um bom planeamento do tempo e sentido das responsabilidades sem nunca esquecer a amizade aos colegas.

Conta que tinha um gosto muito especial pela matemática e, como lhe faltava o tempo para estudar, tinha que sair das aulas com a matéria bem sabida, para o que tinha de estar com a máxima atenção e perceber o esquema de raciocínio para a demonstração dos teoremas e outros problemas.

Nas vésperas dos pontos de matemática o Madeira, hoje já falecido, mostrava-lhe sebentas cheias de problemas resolvidos e alguns em que não tinha conseguido encontrar a solução. Comprava uns livros de exercícios com os quais se treinava e o António, ao ver tanto trabalho, ficava com um problema de consciência, um sentimento de culpa, por não ter feito tanto esforço para se preparar para o ponto. Mas mesmo assim, ajudava o amigo a resolver os problemas que não descodificara e obtinha das melhores classificações quando não tinha a melhor.

Ao falar nisto, recordou-se de um facto curioso pelo resultado final de uma partida de estudantes. Passou-se no 3º período do 2º ano em 1947, ainda no Liceu Alves Martins, numa rua íngreme que ia do adro da Sé para a rua Serpa Pinto, antes da mudança para o Liceu Nacional de Viseu (por trás do Quartel de Infantaria 14). Como as salas de aula tinham carteiras duplas, os pontos ou exercícios para classificação eram feitos na grande sala 28, com carteiras individuais, o que tornava difícil copiar uns pelos outros. Iam ali realizar o exercício de matemática decisivo do último período. O seu colega João Assis, também já falecido, tinha tido a matemática, nos dois primeiros períodos (que terminaram no Natal e na Páscoa) notas muito baixas e, como para passar para o terceiro ano, a soma das classificações dos três períodos tinha que no mínimo ser igual a 29, ele precisava de uma nota muito alta e não sabia para isso. Pediu ao António para ficar perto do fundo da sala, e ele ficaria na carteira logo atrás; o António, enquanto fazia as contas encostava a folha com o problema anterior à direita para ele copiar. Tudo correu bem sem que a manobra fosse notada.

Mas daí a poucos dias o professor, Armindo Brito, entregou-lhes o ponto já classificado e houve uma surpresa. O melhor ponto, inteiramente certo foi o do Assis, o único que acertou tudo, a seguir foi o António, com um problema errado e depois os outros.

Era costume, na correcção do ponto, ir um aluno ao quadro fazer a resolução dos problemas e, dessa vez, o escolhido pelo professor foi o João Assis. Talvez tivesse ficado espantado com o fenómeno de tal classificação. Todos os colegas da turma, incluído o António, estavam admirados com o mistério que não conseguiam perceber. Mas o mistério adensou-se: ele, apesar de ter tudo correcto, ao ir ao quadro não soube equacionar nenhum dos problemas. Para cada um, ele depois de falhar, ficava ao lado e via um colega que era chamado para resolver.

Souberam, por mero acaso, que o problema que o António errou não foi copiado pelo Assis que o copiou do colega que ficara atrás e estava certo. Depois, como havia muita solidariedade entre todos os alunos, decidiram ir a casa do professor pedir para dar ao Assis a nota de que precisava para passar o ano. Foi combinado que nem o António nem o que estava atrás fossem para que o professor, ao olhar para a cara deles não se lembrasse da proximidade entre eles, na sala, e a ajuda que foi dada ao Assis. O António nunca chegou a saber se o professor soube o que se passara e explicasse o enigma. Depois de sair do Liceu, o António nunca mais viu o Assis e soube há relativamente poucos anos que já faleceu.

Podem tirar-se muitas conclusões conforma a intenção dos pensadores, mas quando a sorte é em demasia transforma-se em azar. O facto de ter o único ponto completamente certo, resultou para o Assis numa situação difícil e traumatizante durante uma aula inteira.

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sábado, 29 de agosto de 2009

Como lhe nasceu o gosto pela leitura

Depois de aqui ter publicado o post «A boa estrela e a tempestade», o velho António entusiasmou-se e quis fazer mais uns desabafos sobre a sua meninice, porque pensa que será interessante relembrar como era a vida na província por altura da II Guerra Mundial.

