Arqueólogos municipais
acompanham obra, em contra-relógio, para não perder fundos comunitários. Câmara
de Lisboa não renovou contrato com empresa presente desde o início dos
trabalhos.
Por Inês Boaventura, Público de 4 Maio 2014
A passagem de testemunho para o Centro de Arqueologia não foi pacífica
Foto de João Cordeiro
O acompanhamento arqueológico da requalificação da Ribeira das
Naus, em Lisboa, tem sido marcado por várias vicissitudes. Além de os trabalhos
terem começado “de forma irregular”, sem a necessária autorização da
Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a equipa de arqueólogos foi
substituída no decurso da obra porque a Câmara de Lisboa não renovou o contrato
com a empresa que tinha sido contratada para o efeito.
A
primeira fase da requalificação desta área na frente ribeirinha de Lisboa, que
incluiu a construção de uma nova avenida e o surgimento de uma rampa de pedra
que desce até ao Tejo, evocando a praia que existiu no local, foi inaugurada em Março de 2013. O projecto
tinha sido encomendado pela sociedade Frente Tejo mas, com a sua extinção no
fim de 2011, transitou para o município.
A segunda fase destes trabalhos, que se previa que tivesse
ficado concluída no fim do ano passado mas que ainda está em curso, inclui a
reposição da Doca Seca e da Doca da Caldeirinha, bem como a criação de uma área
ajardinada a fazer lembrar as antigas rampas de varadouro, outrora utilizadas
pelas embarcações.
Questionada sobre o porquê deste atraso, a Câmara de Lisboa
explicou ao PÚBLICO que a obra “está em conclusão” e “ainda não foi
integralmente executada pois as condicionantes do local, designadamente as
preexistências arqueológicas postas à vista, traduziram-se numa alteração ao
ritmo da obra e aos seus pressupostos, implicando a necessidade de ajustar as
soluções iniciais e de as fazer validar pela DGPC”.
Segundo informações transmitidas pelo gabinete do vereador
Manuel Salgado, essa validação “já ocorreu, registando, protegendo e
inclusivamente prevendo a integração dessas preexistências arqueológicas, com
inequívoca valorização do local em termos patrimoniais e históricos”.
O PÚBLICO consultou o processo relativo à Ribeira das Naus
existente na DGPC e constatou que os trabalhos arqueológicos, no âmbito da
segunda fase da requalificação, começaram “de forma irregular, uma vez que o
respectivo PATA [Pedido de Autorização de Trabalhos Arqueológicos] não fora
deferido, nem comunicado o arranque da obra”. Isso mesmo consta de uma
informação técnica, produzida na sequência de uma visita ao local a 28 de Maio
de 2013.
Uma primeira versão do PATA, submetida dia 15 desse mês, tinha
sido chumbada pela DGPC, porque não continha, entre outros aspectos, uma data
para o início dos trabalhos, uma descrição do projecto, ou a apresentação do
seu posicionamento numa planta da cidade. A 5 de Junho uma versão reformulada do
documento acabou por ser aprovada, por se considerar que tinha dado resposta
“às lacunas” antes detectadas.
Depois disso, os trabalhos arqueológicos decorreram sem notícia
de incidentes, até que em Fevereiro deste ano a DGPC tomou conhecimento,
através de um e-mail enviado para a Câmara de Lisboa pela arqueóloga Inês
Mendes da Silva, da empresa Era Arqueologia, de que a sua equipa iria
“desmobilizar” daí a três dias. Cerca de dez dias depois, o coordenador do
Centro de Arqueologia de Lisboa (CAL), Miguel Santos, comunicou que esta
estrutura municipal estava “a preparar um PATA para os trabalhos arqueológicos
em falta”, depois de ter recebido “informação dos serviços competentes” dizendo
que não ia “ser feita a renovação do contrato com a empresa Era”.
A passagem de testemunho para o CAL não se revelou pacífica, já
que o seu coordenador considerava que a sua equipa só deveria
“responsabilizar-se pelas medidas de salvaguarda do património arqueológico
tornadas necessárias pelo desenvolvimento dos trabalhos de construção civil
previstos a partir da sua entrada no terreno”. A directora do Departamento de
Bens Culturais da DGPC, Maria Catarina Coelho, não concordou com essa leitura e
determinou que os arqueólogos da Câmara de Lisboa assumissem também outros trabalhos
que não se encontravam concluídos, incluindo o desaterro da Doca da Caldeira e
da Doca Seca e a desmontagem de uma antiga central de ar condicionado instalada
pela Marinha no local.
A 17 de Março, a DGPC acabou por dar um parecer favorável
condicionado ao PATA apresentado pelo CAL. “Atendendo ao superior interesse da
salvaguarda do património arqueológico propõe-se a autorização dos trabalhos,
condicionada ao cumprimento estrito e rigoroso de todas as determinações da
tutela, respeitantes aos trabalhos a realizar pelos requerentes”, diz-se na
informação técnica que serviu de suporte a essa decisão.