domingo, 31 de janeiro de 2010

Entrevista com Algis Budrys


Embora Algis Budrys tenha escrito somente um punhado de livros em sua carreira de mais de 50 anos, ele é considerado por muitos estudiosos como uma voz importante e vital na Ficção Científica.

Seu romance de 1959 "The Torch Falling" vendeu mais de 250.000 cópias e permaneceu em catálogo por mais de uma década (foi posteriormente relançado em 1991 com o texto restaurado como "Falling Torch"), enquanto seu clássico de aventura "Rogue Moon” (1960) foi escolhido pelo Science Fiction Writers of America, como uma das histórias mais influentes da literatura de FC.

Nesta entrevista, Budrys revela por que ele acredita que é importante para os escritores de FC, não só pensar e escrever sobre o amanhã, mas também orientar os autores de amanhã, que definirão o futuro da Ficção Científica.



Pergunta: Você nasceu na Prússia Oriental, em 1931, de pai lituano, e sua família se mudou para os Estados Unidos quando tinha apenas cinco anos de idade. Como este 'desenraizamento' afetou sua visão sobre a vida e a sua escrita?

Budrys: Eu realmente não penso nisso como uma experiência de 'desenraizamento', porque viajei muito, de trem e outros meios, Deus sabe para onde, com minha mãe. Então, quando finalmente decidiram vir para a América, era apenas outra viagem. Mas foi uma viagem fascinante! Primeiro pegamos um barco através do Mar Báltico, então desembarcou na Suécia. Pegamos um trem atravessando a Suécia, chegamos até a Noruega e lá subimos a bordo do nosso navio.

O navio partiu para Nova York, e sofremos muito devido a uma tempestade! Uma terrível tempestade ... Pelo menos assim pareceu-me. E todo mundo ficou mal: Todos estavam em seus beliches vomitando as tripas! Exceto eu - eu estava bem! Então, eu tinha o navio todo para passear. As únicas pessoas que não perderam o controle de suas funções, foram eu e a tripulação. Foi muito divertido! Depois, desembarcamos em Nova York, e foi divertido, também. Nós fomos à rua 46 e à Quinta Avenida, que era onde ficava o Consulado Geral da Lituânia. E cada pedacinho dele me pareceu simplesmente fascinante.

Minha vida já era cheia de coisas maravilhosas, o que não perdurou quando cheguei na primeira séria [onde surgiram problemas]. As pessoas começaram a me chamar de alemão, o que realmente me deixava muito chateado, porque eu não era alemão: eu era lituano. O fato de ter nascido na Alemanha, era irrelevante, porque tínhamos passaportes diplomáticos e nós éramos cidadãos do nosso país natal. Mas ninguém queria ouvir. Ninguém se importava. As pessoas ficavam me chamando de alemão, e isso era ruim porque, eu não era, e também por que estávamos em uma comunidade judaica, o que não tornava a vida mais fácil para nós. Mamãe e papai não se importavam, porque eles estavam no consulado, mas eu estava nas ruas, por assim dizer. E foi aí que eu comecei a sentir essa sensação de alienação; de ser injustamente deixado de fora de tudo. Na verdade, eu nunca me recuperei desse sentimento.


P: Como foi o impacto na sua escrita?

Budrys: Bem, deve ter impactado na minha escrita, porque, geralmente eu escrevo sobre pessoas alienadas fazendo coisas que sentem serem perfeitamente normais, mas que em geral, sente não estando em consonância com o que os outros sentem. Escrevo bem, mas escrevo sobre coisas peculiares.


P: Será que estes incidentes, pelo menos em parte, não foram as sementes para a sua carreira de escritor?

Budrys: Minha carreira como escritor profissional, sim. Eu tive 12 anos para aprender a escrever sobre isso. Eu era muito jovem quando comecei - Eu realmente comecei quando tinha nove anos. Eu escrevi minha primeira história, e estava trabalhando constantemente em histórias. Quando tinha uns 17 ou 18, eu comecei a escrever coisas que achava ser bom ou bom o suficiente, para fazê-lo. E não era. Mas eu insisti, e quando eu tinha 21 anos, Fred Pohl pegou uma daquelas velhas histórias e vendeu-a para a Astounding, o que me fez rir, porque era o mesmo manuscrito que a Astounding tinha recusado quando eu tinha 17 anos. A diferença é que agora a Astounding já não era o 'Rei da Colina'. Haviam a Galaxy, a The Magazine of Fantasy and Science Fiction. As coisas eram mais difíceis para a Astounding. E como posso dizer isso... era uma história horrível!


