sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Star Trek - Episódios da série clássica (4) - James Blish
O capitão James Kirk, da USS Enterprise, era o senhor absoluto da maior e mais moderna nave da Frota Estelar. Era também o responsável por todo seu complexo aparato científico e militar e pelos 430 oficiais altamente qualificados que formavam a tripulação.
Mas, naquele exato momento, ele era apenas um homem encalhado num asteróide quase estéril, de localização desconhecida, enfrentando uma criatura muito parecida com um lagarto, a quem precisava matar para sobreviver. E tinha como arma apenas um pequeno aparelho tradutor que era, nessas circunstâncias, da mais completa inutilidade.
A situação chegara a esse ponto com espantosa rapidez.
Tudo começou quando a Enterprise recebeu um chamado de Cestus III, um posto avançado terrestre situado num quadrante distante e inexplorado da Galáxia.
O comandante da base, um velho militar chamado Travers, pedira a Kirk para descer com uma equipe tática da Enterprise. Como a situação era muito tranqüila nesse setor e Travers era famoso na Frota por ser um anfitrião sempre disposto a oferecer uma excelente refeição — de verdade, não sintetizada —, seis homens aceitaram descer à colônia com o maior prazer.
Mas o convite revelara-se uma armadilha, uma armadilha feita através de uma mensagem pré-gravada.
Tudo o que eles encontraram foi uma base ardendo em chamas, completamente em ruínas, com todo o pessoal morto.
Minutos depois da chegada ao local da tragédia, o grupo de descida foi surpreendido com um ataque.
Em órbita, a Enterprise também travava batalha com uma nave alienígena.
PREFACIO
Arena
O Fator Alternado
Amanhã é Ontem
Hora Rubra
Um Gosto de Armagedon
Semente do Espaço
Diário de bordo
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quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Star Trek - Episódios da série clássica (3) - James Blish
A ordem da USS Enterprise era investigar estranhos fenômenos espaciais, mesmo que estes fossem encontrados em meio a uma outra missão.
Para Kirk, um desses fenômenos já estava visível na tela principal, na forma de uma estranha massa azulada tomada de riscos vermelhos da mais radiante energia, dominando o espaço à sua frente.
Kirk pressionou um botão no braço da cadeira de comando, tentando ignorara presença de um passageiro muito incômodo, o alto comissário Ferris.
— Capitão para nave auxiliar Galileu. A postos, sr. Spock.
Ferris verbalizou sua evidente desaprovação.
— Devo lembrá-lo, capitão, de que sou totalmente contrário a esse atraso. Sua missão é levar os
suprimentos médicos a Makus III a tempo de fazer a transferência para as colônias em Nova Paris.
— E devo lembrá-lo, senhor, que temos nossa ordem principal. Não haverá problemas. São apenas três dias até Makus III e a transferência não demorará mais de cinco dias.
Ferris estava irredutível.
— Não quero arriscar, capitão. Com a praga fora de controle em Nova Paris, devemos levar os remédios a tempo.
— E levaremos — Kirk concentrou-se novamente no comunicador. — Capitão para Galileu. Todos os sistemas liberados para decolagem.
— Força total, capitão. Todos os instrumentos ativados. Leituras normais. A postos.
A voz de Spock era pura convicção. Como oficial de ciências, estava no comando da equipe de pesquisa selecionada para investigar uma curiosa anomalia espacial catalogada com o nome de Murasaki 312. Por isso ocupava a cadeira de piloto da nave auxiliar, com os outros tripulantes sentados atrás dele: Doutor McCoy, Scott, a jovem ordenança Mears, o astrofísico Boma, o especialista em radiação Gaetano e o navegador Latimer.
Ao todo, sete tripulantes: os sete do Galileu.
— Lançar nave auxiliar — ordenou Kirk.
PREFACIO
O Primeiro Somando
Corte Marcial
A Coleção
A Licença
O Senhor de Gothos
JetCom
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quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Star Trek - Episódios da série clássica (2) - James Blish
Embora como capitão da nave estelar Enterprise James Kirk possuísse a autoridade final sobre quatrocentos oficiais e tripulantes, além de um pequeno e constantemente variável número de passageiros, e muito embora em seus mais de vinte anos no espaço tivesse sua parcela de pequenas contrariedades e dores-de-cabeça, tinha a firme opinião de que nunca ninguém havia lhe dado tantos problemas quanto um certo adolescente de dezessete anos.
Charles Evans havia sido resgatado de um planeta chamado Thasus, depois de ficar isolado lá por quatorze anos, o único sobrevivente de um desastre com a nave de pesquisas de seus pais. Ele fora resgatado pela Antares, uma nave de transporte dez vezes menor do que a Enterprise e, em seguida, transferido para a nave de Kirk, usando roupas emprestadas e carregando todos seus pertences numa pequena mochila.
Os oficiais da Antares que o levaram a bordo da Enterprise elogiaram demais a inteligência de Charlie, sua ânsia por aprender, sua queda intuitiva para assuntos de engenharia — "Ele poderia controlar sozinho a Antares se precisasse"— e sua doçura de caráter; Kirk sentiu a maneira quase atrapalhada com que eles se esforçavam para exaltar as qualidades do rapaz e como estavam numa pressa sem precedentes para voltar à própria nave,sem nem mesmo se interessar em conseguir uma garrafa de conhaque.
A curiosidade de Charlie ficou evidente desde o primeiro momento, embora ele demonstrasse também uma certa hesitação — o que não era de surpreender, considerando-se seu longo e solitário exílio.
Kirk designou a ordenança Rand para levá-lo a seu alojamento. Foi quando Charlie chocou a todos ao perguntar, com ar bem sincero, a Kirk:
— É uma garota?
PREFÁCIO
O Estranho Charlie
O Equilíbrio do Terror
E as meninas, de que são feitas?
O Punhal Imaginário
Miri
A Consciência do Rei
Trekker Cultura
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terça-feira, 14 de setembro de 2010
Star Trek - Episódios da série clássica (1) - James Blish
A data estelar 1312.5 era um marco para a U.S.S. Enterprise, pois representava o dia de sua primeira aventura além da fronteira de nossa Galáxia. A tela da sala de reuniões já exibia um visual incomum -
translúcidas estrelas cravejadas num painel de profunda escuridão, intercaladas apenas por manchas de leitosa fosforescência, sinais da existência de outros milhões de galáxias a anos-luz de distância.
Kirk e Spock, com o tabuleiro de xadrez tridimensional entre eles, tinham os olhos fixos no centro do espaço exibido pela tela, onde repousava, ainda invisível, um objeto detectado pelos sensores da Enterprise, um objeto que, estranhamente, transmitia o código de uma nave estelar desaparecida há dois séculos.
— Sua vez, capitão — avisou Spock.
— Devíamos estar interceptando aquela coisa agora — disse Kirk, pensativo.
— A ponte vai nos avisar...
—... a qualquer minuto — Spock concluiu a frase para ele. — Eu vou dar xeque-mate em seu próximo movimento, senhor.
—Já falei que joga um xadrez muito irritante, senhor Spock?
— Irritante? Ah, sim, uma de suas emoções terrestres, eu suponho.
Kirk logo achou uma boa saída para seu bispo e executou o movimento certeiro. Xeque-mate. Spock ergueu uma sobrancelha.
— Tem certeza que não sabe o que é irritação? — provocou Kirk.
Spock parecia incomodado.
— O fato de um de meus ancestrais ser uma fêmea humana, senhor, não significa que...
— Terrível ter sangue tão ruim assim, não? — cortou Kirk, com falsa simpatia.—Pior do que levar um xeque-mate.
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO por D.C. Fontana
PREFÁCIO DO LIVRO
Onde nenhum homem jamais esteve
A manobra corbomite
O Inimigo Interior
O sal da terra
Tempo de nudez
Sobre a Coleção Jornada nas Estrelas e seus Autores
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Mensagens do Hiperespaço e NCA 4468
O blogue Mensagens do Hiperespaço acompanha de perto o dia a dia do fandom de FC brazuca, e deixa você atualizado sobre as novidades.
Foi através dele que ficamos sabendo do romance-livro-diário-virtual de ficção científica NCA 4468, de Simone Saueressig, um nome frequente nas melhores coletâneas de FC nacional. A cada semana, Simone nos conta um pouco sobre a viagem atribulada da gigantesca nave NCA 4468, levando colonos congelados para a exploração de mundos distantes. Apesar do blogue ser bastante simples e o tema escolhido ser até um pouco cansativo, o texto de Simone compensa tudo isso. É enxuto, direto, e faz você querer acompanhar a saga até o final.
domingo, 12 de setembro de 2010
James Blish
James Benjamin Blish (23 de Maio de 1921 - 29 de Julho de 1975) nasceu em East Orange, New Jersey (EUA).