Segundo ele se recorda com serenidade, na escola primária, tinham o livro de leitura, a tabuada e, nos últimos anos, a Geografia, a História de Portugal e as Ciências Naturais. Eram apenas livros de estudo, num ambiente social de poucas letras, pessoas entregues à agricultura e umas poucas ligadas à vida comercial e empregos diversos, em Viseu.

A professora, D. Fernanda, uma vez por semana, lia contos ou histórias num suplemento do jornal diário «O Século» intitulado «Pim-pam-pum». Em casa do António, havia uns livros antigos, um pouco estragados, principalmente religiosos e, por razões que ele desconhecia, uma gramática da língua francesa. E nada mais.

Só leu o primeiro livro quando já andava no Liceu, requisitou-o na biblioteca e gostou do primeiro contacto com a literatura. Durante o segundo ano, a professora de português e francês, D. Isaura, nos dias em que dava aula na última hora, ficava mais meia hora a ler e a falar de literatura do século XIX, actividade de que dispensava o António por ter de ir para casa, lá longe, a 6 quilómetros, percorridos a pé.

No 3º ano, início do segundo ciclo, o professor de português, Simões Gomes, deu um grande impulso na interpretação de textos e na redacção. Na primeira aula, após as férias, perguntava a cada aluno quais os livros que lera durante as férias e fazia o seu comentário, salientando sempre os melhores autores. Nesse primeiro contacto, o António disse-lhe os nomes de uns livros de pouca qualidade, da colecção azul, que o primo da cidade lhe tinha emprestado, tendo obtido do professor um sinal de menosprezo e a afirmação que não os conhecia e que não deviam ter qualquer interesse. A partir daí, passou a orientar as leituras pelas sugestões que ia recebendo nas aulas, e todas as semanas levava da biblioteca um livro de escritor português, como Júlio Dinis, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, etc.

Fazia parte do programa, o estudo com pormenor de «As Pupilas do Sr Reitor» de Júlio Dinis, de que interpretavam com pormenor várias passagens, dividindo orações, fazendo análise gramatical, preparando em casa resumos de capítulos, etc. Aos fins de semana, cada aluno tinha que fazer uma redacção de tema livre, contando um «caso da semana», sendo na segunda-feira alguns chamados a ler o seu trabalho de casa, para todos ouvirem e criticarem. E assim se aprendia português.

O António confessa que deve a esse professor a facilidade com que pela vida fora redigia, tendo há pouco tempo ouvido um velho colega dizer-lhe «sempre foste uma boa caneta». Conta ele que devido aos momentos que passava na biblioteca, beneficiava do carinho quase maternal da D. Conceição, a bibliotecária.

Mas ele não se esquece que vivia num ambiente rural, embora próximo da cidade, com pessoas alheias aos livros e à cultura e que muitas, por o verem a ler livros à sombra das árvores em vez de andar a brincar com outras crianças (por vezes a fazerem maldades que originavam rixas entre as famílias), alertaram a sua mãe para o perigo de ele poder vir a ficar maluco, por os livros lhe «darem a volta à cabeça» Isto que ele contou do ambiente da aldeia não me surpreendeu, porque ainda hoje é considerado um vício perigoso gostar dos computadores, de ter blogues e de trocar e-mails. É certo que os exageros não são benéficos nem, sequer, nas vitaminas!!!

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terça-feira, 25 de agosto de 2009

A boa estrela e a tempestade

O septuagenário António conta pausadamente, saboreando as palavras, a recordação de uma tarde da sua infância, em Maio de 1947. Era ainda criança e frequentava o Liceu Alves Martins em Viseu, tendo de percorrer diariamente, duas vezes, a pé, a distância entre o liceu e a sua casa numa aldeia próxima, a cerca de seis quilómetros. O percurso era fácil e seguro por o trânsito ser reduzido e, se avaliado pelos valores de hoje, quase nulo. Havia dias em que corria, desde o alto do Viso até à «curva da morte» à entrada da Póvoa de Sobrinhos, à velocidade de um berlinde evitando que ele saísse do alcatrão para qualquer dos lados.

