Assim, sem escândalo. Mas, ao mesmo tempo, denunciando. Sim, cansei das metáforas. Desisto de todos os subterfúgios engendrados. Meus planos agora são tecidos às claras. Mas com discrição. Chego sorrateiramente à frente de sua janela, nessa rua tão movimentada onde você mora, e escancaro minha intimidade. Com letras garrafais exponho-me num clichê pobre e sem rima: ESTOU APAIXONADA.
Sob o texto, teço (entre parênteses) minhas considerações e ressalvas justificando o ato de vandalismo.
É só pra deixar bem visível. Porém eu sei que você conhece todos os pontos fracos do meu discurso. Quando eu finjo desconhecer o significado daquilo que você não diz. Quando você disfarça e muda de assunto. Quando nós declinamos.
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terça-feira, 28 de maio de 2013
domingo, 26 de agosto de 2012
para um domingo qualquer
Dia da criação acontecer... e a palavra anda solta dentro do pensamento estático no assunto proibido. (VOCÊ). Devo falar seu nome baixinho, porque ninguém pode ouvir meu amor. Eu, que costumo ser tão efusiva, me ponho dissimulada mente a escrever seu nome nas linhas do meu corpo. Eu, que costumo gritar os verbos de dentro em todas as conjugações, rabisco em letras minúsculas o quanto você me faz feliz.
...............................
Preciso confessar: hoje roubei as orquídeas do jardim alheio
porque a flor que eu esperava não veio
e eu queria uma cor mais viva no interior do meu dia
.................................................
O seu silêncio corrói minha poesia. E eu, que gosto tanto da inspiração dos domingos, prendo a respiração... arranco as folhas do livro que escrevemos juntos... e queimo mais um dia da sua ausência.
quarta-feira, 15 de agosto de 2012
resiliência
E depois, quando nada parece mais fazer sentido... ela se lembra de uma característica que pode defini-la: resiliência. E até isso a fazia efêmera como a flor!
Tudo o que doía... ia, agora, pelos ares, em voos harmoniosos... por campos outros. Sorria. E era seu velho novo sorriso!
Foi como uma tempestade de sorrisos... regando seu tímido jardim...
Porque agora é hora de voltar a sorrir... reagir... deixar a deformidade num canto do passado, de preferência dentro do baú.
O verdadeiro tesouro está aqui: presente.
Ah... "o que passou passou" e os próximos dias são de sol, risos e flor!
Tudo o que doía... ia, agora, pelos ares, em voos harmoniosos... por campos outros. Sorria. E era seu velho novo sorriso!
Foi como uma tempestade de sorrisos... regando seu tímido jardim...
Porque agora é hora de voltar a sorrir... reagir... deixar a deformidade num canto do passado, de preferência dentro do baú.
O verdadeiro tesouro está aqui: presente.
Ah... "o que passou passou" e os próximos dias são de sol, risos e flor!
terça-feira, 24 de julho de 2012
tempo
"Ele me deu um beijo na boca" e não disse nada. Pisou no meu descuidado céu da boca e mostrou que as estrelas também podem brilhar no avesso das lembranças. Ele pousou suas retinas sobre minha nostalgia corpórea e desvendou minhas entranhas... e silenciou minha fragilidade eloquente com seus verbos em riste. Ele perversamente resgatou meus sonhos e deslizou seus dedos em meus cabelos tentando rearranjar os pensamentos pervertidos que o tempo teimava em oxidar. Ele lambeu a ferrugem do meu desespero e com palavras mansas me incendiou. E eu estou ainda agora à procura da minha memória, do meu passado, estou ainda à procura de mim.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
passado a limpo
Você sabe que eu fico sempre à espreita. Aguardando, pretensiosa, sua correspondência diária selada com um beijo, seu sorriso em envelope lacrado. Procuro por você em livros, jornais, revistas, entrevistas, letras de músicas, cartas, poemas, pôsteres, portais, outdoors, Outlook, Orkut, Facebook, MSN, Twitter, Google, blogs, em todos os papéis e spams.
Você sabe que meus desejos, literalmente sem escrúpulos, subordinam sua liberdade de expressão. Eu atravesso seus canais de comunicação. Ilicitamente, visito seus amigos, vasculho sua agenda, seus contratos, seu currículo, sua ficha catalográfica.
Você percebe que eu reviro seu vocabulário, sabe que violo seus capítulos, rasgo o verbo que dialoga com a primeira pessoa da sua antologia. Abro mão da ética e, sem habilidade, manipulo suas frases feitas e deixo minhas impressões digitadas em suas páginas.