Autor de fantasia e ficção científica, Blish também se notabilizou por escrever críticas de ficção científica, usando o pseudônimo de William Atheling Jr. Foi membro dos Futurians, um dos primeiros fã-clubes americanos dedicado a FC, e que reunia escritores e editores que se tornariam famosos posteriormente.
Seu primeiro livro seria publicado em 1940.
Formado biólogo pela Universidade de Columbia, serviu no exército americano como médico na Segunda Grande Guerra. Após a guerra, tornou-se editor científico da empresa farmacêutica Pfizer.
Sua ficção, por vezes fria e inteligente, esconde um autor fortemente emocional, que produziu nos anos 40 e 50, personagens densos e fascinantes.
Seu maior sucesso literário, 'A Case of Conscience' (vencedor do prêmio Hugo de 1959 e um 'retro-Hugo' de 2004/1953 de Melhor Romance), mostra um padre jesuíta confrontado com uma raça alienígena inteligente, que acaba sendo confundida como 'obra do demônio'.
O fato da ciência em suas histórias ser hoje totalmente ultrapassada, de modo algum abala seu forte senso de humanidade. Mesmo em sua época, Blish escreveu alguns dos melhores trabalhos no campo da manipulação genética, como 'The Seeding Stars'. É de sua autoria a designação 'gigante gasoso' (gas giant), utilizada pela primeira vez na republicação de seu conto 'Solar Plexus' em 1952.
Na década de 60, Blish passou a trabalhar na indústria do tabaco. Nesta mesma época, escreveria também 11 'novelizações' da série original Star Trek, sendo 'Spock Must Die', segundo ele, a melhor entre elas.
Já no final de sua vida, Blish trocou a pacata Milford (Pensilvânia, EUA), pela aristocrática Henley-on-Thames (sudeste de Londres, Inglaterra), onde viria a falecer vítima de um câncer pulmonar.
James Blish ( Spock must die, Siglo de pleno verano, Mudsummer century, Tension superficial, And all the stars a stage, Gigantes en la Tierra, Pheonix planet, A work of art, Mission to the heart stars, Earth of hours, Beep, Case of Conscience, Tomb tapper, To pay the piper, Watershed, Surface tension, Thing in the attic, Seeding program, Common time, Cities in flight, Bridge, Anywhen, Una cuestion de energia, Un caso de conciencia, Semillas estelares, Grupo Galactico ) [ Download ]
sábado, 11 de setembro de 2010
Solaris - Stanislaw Lem (parte 2)
Encontrei-me dentro de um vasto túnel prateado, tão alto como a nave de uma catedral.
Pelas paredes corria um amontoado de canos coloridos, que desapareciam por uns orifícios redondos.
Voltei-me.
Os ventiladores rugiam, sugando os gases venenosos da atmosfera do planeta que se tinham infiltrado quando a minha cápsula aterrara dentro da estação.
Vazia, assemelhando-se a um casulo rebentado, a cápsula em forma de charuto permanecia ereta, envolta numa proteção em forma de cálice, montada sobre uma base de aço.
O revestimento exterior, chamuscado durante o voo, tornara-se de um castanho sujo.
Desci uma pequena escada. Em baixo, o chão de metal tinha sido recoberto com um plástico resistente. Em alguns lugares, as rodas das carretas, que serviam para transportar mísseis, tinham desgastado essa cobertura plástica, deixando à vista o aço nu que havia por baixo.
O pulsar dos ventiladores cessou de súbito e reinou um silêncio total.
Olhei em redor, um pouco incerto, à espera que aparecesse alguém; mas não havia qualquer sinal de vida. Apenas se via uma seta em néon que brilhava apontando para uma passadeira rolante, a qual deslizava silenciosamente.
Deixei que me levasse.
O teto da entrada descia formando um belo arco em parábola até à entrada de uma galeria em cujos recantos se viam cilindros de gás, calibradores, pára-quedas, caixotes e uma enorme quantidade de outros objetos, tudo espalhado em montes pouco arrumados.
A passadeira rolante levou-me até ao extremo da galeria, junto à entrada de uma sala em abóbada. Aqui a desordem era ainda maior. Escorrendo de debaixo de uma pilha de tanques de óleo, espalhava-se uma poça de um líquido oleoso; no ar pairava um cheiro nauseabundo. Viam-se pegadas em todas as direções, formando uma série de manchas de aspecto glutinoso. Os tanques de óleo estavam cobertos com um emaranhado de fita de telégrafo, papéis rasgados e mais lixo.
Uma outra seta verde dirigiu-me para a porta central. Para lá desta estendia-se um estreito corredor onde mal caberiam dois homens lado a lado, e que era iluminado por placas de vidro incrustadas no teto. Depois, uma nova porta, pintada aos quadrados verdes e brancos, e que estava aberta para trás; entrei. A cabina tinha paredes côncavas e uma grande janela panorâmica, que uma fulgente neblina tingia de púrpura. Lá fora, as ondas sombrias passavam silenciosas. As paredes estavam cobertas de prateleiras cheias de instrumentos, livros, copos sujos, garrafas-térmicas — tudo coberto de pó. O chão manchado estava atravancado com cinco ou seis pequenas carretas e algumas cadeiras articuladas.
Apenas uma cadeira estava livre e nesse cadeirão estava um homem pequeno e magro, a cara queimada pelo sol, a pele do nariz e das bochechas vermelhas em grandes bocados. Reconheci-o como sendo Snow, um perito em cibernética e o assistente de Gibarian.
Em tempos, publicara alguns artigos de grande originalidade no Solarist Annual
Por acaso, nunca tivera a oportunidade de encontrá-lo. Vestia uma camisa de rede, que aqui e ali deixava passar os pêlos cinzentos do seu peito chato, e as calças de tecido barato, com muitos bolsos, calças de mecânico que outrora tinham sido brancas, mas que agora estavam manchadas nos joelhos e cobertas de buracos provocados por queimaduras químicas. Segurava um frasco de plástico em forma de pêra, dos que são usados nas naves espaciais que não estão equipadas com sistemas gravitacionais internos.
Os olhos de Snow arregalaram-se de espanto quando me viu.
O frasco caiu-lhe das mãos e rolou, entornando algumas gotas de um líquido transparente. O sangue fugiu-lhe do rosto.
Eu estava demasiado atônito para falar, e este espetáculo mudo continuou por tanto tempo que gradualmente o terror de Snow se me comunicou.
Dei um passo em frente e Snow encolheu-se na cadeira.
– Snow?
Estremeceu como se lhe tivesse batido. Fitando-me com um horror indescritível, gaguejou:
– Não sei... — A voz falhou. — Não o conheço... O que quer?
O líquido entornado evaporava-se rapidamente; veio-me ao nariz um cheiro a álcool. Teria estado a beber? Estaria bêbedo? Por que estaria tão aterrorizado?
Permaneci no meio da sala; as minhas pernas tremiam; os ouvidos zuniam como se estivessem cheios de algodão. Tinha a impressão do assoalho fugir-me debaixo dos pés. Para lá da janela curva, o oceano subia e descia com regularidade.
Os olhos injetados de sangue de Snow não se desviavam de mim. O seu terror parecia ter abrandado, mas a expressão de invencível nojo permanecia.
– Qual é o problema? Está doente? — sussurrei.
– Você parece preocupado — disse a voz surda. — Parece realmente preocupado... Então agora é assim, é? Mas por quê perder tempo comigo? Não o conheço.
– Onde está Gibarian? — perguntei.
Abriu a boca, e os olhos vidrados iluminaram-se por um momento.
– Gi... Giba... Não! Não!
Todo o seu corpo foi sacudido por um riso abafado e histérico; depois pareceu acalmar-se um pouco.
– Então, veio por causa do Gibarian, foi? Pobre Gibarian. Que lhe quer?
As suas palavras, ou antes, o tom da sua voz, exprimiam ódio e desafio; era como se subitamente eu tivesse deixado de representar uma ameaça para ele.
Espantado, balbuciei:
– O quê... Onde está ele?
– Não sabe?
Era evidente que ele estava bêbado e em desvario.
A minha fúria aumentou Devia controlar-me e sair da sala, mas a paciência acabara. Gritei:
– Basta! Como poderia saber onde está, se acabo de chegar? Snow! O que está se passando aqui?
O queixo caiu-lhe. De novo controlou a respiração, e os olhos brilharam-lhe com uma luz diferente. Agarrou-se com ambas as mãos aos braços da cadeira e pôs-se em pé com dificuldade. Seus joelhos tremiam.
