Até a metade final dos anos noventa, o cinema ciberpunk japonês começava a diminuir seu ritmo, tendo sido ultrapassado em termos de projeção internacional, pelos sanguinolentos filmes sobre yakuza (filmes de Kitano e Mike) que por sua vez também seriam ofuscados pela nova onda sobrenatural, "J-Horror", filmes que surgiram na virada do século, como The Ring (1998) e The Ring 2 (1999) de Hideo Nakata.
Rubber Lover's de Fukui foi o último filme ciberpunk underground dos anos noventa e, possivelmente para sempre. Após a sua conclusão e depois de receber uma versão limitada para o vídeo, Fukui colocou o cinema de lado e foi trabalhar em uma produtora de vídeo. Tsukamoto mudou também, continuando a sua exploração amadurecida da simbiose entre a cidade e o cidadão. Seus filmes Tokyo Fist (1995) e Bullet Ballet (1998) abstêm-se praticamente de todas as imagens de ficção científica e terror que havia caracterizado seu trabalho anteriormente.
O ciberpunk seria mantido vivo no Japão graças às indústrias de mangá e anime, até retornar ao cinema na virada no milênio.
O ano de 2001 viu o lançamento de dois filmes que dariam ao subgênero um novo sopro de vida.
O primeiro deles foi Avalon, de Mamoru Oshii, um live-action japonês/polonês sobre um jogo de simulação virtual viciante e que foi o primeiro filme de Oshii, desde seu anime de sucesso internacional, a adaptação cinematográfica de Ghost in the Shell (1995) - que teria uma sequência; Ghost in the Shell 2: Innocence (2004).
Filmado na Polônia com atores poloneses e uma equipe japonesa, o tema de Avalon, a realidade virtual (VR), o coloca no mesmo patamar de vários filmes ciberpunk americanos produzidos durante os anos noventa: The Lawnmower Man (1992), Strange Days (1995), Thirteenth Floor (1999), The Matrix (1999) e eXistenZ (1999) de Cronenberg, por exemplo. Também foi impregnado de diversos lançamentos de animes com temas semelhantes - para o cinema e televisão - que surgiram durante a mesma década que fenômeno da internet começou a fazer o mundo parecer ainda menor; a própria adaptação de Oshii de Ghost in the Shell e Serial Experiments Lain (1998) de Ryutaro Nakamura foram especialmente indicativos destas alterações tecnológicas e culturais. Outro exemplo notável e precursor de muitos dos trabalhos sobre VR, e que iria aparecer na década de noventa é o anime de quatro partes Megazone 23 (1985-1989), que explora a idéia de uma Tokyo pós-apocalíptica existindo como uma simulação virtual futurista.
O segundo filme foi Electric Dragon 80.000 V de Sogo Ishii , que serviu não só para o retorno de Ishii ao cinema punk, após uma década de meditação, mas assim como Burst City, encabeçou uma nova geração de filmes com o espírito do ciberpunk japonês evoluído em um novo e estranho animal.
Tal como aconteceu com o cinema de assalto sensorial de Tsukamoto e Fukui, Electric Dragon 80.000 V é um filme para se experimentar e não assistir, estimulando as partes mais primitivas do cérebro com um tsunami de som e imagem.
A premissa é bastante simples: um rapaz descobre a capacidade de canalizar energia depois de receber várias descargas elétricas em sua terapia de eletro-choque, para tratamento de seu comportamento violento. Agora adulto, com megawatts de energia percorrendo através dele, Dragon Eye Morrison é um investigador profissional de répteis, buscando lagartos perdidos em becos. O equilíbrio é perturbado pela chegada de Thunderbolt Buda, um técnico em reparos que se tornou um vigilante, e que tem os mesmos talentos eletrocondutores, adquiridos a partir de um acidente na infância com linhas de força. Os dois se encontram e lutam pela supremacia sobre os telhados de Tokyo.