Você releva minha incompetência prosaica, a superficialidade do meu discurso, a desclassificação dos meus gêneros textuais, meu impetuoso hábito de tirar seu foco narrativo do meu ponto de vista.
Você sabe que suas locuções intransitivas e transitórias produzem orações intransigentes e excitam minha inquisição sintática. Por isso, contesto o contexto dos seus vícios de linguagem, cometo plágio, imito seu estilo e reordeno seus predicados. Eu arquiteto planos para seus projetos e me protejo em seus rascunhos.
Mas você conhece a limitação da minha verve. Sabe que eu me inspiro em você, aspiro as ideias que você defende, depois conspiro e, sozinha, piro. Então, eu conjeturo estruturas poeticamente viáveis para sua insegurança estilística e engravido das palavras que você cria. Seus neologismos apenas acentuam as intrigas que você compila.
Eu reconsidero sua narrativa e gero minhas próprias expectativas. Busco, nos seus argumentos, o lugar-comum em que eu caiba sem legendas nem tradução. Incorporo eruditos clichês e me adapto ao seu roteiro original. Figuro entre seus devaneios coadjuvantes, enceno a megera que extirpa sua imagem de herói. Represento a fada inconsequente do seu storyboard. Eu reinvento nossos dramas.
Você sabe que minha falta de imaginação não condiz com o desenlace desse romance. Eu me intrometo em todas as interrogações do happy end que você excluiu. O parágrafo em que o felizes-para-sempre é tangível mesmo que não haja mais história. Mas você finge não entender minha proposição e profere o inexorável ponto-final.
No entanto, eu resgato as lembranças empoeiradas das entrelinhas que se demoraram em silêncio e reescrevo a versão mais bem-sucedida do nosso epílogo. A enunciação de uma cumplicidade que planeja desfechos mais plausíveis para essa novela.
Você sabe que eu edito suas emoções, corto da epígrafe fragmentos que você publica para uma anônima musa, sem dedicatória. Meu ciúme capitular ultrapassa as margens da sua folha de rosto e eu me embaraço nos traços das personagens boçais que você esboça. Eu ressuscito fantasmas da sua biografia. Subverto a moral da sua fábula... Perco a noção do tempo e estabeleço outras demoras fora de hora.
Você sabe que me enredo no enredo que você tece. Engendro episódios surreais para as mil e tantas cenas de suspense dos contos que você fantasia. Misturo o vermelho da minha veia poética ao negrume do seu filme de terror, e você até sente o arrepio que me tira a concentração enquanto acordada eu sonho estar no primeiro ato da tragédia que você anuncia.
Você sabe que eu sempre volto e retorno ao círculo vicioso do nosso duelo pré-textual e, com sorte, viro o jogo e roubo-lhe o mote. E discorro sobre sua textura bruta, a pedra implacável que você guarda com cuidado no subterfúgio do seu narrador inconsciente.
Você sabe que eu censuro os termos chulos do seu ensaio. Julgo seus sujeitos mal conjugados e condeno a inverossimilhança dos seus atos. Por fim, me prostro diante dos sentidos subliminares da sua alegoria.
Você sabe que meus desejos, literalmente sem escrúpulos, subordinam sua liberdade de expressão. Eu atravesso seus canais de comunicação. Ilicitamente, visito seus amigos, vasculho sua agenda, seus contratos, seu currículo, sua ficha catalográfica.
Você percebe que eu reviro seu vocabulário, sabe que violo seus capítulos, rasgo o verbo que dialoga com a primeira pessoa da sua antologia. Abro mão da ética e, sem habilidade, manipulo suas frases feitas e deixo minhas impressões digitadas em suas páginas.
Você releva minha incompetência prosaica, a superficialidade do meu discurso, a desclassificação dos meus gêneros textuais, meu impetuoso hábito de tirar seu foco narrativo do meu ponto de vista.
Você sabe que suas locuções intransitivas e transitórias produzem orações intransigentes e excitam minha inquisição sintática. Por isso, contesto o contexto dos seus vícios de linguagem, cometo plágio, imito seu estilo e reordeno seus predicados. Eu arquiteto planos para seus projetos e me protejo em seus rascunhos.
Mas você conhece a limitação da minha verve. Sabe que eu me inspiro em você, aspiro as ideias que você defende, depois conspiro e, sozinha, piro. Então, eu conjeturo estruturas poeticamente viáveis para sua insegurança estilística e engravido das palavras que você cria. Seus neologismos apenas acentuam as intrigas que você compila.