– O quê? Acaba de chegar... De onde veio? — perguntou, quase sóbrio.
– Da Terra! — respondi irado. — Talvez já tenha ouvido falar dela! Embora não pareça.
– Da Terra? Meu Deus! Então, você deve ser Kelvin.
– Claro. Por que olha assim para mim? Que tenho de tão extraordinário?
Snow piscou rapidamente os olhos.
– Nada — disse, limpando a testa —, nada. Perdoe-me, Kelvin, não há nada, garanto-lhe. Só que fiquei surpreendido, pois não esperava vê-lo.
– Que quer dizer com isso de que não esperava ver-me? Foram notificados há meses, e hoje mesmo Moddard rádio-telegrafou da Prometheus.
– Sim, sim, claro. Só que, sabe, no momento estamos um pouco desorganizados.
– Isso já eu vi — respondi secamente.
Snow deu uma volta em redor de mim para inspecionar o meu traje atmosférico, que era do tipo comum, com a costumada armação de fios condutores e cabos presos ao peito.
Tossiu e coçou o ossudo nariz:
– Talvez queira tomar um banho? Lhe fará bem. É a porta sul, do outro lado.
– Obrigado, conheço a estrutura da Estação.
– Deve estar com fome.
– Não. Onde está Gibarian?
Sem responder, foi até junto da janela. Por trás parecia bastante mais velho. O cabelo cortado rente era grisalho e o pescoço queimado pelo sol era sulcado por profundas rugas.
As cristas das ondas reluziam do outro lado da janela e as vagas colossais subiam e desciam como que em câmara lenta. Ao observar um oceano assim, tinha-se a ilusão —era certamente uma ilusão — de que a Estação se movia de modo imperceptível, como que oscilando sobre uma base invisível; depois, parecia recuperar o equilíbrio, apenas para voltar a inclinar-se para o lado oposto, com o mesmo movimento preguiçoso.
Na depressão entre cada duas ondas juntava-se uma espuma grossa, cor de sangue.
Durante uma fração de segundo senti uma contração na garganta e recordei com saudade a Prometheus e a sua severa disciplina; a lembrança de uma existência que subitamente me parecia ter sido feliz, agora desaparecida para sempre.
Snow voltou-se, esfregando nervosamente as mãos uma na outra.
– Ouça — disse ele abruptamente —, além de mim não há no momento mais ninguém por aqui. Por hoje terá de contentar-se com a minha companhia. Me chame de Cara de Rato, e não discuta. Você só me conhecia por ter visto o meu retrato, mas faça de conta que somos velhos amigos. Todos me chamam de Cara de Rato, e nada posso fazer contra isso.
Com obstinação, repeti a pergunta:
– Onde está Gibarian?
Ele voltou a piscar os olhos.
– Peço desculpa por tê-lo recebido deste modo. Não... não é propriamente culpa minha. Tinha-me esquecido por completo... Por aqui têm acontecido coisas, sabe...Não tem importância. Mas que há a respeito de Gibarian? Não está na Estação? Anda em algum voo de observação?
Snow tinha os olhos fixos num emaranhado de fios elétricos.
–Não, não saiu da Estação. E não voltará a voar. A verdade é que...
Os meus ouvidos estavam ainda tapados e cada vez me custava mais ouvir.
– O quê? Que quer dizer? Então onde está ele?
– Penso que pode bem adivinhar — respondeu em voz alterada, fitando-me friamente nos olhos.
Senti um arrepio. O homem estava bêbedo, é certo, mas sabia bem o que estava a dizer.
– Houve algum acidente?
Acenou vigorosamente que sim e ficou a observar de perto as minhas reações.
– Quando?
– Esta manhã, de madrugada.
Entretanto os meus sentimentos tornaram-se menos violentos; esta sucinta troca de perguntas e respostas tinha-me acalmado. Começava a compreender o estranho comportamento de Snow.
– Que espécie de acidente?
– Por que não vai até à sua cabina despir esse traje espacial? Volte, digamos, daqui a uma hora.
Hesitei.
– Certo — disse por fim.
Quando estava saindo, chamou-me.
– Espere! — Tinha um ar pouco à vontade, como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas estivesse com dificuldade para traduzir o pensamento em palavras. Depois de uma pausa, disse:
– Aqui, éramos três. Agora com você voltamos a ser três. Conhece Sartorius?
– Do mesmo modo que o conhecia, só de fotografias.
– Ele está lá em cima no laboratório, e duvido que desça antes da noite, mas... De qualquer modo, você poderá reconhecê-lo. Se por acaso vir qualquer outra pessoa, alguém que não seja eu ou Sartorius, então...
– Então, o quê?
Devo estar a sonhar. Isto só pode ser um pesadelo! As ondas que parecem tinta, o seu reflexo carmesim sob o Sol pouco alto, e este homenzinho que voltou para a sua poltrona, sentando-se de novo como anteriormente, a cabeça pendente e fixando o monte de fios elétricos.
– Se isso acontecer, não faça nada.
– Quem eu poderia encontrar? — gritei, irado. — Um fantasma?
– Você está pensando que estou louco, claro. Não, não estou louco. Nada mais posso dizer. Talvez... quem sabe?... Talvez não aconteça nada. Mas não esqueça que o avisei.
– Não seja tão misterioso. Que história é essa?
– Controle-se. Mantenha-se preparado para encontrar... seja lá o que for. Parece impossível, eu sei, mas tente. É o único conselho que lhe posso dar. Não consigo pensar em nada melhor.
– Mas o que poderei encontrar? — gritei.
Vendo-o ali sentado a olhar de esguelha para mim, a face queimada do sol, a cair de cansaço, era-me muito difícil conter-me. Queria agarrá-lo pelos ombros e sacudi-lo.
Com dificuldade, arrastando as palavras uma a uma, respondeu:
– Não sei. De certo modo, dependerá de você.
– Alucinações? É isso que quer dizer?
– Não... é bem real. Não ataque. Faça você o que fizer, não se esqueça disso!
– Aonde quer chegar? — Mal reconhecia o tom da minha própria voz.
– Não estamos na Terra, sabe.
– Uma forma politérica? — gritei. — Essas nada têm de humano!
Preparava-me para me precipitar sobre ele e fazê-lo sair daquele transe, aparentemente causado pelas suas loucas teorias, quando murmurou:
– Por isso são tão perigosas. Lembre-se do que lhe disse e mantenha-se alerta!
– O que aconteceu a Gibarian?
Não respondeu.
– O que Sartorius está fazendo?
– Volte daqui à uma hora.
Dei meia volta e saí. Ao fechar a porta, olhei mais uma vez para ele.
Minúsculo e encolhido, com a cabeça nas mãos e os cotovelos sobre os joelhos sujos, continuava sentado e imóvel.
Só nesse momento notei as manchas secas de sangue que tinha nas costas das mãos.
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sexta-feira, 10 de setembro de 2010
O Sebo Digital
Postado por Capacitor Fantástico às 00:00
Tag: Blogs, comics, Fantasia, Fantástico, Ficção Científica, Horror, humor
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Quadrinhos Inglórios
Mais um blog dedicado a divulgação de quadrinhos, mas com uma fórmula básica bastante sedutora, ou seja, novidades fresquinhas, muita informação e quadrinhos de qualidade. Não tem como não gostar !
Quadrinhos Inglórios
Postado por Capacitor Fantástico às 00:00
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Golden Age Comic Books Stories
Postado por Capacitor Fantástico às 00:00
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terça-feira, 7 de setembro de 2010
The Comic Book Catacombs
Apesar de se concentrar no universo dos quadrinhos - autores, ilustradores, editoras, convenções, etc - pode-se encontrar um pouco de tudo neste premiado blog. Até quadrinhos.
The Comic Books Catacombs
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Fahrenheit 451 em quadrinhos
O americano Tim Hamilton é o reponsável pela adaptação para os quadrinhos do livro 'Fahrenheit 451', de Ray Bradbury.
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QUEIMAR ERA UM PRAZER.
Era um prazer muito especial ver as coisas arderem, vê-las calcinar-se e mudar.
Punho de cobre na mão, armado desse imenso piton que cuspia o veneno da sua gasolina sobre o mundo, sentia o sangue bater-lhe nas têmporas e as suas mãos tornavam-se as mãos de uma espécie de maestro prodigioso dirigindo todas as sinfonias do fogo e do incêndio, ao ritmo das quais se desmoronavam os farrapos e as ruínas carbonizadas da história...
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Quadrinhos Antigos
Quem gosta de quadrinhos, não pode deixar de conhecer o blog Quadrinhos Antigos. Conan, Mandrake, O Monstro do Pântano, Mulher Maravilha, Fantasma, Flash Gordon, Superboy, Thor, Tarzan e muito mais.
