quinta-feira, 30 de setembro de 2010

UM POUCO DE SEU SANGUE e outras histórias



O nome de Alfred Hitchcock desperta, em qualquer pessoa com algum gosto pelo cinema, a lembrança de filmes como UM CORPO QUE CAI, O HOMEM QUE SABIA DEMAIS, PSICOSE, JANELA INDISCRETA e outras obras-primas do suspense. E, para um número já bem grande de felizardos amantes do gênero, não passou despercebida a obra HISTÓRIAS QUE MAMÃE NUNCA ME CONTOU, na qual Hitchcock reuniu, com a mesma sensibilidade demonstrada em seus filmes, uma série de contos em que o inesperado, o suspense e até o sobrenatural tomam parte, mantendo o leitor preso do início ao fim das narrativas.

Em seqüência àquele livro surge agora UM POUCO DE SEU SANGUE E OUTRAS HISTÓRIAS, uma coletânea com narrativas tão ou mais excitantes que as anteriores e destinadas à mesma aceitação e repercussão entre os apreciadores do gênero.

A quem já leu a primeira obra, o convite para ler esta será sem dúvida desnecessário. Mas a quem ainda não leu nenhuma delas, sugerimos que leia primeiro esta última, simplesmente por que a tem na mão agora e seria uma lástima perder mais tempo.


ÍNDICE

UM POUCO DE SEU SANGUE - Theodore Sturgeon
UM PULO EM CASA - F. Scott Fitzgerald
OS VERANISTAS - Shirley Jackson
SIMONE - Joan Vatsek
SELEÇÃO NATURAL - Gilbert Thomas
REFÉM - Don Stanford
OTÁRIO ESPERTO - Richard Wormser
O CÃO PERDIDO - Henry Slesar
VENDEDOR EFICIENTE - Idris Seabright


Alfred Hitchcock apresenta UM POUCO DE SEU SANGUE e outras histórias [ Download ]

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

The Book of Aliens


Que tal a ideia de catalogar todas as formas alienígenas de vida que encontramos em filmes, livros, quadrinhos, etc,etc ? Loucura? É exatamente isso que o blog The Book Of Aliens se propõe.





Have aliens visited Earth? We dont know. But Vulcans, E.T. and Martians have invaded Pop Culture. Here we try to catalog them, well, as many as we can. You know some of them? Please let us know.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Maze Runner



Uma tendência nos últimos anos, tem sido a de utilizar a internet para levar o livro além de meramente um objeto físico, da sua forma mais tradicional. A rede também se presta bem para lançamentos de modismos, e o bom retorno deve assegurar alguns leitores extras, mais do que a boa e velha estante da livraria é capaz.

O livro 'Correr ou Morrer', da série juvenil 'Maze Runner', escrita pelo americano James Dashner, explora este filão virtual com propriedade. O site conta com amostras do livro para se baixar, book trailler (?) e outros agrados.

Seria bom ver alguns escritores brasileiros, tendo uma campanha de propaganda semelhante a esta, afinal, temos excelentes autores de FC, Fantasia e Terror, que nada devem ao senhor Dashner, e que mereciam uma melhor promoção.

O lançamento é pela editora argentina V&R.

domingo, 26 de setembro de 2010

Arthur Conan Doyle



 Arthur Ignatius Conan Doyle ( 22 de Maio de 1859 - 7 de Julho de 1930) nasceu em Picardy Place, Edinburgo (Escócia).

Apesar de ser mais conhecido pelo personagem que criou, Sherlock Holmes, seu crédito literário não é tão restrito quanto parece. Doyle escreveu romances populares, contos na maioria, também foi historiador e poeta.

O mais famoso escritor de histórias de detetives nasceu em um lar bastante modesto. Seu pai, Charles Doyle era um artista irlandês alcoólatra, que ganhava o sustento da família como funcionário público. 'Conan' lhe foi dado em homenagem ao avô, Michael Conan.

Desde seu nascimento, os pais de Doyle desejavam para o segundo filho (de dez) do casal, um futuro estável e respeitável, e assim o jovem Arthur foi enviado aos nove anos de idade para Stonyhurst Academy, escola dirigida por jesuítas em Lancashire (temida pelos severos castigos corporais). Em Stonyhurst, onde estudaria por cinco anos; se destacaria no críquete, manifestando talento literário. Aprovado com honras no exame de ingresso, passa um ano na escola jesuíta em Feldkirch, Áustria e posteriormente escolhe estudar medicina na Universidade de Edinburgo. Foi lá que Doyle conheceria um homem, seu professor Doutor Joseph Bell, que resultaria no protótipo de Sherlock Holmes.

No início de 1880, contratado como médico de bordo, embarca por sete meses em um baleeiro ártico. Suas leituras de bordo abrangiam principalmente espiritismo e paranormalidade. No ano seguinte, já Bacharel cirurgião, é contratado como médico de bordo em um barco a vapor e quase morre de malária. Após sair do hospital, Doyle abandona de vez a fé católica e decide dar uma parada nas viagens, e abre um consultório em Plymouth, com um colega, George Budd. Por discordar da ética de Budd, se muda para um consultório próprio em Southsea, Portsmouth (Inglaterra).

Este começo na profissão não se dá conforme o esperado e para afastar as horas de tédio, Doyle passa a entreter-se escrevendo pequenos contos. Neste primeiro ano de sua curta carreira médica, mesmo sem pretender ser um escritor, escreve seu primeiro romance 'The Firm of Girdleston'. Encorajado por amigos, envia a história para alguns editores, que a rejeitam. Aos 27 anos está casado e logo seria pai de um casal.

O primeiro conto com o personagem que o consagraria, veio em 1886.
'A Study in Scarlet', publicado em Beeton’s Christmas Annual, também não teve grande recepção. Agora, a principal motivação de Doyle para escrever, era a esperança de melhorar sua precária condição financeira. Desanimado com o ofício, abandonara a clínica de Southsea e estava de volta a Londres quando decidiu abandonar de vez a medicina (ainda fez uma tentativa estudando oftalmologia em Viena).

Mesmo 'A Study in Scarlet' não recebendo o retorno esperado de vendas, serviu para firmar seu estilo, que se consolidaria com as aventuras de Sherlock Holmes sendo publicadas mensalmente na revista Strand, a partir de 1891.

Foi através desta revista que o sucesso chegou e continuara assim por cinco anos.

A tuberculose da senhora Doyle, levou a família para a Suíça, em busca de ares mais saudáveis. Doyle era um fanático pelo esqui e tornou-se um grande incentivador do esporte (jogou também futebol amador).

Em 1894, convidado por um clube de leitura americano, viajou pela primeira vez para os EUA. A viagem de navio, segundo seus amigos, despertou o espírito aventuresco que nele estava adormecido. No ano seguinte mudou-se novamente com a família, desta vez para o Egito, onde viajou Nilo acima e trabalhou como correspondente de guerra.

Durante a Guerra Boer, Doyle precisou voltar para a Inglaterra, pois a saúde de sua esposa se deteriorara. Quando a Inglaterra se viu atacada por sua  política com os Boers, Doyle tornou-se uma figura de proa demonstrando apoio, escrevendo artigos defendendo a conduta da Inglaterra. Escreve ‘The Great  Boer War; The War in South Africa: Its Causes and Conduct’.

Em 1900, rejeitado para o exército, serve temporariamente em um hospital na África do Sul.

Seu Sherlock Holmes parece cada vez mais ganhar independência de seu autor.

“— O meu cérebro — disse Sherlock Holmes — se revolta contra a estagnação. Dê-me problemas, dê-me trabalho, dê-me o mais abstruso criptograma, ou a mais intrincada análise, e estarei no meu elemento. Detesto a rotina monótona da existência. Preciso ter a mente em efervescência. E por isso que escolhi a minha profissão especial, ou melhor, criei-a, porque sou o único no mundo a exercê-la.” (O Signo dos Quatro)

O início do século vinte assiste ao primeiro Sherlock Holmes do cinema ('Sherlock Holmes Baffled'), e um novo horizonte surge para Doyle, a política. Candidata-se pela ala unionista em Edimburgo, mas não é eleito. Apesar da derrota, Doyle é condecorado cavaleiro (por serviços prestados) pelo Rei da Inglaterra em 1902.

Um pouco depois disso, sua esposa viria a falecer por conta da tuberculose agravada pelas sucessivas viagens.

Em 1906, novamente candidato unionista, engrossa as fileiras pela Reforma da Lei do Divórcio. Casa-se com Jean Leckie, por quem alimentava uma paixão secreta. Em um ano de muitos lançamentos, publica ‘Through the Magic Door’ e escreve o romance manifesto ‘Crime of the Congo’, denunciando os massacres bárbaros ocorridos naquela região.

Em pouco tempo sua nova família cresceria, com o nascimento de Denis, Adrian e Jean.
Em 1914, se engaja em movimentos nacionalistas, forma a Força Voluntária e escreve ‘To Arms!’.

São anos conturbados. O assassinato do arquiduque Ferdinando dá inicio a Primeira Guerra Mundial.

Doyle se volta cada vez mais para seus trabalhos como historiador e inicia o primeiro dos seis volumes de ‘British Campaign in France and Flanders’, além de visitar pessoalmente as frentes de batalha.

Na sua volta a Londres, anuncia publicamente sua conversão ao espiritismo e publica o que pretendia ser a última história de Sherlock Holmes, ‘His last Bow’ (‘O último adeus de Sherlock Holmes’).
Porém, a industria cinematográfica descobrira na literatura de Doyle um filão lucrativo, e somente a British Stoll Film Company produziu uma centena de filmes inspirados em obras suas, entre elas a mais famosa versão de 'The Hound of the Baskervilles' com Eille Norwood eternizado no papel de Sherlock Holmes em mais de 50 filmes.

Por mais que tentasse se desvencilhar de sua criatura, Doyle era chamado de volta.

O ano de 1917 seria tanto de dor quanto de celebração. Apesar da assinatura do armistício que colocou fim à primeira guerra, seu filho Kingsley morre de pneumonia.