Eu reconsidero sua narrativa e gero minhas próprias expectativas. Busco, nos seus argumentos, o lugar-comum em que eu caiba sem legendas nem tradução. Incorporo eruditos clichês e me adapto ao seu roteiro original. Figuro entre seus devaneios coadjuvantes, enceno a megera que extirpa sua imagem de herói. Represento a fada inconsequente do seu storyboard. Eu reinvento nossos dramas.
Você sabe que minha falta de imaginação não condiz com o desenlace desse romance. Eu me intrometo em todas as interrogações do happy end que você excluiu. O parágrafo em que o felizes-para-sempre é tangível mesmo que não haja mais história. Mas você finge não entender minha proposição e profere o inexorável ponto-final.
No entanto, eu resgato as lembranças empoeiradas das entrelinhas que se demoraram em silêncio e reescrevo a versão mais bem-sucedida do nosso epílogo. A enunciação de uma cumplicidade que planeja desfechos mais plausíveis para essa novela.
Você sabe que eu edito suas emoções, corto da epígrafe fragmentos que você publica para uma anônima musa, sem dedicatória. Meu ciúme capitular ultrapassa as margens da sua folha de rosto e eu me embaraço nos traços das personagens boçais que você esboça. Eu ressuscito fantasmas da sua biografia. Subverto a moral da sua fábula... Perco a noção do tempo e estabeleço outras demoras fora de hora.
Você sabe que me enredo no enredo que você tece. Engendro episódios surreais para as mil e tantas cenas de suspense dos contos que você fantasia. Misturo o vermelho da minha veia poética ao negrume do seu filme de terror, e você até sente o arrepio que me tira a concentração enquanto acordada eu sonho estar no primeiro ato da tragédia que você anuncia.
Você sabe que eu sempre volto e retorno ao círculo vicioso do nosso duelo pré-textual e, com sorte, viro o jogo e roubo-lhe o mote. E discorro sobre sua textura bruta, a pedra implacável que você guarda com cuidado no subterfúgio do seu narrador inconsciente.
Você sabe que eu censuro os termos chulos do seu ensaio. Julgo seus sujeitos mal conjugados e condeno a inverossimilhança dos seus atos. Por fim, me prostro diante dos sentidos subliminares da sua alegoria.
domingo, 20 de novembro de 2011
para os dias azuis
Respirar a sua presença, apesar de você não estar, mas ser em mim e do meu lado (de dentro). às vezes é preciso apenas respirar. As palavras dançam uma música constante e silenciosa, se embaraçam em nós. Palavras são volúveis demais para o meu amor perene e longínquo. você está em todos os rastros, em todos os passos, você está em cada verbo que calo. Conjugo meus pensamentos no seu imperativo modo. Oculto sujeito.
Verso sobre versos que não fiz... Tudo brilha em mim se é você.
Verso sobre versos que não fiz... Tudo brilha em mim se é você.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
tato
Na extremidade distante. A sutileza do tato sem contato. A pele é órgão sem sentido quando suas digitais se ausentam dos meus poros... e eu decoro a falta do seu toque sobre mim com a lembrança recente do seu calor – chama que me chama quando você queima no interior de mim. Um abraço que permanece latente aproxima sua ausência e eu não sinto mais nada.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Ao meio-dia
O relógio marcava meio-dia. Na minha consciência esse era o melhor horário para dizer coisas sem nexo. Escrever todas as cartas que jamais postaria. O tempo. A linha efêmera do cartão-postal.
Eu tenho apenas algumas linhas pra contar a ele que, agora que vejo um mundo palpável em minha frente, posso gostar de janelas. Talvez ele também quisesse conhecer essas quedas-d’água... essas flores... a vida desenhada em forma de arco-íris...
Na parede mais distante a constatação de que ao meio-dia as possibilidades são absolutamente imperfeitas, mas reais. Apesar disso, todas as minhas lembranças não caberiam nas escassas linhas do cartão que eu escolhi para lhe mostrar que esse lugar onde ele não pode entrar é encantador.
Aqui o tempo é estático. E a felicidade dura pra sempre, pois é meio-dia há horas.
Meio-dia: mais de meia vida perdida entre um tique-taque e outro. Mas os ponteiros estão unidos. Um sobre o outro... E eu estou tentando dizer que nossos ponteiros não se tocam em tempo algum. Estiveram sempre descompassados. Anti-horários sentidos.