Postado por Capacitor Fantástico às 00:00
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domingo, 5 de setembro de 2010
C. J. Cherryh
Carolyn Janice Cherry (1 de Setembro de 1942), mais conhecida como C. J. Cherryh, nasceu em St.Louis, Missouri (EUA).
Ela começou a escrever histórias aos dez anos de idade, quando ficou frustrada com o cancelamento de seu programa de TV favorito, Flash Gordon.
Formou-se em Letras (Latim) na Universidade de Oklahoma em 1964, com especializações em arqueologia, mitologia e história da engenharia. Trabalhou como professora de História e Latim, em Oklahoma City, e durante as férias, visitava antigas ruínas na Inglaterra, França, Espanha e Itália. No seu tempo livre escrevia usando a mitologia romana e grega.
Cherryh não seguiu o caminho profissional típico de escritores de ficção científica da época, que era primeiro publicar contos em revistas de ficção científica e fantasia, e em seguida romances. Sua carreira começou em 1976, e tem sido prolífica desde aquela época, publicando mais de 60 romances e coletâneas, com uma produção contínua.
Cherryh recebeu dois prêmios Hugo (Downbelow Station e Cyteen), um prêmio John W.Campbell (Well of Shiuan) e um Locus(Cassandra).
As siglas C.J. foram escolhidas por sugestão de seu editor Donald A.Wollheim, em um momento que todos os autores de ficção científica eram do sexo masculino.
Seus romances são divididos em várias esferas, concentrando-se principalmente em torno do universo Union Alliance, as séries Chanur, o universo Foreigner, e seus romances de fantasia.
Além de desenvolver seus próprios universos ficcionais, Cherryh tem contribuído para diversas antologias.
Sua escrita abrange uma série de subgêneros de ficção científica e fantasia e inclui alguns trabalhos de não-ficção. Seus livros foram traduzidos em holandês, francês, alemão, hebraico, húngaro, italiano, japonês, letão, lituano, polonês, português, romeno, russo, eslovaco, espanhol e sueco. Ela também traduziu várias obras publicadas de ficção do francês para Inglês.
O asteróide '77185 Cherryh', foi batizado em homenagem a ela.
C. J. Cherryh ( El angel con la espada, Morgaine series, Gene Wars series, Fortress series, Foreigner series, Cyteen series, Chanur series, Union Alliance series, Faded Sun series, Rimrunners, Elfquest, Voyager in the night, Visible Light, The sword ok knowledge, The scapegoat, The paladin, The Goblin Mirror, The dreamstone, The company wars, Sunfall, Serpent's reach, Rusalka, Port eternity, Merchanters luck, Hunters of the world, Hestia, Hellburner, Finisterre, Fever season, Ealdwood, Cuckoo's egg, Heavy Time, Cassandra, Brothers of Earth, Angel with the sword, 40000 in Gehenna ) [ Download ]
sábado, 4 de setembro de 2010
Solaris - Stanislaw Lem (parte 1)
A CHEGADA
Às 19 horas, hora da nave, dirigi-me para a base de lançamento.
Os homens que se encontravam junto à coluna de saída afastaram-se para me deixar passar e entrei para dentro da cápsula.
Dentro do estreito cockpit quase não havia espaço para uma pessoa se mexer.
Liguei a mangueira à válvula do meu traje espacial, que rapidamente se encheu de ar.
A partir de então fiquei incapaz de fazer o mínimo movimento. Enfiado no meu traje e capacete pneumáticos, ali fiquei de pé, ou antes, suspenso da fuselagem. Olhei para cima; pela capota transparente podia ver-se uma parede lisa e polida e, muito mais acima, a cabeça de Moddard inclinada sobre o topo da coluna.
Moddard desapareceu e, de súbito, fiquei mergulhado na escuridão: o pesado cone de protecção tinha sido colocado no seu lugar. Por oito vezes ouvi o zunido dos motores elétricos, que apertavam os parafusos, seguido pelo sibilar dos amortecedores. Quando os meus olhos se acostumaram à escuridão, pude distinguir o círculo luminoso do único mostrador que havia.
Nos meus fones de ouvido, uma voz ecoou:
– Pronto, Kelvin?
– Pronto, Moddard — respondi.
– Não te preocupes com nada. A Estação apanha-te em pleno voo. Boa viagem!
Houve um barulho rangente, e a cápsula oscilou. Involuntariamente, os meus músculos ficaram tensos, mas não houve qualquer outro ruído ou movimento.
– Quando é a largada? — Enquanto perguntava, notei lá fora um ruído, como uma chuva de areia fina.
– Já está a caminho, Kelvin. Boa sorte! — A voz de Moddard parecia tão próxima como antes.
Abriu-se uma ampla fenda à altura dos meus olhos e pude ver as estrelas. O Prometheus estava em órbita na região de Alpha, em Aquarius, e em vão tentei orientar-me; a vigia estava cheia de uma poeira cintilante.
Não conseguia reconhecer uma única constelação; nesta região da Galáxia o céu eram-me pouco familiar.
Esperei pelo momento em que passaria junto da primeira estrela distinta, mas fui incapaz de isolar qualquer uma. O brilho delas esmorecia; recuavam, amalgamando-se numa vaga luminosidade cor de púrpura, o que constituía a única indicação da distância que eu já tinha percorrido.
Com o corpo rígido, selado no meu envelope pneumático, cortava velozmente o espaço, embora tivesse a impressão de estar parado sobre o abismo, e a minha única distração era o calor, que constantemente aumentava.
De repente houve um rangido agudo, como uma lâmina de aço a deslizar sobre uma placa de vidro molhado. Cá estava: era a descida. Se não tivesse visto os números a correr velozmente pelo mostrador, não teria notado a alteração na direcção. Como há muito as estrelas tinham desaparecido, o meu olhar ficou mergulhado no pálido fulgor avermelhado do infinito.
Ouvia o meu coração bater ruidosamente.
Podia sentir no pescoço o ar fresco condicionado, mas a minha face parecia em fogo.
Lastimei não ter avistado o Prometheus, mas, quando os controlos automáticos tinham levantado a proteção da minha vigia, a nave já devia estar fora de vista.
A cápsula foi sacudida por um súbito tremor, depois outro. Todo o veículo começou a vibrar. Filtrada pelas camadas isoladoras e penetrando no meu casulo pneumático, a vibração chegou até mim e percorreu-me todo o corpo. A imagem do mostrador estremeceu e multiplicou-se e a sua fosforescência espalhou-se em todas as direções.
Não tive medo. Não tinha empreendido esta longa viagem para acabar por ultrapassar o alvo!
Chamei pelo microfone:
— Estação Solaris! Estação Solaris! Estação Solaris! Penso que estou a sair da rota de voo, corrijam-me a direção. Estação Solaris, aqui cápsula do Prometheus. Over.
Eu tinha perdido o momento precioso em que o planeta aparecera à vista pela primeira vez. Agora, espraiava-se perante os meus olhos — plano e imenso. Contudo, pela aparência da superfície, calculei estar ainda a grande distância acima dele, pois tinha ultrapassado aquela barreira imperceptível depois da qual passamos a medir a distância que nos separa de um corpo celeste em termos de altitude.
Estava a cair.
Tinha agora a sensação de cair, mesmo com os olhos fechados.
(Abri-os rapidamente de novo: não queria perder nada do que pudesse haver para ver.)
Esperei um momento em silêncio antes de mais uma vez tentar entrar em contacto. Nenhuma resposta. Pelos auscultadores chegaram-me sucessivas eclosões de estática sobre um pano de fundo formado por um murmúrio profundo e de tom baixo, que me parecia a própria voz do planeta.
Um véu de neblina encobria o céu cor de laranja, velando a vigia. Instintivamente acocorei-me o máximo que o traje insuflável permitia, mas, quase imediatamente, apercebi-me de que estava a atravessar uma nuvem. Depois, como que sugada para cima, a massa de nuvem elevou-se; eu deslizava, em parte na luz, em parte na sombra, e a cápsula ia girando sobre o seu próprio eixo vertical. Por fim, apareceu pela vigia a bola gigantesca do Sol, surgindo à esquerda e desaparecendo à direita.
Através do murmúrio e dos estalidos, chegou a mim uma voz distante.
— Aqui a Estação Solaris! Aqui a Estação Solaris! A cápsula vai aterrar às zero horas. Repito, a cápsula vai aterrar às zero horas. Atenção à contagem regressiva. Duzentos e cinqüenta, duzentos e quarenta e nove, duzentos e quarenta e oito...