Levado pela depressão (a partir das mortes do filho, da ex-mulher, do irmão, de dois cunhados e dois netos) e por suas convicções cada vez mais fortes na vida após a morte, inicia um projeto mundial para promover o espiritismo.

Em Melbourne (Austrália), suportado pela imagem de escritor internacional de sucesso, declara que “enquanto a Austrália mantiver sua 'britaneidade', e mantiver distância dos americanos, terá um futuro promissor”. Suas declarações desagradam a imprensa local (reclama que as ruas são cheias de bêbados) e são interpretadas como uma rejeição aos 'valores nacionais’. Mal retorna da Austrália e já parte para uma turnê de conferências nos EUA.

Neste período, o prestígio de Arthur Conan Doyle sofreria um enorme baque.

As primas Frances Griffiths e Elsie Wright eram jovens de Cottingley, cidadezinha próxima a Bradford (Inglaterra). Entre 1916 e 1920, as duas meninas fotografaram o que seriam ‘fadas da floresta’, aparentemente dançando para a lente da câmera. As fadas pareciam pequenos seres humanos com cortes de cabelo no estilo dos anos 20, vestindo roupas vaporosas e com pequeninas asas às costas. Uma das cinco fotos mostra o que seria um gnomo, vestido com trajes elizabeteanos e também com asas.

Doyle era nesta época uma celebridade internacional. Seu amigo e devoto ao estudo de assuntos esotéricos, Gerard Gardner (fundador da Wicca moderna) lhe apresentou as fotos que pretendiam provar a existência de fadas. As fadas de Cottinggley, como ficaram conhecidas, passaram a fazer parte das palestras de Doyle e de seus artigos.

Uma carta de Doyle, evidencia seu entusiasmo pelo assunto:

30 de junho. Querida Miss Elsie Wright
Eu vi as fotos maravilhosas das fadas que você e sua prima Frances fizeram, e não tenho estado tão interessado em algo assim faz muito tempo. Vou lhe enviar amanhã um dos meus livrinhos, pois tenho certeza que você não é velha demais para apreciar aventuras. Estou indo para a Austrália logo, mas queria antes parar em Bradford e conversar por  meia hora com você, pois gostaria de saber de tudo.
Com os melhores cumprimentos,
Arthur Conan Doyle

Ele acreditava piamente na veracidade das fotos, e passou a teorizar sobre a natureza da existência das "pequenas criaturas", inclusive escrevendo um livro intitulado ‘The Coming of the Fairies’ (1922) e gastando uma fortuna divulgando sua nova causa.

Esta nova faceta, além de sua fascinação pública por fantasmas e vida após a morte, acaba por cercá-lo em uma aura de ridicularização que afetaria a credibilidade de sua obra.


(As primas de Cottingley por praticamente toda a vida, negaram a farsa das fotos. Quarenta e cinco anos após a morte de Doyle, Elsie, em uma entrevista para a BBC, declarou que as fotos eram ‘fragmentos da imaginação’. Contudo, seis anos depois confessou que havia desenhado as fadas a partir de um livro chamado ‘Princess Mary's Gift Book’. Frances manteve até o final de sua vida, sua palavra de que elas realmente viam fadas, mas eram incapazes de fotografá-las.)
 
Entre os amigos famosos de Doyle estava o mágico Harry Houdini, que se tornaria um opositor declarado ao movimento espiritualista após a morte de sua amada mãe. Houdini insistia que os médiuns utilizavam de ilusionismo (e alguns charlatões realmente o faziam), porém Doyle estava convencido de que o próprio Houdini possuía poderes incomuns. Ao final, Houdini publicamente destratou Conan Doyle, rompendo de vez a relação entre os dois.

Em 1924 Doyle retorna aos EUA e Canadá, mas suas palestras são vistas com desconfiança. Preside o Congresso Espírita Internacional em Paris e publica no mesmo ano, ‘History of Spiritualism; Land of Mist’.

Nesta altura da vida, a imprensa britânica já o boicotava e seu nome pouco aparecia nos jornais.

No ano de 1928 vive por meses na África do Sul e em seguida visita vários países como Escandinávia e Holanda. Exausto pela maratona, sofre um ataque cardíaco e é internado, vindo a falecer meses depois em Windlesham, Sussex (Inglaterra).

Seu último livro, ‘Edge of the Unknown’; já como membro ilustre da Sociedade de Pesquisa Psíquica, Presidente Honorário da Federação Espiritualista Internacional,  Presidente da Aliança Espírita de Londres e Presidente do Colégio Britânico de Ciência Espírita, expõe as muitas vezes em que foi solicitado para investigar e denunciar casos de ocorrências sobrenaturais.

Pouco após sua morte em 1930, estréia nos EUA a primeira de muitas séries de rádio dedicada a Sherlock Holmes e que obtêm estrondoso sucesso.

Se fosse preciso escolher apenas uma palavra para definir Sir Arthur Conan Doyle, esta palavra seria ‘Versatilidade’. Não foi somente um escritor e médico, mas um viajante do mundo, correspondente de guerra, esportista, critico e propagador da doutrina espiritualista.


Site Oficial


Arthur Conan Doyle (El Mundo Perdido, The Return of Sherlock Holmes, The adventures of Sherlock Holmes, El gato del Brasil, memoirs of Sherlock Holmes, Case Book of Sherlock Holmes, The Last World, The last Bow, Hound of the Baskervilles, A Study in Scarlet, The Sign of the four, The Complete adventures, Crime of Congo, Magic Door, The Coming of Fairies, A Visit to the fronts, The Vital Message, The Guards came Through and others poems, The History od Spiritualism, Histórias de Piratas, The White Company, O Cão dos Baskervilles, A Nuvem Envenenada, O Signo dos Quatro, As Aventuras de Sherlock Holmes, The Captain of Ploestar, The Land of Mist, The Stark Munro Letters, Tales of Terror and Mistery, Cinco Aventuras de Sherlock Holmes, Round the Red Lamp, The War in South Africa: Its cause&Conduct, The Adventures of Gerard, A Cidade Submarina, Valley of Fear, Stories by English authors in Africa, Beyond the City, The Poisin Belt, Os Dançarinos, A Casa Vazia, A Segunda Mancha, The New revelations, A Liga Ruiva, The Parasite, The adventure of Wisteria Lodge, The Adventure of Bruce Partington Plan, The Adventures of Devil''s Foot, When the World screamed, The adventure of Cardboard, Disappearance of Lady Frances Carfax, The Adventure of Dying Detective, O Polegar do Engenheiro, Através do Véu ) [ Download ]

A relação racionalismo vs sobrenatural nas obras de Sir Arthur Conan Doyle




Introdução

O século XIX assistiu ao sucesso de um dos mais conhecidos escritores da sua época que ficou conhecido, essencialmente, pela invenção de uma das mais conhecidas personagens de ficção: Sherlock Holmes.

Ainda hoje, volvidos tantos anos após a sua morte, o nome Conan Doyle continua a provocar reacções de rara passividade, dividindo opiniões entre críticos, estudiosos e leitores.

O ano de 1887 viria a ser o ponto de partida para uma vida dedicada à escrita e a obra A Study in Scarlet publicada no Beeton’s Christmas Annual seria o primeiro conto de muitos cuja personagem principal era Sherlock Holmes.

Tomando em consideração o impacto que as obras de Conan Doyle tiveram na sociedade vitoriana, bem como as posições assumidas ao longo da sua vida, é sempre questionável como é que um homem que criou uma personagem racional, presa a métodos científicos e com ela alcançou a glória e a fama, consegue, em primeiro lugar escrever obras onde o sobrenatural está latente, numa época em que o gótico persistia e, em segundo lugar, abandonar todas as convicções que deixava transparecer nas suas obras e dedicar-se ao espiritualismo.

Conan Doyle tornou-se, sem dúvida, uma identidade difícil de conciliar com Sherlock Holmes.

Desde o supraracionalismo de Holmes até à afirmação da sua fé no Espiritualismo percorreu-se um grande caminho. Que tipo de homem concebe aquela personagem para, a seguir se dedicar a uma causa totalmente contraditória? Os críticos têm procurado, em vão, encontrar, nas suas obras, uma resposta satisfatória “… even though some of his work took an autobiographical direction since his earliest days.” (Lellenberg 9)

Com efeito, os seus trabalhos autobiográficos não responderam às questões que críticos e estudiosos consideravam mais intrigantes acerca dele. A causa de grande perplexidade reside no facto de Sherlock Holmes ter sido criado por alguém que pouco se assemelhava a esta personagem: “…Watsonian in appearance, none too dedicated as a physician, a commercial writer, a British patriot, a spokesman for some unfashionable causes, and finally a Spiritualist missionary.” (Idem 10)

Segundo Lellenberg, as informações que a autobiografia não conseguiu fornecer, as biografias tentaram fazê-lo. Desde a sua morte em 1930, treze biografias de Conan Doyle foram publicadas em Inglaterra e nos Estados Unidos – bastante impressionante para um escritor pouco reconhecido pela academia: “He has had little standing in the academic sight of things, regarded there as merely a popular writer of escapist mysteries, adventures, and outdated historical fiction.” (Ibidem 11)

Contudo, Conan Doyle e a sua obra continuam a ser estudados, particularmente Sherlock Holmes. As reedições das suas histórias sucedem-se uma após outra, traduzidas para inúmeras línguas, e Conan Doyle continua, incontestavelmente, a ser o criador de uma das mais poderosas figuras da ficção.

Na nossa opinião, a questão deve ser colocada da seguinte forma: “Did this British author with a scientific education have a simple or complex psyche?” (Ibidem 10) Como argumenta Lellenberg, poderia um homem cientificamente educado abraçar o Espiritualismo, sem reservas, ou ser ludibriado como no caso das fotografias das fadas de Cottingly. Além disso, quem teria servido de modelo para Sherlock Holmes: “… Joseph Bell, his super observant professor of medicine, as Conan Doyle claimed? Or Conan Doyle himself, as son Adrian would later argue?” (Ibidem 10)

Numa tentativa de entender e explicitar o lugar da lógica e da racionalidade em obras consideradas góticas, iremos analisar as suas narrativas The Hound of the Baskervilles e The Sussex Vampire.
Nesse sentido, considerámos relevante estabelecer algumas analogias com Dracula de Bram Stoker.