Mas naquela sexta-feira, o céu apresentava-se estranho e, embora não chovesse, ameaçava com mau tempo de dimensões invulgares. Habituado a suportar todas as condições meteorológicas, sabia que era sensato acelerar o passo para aumentar a probabilidade de evitar ao máximo uma molha valente.

Apesar de ir depressa, as suas pequenas pernas não evitaram que, por altura do portão da mata do Fontelo, ao início da recta do Viso, fosse ultrapassado por dois soldados do Regimento de Infantaria 14 que, pela conversa que iam desenvolvendo, iam passar o fim-de-semana a Trancoso, tomando o comboio da Beira Alta na estação de Cubos, para lá de Mangualde. Levavam um passo muito rápido, mas o miúdo seduzido pelo exemplo dos militares e, como queria chegar a casa cedo, fez todos os esforços para não se deixar atrasar, tendo de ,ocasionalmente, dar uma corrida para reduzir a distância aos líderes da maratona.

E a viagem diária ia correndo sem problemas com um recorde de velocidade notável, acabando por demorar bastante menos de uma hora quando era costume ir além da uma e um quarto. Mas era também ajudado pela esperança de quando a chuva viesse já estar perto de casa e não se molhar muito. Depois de passar a Póvoa de Sobrinhos, no primeiro cruzamento virou à esquerda, deixando a companhia dos soldados que continuaram a percorrer os cerca de 10 quilómetros que ainda lhes faltavam.

Mesmo sozinho, como as nuvens estavam cada vez mais negras e descontínuas, sentia-se decidido a não abrandar o passo. Mais cerca de 15 minutos e entrou em casa, cansado nas seco e aliviado por o susto não se ter concretizado. Mas este alívio não foi total porque, mal fechou a porta de casa começou uma tempestade de forma invulgar, caindo pedradas violentas no telhado, com granizo que chegava a ter o tamanho de ovos de galinha. E os pais não estavam em casa. Como iriam resistir a tal intempérie? Ele fora salvo por a sua boa estrela lhe ter enviado aquelas lebres que o incitaram a acelerar ao máximo. E eles?

Mas agora não podia contactar os pais, saber como estavam. Ainda não havia telemóvel que viria cerca de 40 anos depois. Aliás na aldeia nem sequer havia electricidade, nem telefone, da televisão só se viria a falar cerca de 10 anos depois em Lisboa e mesmo rádio só havia um na taberna-mercearia do Manuel Custódio, a funcionar com uma bateria de automóvel. Sem qualquer meio de comunicar com os pais, o António tinha que procurar limitar-se a desejar o melhor e a esperar pela sorte.

Mas a tempestade, como sempre, teve um fim rápido, após a bátega de granizo gigante ter destruído toda a agricultura destroçando rama de pinheiros, árvores de fruto e tudo o que não fosse tão duro como o aço. E, passados poucos minutos, apareceram os pais que se tinham abrigado passado durante a parte mais perigosa da queda de granizo na casa de apoio da principal propriedade. Não precisaram de falar muito para se perceber o grande susto que sofreram pelo receio do que o filho estaria a passar sob a tempestade, pois aquela hora era suposto ele ainda vir a caminho. Mas foi bem visível a alegria de verem que ele estava inteiro e nas melhores condições físicas.

A vida é feita de pequenas oportunidades, inesperadas coincidências, que ou se aproveitam ou se perdem e, desta vez, a boa estrela empurrou o miúdo para a solução correcta.

A tempestade foi realmente forte e, além dos estragos na vegetação e nos telhados, houve pessoas com «galos» na cabeça por serem atingidos pelo granizo. O acidente mais grave foi o do Manuel Custódio que ficou com a cabeça a sangrar devido a uma forte pedrada.

Tal tempestade ficou gravada para toda a vida na memória dos que a viveram e o velho António relembra esta tarde com um misto da emoção dessa época e da lição de realismo que a experiência da vida lhe ensinou.

25 de Agosto de 2009
A. João Soares

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