Como Burst City, Electric Dragon inclina-se menos para o ciber e mais para o aspecto punk do subgênero, com Ishii seguindo a linha de pensamento que ele empregou com seus vídeos musicais e filmes de concertos durante os anos oitenta. O título do filme também faz referência aos velhos tempos, em parte derivado de 'Live Spot 20.000 V', um local de concerto, que desempenha um papel central em Burst City e um dos primeiros curtas de Ishii, The Solitude of One Divided by 880.000 (1978).
Electric Dragon é menos sobre o pesadelo e mais sobre a expressão anárquica em desacordo com o universo pós-moderno.
No entanto, alguns traços significantes se mantêm: o gritante cenário opressivo da Tokyo monocromática, a atitude fetichista com as linhas de alta tensão, antenas, dutos de ventilação e outros onipresentes aparelhos tecnológicos, o hiperativo expressionista; seu baixo orçamento, e tática de guerrilha, assim como Tetsuo, o conceito de dois personagens ampliados através da tecnologia, dando-lhes poderes que não podem controlar totalmente, chegando às vias de fato.
Dragon Eye Morrison se prende à cama de metal à noite, enquanto a atração deThunderbolt Buddha por dispositivos eletrônicos para auxiliar em suas excursões noturnas, o faz ter que lutar pelo controle de seu próprio corpo.
Os temas psicosexuais que dominavam o ciberpunk japonês do passado foram substituídos por uma noção igualmente primordial de magnetismo animal. A energia elétrica de Morrison é derivada do "Dragão" que está embutido em todas as coisas vivas. Sua fúria desbloqueia a força do dragão, o que significa que ele pode aproveitar a energia sugando-a de eletrodomésticos ou criando a partir de sua guitarra, uma cacofonia de alta tensão de ruído e expressão, anunciando que o espírito punk de Ishii ainda está vivo e bem.
Na verdade, o ator principal Tadanobu Asano, ocasionalmente convidado do conjunto punk-noise industrial Mach 1,67 de Ishii, provê a trilha sonora propulsora do filme.
O filme seria usado mais tarde para acompanhar os shows ao vivo do grupo, uma estratégia pioneira de Ishii em 1983, quando fez o curta-metragem Ásia Strikes Back – a porção ciberpunk pouco conhecida e que serviu de modelo para as experiências underground de Shozin Fukui - serviria de fundo para o álbum e a turnê do super grupo punk The Bacillus Army, de vida curta.
Similar a Tetsuo de Tsukamoto, os diálogos em Electric Dragon 80.000 V são mínimos, portanto a narrativa é alimentada principalmente pela imagem e segue um modelo similar, o protagonista é visto adquirir seu poder, o antagonista então o desafia para o combate final. Tudo isso embrulhado em alta energia, um pacote de sessenta minutos sem gorduras.
O filme de Ishii não é só um regresso ao manifesto ciberpunk dos anos oitenta, mas nos lembra que, em vez de ser caracterizado por pesados conceitos da ficção científica, como ocorreu no Ocidente, o ciberpunk japonês era definido por sua atitude de independência, sua vontade de criar algo a partir de nada.
A ascensão do splatterpunk
Nos anos seguintes a Electric Dragon 80.000 V, uma nova onda de filmes de terror/ficção científica de baixo-orçamento começaram a surgir, em grande parte graças ao aumento da distribuição em DVD, técnicas de produção mais baratas e alcance cada vez maior da internet.
Filmes como Hellevator: The Bottled Fools (Hiroki Yamaguchi, 2004), Meatball Machine (Yudai Yamaguchi e Junichi Yamamoto, 2005), The Machine Girl (Noboru Iguchi, 2008) e Tokyo Gore Police (Yoshihiro Nishimura, 2008), inaugurou uma nova era de filmes 'gore', que passaram a ser chamados de splatterpunk.
Estes filmes splatterpunk compartilhavam o mesmo espírito independente de seus precursores, substituindo o 8mm e o 16mm pela tecnologia digital barata, mantendo o orçamento disponível para efeitos de maquiagem, figurino e efeitos. Muitos dos efeitos desses filmes retratando mutação e alteração corporal; são recriações das fusões de metal de carne de Tetsuo e o perverso armamento biológico de Tetsuo II.