Percebo que não há nada a dizer-lhe depois de vivermos juntos. Ao meio-dia é possível dizer essas incoerências sem restrições legais. À luz do Sol não há contestação.
Fosse na calada da meia-noite e ele já estaria gritando: “Isso que você está dizendo não passa de uma grande bobagem. Você me ama e não quer que eu vá embora coisa nenhuma.” Mas ao meio-dia ele não pode gritar porque ninguém vai ouvir.
... Pensei em ir à cozinha fazer um café. Era meio-dia e eu não sabia o que dizer para ele. As sensações roendo o pensamento. Por dentro, apenas pulsavam as horas que não voltam para desfazer o estrago.
A enfermeira me pôs um comprimido sob a língua na tentativa de ajudar o silêncio a não me despertar. O soro no fim da veia... o pulso: era hora de trocar o curativo: meio-dia.
Eu tenho apenas algumas linhas pra contar a ele que, agora que vejo um mundo palpável em minha frente, posso gostar de janelas. Talvez ele também quisesse conhecer essas quedas-d’água... essas flores... a vida desenhada em forma de arco-íris...
Na parede mais distante a constatação de que ao meio-dia as possibilidades são absolutamente imperfeitas, mas reais. Apesar disso, todas as minhas lembranças não caberiam nas escassas linhas do cartão que eu escolhi para lhe mostrar que esse lugar onde ele não pode entrar é encantador.
Aqui o tempo é estático. E a felicidade dura pra sempre, pois é meio-dia há horas.
Meio-dia: mais de meia vida perdida entre um tique-taque e outro. Mas os ponteiros estão unidos. Um sobre o outro... E eu estou tentando dizer que nossos ponteiros não se tocam em tempo algum. Estiveram sempre descompassados. Anti-horários sentidos.
Percebo que não há nada a dizer-lhe depois de vivermos juntos. Ao meio-dia é possível dizer essas incoerências sem restrições legais. À luz do Sol não há contestação.
Fosse na calada da meia-noite e ele já estaria gritando: “Isso que você está dizendo não passa de uma grande bobagem. Você me ama e não quer que eu vá embora coisa nenhuma.” Mas ao meio-dia ele não pode gritar porque ninguém vai ouvir.
... Pensei em ir à cozinha fazer um café. Era meio-dia e eu não sabia o que dizer para ele. As sensações roendo o pensamento. Por dentro, apenas pulsavam as horas que não voltam para desfazer o estrago.
A enfermeira me pôs um comprimido sob a língua na tentativa de ajudar o silêncio a não me despertar. O soro no fim da veia... o pulso: era hora de trocar o curativo: meio-dia.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
silêncios
Ontem, véspera de Santo Antônio, eu ouvi o canto de um silêncio monstruoso que feriu e ainda dói muito no peito daquele homem...
O homem é comum, não me aproximo de homens que assim não se revelem, mas se classifica como alguém "não comum e nada convencional". Rotula-se "não tributável".
Ontem, depois de horas discorrendo sobre qualquer assunto que não implicasse intimidade, de repente, ele calou. E cantou... silenciosamente ... uma canção de desespero e tristeza que não tinha mais tom... desafinou... perdeu a voz dentro do seu silêncio (ab)surdo.
Tomou uma xícara de café forte, que até hoje não sei se ele gosta ou se pede e bebe sem reclamar por educação e gentileza.
Depois, com a mesma expressão que se vê no rosto de um homem feliz , ele me contou que fora expulso de casa pelo pai aos quinze ou dezesseis anos. Por causa de uma dona que o pai imaginou estar de coisa com ele. Motivo torpe? Claro, mas quem se importa com motivos? Na rua, apenas com suas poucas peças de roupa, sem dinheiro, sem nada.
Olhei bem para o seu rosto naquele momento e posso garantir que ele não demonstrava nenhum rancor, nenhuma raiva. Não vi o menor sinal de revolta em sua face meiga e branda.
Ao contrário, seu semblante irradiava uma luz quase ofuscante de tanta serenidade, de tanta doçura.
E, depois de relatar sua história, ele sorriu.
Não pude compreender sua dor. Sou da linhagem dos que tiveram uma infância feliz, em família, com direito a escola, comida, brinquedos caros, roupas... tudo que uma criança pode querer para chegar à adolescência e se rebelar. O homem nunca vai poder saber o que é isso.