P: Qual era o nome?

Budrys: Chamava-se 'The high purpose', e era sobre a tripulação do primeiro foguete para a luar conversando e reclamando, porque os alienígenas haviam desembarcado na Terra e portanto, os foguetes para a lua se tornaram obsoletos antes mesmo de decolar. Mas eles foram assim mesmo, e era essa a história.


P: Você se lembra como você imaginava que o mundo seria na virada do século?

Budrys: Sim, mas acho que eu nunca pensei sério a este respeito . Eu achava que os carros seriam como aviões, e que as cidades teriam prédios mais altos, e que rodovias teriam estes helicópteros e outros sabe-se-lá-o-que. Mas eu não me importava. Eu escrevia histórias que se passavam no futuro, e eu estava preocupado com o que as pessoas fariam, não verdadeiramente como as cidades seriam. Isso é verdade para a maioria dos meus livros. Eu acho que para mim, ficção científica é simplesmente uma outra literatura. Tem basicamente as mesmas regras, mesmo que haja muitas histórias de ficção científica que não as seguem, mas para mim, é mais importante escrever sobre as pessoas, e deixar o resto simplesmente acontecer.


P: Você disse em entrevistas anteriores que "a Ficção Científica não é realmente ficção científica. mas ficção tecnológica." Pode falar um pouco sobre isso?

Budrys: Bem, Ficção Científica seria o tipo de coisa que Hal Clement escreve, em que a ciência é central. A maioria da Ficção Científica - a esmagadora maioria - está preocupada com melhorias na tecnologia. As pessoas têm uma televisão melhor, etc. Não tem nada de realmente à ver com ciência.


P: Além de escrever, você também é um professor atuante, particularmente através de seu trabalho no Writers of the Future. Porque a educação dos novos talentos de FC é tão importante para você?

Budrys: Nos bons e velhos tempos, os editores ensinavam jovens escritores a escreverem melhor. Um escritor pegava a história e dizia: "Olha, você poderia ter feito isso dessa maneira". Estes editores não existem mais. Na verdade, não tenho certeza se existem ainda editores. Há pessoas que se assumem posições editoriais, mas isso é diferente. Então, alguém tem de ensinar as crianças como fazer as coisas. Com a Writers of the Future, eu vi uma oportunidade de ouro. Nós temos algo como mais de 200 escritores de Ficção Científica agora, que não necessariamente devem a sua natureza como escritores de FC à Writers of the Future, mas que começaram lá. Eles têm uma chance de se aprimorar mais rapidamente do que se tivessem que aprender na base da tentativa e erro, e eles têm um lugar melhor para serem conhecidos.

Estou muito orgulhoso de tudo isso, e o fato de que alguns deles têm escrito muitos livros, e muitos são bons livros. Eu apenas senti que alguém deveria estar fazendo isso! Também lecionei por 11 anos consecutivos no Clarion, o que não poderia ter feito: era contra as regras, mas mesmo assim eu fiz. De um modo geral, a gestão do Clarion - principalmente com Damon Knight e Kate Wilhelm - iria deixar um cara ensinar por um par de anos, e depois não voltaria lá por um tempo. Bem, eu continuei. E isso foi importante porque eu realmente comecei a conhecer as pessoas que estavam tentando ser escritores. Na verdade, muitos deles ainda estão em contato comigo. Então, quando eu estava lá, ensinando talvez 20 pessoas por ano, durante uma semana, a Writers of the Future floresceu em mim. Eu trabalhei com um monte de jovens (e algumas vezes não tão jovens), e eu não trocaria isso por nada neste mundo!


P: Ao longo dos anos você também dedicou uma grande quantidade de energia para a crítica de FC. Que papel esta função desempenha no desenvolvimento e na promoção da literatura de FC?

Budrys: Eu acho que ela ajuda a melhorar a raça. A maneira que eu faço a crítica é, eu pego um livro e aponto o que poderia ter sido feito melhor: Aponto erros, elogio outros pontos. Eu não sabia que ia ser um crítico, mas certamente não foi uma das minhas ambições. Simplesmente aconteceu, e eu sinceramente não me importava se alguém gostou do jeito que eu fiz a crítica ou não. Mas eu sinto que sou parte de uma tradição como Damon Knight e Blish Jim, de ser um crítico mais conhecedor do assunto do que a maioria, porque eu escrevi bastante, coisa que a maioria dos críticos não o fez. Sei mais sobre o interior de um escritor, do que a maioria dos críticos, e isso veio de forma muito fácil para mim, por esse motivo. Não sou de perder muito tempo revisando e revisando. Escrevo rápido estas críticas.