As palavras eram pontuadas por uns sons agudos e penetrantes; era um equipamento automático que entoava as frases de recepção. Isto era de surpreender, para não dizer pior.
Regra geral, os homens que viviam em estações espaciais estavam ansiosos por cumprimentar qualquer recém-chegado, especialmente se vinha direto da Terra.
Não tive muito tempo para pensar no caso porque a órbita do Sol, que até aí me rodeara, mudòu inesperadamente de posição e o disco incandescente aparecia ora à direita, ora à esquerda, parecendo estar a dançar no horizonte do planeta.
A cápsula balouçava como um pêndulo gigante, enquanto o planeta, a superfície ondulada formando sulcos de um azul-púrpura e negros, se erguia à minha frente como uma muralha. Quando a cabeça começou a girar, apercebi-me de uma pequena mancha de pintas verdes e brancas; era o marcador de posição da Estação. Do cone da cápsula algo se destacou com estrépito; com um solavanco violento, o colarinho do grande pára-quedas soltou os aros, e o ruído que se seguiu recordou-me a Terra de modo irresistível: pela primeira vez depois de tantos meses, o lamento do vento.
Depois disso, tudo se passou rapidamente.
Até ali, eu sabia que devia estar a cair; agora podia verificá-lo pessoalmente.
O tabuleiro de xadrez verde e branco aumentou velozmente de tamanho e pude ver que estava pintado sobre um corpo prateado alongado, com a forma de uma baleia, os flancos eriçados com antenas de radar. Este colosso metálico, que era perfurado por várias séries de aberturas sombrias, não estava pousado sobre o próprio planeta, mas permanecia suspenso acima dele; lançando sobre a superfície cor de tinta que lhe ficava por baixo uma sombra elipsoidal de uma negrura ainda mais profunda.
Conseguia distinguir as ondulações cor de ardósia do oceano, o qual se movia num movimento tênue. De súbito, emolduradas por ofuscante fulgor carmesim, as nuvens elevaram-se a grande altura; o pálido céu tornou-se cinzento, distante e sem relevo; apagou-se tudo; eu estava a cair em parafuso.
Um solavanco violento, e a cápsula endireitou-se.
Mais uma vez podia ver o oceano pela vigia, as ondas como cristas de resplandecente mercúrio. Os aros do pára-quedas, as cordas rebentadas, agitavam-se furiosamente sobre as ondas, empurrados pelo vento. A cápsula desceu suavemente, oscilando com um ritmo lento peculiar que lhe era imposto pelo campo magnético artificial; tive apenas tempo para ver de relance a plataforma de aterragem e os reflexos parabólicos de dois radiotelescópios no topo das torres de aço perfurado.
Com o ressoar do aço a bater contra o aço, a cápsula parou.
Abriu-se uma escotilha e, com um suspiro dissonante, a concha metálica onde eu estivera aprisionado chegou ao fim da sua viagem.
Ouvi a voz metálica do centro de controle:
— Estação Solaris. Zero e zero. A cápsula aterrou. Out.
Sentindo uma vaga pressão sobre o peito e uma desagradável sensação de peso na boca do estômago, agarrei as alavancas de controle com ambas as mãos e desliguei o motor. Acendeu-se um indicador verde:
«chegada».
A cápsula abriu-se e o almofadado pneumático empurrou-me suavemente pelo lado de trás, de modo que, para me não desequilibrar, tive de dar um passo em frente. Com um abafado suspiro de resignação, o traje espacial expeliu o ar.
Eu estava livre.
Solaris - Stanislaw Lem (parte 1) [ Download ]
Solaris
“Nas profundezas do Universo há um espelho para nossas almas”.
Como você reagiria se fosse confrontado com um planeta líquido que pensa - ou talvez não – e que conhece seus pensamentos mais secretos, seus desejos mais sombrios e suas mais íntimas lembranças, mas não a sua dor?
Solaris, publicado em 1961, é o livro mais famoso do escritor polonês Stanislaw Lem. É considerado um clássico, um livro que pode ser encontrado em todos os compêndios básicos de Ficção Científica, uma das mais sofisticadas obras de ficção ‘filosófica’ científica.
Alguns críticos consideram Solaris como "Metascience Fiction" - uma crítica profunda e uma exploração do potencial da ficção científica. Outros, na tentativa de situá-lo no panteão literário, o comparam com textos sátiros de Swift, uma parábola existencialista no estilo de Kafka, um conto irônico de cavaleiros a la Cervantes ou uma meditação kantiana sobre a natureza da mente humana.
Stanislaw Lem, é verdade, nunca foi idolatrado pela comunidade de ficção científica. Philip K. Dick o acusou de ser um agente comunista. Os membros da Science Fiction Writers Association o baniram.
E não é para se admirar.
Lem denunciou a FC popular como sendo algo trivial, produzida por (e para) débeis mentais. A ficção científica, uma vez ele escreveu, "é uma prostituta”.
A luta de Lem para reformar o gênero avançaria pelos anos 60 e 70 quando ele escreveria uma série de artigos criticando o que ele considerava a pobreza intelectual de ficção científica, devido à ignorância técnica, à imperícia literária e ingenuidade sociológica dos seus autores. Ele encheu dezenas de páginas de revistas acadêmicas como a Science Fiction Studies com argumentos densos, como a FC não estava conseguindo cumprir o seu potencial.
Mas as relações tensas com seus pares não mancharam a carreira de Lem.
A despeito de escrever em polonês, ele possui livros traduzidos para 40 idiomas. Seu sucesso só não se deu de todo por um motivo óbvio - seus livros mais importantes nunca foram publicados em inglês.
(Solaris só chegou ao público americano através de uma tradução de uma edição francesa do original polonês.)
No entanto, o principal motivo de Lem nunca se estabelecer no cenário mundial de FC é que seu humor sempre foi bastante cruel, seu amor pela ciência vinha antes de tudo e sua visão por vezes demasiadamente cerebral não se encaixava em um nicho dedicado à publicação de aventuras e fantasia.
Argumento
Solaris é um planeta que orbita dois sóis, um vermelho e um azul, e sua superfície é coberta por um oceano único, que tem sido objeto de debate por um século.
O psicólogo e físico Kris Kelvin chega à estação de pesquisas na órbita do planeta Solaris para substituir um de seus três ocupantes e averiguar em que circunstâncias se deu sua morte. Kelvin descobre que os furtivos membros sobreviventes, todos eles cientistas reputados, se encontram à beira da loucura e que convivem com outras estranhas criaturas, fantasmas de carne e osso.
Neste ambiente claustrofóbico e obsessivo, os três personagens humanos duelam contra um quarto personagem, o próprio planeta, um organismo senciente de poder inimaginável e profundamente indiferente da humanidade.
Durante anos, os cientistas da Terra vêm tentado desvendar o mistério que cerca Solaris, tentando compreender suas estruturas fascinantes, seu ‘comportamento’, além de procurarem estabelecer um contato bidirecional com a suposta ‘mente’ do planeta.
Mas o planeta continua a ser incompreensível e continua a criar surpresas.
A estação de pesquisa, suspensa sobre as grossas nuvens, torna-se assim o cenário para um doloroso estudo mútuo.
A Opinião do Autor
“É um pouco difícil falar sobre este livro. Acho que consegui expressar o que eu pretendia. Parece bastante satisfatório aos meus olhos. Só posso acrescentar que se tornou algo suculento para os revisores. Li opiniões tão profundas, que eu mal as entendia...“
Adaptações Cinematográficas
Solaris teve duas adaptações para a tela grande. A primeira, de 1972, foi dirigida pelo brilhante cineasta russo Andrei Tarkovski, com roteiro de Friedrich Gorenstein e Donatas Banionis como Kris Kelvin.
Apesar de ter ganho o prêmio do Júri Especial do Festival de Cannes, Lem declarou não ter gostado do resultado e muito menos da sua relação com o diretor:
“Éramos como um par de cavalos atrelados - cada um puxando a carroça na direção oposta”.
A segunda adaptação, de 2002, foi produzida por James Cameron, dirigida por Steven Soderbergh, e estrelada por George Clooney.
Ao ouvir que Soderbergh prometia fazer do seu Solaris, um ‘cruzamento entre 2001 e O Último Tango em Paris’, Lem disse:
“Eu tive dúvidas sobre se eu deveria vender os direitos para os americanos, mas a certa altura, eu disse a mim mesmo, estou velho, tenho que abster-me de sempre dizer não. E agora é passado, não tem retorno, e não há nada que eu possa fazer sobre isso. Se os americanos transformaram meu livro em algo bizarro, não foi uma surpresa para mim. Eu só queria criar uma visão de um encontro humano com algo que certamente existe, de uma forma poderosa, talvez, que não pode ser reduzido a conceitos humanos, idéias ou imagens.