Deste modo, procuraremos analisar a interacção entre as narrativas de Conan Doyle com a época em que foram produzidas, demonstrando a intemporalidade de certos símbolos nelas presentes, tendo sempre por base o contraste entre racionalidade e o sobrenatural, nomeadamente, os elementos do gótico.

A presente dissertação dividir-se-á, neste contexto, em três capítulos:

no primeiro capítulo abordaremos aspectos biográficos de Conan Doyle, considerando o seu trabalho literário, as influências e a sua recepção crítica, tentando encontrar as razões para a sua ligação ao ocultismo e ao espiritualismo. Para este efeito, convocar-se-ão, entre outros documentos, três biografias de Doyle produzidas respectivamente por Charles Higham, Hesketh Pearson e John Dickson Carr, que irão concorrer para uma complementação de informação relevante para o tema do estudo.

No segundo capítulo da dissertação procederemos a uma contextualização sociocultural e literária da época observando o papel das artes na sociedade vitoriana, estabelecendo uma conexão com a literatura, e prestando maior atenção à narrativa gótica e ao estudo do sobrenatural no finde-siècle. Tendo em atenção que é neste período que assumem particular relevo as histórias de detectives iremos enquadrar Sherlock Holmes nesse âmbito. Para tal, abordar-se-ão, entre outras, as perspectivas de Martin Priestman, Peter Brooks, John Hodgson, Stephen Knight e Catherine Belsey, enquanto investigadores da importância de Sherlock Holmes na vida e obra de Conan Doyle.

Com efeito, Sherlock Holmes, o primeiro detective não oficial entrou nas páginas da literatura inglesa há mais de cem anos e rapidamente se tornou conhecido em todo o mundo. De facto, a partir de um algo obscuro começo numa revista em 1887, depressa se tornou uma das personagens literárias mais características assim permanecendo até hoje. Os vocábulos “Sherlockian”, “Holmesian” e “Watsonian” fazem, agora, parte do nosso discurso, enquanto a imagem do brilhante detective e do seu leal companheiro, se tornaram arquétipos e clichés da nossa cultura. Como muitas histórias e episódios contados pelos seus biógrafos, havia muito de Sherlock Holmes em Arthur Conan Doyle. Também como o seu famoso protagonista, Doyle possuía uma enorme sensibilidade para os detalhes, uma imaginação activa, uma experiência social e intelectual muito grande e uma inclinação para o dramático. Estas características serão essenciais para a desconstrução das suas obras.

No último capítulo do presente estudo procederemos à análise da obra The Hound of the Baskervilles tentando encontrar os elementos que a caracterizam como gótica. Faremos, ainda, uma abordagem a outras obras de Conan Doyle que devido às suas características, são consideradas histórias de horror.

Procederemos, também, à análise sucinta de Dracula – uma vez que não é este o intuito do trabalho – revelando pontos de contacto e/ou afastamento com a short-story “The Sussex Vampire”, de Arthur Conan Doyle.

No caso deste autor, o cepticismo de Sherlock Holmes não lhe permite, sequer, que a trama da história se centre num vampiro. Em Dracula, o vampiro existe e toda a acção se move à sua volta.

Por volta de 1970, os estudos sobre Dracula eram pouco mais de meia dúzia de artigos e uma biografia de Stoker realizada por Harry Ludlam em 1962. Só mais tarde Dracula começou a ser estudado nas universidades. Segundo Clive Leatherdale, com Dracula, the novel and the legend (2001), há quem considere a obra de Bram Stoker o segundo livro mais vendido no mundo a seguir à Bíblia: “Dracula has been translated into numerous languages, and the image of “the count” is familiar the world over. He is part of the landscape of a universal culture: the black cape, the dripping fangs, the scream of terror…”(Leatherdale 9)
Ainda na opinião de Leatherdale “… Dracula is almost the Gothic novel par excellence and has given rise to arguably the most potent literary myth of recent decades”. (Idem 10)

Quer para analisar “The Sussex Vampire”, quer para analisar Dracula, teremos de explorar a noção de vampiro e o seu papel no folclore e na literatura Europeia. O que este estudo visa, afinal, é encontrar uma explicação para a existência das histórias de Sherlock Holmes, demonstrar a sua intemporalidade e tentar compreender as razões que levaram o seu autor a querer abandonar este tipo de produções para se dedicar a uma causa, nem sempre bem aceite pela sociedade e mal compreendida pelos seus leitores como foi a sua orientação espiritualista.



Índice
Agradecimentos
Nota prévia
Introdução

Capítulo 1 – Vida e obra de Arthur Conan Doyle
1.1. Biografia e influências literárias nas obras de Conan Doyle
1.2. A ligação ao espiritualismo e a recepção crítica à obra de Conan Doyle
Notas

Capítulo 2 – Contextualização sociocultural e literária
2.1. A sociedade vitoriana e as artes 
2.2. O sobrenatural, o gótico e os elementos da novela gótica
2.3. As histórias de detectives, as short-stories e Sherlock Holmes
Notas

Capítulo 3 – O vampirismo e o sobrenatural nas histórias de Sherlock Holmes: análise das obras The Hound of the Baskervilles (1901) e “The Adventure of the Sussex Vampire” (1924) – breve leitura comparada com Dracula (1897) de Bram Stoker
3.1. Elementos míticos em The Hound of the Baskervilles
3.2. O vampiro na literatura 
3.3. Breve leitura comparada de “The Adventure of the Sussex Vampire” e Dracula de Bram Stoker
Notas

Conclusão
Notas
Bibliografia 
Anexos



A relação racionalismo vs sobrenatural nas obras de Sir Arthur Conan Doyle [ Download ]
Ana Cristina Antunes Serigado de Oliveira Diogo - Mestrado em Estudos Ingleses - Lisboa/2007


Nota: 'Frances Griffiths with the fairies', por Elsie Wright (Julho/1916) faz parte das famosas fotos das 'Fadas de Cottingley', que na época provocaram uma enorme discussão sobre a suposta evidência real da existência de fadas em nosso mundo. Conan Doyle, um estudioso do misticismo e espíritualista, não apenas acreditou em sua veracidade, mas também escreveu um livro intitulado 'The coming of the fairies' (1922).

sábado, 25 de setembro de 2010

Darkness Rising


Darkness Rising (Ou a Ascenção da Escuridão) é um evento não oficial que cobrirá um domingo (amanhã)  inteiro, celebrando livros, séries e filmes baseados em terror e literatura fantástica.

Esta convenção não oficial pretente reunir os fãs dessas séries e livros para desfrutarem de vários eventos dentro de um mesmo local.

Haverão atividades o dia inteiro, iniciando-se às 10:00h da manhã e encerrando as atividades às 19:00h

O Darkness Rising ocorrerá no América Football Club, que tem sua sede social na Tijuca, um dos bairros mais tradicionais, e de urbanização mais antiga do Rio de Janeiro.

O clube já é velho conhecido de quem frequenta eventos de anime no Rio de Janeiro, tanto pela sua fácil localização, quanto pela infraestrutura, que está ainda mais melhorada depois das reformas efetuadas neste último ano. Só o Salão Nobre, onde grande parte do Darkness Rising acontecerá conta com inúmeros ventiladores de teto e ar-condicionado central.

A sede do América está situada a 200m da Praça Afonso Pena, um dos principais pontos de referência do bairro, onde se localiza uma estação do metrô e por onde passam várias linhas de ônibus para todas as zonas da Cidade.

O América Football Club está mais do que pronto para sediar o nosso primeiro DARKNESS RISING!

Endereço: Rua Campos Sales, 118. Tijuca. Rio de Janeiro-RJ.


As atividades do evento englobarão:

-Painéis temáticos de filmes e seriados e livros em voga, como a Saga Crepúsculo, True Blood, Vampire Diaries, Harry Potter, Supernatural, Percy Jackson e Vampire Academy, Star Trek, etc.

-Painéis com  autores convidados, promovendo o encontro entre os leitores e os escritores consagrados no campo nacional da literatura de sobrenatural, fantasia e terror.

- Café Literário: é um espaço que disponibilizamos exclusivamente para os autores que não tiverem o apoio de uma editora no dia do evento e possuírem exemplares de seus livros possam comercializar e autografar os mesmos, em contato direto com o público, além de expor o seu trabalho (os staffs ajudarão na venda e o lucro é inteiramente do autor sem ônus algum para o mesmo) além de um espaço para troca de livros usados, e debates entre fãs, etc.

Teremos ainda:

- Concursos literários, de ilustração e Cosplay.

- Workshop de Quadrinhos com o Estúdio Impacto

- Palestra de avaliação de portfólio de desenhistas de quadrinhos e direcionamento dos mesmos para o mercado de quadrinhos internacional !

- Espaço para encontros e jogos de RPG baseados nos seguintes sistemas: Vampiro a Máscara, Vampiro de Réquiem, Trevas, Lobisomem, Mundo das Trevas, Kult, Call of Cthullhu, Caçadores e sistemas próprios de horror e terror, além dos sistemas Daemon (Anjos e Demônios, Arkanun, entre outros.)

- Quizz sobre séries valendo brindes durante todo o evento.

-Sorteio de Brindes, Livros, Boxes e Posters de séries durante todo o evento.

E MUITO MAIS ATRAÇÕES ainda a confirmar. 





Solaris - Stanislaw Lem (parte 4)



Quando eu era estudante — tenho entretanto acumulado novos dados — era já geralmente aceito de que havia vida em Solaris, mesmo que se limitasse a um só habitante.

O segundo volume de Hughes e Engel, que eu continuava mecanicamente a folhear, começava com uma sistematização, que era tão engenhosa como divertida. A tabela de classificação compreendia três definições: tipo Polythera; classe Syncytialia; categoria Metamorphica.

