Texto de Miguel Sousa Tavares - Jornal Expresso - 5 de Maio de 2007Tenho ouvido técnicos, governantes e até o primeiro-ministro dizerem, em tom científico, que “Portugal não pode ficar fora da rede europeia de alta velocidade”.
E ponto final: ninguém lhes pergunta porquê, qual a razão por que não pode. Será uma questão de orgulho nacional, uma exigência de Bruxelas? Porque será que um país como a Suécia - imensamente mais rico, mais desenvolvido, com um sector exportador muito mais forte e até um território muito mais extenso -
vive bem sem TGV e nós não?
Mas, enfim, por princípio há que acreditar que quem governa sabe o que está a fazer - até prova em contrário. Para meu espanto, porém, acabo de ler que o governo, através da secretária de Estado dos Transportes, anunciou que
um bilhete Lisboa-Madrid no TGV vai custar 100 euros, um preço que ela afirma ser “altamente competitivo, sobretudo face à aviação comercial”.
E o espanto deriva de três razões: primeiro, ficar a saber que o preço visa apenas garantir que a exploração da linha não será deficitária, mas não tem qualquer veleidade de, nem a longuíssimo prazo,
conseguir amortizar um euro que seja do imenso investimento público a realizar; segundo, que este preço é mais caro do que o que se pratica para igual distância em todos os países europeus que têm TGV, o que quer dizer que em Portugal, com menor poder de compra, as pessoas pagam, quase sempre, mais caros os serviços públicos - e
o próprio governo já assume este absurdo e esta incompetência como uma fatalidade incontornável, mesmo para o futuro; e, finalmente, o que me espanta ainda é constatar que, ao contrário do que diz a secretária de Estado,
100 euros para fazer a ligação de comboio de Lisboa a Madrid é mais caro 20 a 50% do que os preços praticados numa companhia aérea regular e mais do dobro dos preços numa «low cost». E, mesmo assim, não está garantido - antes pelo contrário - que a exploração não resulte em prejuízo.
Em resumo, o governo propõe-se:
a) fazer um investimento público brutal, de que jamais se espera poder amortizar um cêntimo;
b) praticar preços mais caros que serviços congéneres no estrangeiro e mais caros que a concorrência aérea;
c) e, mesmo assim, teme-se que o serviço seja deficitário, porque, muito provavelmente, não haverá procura que o sustente.
Ou eu estou a ver tudo mal ou alguém perdeu o juízo.
Ora, Miguel Sousa Tavares já tinha respondido a si próprio há cerca de um ano e picos:Miguel Sousa Tavares [Expresso – 07/01/2006]«Todos vimos nas faustosas cerimónias de apresentação dos projectos [Ota e TGV], [...]
os empresários de obras públicas e os banqueiros que irão cobrar um terço dos custos em juros dos empréstimos. Vai chegar para todos e vai custar caro, muito caro, aos restantes portugueses. O grande dinheiro agradece e aproveita.»
«Lá dentro, no «inner circle» do poder - político, económico, financeiro,
há grandes jogadas feitas na sombra, como nas salas reservadas dos casinos. Se olharmos com atenção, veremos que são mais ou menos os mesmos de sempre.»
Na imagem, um ilustre elemento do «inner circle» sorri embevecido com a perspectiva de um investimento público de 16 mil milhões de euros, de que jamais se espera poder amortizar um cêntimo.