Semelhante ao horror "splatstick" de Sam Raimi e dos filmes iniciais de Peter Jackson, os efeitos e transformações inclinam-se para o ridículo, para o efeito cômico. Um personagem mutante em Tokyo Gore Police, possui um enorme canhão de carne contorcida saindo de sua virilha, muito parecido com um pênis ereto, o que sugere - de uma forma muito irônica - a distorção entre sexo e violência explorada por Tsukamoto e Fukui.
Meatball Machine de Yamaguchi é talvez o mais próximo do antigo ciberpunk japonês; alienígenas parasitas infectam pessoas desavisadas, que prontamente se transformam em macabros monstros homem-máquina.
De muitas maneiras, essa fase “splatterpunk” é também uma reminiscência da corrida por efeitos especiais que ocorreu com os filmes de terror americano na década de 80; Cronenberg incluído.
Como os efeitos se tornaram mais avançados, uma aparentemente interminável onda de filmes foram produzidos, tentando diferenciar-se um dos outros usando o estilo gore.
O mesmo pode ser dito aqui, pois parece continuamente aumentar à medida que cada novo lançamento surge contorcendo o corpo, se transformando em algo cada vez mais elaborado e de forma grotesca.
Uma razão para isso é que muitos dos diretores dessa fase vieram dos efeitos especiais: Yoshihiro Nishimura que dirigiu Tokyo Gore Police, por exemplo, supervisionava efeitos especiais para produções gore modernas incluindo Machine Girl e Robot Geisha (2009) de Noboru Iguchi.
Na verdade, muitos desses filmes foram feitos através da mesma Fundoshi Corps, uma produtora fundada por Nishimura, Iguchi e o produtor de cinema Yukihiko Yamaguchi, que se especializou em produções baratas. Este provou ser um modelo de negócio bem sucedido, e que está permanentemente alimentando uma fanbase internacional, à procura de conteúdo pervertido, violento e estranho.
As pedras de toque do erotismo e perversão combinados, também estão presentes.
No entanto, renunciaram o tecno-fetichismo em favor do contemporâneo V-Cinema (feito para o vídeo) e do Pink film (cinema erótico). Machine Girl, por exemplo, utiliza imagens típicas, como a estudante japonesa - um conceito popular para a indústria de anime, manga e pornografia japonesa - e leva a novos níveis abjetos como o hardware de seus membros decepados concedendo-lhe a capacidade de crescer armamentos a partir de sua coluna vertebral; tudo com a saia levantada, é claro.
Infelizmente, parece que live-action ciberpunk japonês afastou-se da origem ousada, do underground experimental de onde veio. O resto de suas idéias são utilizados no gore violento, feito para chocar, desprovidos do potencial imediato e filosófico de seus progenitores.
O movimento, que fora uma expressão de atitude, das preocupações e da frustração com o mundo, do jeito que está estruturado e da tecnologia utilizada - e não apenas a exploração de uma zona cinzenta entre a ficção científica e o terror - parece ter desaparecido.
No entanto, em 2009 Shinya Tsukamoto anunciou seu retorno ao mundo do ciberpunk com um terceiro projeto Tetsuo.
Tetsuo: The Bullet Man, não é apenas um retorno, mas um novo começo para Tsukamoto; seu primeiro filme em inglês, uma tentativa de expor o mundo demente de Tetsuo para um público mais amplo. Ele estreou em 2009 no Festival de Veneza com destaque. Exibições subseqüentes como a de 2010 no Tribeca Film Festival, por exemplo, têm encontrado uma crítica favorável, mas um hiato fundamental permanece...
Como a cena punk que o originou, o cinema ciberpunk japonês era pertinente e indissoluvelmente ligado a uma determinada hora e lugar. Mais do que um subgênero, ele abordava a ansiedade daquele tempo, em que outras formas de expressão convencionais falhavam.
Mas agora que estamos no tecnologicamente dependente século 21 - e o pesadelo pós-humano agora é uma triste realidade - poderá este cinema ainda ser relevante?
Midnight Eye -
The World of Japanese Ciberpunk Cinema