Poderia pensar-se que conhecíamos um mundo infindável de exemplos da mesma espécie, quando, na realidade, havia apenas aquele único — pesando cerca de setecentos bilhões de toneladas.

Pelos dedos passavam-me ilustrações multicolores, gráficos pitorescos, resumos analíticos e diagramas espectrais, explicando o tipo e o ritmo das transformações fundamentais, bem como as reações químicas. Rápida e infalivelmente, o espesso volume conduzia o leitor para o sólido campo da certeza matemática. Poderia assumir-se que sabíamos tudo o que havia a saber a respeito deste representante da categoria Metamorphica, que neste momento jazia a algumas centenas de metros abaixo do casco metálico da Estação, temporariamente obscurecido pelas sombras da noite de quatro horas.

De fato, de modo algum poderíamos afirmar que todos estavam convencidos de que o oceano fosse efetivamente uma “criatura” viva, e muito menos, é óbvio, um ente racional.

Voltei a pousar o pesado volume na estante e tirei o que estava a seguir, que constava de duas partes. A primeira parte era dedicada a uma súmula das inúmeras tentativas feitas para estabelecer contacto com o oceano. Lembrava-me ainda de como, era eu estudante, essas tentativas tinham sido o assunto de anedotas sem fim, piadas de todo o gênero.

Comparada com a proliferação de idéias especulativas, que surgiram a partir deste problema, a escolástica medieval parece um modelo de conhecimento científico.
A segunda parte, com quase 1500 páginas, era dedicada exclusivamente à bibliografia sobre o assunto.
Na cabina onde eu estava sentado não teria havido lugar para todos aqueles livros.

As primeiras tentativas de contato tinham sido feitas por meio de aparelhos eletrônicos especialmente concebidos. O próprio oceano tomou parte ativa nestas operações, pois remodelou os instrumentos. Tudo isso, porém, continuava um tanto ou quanto obscuro.
Em que consistira exatamente a “participação” do oceano?
Tinha modificado certos elementos nos instrumentos submersos, do que resultara ter ficado completamente desregrada a freqüência normal de descarga e terem os instrumentos de registro registrado uma profusão de sinais — indicações fragmentadas de qualquer atividade estranha, que venceu todas as tentativas de análise.
Estariam estes dados a apontar para uma momentânea condição de estimulação ou para impulsos regulares correlacionados com estruturas gigantescas que o oceano estivesse a criar num outro lado, nos antípodas da região a ser investigada? Teria a aparelhagem eletrônica registrado a manifestação críptica dos antigos segredos do oceano?
Teria ele revelado o que tinha de mais íntimo? Quem poderia dizer? Nunca havia duas reações iguais aos mesmos estímulos. Por vezes os instrumentos quase explodiam sob a violência dos impulsos, outras vezes quedavam-se num silêncio total; era impossível obter uma repetição de qualquer fenômeno previamente observado.

Parecia, constantemente, que os peritos estavam mesmo na iminência de decifrar a sempre crescente massa de informações. Não fora, afinal, com este fim em mente que se tinham construído computadores de capacidade virtualmente ilimitada, computadores que nenhum outro problema jamais exigira?
E, na verdade, alguns resultados tinham sido efetivamente obtidos. O oceano era uma fonte de impulsos elétricos e magnéticos e de uma gravitação que se exprimia numa linguagem mais ou menos matemática. E também, recorrendo aos mais recônditos ramos da análise estatística, era possível classificar certas freqüências nas descargas de corrente.
Descobriram-se homólogos estruturais não muito diferentes daqueles já observados pelos físicos no setor da ciência que trata da interação recíproca entre a energia e a matéria, elementos e compostos, o finito e o infinito.
Esta correspondência convenceu os cientistas de que estavam perante uma entidade monstruosa dotada de razão, um cérebro-oceânico protoplásmico que envolvia todo o planeta e que fazia passar o tempo em extravagante reconhecimento teorético, a respeito da natureza do universo. Os nossos instrumentos tinham interceptado momentâneos fragmentos ocasionais de um monólogo prodigioso e perpétuo que se desenrolava nos abismos desse cérebro colossal e que, inevitavelmente, ultrapassava a nossa capacidade de compreensão.
Isto, quanto aos matemáticos.

Estas hipóteses, segundo algumas pessoas, subestimavam as capacidades do cérebro humano; curvavam-se perante o desconhecido, o proclamando a antiga doutrina, agora arrogantemente ressuscitada, do ignoramus et ignorabimus.
Outros consideravam as hipóteses dos matemáticos como disparates estéreis e perigosos, contribuindo assim para a criação de uma mitologia moderna, baseada na noção deste cérebro gigantesco — se plásmico ou eletrônico, era irrelevante — como objetivo último da existência, a própria síntese da vida.

Outros, no entanto... os pseudo peritos eram incontáveis e cada um tinha a sua própria teoria. Uma comparação entre a escola de pensamento “do contato” com outros ramos de estudos solarísticos onde, especialmente durante o último quarto de século, a especialização se tinha rapidamente desenvolvido mostrava claramente que um solarista cibernético tinha dificuldade em fazer-se entender por um solarista simetriadólogo.

Veubeke, o diretor do Instituto quando lá estudei, perguntou um dia por brincadeira:
— Como esperam comunicar-se com o Oceano, quando nem conseguem compreender uns aos outros? — A piada continha mais que um simples grão de verdade.

A decisão que levara a pôr o oceano na categoria de metamórfico não fora meramente arbitrária. A sua superfície ondulante era capaz de gerar formações extremamente diversas que em nada se assemelhavam a algo jamais visto na Terra, e a função destas súbitas erupções de “criatividade” plásmica, fosse ela adaptativa, exploratória ou de qualquer outra coisa, permanecia um enigma.

Erguendo o pesado volume com ambas as mãos, voltei a colocá-lo na prateleira e pensei comigo que todos os nossos estudos, toda a informação acumulada nas bibliotecas, se resumiam a uma inútil confusão de palavras, um amontoado de afirmações e suposições, e que não tínhamos avançado nem um pouco nos 78 anos decorridos desde que as pesquisas haviam começado.

A situação parecia agora muito pior que no tempo dos pioneiros, uma vez que dos esforços contínuos de tantos anos não tinham resultado nem uma única conclusão indiscutível. A soma total dos fatos conhecidos era rigorosamente negativa.

O Oceano não utilizava máquinas, embora, em certas circunstâncias, parecesse capaz de as criar. Durante os dois primeiros anos de trabalhos de exploração reproduzira elementos de alguns dos instrumentos submersos. A partir daí, limitou-se simplesmente a ignorar as experiências que continuávamos a fazer, como se tivesse perdido todo o interesse nos nossos instrumentos e atividades — como se, no fundo, não mais estivesse interessado em nós.

Não possuía um sistema nervoso (para continuar com o inventário dos “conhecimentos negativos”) ou células, e a sua estrutura não era proteiforme.
Nem sempre reagia, mesmo perante os mais poderosos estímulos (por exemplo, ignorou completamente o acidente catastrófico que ocorreu durante a segunda expedição de Giese: um foguete auxiliar, ao cair de uma altura de 300.000 metros, despedaçou-se sobre a superfície do planeta, e a explosão radioativa das suas reservas nucleares destruíram o plasma num raio de 2.500 metros).

Nos círculos científicos, o “Caso Solaris” começou gradualmente a ser considerado como uma causa perdida, nomeadamente entre os administradores do Instituto, onde nos últimos tempos começavam a ouvir-se vozes a sugerir que lhe fosse retirado o apoio financeiro e se suspendessem as pesquisas.

Ninguém, até à data, ousara sugerir a liquidação final da Estação; tal decisão assemelhar-se-ia de modo demasiado óbvio a uma derrota. Mas durante discussões de caráter semi-oficial, numerosos cientistas recomendavam uma retirada “honrosa” de Solaris. Contudo, muitas pessoas do mundo da ciência, particularmente entre os jovens, tinham inconscientemente passado a considerar o “caso” como uma pedra de toque de valores individuais. Pensando bem, afirmavam, não era apenas a questão de penetrar a civilização solarística; era essencialmente um teste de nós próprios, das limitações do conhecimento humano.

Durante algum tempo houve a noção, amplamente apoiada (e zelosamente apadrinhada pela imprensa diária), de que o “Oceano pensante” de Solaris era um cérebro gigantesco, prodigiosamente desenvolvido, e adiantado vários milhões de anos em relação à nossa própria civilização, uma espécie de “iógui cósmico”, um sábio, um símbolo de omnisciência, o qual há muito compreendera a vaidade que há em todas as ações e, por essa razão, se retirara para um silêncio impossível de quebrar. A noção não era correta porque o Oceano vivo estava ativo. Não, é certo, segundo os padrões humanos — não construía cidades ou pontes, nem manufaturava máquinas voadoras. Não tentava encurtar as distâncias, nem se interessava pela conquista do espaço (o padrão máximo, pensavam alguns, da superioridade humana).

Mas vivia num eterno processo de transformação, uma “autometamorfose ontológica”.
(Havia nos relatórios sobre atividades solarísticas inúmeros neologismos científicos).
Além disso, qualquer cientista que se dedica ao estudo de Solaris tem a indelével impressão de que consegue discernir fragmentos de uma estrutura inteligente, dotada talvez de gênio misturado de modo casual com fenômenos estranhos, aparentemente o produto de uma mente independente.

Estas hipóteses vieram ressuscitar um dos mais antigos problemas filosóficos: a relação entre a matéria e o espírito e entre o espírito e o consciente.
Du Haart foi o primeiro a ter a audácia de afirmar que o oceano possuía consciência.
O problema, que os metodólogos se apressaram a classificar de metafísico, provocou toda a espécie de argumentos e discussões.
Seria possível existir pensamento sem consciência? E poder-se-ia, em todo o caso, aplicar a palavra pensamento aos processos observados no oceano?
A montanha é apenas uma enorme pedra? Um planeta é apenas uma enorme montanha?
Seja qual for a terminologia, a nova escala de dimensões introduziu novas normas e novos fenômenos.

