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2 de junho de 2015

Dor

Haleh Bryan

Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Antologia /  Círculo de Poesia


A dor de um fruto tombado, 
é isso que eu sinto. 
Jesusalém






16 de abril de 2015

Água

So Hing-Keun-Corbis


Traz de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia.


Mia Couto
Saudade / Raiz de Orvalho
Amor é o que chamo mar,
é o que chamo água.

 Linha d'Água



10 de março de 2014

Mil madrugadas

Sweet Charade

No teu rosto 
competem mil madrugadas 

A tua beleza 
é essa luta de sombras 
é o sobressalto da luz 
num tremor de água 
é a boca da paixão 
mordendo o meu sossego.

Mia Couto
Raiz de Orvalho 




9 de abril de 2013

Trapezista

Google



Não o trapezista
mas o circo inteiro
se desequilibrava
Como um rio,
no frio, se arrepia.

Mia Couto 
Bloco Poético de Notas




9 de março de 2013

Silvestre e o idioma

Google















Silvestre quer saber
porque razão eu estrago o português
escrevendo palavras que nem há.

Não é a pessoa que escolhe a palavra.
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.

Mas não.
O tudo que disse foi:
é um crime passional, Silvestre.

É que eu amo tanto a Vida
que ela não tem
cabimento em nenhum idioma.

Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
o idêntico crime:
todas as mulheres que amara
ele as rebatizara, vezes sem fim.

Amor se parece com a Vida:
ambos nascem na sede da palavra,
ambos morrem na palavra bebida.


Idades Cidades Divindades



28 de janeiro de 2013

Apenas um nome

B. Berenika


Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não acende senão em tua boca.

Antes de Nascer o Mundo




11 de dezembro de 2012

A dor e o tempo



Primeiro,
nenhum sentimento me doía.
Depois ,
fui sentindo a dor.
Agora,
dói-me sentir.
Ser novo
é estar longe de tudo
e tocar o que se sonha.
Ter idades
é estar perto de tudo
e não tocar
senão esse turvo espelho:
saudades.

Idades, Cidades e Divindades




22 de novembro de 2012

Despedida



Rozu



E passados os anos, 
tantos que já nem cabem na lembrança,
eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. 
Porque esse adeus, só esse aceno é meu, 
todo inteiramente meu. 
Um adeus à medida de meu amor.

Mia Couto
O Fio das Missangas
(via Thiago Cavalcante)

Existe um momento
pouco importa qual
em que se reúnem ao acaso
diante de nós
todas as condições de uma vida
desesperada.

Baldio



22 de outubro de 2012

Gota de alma

Mikael Andersson/Corbis



Sabem o que descobri? 

Que minha alma é feita de água. 

Não posso me debruçar tanto.

Senão me entorno e ainda morro vazia,

sem gota.


O Fio das Missangas

Ao meu querido amigo Thiago,




6 de junho de 2012

Um cingir de corpo

Matthew Alan/Corbis


Para sempre me ficou esse abraço. 
Por via desse cingir de corpo minha vida se mudou. 
Depois desse abraço trocou-se, no mundo, o fora
 pelo dentro. Agora, é dentro que tenho pele. 
Agora, meus olhos se abrem apenas 
para as funduras da alma.

Na Berma de Nenhuma Estrada
Ela tinha um rio de seda no abraço...

Senhas/Texto Sentido



 

21 de março de 2012

Silêncio

Pascal Renaux


Eu nasci para estar calado. A minha única vocação é o silêncio. Foi 
meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para
apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um  único 
silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.

Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto,  eu não
 estava pasmado. Estava desempenhado, de alma  e corpo ocupados: 
tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. 
Eu era um afinador de silêncios.
Jesusalém



25 de agosto de 2011

Quando cada instante é sempre


Google Imagens
(desconheço a autoria)



É por isso que te escrevo. Não há morte, nesta carta. Mas há uma despedida que é um pequeno modo de morrer. Lembras-te como dizia Zacaria? "Tive as minhas mortes, felizmente, todas elas passageiras." A minha única morte foi a de Marcelo. Essa, sim, foi o primeiro desfecho definitivo. Não sei se Marcelo foi o amor da minha vida. Mas foi uma vida inteira de amor. Quem ama, ama para sempre. Nunca faças nada para sempre. Exceto amar.