E o silêncio que aquele homem cantou para mim ontem está remexendo aqui dentro. Primeiro senti uma forte dor de cabeça, como se ao pensar nele meus neurônios se inflamassem. Depois veio o aperto no peito (lugar comum para a situação insólita!). Mais tarde, quando ele foi embora sem me abraçar, sem me desejar boa-noite, sem olhar nos meus olhos, doía tudo, parecia que eu havia ingerido uma dose de um nada digerível veneno (coisa da minha alucinação, eu sei... nunca bebi veneno para associar a sensação ao entorpecimento que me tomava). Então finalmente eu gritei para não morrer sufocada com o silêncio que ele deixou em mim.
O homem é comum, não me aproximo de homens que assim não se revelem, mas se classifica como alguém "não comum e nada convencional". Rotula-se "não tributável".
Ontem, depois de horas discorrendo sobre qualquer assunto que não implicasse intimidade, de repente, ele calou. E cantou... silenciosamente ... uma canção de desespero e tristeza que não tinha mais tom... desafinou... perdeu a voz dentro do seu silêncio (ab)surdo.
Tomou uma xícara de café forte, que até hoje não sei se ele gosta ou se pede e bebe sem reclamar por educação e gentileza.
Depois, com a mesma expressão que se vê no rosto de um homem feliz , ele me contou que fora expulso de casa pelo pai aos quinze ou dezesseis anos. Por causa de uma dona que o pai imaginou estar de coisa com ele. Motivo torpe? Claro, mas quem se importa com motivos? Na rua, apenas com suas poucas peças de roupa, sem dinheiro, sem nada.
Olhei bem para o seu rosto naquele momento e posso garantir que ele não demonstrava nenhum rancor, nenhuma raiva. Não vi o menor sinal de revolta em sua face meiga e branda.
Ao contrário, seu semblante irradiava uma luz quase ofuscante de tanta serenidade, de tanta doçura.
E, depois de relatar sua história, ele sorriu.
Não pude compreender sua dor. Sou da linhagem dos que tiveram uma infância feliz, em família, com direito a escola, comida, brinquedos caros, roupas... tudo que uma criança pode querer para chegar à adolescência e se rebelar. O homem nunca vai poder saber o que é isso.
E o silêncio que aquele homem cantou para mim ontem está remexendo aqui dentro. Primeiro senti uma forte dor de cabeça, como se ao pensar nele meus neurônios se inflamassem. Depois veio o aperto no peito (lugar comum para a situação insólita!). Mais tarde, quando ele foi embora sem me abraçar, sem me desejar boa-noite, sem olhar nos meus olhos, doía tudo, parecia que eu havia ingerido uma dose de um nada digerível veneno (coisa da minha alucinação, eu sei... nunca bebi veneno para associar a sensação ao entorpecimento que me tomava). Então finalmente eu gritei para não morrer sufocada com o silêncio que ele deixou em mim.
sábado, 28 de maio de 2011
porta entreaberta
Quando ele saiu da minha vida, eu não imaginava: Quanta dor. Saudade. Falta. O beijo que não vinha e a boca seca lembrando a perfeição do desejo e o acaso das impossibilidades.
Quando ele saiu, sem reverência, da minha casa, pedindo compreensão e distanciamento... causando feridas nas paredes do meu pensamento ingênuo (que acreditava não ser pra sempre o adeus)... rasgando os tecidos da minha sanidade e lucidez...
Quando ele se foi, por fim, pondo fim ao que estava acabado há tempo, por falta de tempo pra nós... ele esqueceu de fechar o ciclo, deixando uma fresta teimosa entre nossas necessidades... um hiato... uma palavra acenando diversas interpretações e a porta entreaberta pra você entrar.
Quando ele saiu, sem reverência, da minha casa, pedindo compreensão e distanciamento... causando feridas nas paredes do meu pensamento ingênuo (que acreditava não ser pra sempre o adeus)... rasgando os tecidos da minha sanidade e lucidez...
Quando ele se foi, por fim, pondo fim ao que estava acabado há tempo, por falta de tempo pra nós... ele esqueceu de fechar o ciclo, deixando uma fresta teimosa entre nossas necessidades... um hiato... uma palavra acenando diversas interpretações e a porta entreaberta pra você entrar.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
sobre a urgência de 3 minutos
Somos humanos e temos todo o tempo do mundo. Temos tempo para dizer as frases mais desconexas que nos vêm à mente. Enquanto o relógio marca o tique-taque das horas, pacientemente a urgência de ter você por perto lateja todos os minutos da minha imprecisão.