É por isso que o livro foi intitulado Solaris, e não Amor no Espaço.”
O primeiro não foi além dos cinemas de ‘arte’. Já o Solaris de Hollywood conseguiu boas bilheterias, mas sem ganhar os aplausos ou a unanimidade da crítica.
A grande dificuldade em se adaptar a ficção científica de Lem se dá por conta que a obra de Lem se concentra na humanidade em geral, enquanto os filmes - ao menos os mais populares - são sobre seus personagens.
Conclusão
Por quase cinqüenta anos Lem escreveu sobre as mais fantásticas invenções, suas histórias envolvem acidentes, limitações, avarias, imperfeições, interpretações equivocadas, erros de percepção, cegueira dogmática e ambigüidade, como seu final para Solaris, desconfortável e não menos inesquecível.
Em Solaris, Lem examina os fundamentos de nossa existência e nosso lugar no universo, questionando a necessidade científica de invocar uma "compreensão antropomórfica do universo que nos cerca" e o projeto de colonização do universo através de um conhecimento científico global, o "Mito da Missão da Humanidade", enquanto a escuridão da mente ainda não foi devidamente analisada.
Ao fim, ele nos leva a considerar o quanto o desejo científico de contato alienígena é o anseio deslocado, em termos religiosos ou poéticos, de um encontro redentor com algo que transcende os limites do homem.
Em um trecho do livro, um dos cientistas, embriagado e cheio de dor e sinceridade, afirma que a humanidade não está realmente ansiosa pelo contato com civilizações alienígenas, mas à procura de espelhos onde encontrar sua própria imagem.
"Não queremos conquistar o espaço, queremos simplesmente estender os limites da Terra até as fronteiras do espaço.
Para nós, este ou aquele planeta é tão árido como o Saara, outro é tão gelado como o Pólo Norte, outro ainda tão luxuriante como a bacia Amazônica.
Somos humanitários e cavalheirescos; não queremos escravizar outras raças, queremos apenas transmitir-lhes os nossos valores e, em troca, apoderarmo-nos da sua herança.
Consideramo-nos os Cavaleiros do Sagrado Contato.
Isto é outra mentira.
Nós procuramos apenas o Homem.
Não temos necessidade de outros mundos.
Um único mundo, o nosso, basta-nos; mas não o podemos aceitar por aquilo que é. Andamos à procura de uma imagem ideal para o nosso próprio mundo: andamos à procura de um planeta com uma civilização superior à nossa, mas que se tenha desenvolvido a partir da base de um protótipo do nosso primitivo passado.
Ao mesmo tempo, há dentro de nós algo que não gostamos de encarar de frente, do qual tentamos proteger-nos, mas que sempre permanece, pois não abandonamos a Terra num estado de inocência primária.
Chegamos aqui como somos na realidade, e quando se volta a página, e essa realidade nos é revelada, aquela parte da nossa realidade que preferíamos deixar no silêncio, então já não gostamos mais dela."
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Robert Silverberg - Other Spaces, Other Times
Nietzsche once wrote,“My memory says I did this,my pride says I did not. My memory yields.”
That’s sufficient warning, as though we needed it, that the autobiographies of writers are not to be trusted as factual documents.
Writers of fiction make stuff up.That’s what the word “fiction” means — it’s derived from the Latin verb fingere, which means “to imagine,”“to invent,”“to fabricate.” Out of fingere comes the noun fictum, meaning “that which is invented,” and out of fictum comes our English word “fiction.”
Those two Latin words have some secondary meanings that are of some relevance here. Fingere also means “to arrange,” “to put in order.” And fictum can mean “a lie.”
You see where I’m heading here.The fiction-writer makes things up, and also puts the things he has invented into some sort of rational order so that the reader can make sense out of them.This is especially true, alas, when the fictionwriter is talking about his own life. Even people who aren’t fiction-writers tend to arrange their own memories in a kind of rational order for the sake of having a coherent view of their past.
That involves some editing, which is to say, some revising, and very often some unintentional modification of the facts. (The modifications may not be all that unintentional, either. It isn’t at all unusual, of course,
for people, writers and non-writers both, to create ficta — downright lies — about their pasts.)
One special problem for fiction writers in this area is that after having applied their particular inventive gifts to their stock of personal memories during the process of putting it in order, they aren’t always sure where a little artistic embellishment may have taken place.We are story-tellers by first nature, and we want to tell good stories.We usually want them to be truthful stories, too, but sometimes, after having told the story of our lives often enough,we lose track of the enhancements we have introduced in the interest of artistic verisimilitude.
I have no doubt I’ve done something of that sort myself from time to time.
I have a very retentive memory, but by now it stores more than three score and ten years’ worth of events; so it is altogether likely that some of those events, rolling around in my fiction-writer’s mind for all those decades, have undergone some modifications all unbeknownst to their custodian.That doesn’t mean I’ve been telling a lot of lies about my past, but it does mean that I may very well be serving up fictionalized versions of some events, narratives that have been subconsciously tinkered with by my inner editor to turn them into better stories.
They aren’t lies, because there’s been no intention to deceive, but they may not exactly be the truth, either.
I don’t like to lie — about my past, or anything else. (Though I will, if forced to a choice between lying and revealing something that might cause injury to someone else.) But if I prefer, on the whole, to tell the truth, I feel under no obligation to tell all of it.There are things I have done — especially in my troubled and troublesome childhood — that I would just as soon forget, though I am unable to. I have, however, outlived nearly all the witnesses to those relatively trivial but embarrassing things, and those that remain have almost certainly forgotten them.
Fine. I will not, therefore, bring all those sorry episodes back to life by writing about them. (Though I have embedded a good many of them in the lives of characters in my stories and novels.) Jean-Jacques Rousseau wrote a book that among other things tells of all the vile and shameful deeds of his life — it is rightfully called The Confessions of Jean-Jacques Rousseau — and though it is a fascinating book that has never lacked for readers in the past two and a half centuries, I don’t care to emulate it.
(I haven’t done very many vile and shameful things, anyway, and I’m probably the only one who would think they’re particularly vile.)
So I’ve never written a formal autobiography, and I have no intention of writing one.This is in part because, for the reasons I’ve just enumerated, I don’t trust myself to get all the facts entirely straight, and also because some of the facts that I would feel obligated to include, about my childhood, for instance, would probably make me look like a nastier little boy than I really was.Then, too, a proper autobiography would, I believe, require me to describe my interactions over the span of a long and complicated life with various people who might not care to have those interactions publicly described.Therefore I have avoided writing anything
like a conventional autobiographical book, and I intend to go on avoiding writing one to the end of my days.The closest I’ve come to it has been the lengthy essay called “Sounding Brass,Tinkling Cymbal,”first published in 1975 and updated several times since, but even that leaves out much of the personal data and concentrates mainly on my career as a science-fiction writer.
That career, though, has been a long and busy one. I’ve been a significant player in the science-fiction field for more than half a century.That can be said of very few sf writers, apart from such phenomenal examples of longevity as Jack Williamson and Frederik Pohl. My timespan as an active writer has already outlasted those of Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, and Poul Anderson, to name just a few who maintained notably lengthy and prolific careers, and I’m closing in on that of Arthur C. Clarke.
I’ve seen a lot of history in all that time. In the course of my six decades of writing, I’ve witnessed the transition of science-fiction publishing from being a pulp-magazine-centered field to one dominated by mass-market paperback companies, and I’ve known and dealt with virtually every editor who played a role in that evolution. For much of that time I was close to the center of the field as writer and sometimes as editor, not only deeply involved in its commercial mutations but also privy to all the personal and professional gossip that it generated.All that special knowledge has left me with a sense of my responsibility to the field’s
historians. I was there, I did this and did that, I worked with this great editor and that one, I knew all but a handful of the major writers on a first-name basis, and all of that will be lost if I don’t make some sort of record of it. Therefore it behooves me to set down an account of those experiences for those who will find
them of value.
Which I have duly done, piecemeal, in a long series of introductions to many of my published novels and nearly all of my short stories, and the anecdotal data out of which I have built those introductions, based on my extensive correspondence file and my own still pretty exceptional memory, form a kind of collective serial autobiography that will have to do in lieu of a single formally constructed one. Non-Stop Press has brought much of that material together in this book.
