17 de dezembro de 2012

Silêncio


Pascal Renaux



Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?

José Saramago
No Silêncio dos Olhos


Entre mim e o meu silêncio
 há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos
 que acontecem naturalmente.

A Criança em Ruínas





11 de dezembro de 2012

A dor e o tempo



Primeiro,
nenhum sentimento me doía.
Depois ,
fui sentindo a dor.
Agora,
dói-me sentir.
Ser novo
é estar longe de tudo
e tocar o que se sonha.
Ter idades
é estar perto de tudo
e não tocar
senão esse turvo espelho:
saudades.

Idades, Cidades e Divindades




10 de dezembro de 2012

Primavera





Rosas miúdas: cores
contra o azul.
Era tão-somente
o lençol.
Mas que teu corpo nu,
estendido por sob,
supunha ser,
imagino assim,
a primavera.

É o que explicaria, talvez,
o modo ameno de os seios
e tudo o mais
respirarem como águas de um lago.
Águas meio animais:
mansos cães dormindo.
Ou: caminhando.
Devagar,
por entre aleias.


Desassombro




3 de dezembro de 2012

Tua voz

 Oleg Videnin


Apago todas as mensagens. Menos as tuas.
Guardo a tua voz em pequenas doses e, 
dia sim dia não, ouço-as todas de seguida. 
Sinto-me demasiado incapaz para falar 
contigo o que quer que seja.
Não sei onde estás. Não quero saber. 
Tenho medo de saber mais do que sei. 
Uma dor de cada vez basta.

Saudades de Nova Iorque
tenho os olhos cansados
de compreender
em que ponta de pedra
se equilibra a razão.


Silvia Chueire
Uma face


1 de dezembro de 2012

Tragando a vida

Lew Robertson/Corbis




São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados


Carlos Pena Filho
Chopp





27 de novembro de 2012

Dias quebrados na cintura

Marta Glinska



Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,  
dói-me o mundo.
Há dias que são como espaços 
preparados para que tudo doa.  
Só deus não me dói hoje.  
Será porque hoje ele não existe?

Roberto Juarroz

Um poema

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
  os meus dias quebrados na cintura.

Eugénio de Andrade
 

As Palavras Interditas 


25 de novembro de 2012

Ilha




Deitada és uma ilha.
Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro
ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada
eu morro da vida
que me dás todos os dias.





23 de novembro de 2012

De volta ao começo

Inês Queiroz


Os natais na casa da minha irmã eram fartos de comes e bebes, música, presentes, alegria e amor. Bailava-se salsa, sambava-se, bolerava-se e assistia-se ao meu sobrinho Dani abrir os braços e cantar em alto e bom som: "Viver, e não ter a vergonha de ser feliz...".

A árvore era imensa, e o ritual de abrir o baú a fim de retirá-la, armá-la, rodeá-la de luzinhas e distribuir os adornos pela casa era, também, motivo de grande euforia.

Já o ano de 2002 - o ano da morte do Dani - foi diferente. O baú foi aberto, não pelos motivos citados, mas sim para que fossem doados todos os vestígios de felicidade que, outrora, foram guardados ali. Nunca mais houve árvores, luzinhas, enfeites, danças e músicas. 

Depois desse longo e árduo período recebo, emocionada, via celular, duas fotos e uma pequena mensagem que dizia: "Minha primeira Árvore de Natal depois de 10 anos".

Agora sou eu quem abre os braços e canta: "Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita".



22 de novembro de 2012

Despedida



Rozu



E passados os anos, 
tantos que já nem cabem na lembrança,
eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. 
Porque esse adeus, só esse aceno é meu, 
todo inteiramente meu. 
Um adeus à medida de meu amor.

Mia Couto
O Fio das Missangas
(via Thiago Cavalcante)

Existe um momento
pouco importa qual
em que se reúnem ao acaso
diante de nós
todas as condições de uma vida
desesperada.

Baldio



21 de novembro de 2012

Vem

Vladimir-Sumovsky




Ven a dormir conmigo:
no haremos el amor: él nos hará.

Rayuela
Vem dormir comigo:
não faremos amor, ele nos fará.

Julio Cortázar
Rayuela



19 de novembro de 2012

Palavras


Vera Gomes Photography



Guardo numa gaveta de velhos objectos
as tuas palavras, até que o bolor
do futuro as apague - para que só eu
saiba o que nunca me disseste.

Nuno Júdice
Remorso
Como é amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.

Daniel Faria
Estranho é o sono que não te devolve




12 de novembro de 2012

Ilha

Luis Andrei Muñoz




Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois.
Murmúrios do Mar

Depois, digo barco, digo mastro,
digo quilha e somos ilha propícia a navegar.


Graça Pires
Por Caminhos do Sul


8 de novembro de 2012

Noite

Inês Queiroz / Monte Verde/MG


Noite de folha em folha murmurada,
Branca de mil silêncios, negra de astros,
Com desertos de sombra e luar, dança
Imperceptível em gestos quietos.


Noite



1 de novembro de 2012

Beco

e-princess



Que importa a paisagem, a Glória,
 a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco

Poema do Beco
eu tenho sangue na voz
tenho no peito o grito do lobo
a imensa tristeza de uma lua
que o céu não quis
solidão de papel




22 de outubro de 2012

Gota de alma

Mikael Andersson/Corbis



Sabem o que descobri? 

Que minha alma é feita de água. 

Não posso me debruçar tanto.

Senão me entorno e ainda morro vazia,

sem gota.


O Fio das Missangas

Ao meu querido amigo Thiago,




9 de outubro de 2012

Ausência

123RF

Há um vestígio mineral
na sua ausência: algo
que sem estar ainda
fica: fatia de cristal
que não se vê e brilha:
solidez em transparência
elegância de pedra, luz
do que é perda e não. 

Elegia
Tem mais presença em mim, 
o que me falta. 

Livro Sobre Nada


24 de setembro de 2012

Viração

daqui



Voa um par de andorinhas, fazendo verão.
E vem uma vontade de rasgar velhas cartas,
velhos poemas, velhas contas recebidas.
Vontade de mudar de camisa,
por fora e por dentro... vontade...
Para quê esse pudor de certas palavras?...
Vontade de amar, simplesmente.



Viração/Sapato Florido