A questão apareceu como uma versão contemporânea do problema de transformar o círculo em quadrado.
Cada pensador independente procurou registrar a sua contribuição pessoal para a horda de estudos solarísticos. Proliferaram novas teorias: o Oceano era a evidência de um estado de degeneração, de regressão, que se seguia a uma fase de “plenitude intelectual”; era um neoplasma derivado, o produto dos corpos de antigos habitantes do planeta a quem devorara, absorvera, dissolvendo e amalgamando o resíduo nesta forma imutável e auto-propagada, supra-celular em estrutura.
À luz branca dos tubos fluorescentes — uma pálida imitação da luz do dia na Terra —, libertei uma mesa da confusão de aparelhos e livros que nela estavam.
Com os braços estendidos e as mãos a segurar a borda, estendi um mapa de Solaris sobre a superfície plastificada e estudei-o em pormenor.

O Oceano vivo tinha os seus picos e despenhadeiros. As suas ilhas, que eram cobertas com um depósito mineral em decomposição, estavam certamente relacionadas com a natureza do fundo do oceano.
Mas, seria ele quem controlava a erupção e a sedimentação das formações rochosas enterradas nas suas profundezas? Ninguém sabia.

Ao olhar para as grandes projeções planas dos dois hemisférios, coloridas em vários tons de azul e púrpura, mais uma vez senti aquela mesma sensação de prodígio que tantas vezes de mim se apoderara e que, ainda rapazinho de escola, sentira quando pela primeira vez ouvira falar da existência de Solaris.

Perdido na contemplação daquele desconcertante mapa, o espírito em sonhos, esqueci temporariamente o mistério que envolvia a morte de Gibarian e a incerteza em relação ao meu próprio futuro.

Às diferentes seções do Oceano tinha sido dado o nome dos cientistas que as tinham explorado. Estava eu a examinar a serra de Thexall, que circundava os arquipélagos equatoriais, quando subitamente tive a sensação de estar a ser observado.

Continuei inclinado sobre o mapa, mas já não o estava a ver; os meus membros foram dominados por uma espécie de paralisia.
Os caixotes e um pequeno armário continuavam a barricar a porta que ficava na minha frente. “É apenas um robô”, disse comigo mesmo — porém, não tinha descoberto nenhum no quarto e nenhum poderia ter entrado sem eu ter reparado nele.

As minhas costas e nuca pareciam estar em fogo; a sensação desse olhar fixo e implacável estava a tornar-se insuportável.
Com a cabeça encolhida entre os ombros curvados, abaixei-me o mais possível de encontro à mesa, até que começou lentamente a abrandar.
O movimento libertou-me; voltei-me.

O quarto estava vazio.
Nada havia à minha frente além da ampla janela convexa e, para além dela, da noite. Mas aquela sensação persistia.

De frente para mim estava a noite, amorfa, cega, infinita, sem fronteiras.
Não se via nem uma estrela que aliviasse a escuridão por trás do vidro.
Puxei as espessas cortinas.

Estava na Estação há menos de uma hora e já mostrava sinais de morbidez.
Seria o efeito da morte de Gibarian? Pelo que sabia dele, tinha imaginado que nada lhe poderia abalar os nervos: neste momento já não me sentia assim tão certo disso.
Fiquei de pé no meio do quarto, junto à mesa.
A minha respiração tornou-se mais regular e senti o suor enregelar-me a testa.
Em que tinha eu estado a pensar um momento antes? Ah, sim, robôs! Era surpreendente o fato de não me ter cruzado com nenhum em parte alguma da Estação. O que poderia ter acontecido a todos eles? O único com quem estivera em contato — à distância— pertencia aos serviços de recepção a veículos. Mas, e quanto aos outros?

Olhei para o relógio.
Estava na hora de encontrar com Snow.
Saí do quarto. A sala da cúpula estava fracamente iluminada por filamentos luminosos que se estendiam a todo o comprimento do teto.
Fui até à porta de Gibarian e ali fiquei, parado e imóvel.
Havia um silêncio total.
Pus a mão no trinco. Não tinha, de fato, qualquer intenção de entrar, mas o trinco desceu e a porta abriu-se, pondo à vista uma fenda de escuridão.
As luzes acenderam-se.
Num movimento rápido entrei e fechei silenciosamente a porta. Depois me voltei.
Meus ombros roçaram pelos painéis da porta.

O quarto era maior do que o meu.
Uma cortina decorada com pequenas flores rosa e azuis (sem dúvida trazido da Terra com os seus pertences pessoais) tapava três quartos da janela panorâmica. Nas paredes havia prateleiras e armários pintados em verde-pálido com retoques prateados.
Tanto as estantes como os armários tinham sido esvaziados do seu conteúdo, o qual se encontrava agora amontoado em pilhas por entre as peças do mobiliário.
Aos meus pés, bloqueando o caminho, estavam duas carretas tombadas, soterradas sob uma montanha de jornais que saíam de bojudas pastas cujo fecho rebentara.
Havia livros com as páginas abertas em leque e manchados com líquidos coloridos que tinham entornado de retortas e frascos quebrados com tampas corroídas, recipientes feitos de um vidro tão espesso que uma simples queda, mesmo de altura considerável, nunca os poderia ter assim fragmentado.

Sob a janela jazia uma secretária tombada e, dobrado sob ela, um candeeiro articulado; nas gavetas semi-abertas estavam encravadas duas pernas de um banco virado.
O chão estava atulhado com um amontoado de papéis de todos os tamanhos concebíveis.

O meu interesse aumentou quando reconheci a letra de Gibarian.
Quando me baixei para juntar as folhas esparsas, notei que a minha mão projetava uma sombra dupla. Endireitei-me. A cortina cor-de-rosa luzia claramente, atravessada por uma risca incandescente de uma luz azul como aço, que ia gradualmente alargando.
Puxei as cortinas para o lado.

Ao longo do horizonte estendia-se um fulgor insustentável, que varria à sua frente um exército de sombras fantasmagóricas, as quais subiam de entre as vagas e se dispersavam na direção da Estação.

Era a madrugada.
Depois de uma hora de escuridão, o segundo sol do planeta — o sol azul — subia no céu. Quando voltei a dedicar-me ao monte de papéis, o interruptor automático apagou as luzes.

A primeira coisa que encontrei foi a descrição detalhada de uma experiência, obviamente resolvida três semanas antes. Gibarian tinha planeado expor o plasma a um bombardeamento intensivo de raios X. Pelo contexto deduzi que o papel era destinado a Sartorius, a quem competia organizar as operações. O que eu tinha na mão era uma cópia do plano.
A brancura do papel feria-me os olhos.

Este novo dia era diferente do anterior. Na luz quente do sol vermelho, uma neblina pairava sobre um oceano negro com reflexos cor de sangue, e as ondas, as nuvens e o céu estavam quase permanentemente velados por um halo carmesim.
Agora, o sol azul atravessava com uma luz cristalina a cortina salpicada de flores.
As minhas mãos bronzeadas pelo sol pareciam cinzentas.

O quarto mudara; todos os objetos com reflexo encarnado tinham perdido o brilho e tinham-se tornado de um castanho-acinzentado, ao passo que os que eram brancos, verdes ou amarelos tinham adquirido um brilho vivo e pareciam emitir luz própria.
Semicerrando os olhos, arrisquei outro olhar por uma nesga de cortina.
Sob um céu branco e escaldante, tremia e reluzia uma expansão de metal em fusão.
Fechei os olhos e recuei.

Na prateleira sobre o lavatório (que fora recentemente lascado) encontrei uns óculos escuros, tão grandes que, quando os pus, me cobriam metade da cara.
A cortina parecia luzir com uma luz de sódio.
Continuei a ler à medida que ia apanhando os papéis e colocando-os sobre a única mesa em estado de usar. No texto havia lacunas, e foi em vão que procurei as páginas que faltavam.
Encontrei um relatório sobre as experiências já realizadas e fiquei sabendo que, durante quatro dias seguidos, Gibarian e Sartorius tinham submetido o oceano a radiações, num ponto a 1400 milhas da atual posição da Estação.
A utilização de raios X tinha sido proibida por uma convenção das Nações Unidas, por causa dos seus efeitos prejudiciais, e eu tinha a certeza de que ninguém enviara para a Terra um pedido de autorização para proceder a tais experiências.
Ao erguer os olhos, vi a minha face no espelho da porta entreaberta de um armário: escondida sob os óculos escuros, estava mortalmente pálida.

Também o quarto, fulgindo com reflexos azuis e brancos, tinha um ar igualmente bizarro; mas em breve se ouviu um prolongado som estridente de metal, quando as portas exteriores estanques deslizaram ao longo da janela.
Houve um instante de escuridão e logo as luzes se acenderam; pareciam ser curiosamente fracas. O calor aumentava cada vez mais.
O zumbido regular do ar condicionado transformara-se agora num lamento agudo: o sistema de refrigeração da Estação trabalhava agora com a potência máxima. Apesar disso, o calor abrasador tornava-se cada vez mais intenso.

Ouvi passos. Alguém andava na sala da cúpula.
Em duas passadas silenciosas fui até a porta. Os passos pararam; quem quer que fosse estava atrás da porta. A maçaneta moveu-se. Automaticamente, sem pensar, agarrei nela. A pressão não aumentou, mas também não relaxou.

De ambos os lados da porta, nenhum de nós disse uma palavra. Ali permanecemos imóveis, ambos segurando o fecho.
Este voltou de súbito ao lugar, saltando-me da mão.
Os passos abafados afastaram-se.

Com o ouvido colado ao painel, continuei à escuta.
Nada mais ouvi.


Solaris - Stanislaw Lem (parte 4) [ Download ]

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sci-Fi Movies



Sci-Fi Movies y Series - Os últimos lançamentos do mundo do cinema de FC, disponíveis para baixar na internet.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nueva Dimensión



NUEVA DIMENSIÓN. Site espanhol de Ficção Científica e Fantasia.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Lançamento - Dom Casmurro e os Discos Voadores



Dom Casmurro e os discos voadores (Lua de Papel) é a estreia da série Clássicos Fantásticos. Em seu primeiro livro publicado, Lúcio Manfredi “recria” a obra-prima de Machado de Assis, acrescentando elementos fantásticos.  A sessão de autógrafos será no dia 22/09, a partir das 18:30 horas, na loja de artes da Livraria Cultura ,  Av. Paulista, 2073 – Bela Vista – São Paulo/SP.