As my initial warning should indicate, all memoirs are open to a certain degree of suspicion, including mine. I may not have attained perfect factual accuracy here. My memory is an excellent one but is not infallible; some of my correspondence files and business records were lost or defaced in a fire that wrecked my house in 1968; and there is always the unavoidable tendency of any writer to reshape rough facts into smoothly rounded stories that must be taken into account. But if I have made free with reality in any of the essays that follow, I urge you to believe me when I say that I did none of it intentionally.You will find here the story of my life in science fiction as I remember it and as I have recorded it, and though I may have unknowingly retouched or misinterpreted some of that story, I have, at least, not consciously distorted it.Trust me on that,won’t you?
In any case, very few of the people I mention here are still alive to contradict me.
As Frederik Pohl said to me long ago, one big advantage of outliving your friends is that your version of the story is the only one that counts.
Here’s my version, then, of how I spent close to sixty years writing science fiction. It’s as close to being the accurate one as I can produce.
And from here on, it’s the only one that counts.
Introduction by Robert Silverberg - September, 2008
Contents
Introduction
One: Beginnings
two: On writing sf
three: Autobiography
four: Miscellany of a life
five: Silverberg bibliography
list of illustrations
Index
Robert Silverberg - Other Spaces, Other Times - A life spent in the future [ Download ]
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Contatos Imediatos do Terceiro Grau - Steven Spielberg
Assim que Roy desceu pela montanha, percebeu que o espetáculo terminara.
Como se obedecendo a um sinal, todos os objetos tinham desaparecido na noite.
Agora, saindo das nuvens baixas, uma centena de pontos de luz surgiam em redor do perímetro de mais de trinta quilômetros que englobava o canyon. Embora esses pontos de luz pairassem a pelo menos quinze quilômetros de distância, Neary podia ver que se tratava de veículos grandes, em forma de porcas e parafusos, que pareciam guardar, pairando, toda a área da base.
De repente, ergueram-se ainda mais no céu e diminuíram a intensidade das suas luzes. Agora, Roy mal podia distinguir as formas pretas por trás do clarão. Era uma visão fantástica.
Mas as coisas ficaram ainda mais estranhas.
Lá embaixo, no estádio, todos estavam exaustos e, ofegantes, recolhiam o equipamento, ao mesmo tempo em que tiravam o pó das roupas. Embora fossem cientistas, tinham sido submetidos a um grande choque cultural e cada um deles procurava assimilar a coisa, assumi-la.
Ninguém falava. O vento cessara completamente e o silêncio era total.
Neary descera sem parar e estava agora na base da montanha, procurando aproximar-se sem ser visto, quando alguma coisa o fez estacar e olhar para cima.
De trás da montanha e de dentro de uma nuvem, algo começava a sair, alguma coisa inteiramente preta. Não só preta, mas também enorme. Tão enorme, que Roy não poderia fazer uma idéia do seu tamanho. Vendo aquela enorme forma preta descer do alto da montanha, ocultando a lua e formando uma sombra que poderia cobrir todos os que estavam no canyon, Neary pensou que fosse desmaiar.
Dentro da base, o mestre de cerimônias murmurou:
— Oh, meu Deus! E caiu de joelhos.
— Diabos! — exclamou Laughlin, sem saber o que dizia. Lacombe limitou-se a olhar, como que petrificado.
— Mon Dieu! — disse, por fim, compreendendo que, se pudessem medir aquela forma, aquela coisa, veriam que a sua largura seria de mais de quilômetro e meio e que o seu comprimento, que cobria todo o céu, ainda não podia ser calculado, porque a sua extremidade continuava encoberta.
De repente, a coisa virou. Uma faixa cirúrgica de luz orlava a parte inferior da coisa e, então, algo se abriu — um círculo explodiu, como uma coroa de luz.
Era do tamanho de uma cidade, pensou Neary. De Indianapolis. Não, maior ainda. De Detroit.
A parte de cima parecia uma refinaria de petróleo, com enormes tanques e oleodutos, chamas e luzes.
A massa fantasma, deslizando através do canyon, parecia velha e suja, como uma cidade antiga ou uma imensa nave, que tivesse percorrido os céus durante centenas, milhares, milhões de anos. Nem Roy nem qualquer dos cientistas ou técnicos — nem nenhuma outra pessoa na Terra — vira jamais, ou imaginara coisa parecida.
Quando se aproximou da base, uma tremenda explosão de luz irrompeu atrás dela e a dividiu no que parecia ser mil vaga-lumes brilhantes, só que cada vaga-lume era um pequeno veículo, que funcionava como um rebocador. Cada “rebocador” emitia diferentes cores e os mil rebocadores juntos formavam uma espécie de armação de luzes multicoloridas, sobre a qual a massa fantasma — com cerca de três quilômetros de extensão e quilômetro e meio de largura — parecia assentar. A massa estremeceu ligeiramente, quando a armação, de vigas formadas por cores que piscavam, a escoltou para uma área de aterrissagem, no extremo do campo.
Neary pulara por cima do muro de dois metros e estava agora no meio dos técnicos e dos cientistas, todos absolutamente perplexos diante do que viam.
A armação guiou a massa, que desceu a cerca de quilômetro e meio das luzes que delimitavam o local de aterrissagem. Era tão grande que, ao pousar, a beirada formou um teto por sobre todo o acampamento.
A massa criara seu próprio campo de gravidade negativa e, não demorou para que as pessoas e as coisas perdessem cerca de quarenta por cento do seu peso. Isso fez com que todos se animassem, se pusessem a dar pulos no ar, sendo que alguns davam cambalhotas e saltos mortais. Seus colegas de macacão esgueiravam-se e saltitavam por baixo deles com as cameras, tirando fotos do incrível acontecimento.
Depois que a massa desceu, o grupo que estava junto do sintetizador sentiu-se individual e coletivamente enfraquecido. Experimentavam todo o impacto do choque cultural, apesar dos anos de espera e preparação para aquele momento.
Lacombe e o chefe do grupo foram os primeiros a se recuperar parcialmente. Resolveram aproximar mais o sintetizador, que era montado sobre rodas, da massa. Depois de o arrastarem cerca de vinte e cinco metros pelo campo e apesar de se sentirem num outro mundo, todos se reanimaram.
O mestre de cerimônias falou, com a maior frieza possível, ao microfone portátil:
— Todos os departamentos em operação durante esta fase queiram se manifestar por meio de dois sinais.
Dois tons ecoaram pelo canyon, quebrando o silêncio reinante.
O técnico da cabine perguntou:
— O analisador de áudio está pronto?
Recuperando um pouco de equilíbrio, agora, que estava fazendo algo, o mestre de cerimônias disse:
— Se tudo estiver pronto aqui, no lado escuro da lua, toquem as cinco notas.
Shakespeare tocou as cinco notas bem devagar. Não houve resposta da massa fantasma.
— Encore — ordenou Lacombe.
As cinco notas soaram através da noite. A grande nave emitiu um som que parecia o grunhido de um porco.
— Deve ter sido algo que ela comeu — disse, nervoso, o chefe da equipe.
O músico-engenheiro começou a tocar de novo as cinco notas. Desta vez, não houve nenhuma resposta.
— De novo — disse o chefe da equipe.
Shakespeare obedeceu.
Súbito, as últimas duas notas foram completadas pela nave-mãe. O estrondo foi incrível. Fez com que os homens fugissem e estilhaçou todas as janelas dos cubículos. Nas cabines, os técnicos tentaram escapar aos estilhaços e alguns sofreram cortes, mas não se importaram com isso.
— OK — disse o chefe da equipe, passado um momento. — Toque de novo.
O sintetizador soou e a nave respondeu. Desta vez, luzes — iguais às do painel — brilharam em toda a sua superfície.
Jillian Guiler sabia que não podia agüentar mais sozinha. Mesmo cheia de medo, achou preferível tentar descer e juntar-se a Neary. Precisava estar com alguém que a ajudasse a sobreviver a tudo aquilo. Pegou a sacola e a máquina fotográfica, e iniciou a descida, seguindo o mesmo caminho que Roy tomara.
O mestre de cerimônias dirigiu-se a Shakespeare e ao técnico da cabine:
— Toque seis colcheias e depois faça uma pausa. O músico tocou as notas.
A nave ecoou-as e depois tocou um grupo de notas que nenhum deles tinha ouvido antes. O técnico falou:
— Ela tocou quatro colcheias. Um grupo de cinco colcheias. Um grupo de quatro semicolcheias.
Shakespeare imitou as notas emitidas pela nave, que logo acrescentou cinco novas notas e cinco cores diferentes.
No interior dos cubículos, os técnicos estavam numa espécie de Nirvana.
A nave estava lhes ensinando o seu vocabulário cromático e musical!
À medida que as trocas aumentavam de complexidade e velocidade, os computadores assumiram o trabalho de Shakespeare. Tirou as mãos do teclado e o Moog foi tocado pelos computadores como se fosse um piano.