Antes do Nascer do Mundo


Título do post: Chico Buarque - "Sempre".



16 de junho de 2011

Descobrindo vales

Amanda Com


Desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo
E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.

Maria Teresa Horta
Desperta-me
 Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.

Mia Couto 
Despedida


23 de maio de 2011

Eu era a tua poesia

Microzoa-ImageBank





És parecida com a Terra.
Essa é a tua beleza.
Era assim que dizias.

E quando nos beijávamos e
eu perdia respiração e,
entre suspiros, perguntava:
em que dia nasceste?

E me respondias, voz trémula:
estou nascendo agora.

E a tua mão ascendia
por entre o vão das minhas pernas
e eu voltava a perguntar:
onde nasceste?

E tu, quase sem voz, respondias:
estou nascendo em ti, meu amor.
Era assim que dizias.

Tu eras um poeta
Eu era a tua poesia.


Mia Couto

Antes de Nascer o Mundo




Amigos,
O blog continuará a ser atualizado, porém os comentários
ficarão desativados por um certo período.



13 de abril de 2011

Um espaço onde não vive o adeus




 








A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.

Hilda Hilst
Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão



Depois de te viver não há poente
nem o enfim de um fim.

Mia Couto
Já Não Há Domingos


Imagem retirada da Net
(desconheço a autoria)


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1 de abril de 2011

Abismos


Criança, eu sabia suspender o tempo, 
soterrar abismos e nomear as estrelas. 
Cresci, perdi pontes, esqueci sortilégios.

Mia Couto
Idade Cidades Divindades


Não se sai do abismo,
aprende-se a sua linguagem.

Vasco Gato
Omertá
Imagem: Alexandre

18 de março de 2011

Incandescência




Andava a procurar-me -Pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!


Florbela Espanca
Eu
A cinza voa, mas o fogo é que tem asa.

Mia Couto
 
O Vôo do Flamingo

Imagem: Rozu


8 de setembro de 2010

Apenas um nome



















Vês como fico pequena quando escrevo para ti?
É por isso que nunca poderia ser poeta.
O poeta se engrandece perante a ausência,
como se a ausência fosse o seu altar,
e ele ficasse maior que a palavra.
No meu caso, não, a ausência me deixa
submersa, sem acesso a mim.
Este é o meu conflito: quando estás
não existo, ignorada.
Quando não estás, me desconheço,
ignorante. Eu só sou na tua presença.
E só me tenho na tua ausência.
Agora, eu sei. Sou apenas um nome.
Um nome que não se acende senão
em tua boca...

Mia Couto
 
Jesusalém
 

Nosso céu, onde estrelas cantavam,
de repente ficou mudo.

Haroldo Barbosa e Luiz Reis


no 8 de setembro


28 de junho de 2010

A essência da espera




Para sempre me ficou esse abraço.
Por via desse
cingir de corpo minha vida se mudou.
Depois desse
abraço trocou-se, no mundo,
o
fora pelo dentro.

Agora,
é dentro que tenho pele.
Agora, meus olhos se abrem apenas
para as
funduras da alma.

Nesse reverso, a poeira da rua
me suja é o coração.
Vou perdendo noção de mim,
vou desbrilhando.

E se eu
peço que ele regresse é para sua
mão peroleira me descobrir ainda
cintilosa por dentro.

Todo este tempo me
madreperolei,
em enfeitei de lembrança.

Mas o homem de minha paixão se foi
demorando tanto que receio me acontecer
como à ostra que vai engrossando tanto a casca
que morre dentro de sua própria prisão.


Mia Couto 

A Cantadeira
do livro Na Berma de Nenhuma Estrada


Agradeço a Ava, do blog
Minhas Vidas, pela idéia do título
.


Imagem: Thomas Northcut/GettyImages

12 de maio de 2010

Ânsia

Clark Little



Não me deixem tranqüilo

não me guardem sossego

eu quero a ânsia da onda

o eterno rebentar da espuma.


Mia Couto

Raiz de Orvalho e Outros Poemas