Do blog Galvanizado.

Fábrica dos Sonhos


Benvindos à Fábrica dos Sonhos.

Somos um coletivo de autores de Ficção Científica e Fantasia, unidos em torno de um objetivo comum: produzir a literatura que gostamos de ler. Fundada em fevereiro de 2005, nesses anos de existência a Fábrica tem servido como celeiro de novos talentos e ponto de efervescência cultural. Seus integrantes participam de diversas atividades ligadas aos dois gêneros, sempre produzindo e divulgando a literatura especulativa.

Para participar, basta ter vontade de escrever, de compartilhar seus escritos e de debater a produção dos demais participantes. 

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Porto dos Mortos




O longa-metragem nacional de ficção PORTO DOS MORTOS, produzido pela Lockheart Filmes Ltda., foi selecionado para o Arizona Underground Film Festival, nos Estados Unidos. Sua premiere internacional acontece no dia 25 de  setembro. A primeira exibição nacional do filme acontece antes, no dia 9 de setembro, no festival Cinefantasy, em São Paulo. Escrito e dirigido por Davi de Oliveira Pinheiro (que divide a produção com Isidoro B. Guggiana), BEYOND THE GRAVE (título internacional) acompanha a caçada de um policial (Rafael Tombini) a um assassino serial misterioso.

O primeiro longa de horror gaúcho combina terror e policial em um road movie sobrenatural.

Em produção desde 2007, o longa foi rodada em 23 dias na cidade de Porto Alegre (RS) e arredores, com uma equipe que reuniu mais de 80 profissionais. “PORTO DOS MORTOS até o momento é a grande aventura de minha vida, traduzida através de uma história de ficção científica e horror de apelo popular", explica Davi. “Foi uma experiência desafiadora e satisfatória criar, junto com diversos artistas e técnicos, este mundo único, particular e agora ter a oportunidade de compartilhá-lo com o grande público.", conclui.

Repercussão Internacional
Desde seus primeiros estágios de pré-produção, PORTO DOS MORTOS tem ocupado espaço em sites, blogs e listas de discussão ao redor do mundo, como o Ain't It Cool News, Fangoria (a bíblia do horror mundial), Twitch, l'Ecran Fantastique, ScifiWorld,  entre outros.

“(...) Os efeitos dos monstros são ótimos e o visual do mundo – extraído diretamente das páginas coloridas dos quadrinhos dos anos 1950 – é um arraso”, escreveu Todd Brown para o Ain't It Cool News, a respeito do trailer - http://www.aintitcool.com/node/37869.

Links
Arizona Underground Film Festival - http://www.azundergroundfilmfest.com/home/http:
Cinefantasy - http://www.cinefantasy.com.br/start.html

Press Release - Setembro de 2010



domingo, 19 de setembro de 2010

Agatha Christie



Agatha Mary Clarissa Miller (15 de setembro de 1890 - 12 de janeiro de 1976) nasceu em Torquay, Condado de Devonshire (Inglaterra).

Em 56 anos de carreira, Agatha Christie, conhecida como 'A Rainha do Crime', tornou-se a escritora, depois de William Shakespeare, com mais obras traduzidas por todo o mundo. Um cálculo recente de seus bilhões de exemplares vendidos, perde somente para a Bíblia.

De pai americano e mãe inglesa, Agatha desfrutou de um berço de ouro, e foi criada sob os rigorosos princípios vitorianos.  Quando jovem, sua maior paixão era a música clássica. Seu desejo por tornar-se uma pianista clássica, levou-a ainda cedo, a estudar nas melhores escolas de Paris, dedicando-se também ao canto. Porém a pequena Agatha era frágil e tímida demais para enfrentar o grande público.

Por conta do falecimento precoce de seu pai, e das consequencias desta tragédia para as finanças da família (consta que seu pai devastara toda a fortuna antes de morrer, em péssimos negócios), Agatha recebeu sua educação de sua mãe, uma mulher apaixonada pela literatura, principalmente por Charles Dickens. Assim, sua mãe seria sua grande incentivadora para tornar-se escritora.
 
O gosto pelo gênero policial surgiu quando Agatha leu 'O Mistério do Quarto Amarelo', de Gaston Leroux, e tornou-se uma paixão quando conheceu Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle.
Inspirada pelos mestres, Agatha escrevia dia e noite, e recebia os elogios de parentes e amigos de família.

"Durante muitos anos me diverti escrevendo histórias melancólicas em que a maioria das personagens morria", disse certa vez.

Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, Agatha já casada com um coronel da Royal Flying Corps, alistou-se como farmacêutica no hospital de Torquay, onde ganharia uma familiaridade com venenos que, no futuro, lhe seria muito valiosa. A primeira e única filha nasceria cinco anos depois: Rosalind.

Aos 26 anos, buscando aliviar o estresse da guerra que se prolongava, escreveu uma elaborada história policial (gênero em moda na época) chamada "O Misterioso Caso de Styles". Seu detetive era inspirado em um refugiado belga que se instalara em sua cidade. Surgia então Hercule Poirot.

São inegáveis as influências que a escritora sofreu de Conan Doyle. Como ocorria com Sherlock Holmes, Agatha criava pistas com um rigor matemático. Utilizava também, em alguns livros, o recurso do 'amigo ingênuo' (Capitão Hastings) para cumprir um papel parecido com o do Dr. Watson, de Doyle.

Agatha sempre evitou cenas de violência gratuita. Preferia o veneno ou o golpe certeiro de algum objeto casual.

Seus crimes não implicavam bandidos perigosos, gangsteres, mas um mistério envolvendo pessoas comuns, ou a família tranqüila numa vida pacata.

Declarou certa vez: "Dêem-me um frasco mortal e atraente para brincar e ficarei contente."

Seus livros refletem ambientes tipicamente ingleses, povoados por pessoas simpáticas e espirituosas, vivendo na tranquilidade de seus pequenos condados, uma vida calma e romântica.

Seu primeiro romance policial no entanto, foi recusado por vários editores. No pós-guerra, Agatha, o marido e a pequena Rosalind, enfrentavam tantas dificuldades finaceiras que ela já esquecera a rejeição, até que em 1920 recebeu um comunicado do editor John Lane, interessado em publicar o livro. Agatha, que nunca
pensara em viver como escritora, viu 'O Misterioso Caso de Styles', atingir uma marca de 2.000 exemplares vendidos, o que rendeu à autora 25 libras.

Animada, começou a escrever freneticamente. Seus herois ganharam vida nesta fase, além de Poirot, Miss Jane Marple, o superintendente Battle, a escritora de mistérios Ariadne Oliver, Mr. Parker Pyne, Mr.Satterthwaite, Mr. Quin e o casal Tuppence e Tommy Beresford.

No aude de sua carreira, seu marido e incentivador, se viu envolvido em um romance extra-conjugal, que levou-a não somente ao divórcio, mas também a um súbito e surpreendente desaparecimento. Por semanas, a polícia inglesa procurou por Agatha, e os jornais não paravam de dar ênfase ao seu sumiço. Pensou-se em sequestro, suicídio e até assassinato, até que alguém reconheceu-a em um hotel distante, registrada com o nome da amante de seu marido.

Divorciada, deixou a filha aos cuidados da irmã e fugiu da perseguição implacável da imprensa (por quem passou a ter aversão), viajando para o Oriente Médio, onde conheceu um arqueólogo e casou-se dois anos depois. Com este professor de aqueologia, com quem viveria por quase cinquenta anos, Agatha viajou por todo o mundo, sempre tendo na bagagem seu material para notas e a chaleira, na qual preparava o chá das cinco.

O clima do Oriente Médio favorecia-lhe para escrever tramas inspirados nas expedições do marido. Surgiram 'Morte na Mesopotâmia' (1936), 'Morte no Nilo (1937) e 'Encontro com a Morte' (1938). 'Assassinato no Expresso do Oriente' (1933), um de seus maiores sucessos, é fruto de uma viagem no Expresso do Oriente até Bagdá.

Apesar do divórcio, a escritora continuou assinando suas obras como Christie.

Agatha, no ápice da fama, contava com oito mansões, dezenas de empregados e vivia com muito estilo. Apesar disso, transferia frequentemente os direitos autorais de seus livros para familiares, como a filha e o neto (Mathew).

Aos 80 anos de idade, escorregou e fraturou o quadril, passando a ser dependente de uma bengala pelo resto da vida..

Além de barulho e cheiro de cigarro, Agatha detestava as peças e os filmes baseados em suas obras, apesar de serem produções milionárias estreladas pelos maiores nomes da época. Para ela, as únicas exceções eram os filmes 'Testemunha da Acusação' e 'Assassinato no Expresso do Oriente'.

Cobrada pelos críticos, para realizar um trabalho 'mais sério', Agatha resolveu tentar o teatro, com 'O Caso dos Dez Negrinhos', porém a repercussão negativa do título nos EUA, foi infinitamente exagerada. Na época, os ingleses, ao contrário dos americanos, não enxergavam no termo uma conotação preconceituosa.
O tamanho do escândalo foi tanto que no Brasil, uma das versões foi batizada como 'O Vingador Invisível'.

Em se tratando de teatro, seu maior sucesso foi 'A Ratoeira', fenômeno encenado ininterruptamente na Inglaterra desde a estréia em 1952, e que lhe valeu um lugar no Guinness, o livro dos recordes.

O título de 'A Rainha do Crime' tornou-se popular quando da comemoração do seu 80º aniversário.

O jornal Washington Post a descreveu como uma mulher jovial e animada, de cabelos brancos, a mente viva e espirituosa, mas com uma intensa timidez que torna mais fácil imaginá-la arrumando flores numa igreja do que como a rainha mundial das histórias de crime.

Agatha costumava criar os enredos na banheira ou em passeios por jardins, geralmente devorando maçãs.