Minha noção de saudade tem a força das catástrofes e me remove da cotidiana falta que você me faz...
Lendo seus versos, eu me recomponho, me refaço,
marco outro ponto pro nosso próximo encontro
e desencontro...
Seu poema (três)loucado em minutos de espanto remete tudo a três, quase por um triz... a “dízima periódica” que compus aos quinze anos me traz ao três outra vez: e o que é que você me diz?
Passei horas escrevendo sobre os minutos que não temos - ironia atemporal da vida que me castiga. Mantenho-me incondicionalmente paralisada, inerte, imóvel, estática e morna à espera do seu breve prazo de validade vencer. Registro minhas incoerências verbais abomináveis sem me deixar levar pela censura da poeta que hiberna na ausência do ritmo e da rima...
Quanto tempo você levará para me ler?!
Minha noção de saudade tem a força das catástrofes e me remove da cotidiana falta que você me faz...
Lendo seus versos, eu me recomponho, me refaço,
marco outro ponto pro nosso próximo encontro
e desencontro...
Seu poema (três)loucado em minutos de espanto remete tudo a três, quase por um triz... a “dízima periódica” que compus aos quinze anos me traz ao três outra vez: e o que é que você me diz?
Passei horas escrevendo sobre os minutos que não temos - ironia atemporal da vida que me castiga. Mantenho-me incondicionalmente paralisada, inerte, imóvel, estática e morna à espera do seu breve prazo de validade vencer. Registro minhas incoerências verbais abomináveis sem me deixar levar pela censura da poeta que hiberna na ausência do ritmo e da rima...
Quanto tempo você levará para me ler?!
domingo, 15 de maio de 2011
matinal
Acordo com a boca impregnada do seu gosto. O gozo quente reverbera entre os dentes. A fome disfarça uma saciedade inatingível. Toda atmosfera exala seu perfume. Penso que ainda estou adormecida. Entorpecida, realizo os hábitos dessa manhã que começa sorridente dentro de mim. Sou o que fui pra você na noite passada... que ainda não passou... e, desperta, me faz feliz!
sábado, 23 de abril de 2011
basti-dores
(primeiro ato)
sorrateiramente, sua mão se distancia e não toca mais meus sonhos. pleno de argumentos vazios, seu olhar escapa da mira que alvejo: meu desejo. pacientemente você desconstrói - tijolo a tijolo - o alicerce frágil e utópico que erguemos. não sinto seu cheiro exalando dos meus poros e esconderijos.
(defecho)
Ao acordar, não dirijo a palavra a ninguém. Só me resta escrever essas emoções despedaçadas que restam, me arrastam... pro abismo. E eu cismo que você lerá estas linhas! Por isso, antes de assinar embaixo, ergo a cabeça e confesso: eu não sou essa doçura que você provou. Meu fel escorre entre o verbo e a rima... depois contamina sua poesia verborrágica e instantânea. Eu falo isso pra você não pensar que quis enganar. ...Foi melhor você ter ido antes de experimentar meu veneno
sorrateiramente, sua mão se distancia e não toca mais meus sonhos. pleno de argumentos vazios, seu olhar escapa da mira que alvejo: meu desejo. pacientemente você desconstrói - tijolo a tijolo - o alicerce frágil e utópico que erguemos. não sinto seu cheiro exalando dos meus poros e esconderijos.
(defecho)
Ao acordar, não dirijo a palavra a ninguém. Só me resta escrever essas emoções despedaçadas que restam, me arrastam... pro abismo. E eu cismo que você lerá estas linhas! Por isso, antes de assinar embaixo, ergo a cabeça e confesso: eu não sou essa doçura que você provou. Meu fel escorre entre o verbo e a rima... depois contamina sua poesia verborrágica e instantânea. Eu falo isso pra você não pensar que quis enganar. ...Foi melhor você ter ido antes de experimentar meu veneno
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
olhar
Basta abrir as pálpebras. Só tenho olhos para você! E como minha visão (míope por opção) não enxerga seu corpo à distância, vejo você bem de perto, quase dentro de mim. E assim observo sua forma e seus contornos distorcidos quando você se afasta, por instantes, do entorno. Mas é só fechar os olhos novamente para que eu contemple mais uma vez a sua proximidade tênue aqui. Exploramos esse momento terno, quase eterno, enquanto a sua doçura agreste visita a menina dos meus olhos – retina desgastada por uma saudade bem singular.
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