— Imitem a nave em tudo — instruiu o mestre de cerimônias. — Acompanhem-na nota por nota.
A nave-mãe explodiu em sons e cor, e o Moog, ligado com o computador e o painel cromático, repetia. Durante vários minutos extasiantes, a grande nave, o Moog e o painel deram uma espécie de concerto cósmico.
Era uma música muito estranha — passando de melódica a atonal, depois lembrando jazz, a seguir música folclórica e, logo depois, algo tão grotesco e antimusical, que todos tinham de tapar os ouvidos.
Neary sorria, sem reparar que Jilliam abria caminho através da multidão. Alguns dos técnicos batiam palmas; outros levavam as mãos à cabeça. Lacombe tinha uma expressão de perplexidade.
De repente, a nave parou. Deu alguns grunhidos e depois calou-se. Todas as luzes se apagaram.
A base ficou às escuras e em completo silêncio durante alguns momentos.
Então, a nave começou a se abrir.
Toda a parte de baixo, a partir de uma linha de luz branca, se abriu para uma fornalha de luz.
Todos se afastaram, colocando óculos escuros. Mas, mesmo com óculos, era difícil olhar para aquela luz incandescente.
A coisa abriu-se mais um pouco.
Aquilo era demais. Todos recuaram rapidamente, querendo afastar-se daquela luz enervante, que tinha agora cerca de cento e cinqüenta metros de largura.
Mas a abertura continuava aumentando.
Primeiro Lacombe, depois Neary e então os outros foram-se aproximando outra vez. A luz branca emitiu um calor intenso e depois parou.
Dentro do calor ofuscante, distinguiram movimentos.
A luz era tão forte, que mandava raios em todas as direções. Agora, parecia haver oito vultos saindo do meio da luz. Seu aspecto era completamente inumano, porque a luz branca lhes cortava os corpos em tiras finas.
Mas logo saíram da nave, colocando-se fora do alcance da luz.
Lacombe avançou para eles. Viram que se tratava de pessoas. De homens.
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quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Histórias do Acontecerá 1
Contos:
Natal - Alvaro Malheiros
A Organização do Dr. Labuzze - Andre Carneiro
O Desafio - Antonio Olinto
O Paraiso Perdido - Clovis Garcia
O Céu Anterior - Dinah Silveira de Queiroz
A Experiência - Leon Eliachar
Ma-Hôre - Rachel de Queiroz
A Idade da Razão - Ruy Jungmann
Maternidade - Zora Seljan
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terça-feira, 31 de agosto de 2010
Escrita atemporal (Jorge Luis Borges)
Conheci a obra de Franz Kafka em 1917 e agora confesso que fui indigno da obra de Franz Kafka.
Eu o li em uma revista expressionista, profissionalmente moderna, que havia se consagrado a inventar a falta de pontuação; a falta de rimas, a falta de maiúsculas e o abuso de metáforas simuladas e aparatosas palavras compostas próprias dos jovens desse tempo e talvez dos jovens de todos os tempos.
Entre esse estalido impresso, figurava um apólogo, contraposto à corrente, que levava a assistência de Franz Kafka e que considerei inexplicavelmente insípido.
Recordo que li uma fábula sua, escrita de maneira simples, e me apareceu incompreensível sua publicação. Passei frente à revelação e não a percebi.
Também devo confessar que aderia plenamente a este estilo barroco e que buscava imitá-lo.
Mais tarde seus livros chegaram às minhas mãos é então me dei conta da minha insensibilidade e do meu erro imperdoável.
A grandeza de Kafka é evidente e seu gênio indiscutível.
É o escritor menos controvertido deste século e talvez o primeiro, ainda que em nada, ou quase nada, se pareça a este século.
A leitura de outros escritores nos leva a pensar na época em que escreveram.
Se tomamos o caso de Shakespeare, temos que pensar continuamente que escreveu para o palco e não para a leitura; temos que pensar na política, na decadência da Espanha, da Armada Invencível.
Se tomamos o caso de Dante, não podemos esquecer sua teologia nem seu amor por Virgílio.
Se tomamos o caso de Walt Whitman, não podemos prescindir do sonho da democracia que professava. Tampouco podemos ler Hugo sem nos afastarmos da história da França. Kafka é uma exceção a essa regra tão comum na história da literatura. É um escritor a quem podemos ler atemporalmente.
Kafka nasceu em Praga, é de origem judia, é boêmio, mas não se sente tchecoslovaco. Vive e sofre as conseqüências da Primeira Guerra Mundial, mas nada disso se reflete em sua obra.
Seu trabalho poderia ser definido como uma parábola ou uma série de parábolas, cujo tema central é a relação moral do indivíduo com a divindade e com o universo.
Kafka via sua obra como um ato de fé e não buscava através dela desalentar os homens.
Surgiu e morreu como um clássico no que se refere ao formal.
Quanto ao conteúdo, recordo que meu amigo, o poeta Carlos Mastronardi, me disse uma vez que no final das contas Kafka não havia feito outra coisa a não ser renovar o paradoxo de Zenão de Eléia: uma flecha não pode chegar a sua meta porque antes tem que passar por um ponto intermediário, antes por outro ponto intermediário, e assim sucessivamente temos um número infinito de pontos onde a flecha em cada momento está imóvel no ar, e somando imobilidades não se chega nunca ao movimento.
Curiosamente, descobri depois uma versão chinesa desse mesmo paradoxo. Está no livro de Chuang Tzu e é a história dos reis de Ian. Supõe-se que cada rei, ao morrer, rompe o cetro e entrega a metade restante a seu sucessor; o sucessor faz o mesmo e por isso a dinastia é infinita.
No caso de Kafka, podemos pensar que um de seus temas é a infinita postergação. Essa postergação está sentida de um modo patético, e nisso radica a suprema novidade de Kafka, tomar esse tema que antes havia sido um tema das matemáticas e levá-lo a uma expressão da vida.
Um remoto imperador, infinitamente remoto no tempo e no espaço, faz com que infinitas gerações levantem um muro infinito que dê a volta em seu império infinito para deter o curso de exércitos infinitamente distantes.
Como Virgílio, que a ponto de morrer encarregou seus amigos de reduzir a cinzas o manuscrito inconcluso da Eneida, Franz Kafka encomendou a Max Brod a destruição dos romances e narrativas que asseguravam sua fama. A afinidade destes ilustres episódios é, se não me engano, ilusória. O delicado Virgílio não podia ignorar que contava com a piedosa desobediência de seus amigos: o obsessivo Kafka, com a de Brod.
No mais, o autor que realmente deseja a desaparição de sua obra não encomenda essa tarefa a outro.
Sem dúvida Virgílio e Kafka não desejavam profundamente a destruição de seus escritos: só queriam desligar-se da responsabilidade que uma obra sempre nos impõe. Kafka, como Chesterton, teria preferido a redação de páginas felizes, mas sua fidelidade não condescendeu em escrevê-las.
1883-1924. Estas duas datas delimitam a vida de Franz Kafka.
Ninguém pode ignorar que ele foi marcado por importantes acontecimentos históricos: a Primeira Guerra mundial, a invasão da Bélgica, as derrotas e as vitórias, o bloqueio dos impérios centrais pela frota britânica, os anos de fome, a revolução russa, que foi portadora de uma generosa esperança e que é hoje o imperialismo, o degelo, o tratado de Brest-Litoskv e o tratado de Versailles que engendrou a Segunda Guerra Mundial.
Ele foi igualmente marcado por uma série de fatos íntimos observados na biografia que Max Brod escreveu: os desentendimentos com o pai, a solidão, os estudos de Direito, as horas no escritório, a profusão de manuscritos, a tuberculose. E também as grandes aventuras barrocas da literatura: o expressionismo alemão, as proezas verbais de Johannes Becher, de William Yeats e de James Joyce.
O destino de Kafka consiste em transformar os acontecimentos e as agonias em fábulas.
Narra pesadelos sórdidos em um estilo límpido. E não deixa de ser notável que ele tenha sido leitor das Escrituras e admirador fervoroso de Flaubert, de Goethe e de Swift.
Ele era judeu, mas a palavra judeu, se bem me lembro, não figura em seus escritos – que são intemporais e, desta maneira, eternos.
Kafka é o maior escritor clássico deste tumultuado e estranho século.
JORGE LUIS BORGES
Escritor e poeta argentino, Jorge Luis Borges (1899-1986) publicou Ficções, O Aleph, História Universal da Infâmia, Informe de Brodie (contos) e Fervor de Buenos Aires (poesia), dentre outros; texto escrito por ocasião do centenário de nascimento de Franz Kafka.
Escrita atemporal (Folha de São Paulo, 10.12.83).
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