Agatha recebeu em 1971, da Rainha Elizabeth, a Ordem de Dame Commander do Império Britânico, passando a ser chamada de Dame Agatha. Outra das diversas honras foi quando o Museu de Cera Madame Tussaud incluiu sua figura na coleção.

Apesar de lhe servirem bem, Agatha pensava em seus personagens como pessoas vivas de seu tempo e que portanto, envelheciam como ela mesmo. Decidiu então eliminá-los. Começou com Poirot. 'Em Cai o Pano' (1975), onde ele morre já bem velho, numa cadeira de rodas. Miss Marple seria a próxima vítima, se Agatha não viesse a morrer do coração, poucos meses depois da publicação de 'Cai o Pano'.

"Agatha Christie era uma perfeita anfitriã, servindo cicuta num coquetel", definiu o crítico Stanley Sparks do The Morning Advertiser.


Agatha Christie ( A primeira investigação de Poirot, Poirot e os erros da datilógrafa, Complete Short Stories Of Miss Marple, Último Caso De Poirot, A testemunha ocular do crime, A mansão Hollow, Assassinato no Oriente Express, Aventura em Bagdá, Cipreste Triste, A morte do Almirante, Morte no Nilo, Morte entre ruínas, Morte na praia, O adversário secreto, O assassinato de Roger Ackroyd, O caso dos dez negrinhos, O enigma das cartas anônimas, O estranho caso da velha curiosa, O mistério do trem azul, O misterioso caso de Styles, O natal de Poirot, Os cinco suspeitos, Poirot e os quatro relógios, Poirot investiga, Poirot o golfe e o crime, Poirot salva o criminoso, Um crime adormecido, By The Pricking Of My Thumbs, Evil under the sun, Matar es facil, The Harlequin Tea Set And Other Stories, Café preto, Tres ratones ciegos, The Man in the Brown Suit, And Then There Were None, 65 libros, Um corpo na biblioteca, Um brinde de cianureto, Tragédia em 3 atos, Sócios no crime, Os trabalhos de Hércules, Os quatro grandes, N ou M, Cartas na Mesa, A Morte da Senhora Macginty, A mão misteriosa, A casa do penhasco ) [ Download ]



sábado, 18 de setembro de 2010

Solaris - Stanislaw Lem (parte 3)



OS SOLARISTAS

No corredor vazio, permaneci por um momento em frente à porta fechada.
Notei uma tira adesiva colada de modo descuidado num dos painéis.
Nela estava escrita a lápis a palavra “Homem”!

Ao ver aquela palavra ali escrita, tive um arrepio, e o meu desejo foi voltar para junto de Snow buscando por companhia, mas resisti.


Com os seus loucos avisos ainda a ressoar-me nos ouvidos, segui pela passagem estreita e tubular cheia do lamento do vento, e os meus ombros vergavam sob o peso do traje espacial. Andando na ponta dos pés, fugindo semiconscientemente de qualquer observador invisível, passei por duas portas à esquerda e mais duas à direita.

Li os nomes dos seus ocupantes:
Dr. Gibarian, Dr. Sartorius.

Na quarta não havia placa com nome.
Hesitei, mas por fim rodei suavemente o puxador e abri lentamente a porta.
À medida que o fiz, tive a premonição, que quase chegava a ser certeza, de que havia alguém lá dentro. Entrei. Não havia ninguém.
Quase tão grande como a cabine onde encontrara Snow, uma vasta janela panorâmica dava para o oceano, o qual, deste lado, era iluminado pelo Sol, luzia com um fulgor oleaginoso, como se as ondas segregassem um óleo avermelhado.

Todo o quarto, cujo aspecto sugeria uma cabina de navio, estava banhado por uma luminosidade carmesim. Num dos lados, coberta por prateleiras cheias de livros, via-se uma cama retrátil de encontro à parede. Do outro lado, por entre inúmeros armários, pendiam várias molduras de metal, que continham uma série de fotografias aéreas, coladas umas às outras com fita-cola, e prateleiras cheias de tubos de ensaio e garrafas para destilação tapadas com bolas de algodão. O espaço por baixo da janela era ocupado por duas fileiras de caixas esmaltadas em branco. Ergui algumas das tampas; as caixas estavam atulhadas com toda a espécie de instrumentos e tubos de plástico misturados. Os cantos do quarto eram ocupados por um frigorífico, um gravador e um decodificador. Por não haver espaço na grande mesa junto à janela, um microscópio estava pousado no chão.

Voltando-me, vi um armário alto junto à porta de entrada. Estava meio aberto, cheio de trajes atmosféricos, batas de laboratório, aventais isoladores, roupas internas, botas para exploração planetária, cilindros de alumínio e aparelhagem portátil de oxigênio.
De uma das maçanetas da cama vertical pendiam dois conjuntos desse equipamento, juntamente com as máscaras que os completavam.

Por todo o lado reinava o mesmo caos, uma desordem geral que alguém tentara apressadamente disfarçar.

Cheirei o ar. Podia aperceber um vago cheiro a reagentes químicos e traços de algo mais acre, cloro? Instintivamente olhei para o teto à procura dos gradeamentos sobre os ventiladores de ar: nas grades estavam presas fitas de papel, que esvoaçavam docemente; o ar circulava de modo normal.

Para arranjar um certo espaço relativamente livre em volta da cama, entre as prateleiras dos livros e o armário, retirei de duas cadeiras uma confusão de livros, instrumentos e ferramentas e amontoei tudo ao acaso no outro lado do quarto.

Peguei um cabide para pendurar o meu traje espacial, segurei a ponta do fecho éclair e larguei tudo de novo. Dominado pela estranha idéia de que estava a me separar de um escudo de proteção, não conseguia convencer-me a despi-lo. Mais uma vez inspecionei todo o quarto. Verifiquei que a porta estava bem fechada, mas que não tinha trinco, e depois de breve hesitação empurrei contra ela algumas das caixas mais pesadas.
Depois de construída esta barricada temporária, em três movimentos rápidos libertei-me da minha ruidosa armadura.
Um pequeno espelho preso à porta do armário refletia parte do quarto, e pelo canto do olho apercebi-me de algo que se movia.
Dei um salto, mas era apenas a minha própria imagem.

Por baixo do traje espacial, o meu macacão estava ensopado de suor. Despi-o e puxei uma porta deslizante, pondo assim à vista as luzentes paredes de azulejo de um pequeno quarto de banho. Na parte côncava da base do chuveiro estava uma caixa longa e chata; levei-a para o quarto. Ao pousá-la, a tampa saltou e pôs à vista vária divisórias, plenas de estranhos objetos: umas coisas desajeitadas feitas num metal escuro e que eram grotescas réplicas dos instrumentos que havia nas prateleiras. Nenhuma das ferramentas poderia ser usada; eram grosseiras, retorcidas, semifundidas, como se tivessem estado num forno. E o mais estranho de tudo é que até os punhos de porcelana, virtualmente incombustíveis, estavam retorcidos e deformados. Mesmo na sua temperatura máxima, nenhum forno de laboratório teria podido derretê-los; apenas talvez, uma bateria atômica.

Tirei um contador Geiger do bolso do meu traje espacial, mas quando o segurei sobre aquele entulho permaneceu imóvel.

Nesse momento só tinha vestida a roupa interior. Arranquei-a, atirei-a para o outro lado do quarto e precipitei-me para o chuveiro. O choque da água fez-me bem. Rodando sob os jatos escaldantes e finos como agulhas, esfreguei-me com vigor, salpicando as paredes, arrancando da pele a densa espuma de mórbidas apreensões que de mim se tinha apoderado desde a minha chegada.

Procurei no armário e encontrei um traje de treino que podia também ser usado sob um traje atmosférico. Quando enfiava nos bolsos os meus poucos pertences, senti uma coisa dura entre as páginas da minha agenda: era uma chave, a chave do meu apartamento lá na Terra. De modo distraído, a fiz girar nos dedos. Por fim, pousei-a sobre a mesa.

De repente, ocorreu-me que talvez viesse a precisar de uma arma. Um canivete, apesar de muito completo, dificilmente seria o bastante para as minhas necessidades, mas nada mais tinha, e não me ia agora pôr à procura de uma pistola de raios gama ou outra coisa no gênero.

Sentei-me num banco tubular no meio do espaço livre, feliz por estar só, e verificando com satisfação que tinha mais de meia hora para mim.
(Por natureza, sempre fui muito escrupuloso a respeitar os meus compromissos, fossem eles importantes ou triviais.)

Os ponteiros do relógio, cujo mostrador estava dividido em vinte e quatro horas, marcavam as sete horas. O Sol estava a pôr-se. 07.00 horas aqui, eram 20.00 horas a bordo do Prometheus. Sobre os monitores de Moddard, Solaris nada mais seria que uma indistinta nuvem de poeira, perdida entre as estrelas.
Mas que importava agora o Prometheus?
Fechei os olhos.

Não ouvia qualquer som além do gemido dos tubos de ventilação e um vago pingar de água no banheiro.
Se tinha compreendido corretamente, Gibarian morrera há pouco tempo. Que teriam feito com o seu corpo? Teriam enterrado-o? Não, neste planeta isso teria sido impossível.

Fiquei muito tempo cismado com esse problema, pensando no destino do cadáver; depois, apercebendo-me do caráter absurdo dos meus pensamentos, comecei a andar de um lado para o outro. O meu pé esbarrou numa bolsa de lona, meio enterrada sob uma pilha de livros; curvei-me e apanhei-a. Continha um pequeno frasco de vidro colorido, tão leve que parecia ter sido feito de papel. Ergui-o virado para a janela, à luminosidade purpúrea do crepúsculo sombrio, onde agora pairava um nevoeiro cor de fuligem.
Que estava eu a fazer, que me deixava distrair por coisas irrelevantes, pela primeira bugiganga que me tinha vindo à mão?

Tive um sobressalto: as luzes tinham-se acendido, ativadas por um interruptor fotoelétrico; o Sol desaparecera. Que iria acontecer em seguida?

Estava tão tenso que a sensação de um espaço vazio atrás de mim se me tornou insuportável. Numa tentativa para me controlar, levei uma cadeira para junto da estante de livros e escolhi um que já conhecia: o segundo volume de uma antiga monografia da autoria de Hughes e Eugel, História Solaris. Pousei o volume grosso e solidamente encadernado sobre os joelhos e comecei a folheá-lo.

A descoberta de Solaris datava de cerca de cem anos antes de eu ter nascido.
O planeta girava em órbita em volta de dois sóis: um sol vermelho e outro azul.
Durante quarenta e cinco anos depois dessa descoberta, nenhuma nave espacial tinha visitado Solaris. Nessa época, a teoria Gamow-Shapley — de que a vida é impossível em planetas que são satélites de dois corpos solares — era firmemente aceita.
No decurso das suas translações em volta de dois sóis, a órbita está constantemente a ser alterada pelas variações de atração gravitacional.

Devido a essas flutuações na gravidade, a órbita é umas vezes achatada, outras, distendida, e os elementos de vida, se aparecem, são inevitavelmente destruídos, quer por um calor intenso, quer por uma extrema queda de temperatura. Estas alterações acontecem em intervalos calculados em milhões de anos — o que significa intervalos muito curtos, segundo as leis da astronomia e da biologia (a evolução leva centenas de milhares de anos, se não um bilhão).
De acordo com os primeiros cálculos feitos, daí a 500 000 anos Solaris seria atraído meia unidade astronômica para mais perto do seu Sol encarnado, e um milhão de anos mais tarde seria absorvido por essa estrela incandescente.

Algumas décadas mais tarde, porém, as observações feitas pareciam sugerir que a órbita do planeta não estava de modo algum sujeita às variações esperadas: continuava estável, tão estável como as órbitas dos planetas do nosso próprio sistema solar.
As observações e os cálculos foram refeitos com grande precisão, mas limitaram-se a confirmar as conclusões originais: a órbita de Solaris era instável.

Um caso modesto entre as centenas de planetas descobertos anualmente — aos quais as estatísticas oficiais dedicavam apenas algumas linhas para definir as características das suas órbitas —, Solaris acabou por atrair uma atenção especial e atingir grande importância.

Quatro anos depois desta promoção, a expedição Ottenskjõld, ao sobrevoar o planeta com a Laakon e duas naves auxiliares, procedeu a estudos sobre Solaris.
Como esta expedição tinha o carácter de um reconhecimento preliminar, se não improvisado, os cientistas não estavam equipados para aterrar.
Ottenskjõld colocou vários satélites automáticos de observação em órbitas equatoriais e polares, cuja principal função era medir a atração gravitacional.

Para além disso, fez-se um estudo da superfície do planeta, que é coberto por um oceano e salpicado por incontáveis ilhas planas e pouco elevadas, cujas áreas, todas somadas, têm um total inferior à área da Europa, embora o diâmetro de Solaris seja superior em um quinto ao da Terra. Estas extensões de território árido e rochoso estão distribuídas de modo irregular e concentram-se essencialmente no hemisfério sul.

A composição da atmosfera —isenta de oxigênio— foi ao mesmo tempo analisada e fizeram-se medições precisas sobre a densidade do planeta, a partir das quais se determinou o seu albedo (relação entre a quantidade de luz refletida por um corpo não luminoso e a quantidade de luz incidente) e outras características astronômicas.
Como era de prever, não foi descoberto qualquer sinal de vida, quer nas ilhas, quer no oceano.

Durante os dez anos que se seguiram, Solaris tornou-se o centro de atração de todos os observatórios que se dedicavam ao estudo desta região do espaço, pois nesse entretanto o planeta mostrava a espantosa faculdade de manter uma órbita, que, sem sombra de dúvida, deveria ter sido instável. O problema quase degenerou em escândalo: uma vez que os resultados das observações tinham que, forçosamente, estarem errados.
Fizeram-se tentativas (para bem da ciência) para denunciar e desacreditar vários cientistas ou, pelo menos, os computadores que tinham utilizado.
A falta de fundos atrasou por mais três anos a partida de uma expedição adequada a Solaris. Por fim, Shannahan reuniu uma equipe e conseguiu do Instituto três naves de tonelagem C, as maiores naves espaciais da época. Um ano e meio antes da chegada da expedição que partira da região de África, em Aquarius, uma segunda frota, agindo em nome do Instituto, colocara um satélite automático —Luna 247— em órbita em redor de Solaris. Este satélite, depois de três reconstruções sucessivas em intervalos de aproximadamente dez anos, ainda hoje está a funcionar. Os dados por ele fornecidos confirmaram, sem possibilidade de dúvida, as descobertas da expedição de Ottenskjõld no que dizia respeito ao carácter ativo dos movimentos do oceano.

Uma das naves de Shannahan permaneceu em órbita, enquanto as outras duas, depois de algumas tentativas preliminares, aterraram no hemisfério sul, numa área rochosa com cerca de seiscentas milhas quadradas.
O trabalho da expedição durou dezoito meses e foi levado a cabo sob condições favoráveis, à parte um acidente infeliz provocado pelo mau funcionamento de um dos aparelhos.

Entretanto, os cientistas tinham-se dividido em dois campos opostos; o pomo da discórdia era o oceano. Com base nas análises, fora aceite a afirmação de que o oceano era uma formação orgânica (nessa época ainda ninguém ousara dizer que tinha vida).
Mas, enquanto os biólogos a consideravam uma formação primitiva — uma espécie de entidade gigantesca, uma célula fluida, única e monstruosa (a que chamaram “pre-biológica”, que envolvia o globo com uma camada coloidal, que em certos pontos tinha várias milhas de espessura, os astrônomos e os físicos afirmavam que devia ser uma estrutura orgânica, extraordinariamente desenvolvida.

Segundo eles, o oceano provavelmente excedia em complexidade as estruturas orgânicas terrestres, uma vez que era capaz de exercer influência ativa sobre o percurso orbital do planeta. Era bem certo que não se achara nenhum outro fator que pudesse explicar o comportamento de Solaris; e mais, os físicos planetários tinham estabelecido uma relação entre certos fenômenos do oceano plásmico e as medições locais da atração gravitacional, as quais variam de acordo com as “transformações da matéria” do oceano.

Em conseqüência disso, foram os físicos, e não os biólogos, quem apresentaram a hipótese paradoxal de um “mecanismo plásmico”, querendo com isto referir-se a uma estrutura provavelmente sem vida tal como nós a conhecemos, mas capaz de realizar atividades funcionais em escala astronômica, devemos sublinhar.

Foi por causa desta disputa, cujo eco breve chegou aos ouvidos das mais eminentes autoridades, que a doutrina Gamow-Shapley, aceita sem discussão durante oitenta anos, foi pela primeira vez abalada. Houveram alguns que continuaram a apoiar as alegações Gamow-Shapley, que afirmavam que o oceano nada tinha que se pudesse relacionar com a idéia de vida, que não era nem “parabiológico”, nem “pré-biológico”, mas apenas uma formação geológica, extremamente rara é certo, com uma capacidade única para estabilizar a órbita de Solaris, apesar das variações nas forças de atração.
Recorreram à lei de Le Chatelier para reforçar este argumento.

Em desafio a esta atitude conservadora, foram apresentadas novas hipóteses — das quais a de Civitto-Vitta era das mais elaboradas —, que proclamavam que o oceano era um produto de um desenvolvimento dialético: na base da sua primeira forma pré-oceânica estava uma solução de elementos químicos de reação lenta, e, pela força das circunstâncias (a ameaça à sua existência devida às alterações de órbita), atingira num único salto a fase de “oceano homeostático”, sem passar por todas as fases da evolução terrestre, saltando as fases unicelular e multicelular, a fase vegetal e animal, o desenvolvimento de um sistema nervoso e cerebral. Por outras palavras, diferentemente do que acontecera com os organismos terrestres, não necessitara de centenas de milhões de anos para se adaptar ao seu meio ambiente — culminando nos primeiros representantes de uma espécie dotada de razão—, antes o dominara imediatamente.
Este ponto de vista era original. Contudo, o modo pela qual essa camada coloidal conseguia estabilizar a órbita do planeta continuava por descobrir.
Há quase um século que existiam engenhos capazes de criar campos magnéticos e gravitacionais artificiais; chamavam-se gravitadores.
Mas ninguém conseguia ter a mínima idéia de como essa espécie de cola sem forma conseguia produzir um efeito que os gravitadores realizavam recorrendo a complicadas reações nucleares e temperaturas incrivelmente elevadas.

Os jornais da época, despertando a curiosidade dos leigos e a ira dos cientistas, estavam cheios com os mais improváveis arabescos sobre o tema do “Mistério Solaris”, chegando um repórter a sugerir que o oceano era nada menos que um parente distante das nossas enguias elétricas.

Exatamente quando se conseguira um certo sucesso na explicação do problema, verificou-se, como muitas vezes veio a acontecer no tempo dos estudos solarísticos, que a explicação apenas substituía um enigma por outro enigma, talvez ainda mais desconcertante.

Subsequentes observações mostraram por fim que o oceano não reagia de acordo com os mesmos princípios que os nossos gravitadores (o que, em qualquer caso, teria sido impossível), mas que conseguia controlar a periodicidade orbital de um modo direto.
Um dos resultados, entre outros, foi a descoberta de discrepâncias nas medições de tempo ao longo de um único meridiano em Solaris.
Assim, o oceano não só tinha, em certo sentido, “consciência” da Teoria de Einstein-Boévia, como também era capaz de explorar as implicações dessa mesma teoria (e o mesmo não poderíamos dizer a respeito de nós próprios).

Com a publicação desta hipótese, o mundo científico foi abalado por uma das mais violentas controvérsias do século. Teorias respeitadas e universalmente aceitas soçobraram; a literatura especializada foi inundada de tratados afrontosos e heréticos; “oceano inteligente” ou “colóide com capacidade para controlar a gravidade” — o debate tomou proporções escaldantes.

Tudo isto aconteceu vários anos antes de eu nascer.


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