P: O quão diferente é de escrever um livro?

Budrys: Bem, essencialmente é deste jeito que eu escrevo livros também, embora não tão rapidamente.


P: Todo ano aparece alguém que proclama que a FC está morta ou moribunda. No entanto, como um juiz do concurso literário da Writers of the Future, você encontra novos autores regularmente. Como você caracterizaria o estado atual da FC?

Budrys: A Ficção Científica parece ser a mesma que sempre foi. Eu acho que há quem busque destaque ao proclamar a morte de Ficção Científica, mas é um disparate. Ficção Científica, apesar do fato de ser tratada como um gênero, não é um gênero. É uma literatura completa. E a mais antiga literatura, até!

Não foi somente apenas há uma centena de anos atrás, que alguém pensou em escrever sobre coisas que estão por acontecer, o que se poderia chamar de ficção descritiva. Ficção Científica vai durar para sempre, embora possivelmente terá um nome diferente. Veja, o gênero western pode ter sido dizimado quando a moda mudou. O mesmo ocorreu com histórias policiais e outras. Mas a ficção científica não é assim. Não cede às restrições temporárias. Então acho que as pessoas que proclamam a morte de FC estão erradas.


P: Nós conversamos um pouco sobre Writers of the Future, mas há uma outra competição de prestígio - Illustrators of the Future - afiliada ao referido concurso. Do ponto de vista de um autor como você, até que ponto isso é importante para ilustração de Ficção Científica?

Budrys: Eu não sei, mas gostei das imagens que Edd Cartier colocou com as histórias. Eu realmente gosto do trabalho de Kelly Freas e Michael Whelan, e de outras pessoas. Não sei se as duas coisas podem estar totalmente separadas. Eu desaprovo fantasia e ficção científica que não contenham ilustrações: Dá ao livro uma espécie de tom seco. The Magazine of Fantasy and Science Fiction teve ilustrações, mas a experiência não funcionou. Há uma magia em ter uma imagem de um cara levantando uma espada, ou uma imagem de um cara correndo pela pista de um aeroporto. Há um sentimento de que a história foi completada por bons ilustradores. Então eu não acho que a Ficção Científica e a ilustração de Ficção Científica, possam ser separadas.


P: Em 1997, você foi um dos pioneiros em trazer FC à Internet, quando converteu sua revista Tomorrow em uma publicação periódica online. O que o motivou a fazê-lo, e porque ultimamente não se faz mais isso?

Budrys: Se eu soubesse por que não deu certo, eu provavelmente consertaria! Perdemos uma fortuna fazendo a publicação na versão impressa. Nós fizemos 24 edições, que continuam a ser muito boas até hoje.

Mas percebi que eu não poderia mantê-la, então fui para a internet com ela, o que me permitiu ampliar a revista. Permitiu-me levantar mais recursos, e coisas assim, mas ainda não estava decolando. A cada vez tinha menos dinheiro, e finalmente chegou a um ponto onde eu não podia pagar por novas histórias. Eu mantive por algum tempo e finalmente um dia percebi que não era somente derramar o meu dinheiro num buraco sem fundo, mas eu estava derramando minhas intenções para o mesmo buraco, e eu não podia mais fazer isso. Por que a revista não deu certo, eu não sei. Eu suspeito que é porque sem fazer a devida promoção, ela não valia nada. Mas eu posso estar errado: Quero dizer, ninguém que eu conheça, nunca ganhou dinheiro com isso também.


P: Qual o futuro da FC na internet?

Budrys: Se conseguirem descobrir como ganhar dinheiro com internet, então funcionará. Revistas impressas estão caindo no esquecimento, e a internet de alguma forma contribui para isso. A forma como a Internet publica hoje, se equivale aos fanzines. Existem centenas de sites por ai, e alguns deles publicam alguns trabalhos de ficção científica muito bons. Mas a maioria deles não é de boa qualidade, e não pagam os escritores, ou não pagam muito. Portanto, é um jogo diferente. Eu tentei publicar um zine totalmente profissional, primeiro na versão impressa e depois na Internet, e não funcionou. Eu tinha bastante gente assinando, mas não o suficiente.


P: E o que o futuro reserva para Algis Budrys?

Budrys: Eu provavelmente serei encontrado caído sobre um teclado de computador em algum momento. Eu tenho 70 anos de idade. Eu não sei quanto tempo mais eu posso continuar, mas pretendo continuar trabalhando até o fim. Eu não tenho mais nada que eu prefira fazer, e não recebo aposentadoria (embora eu estivesse recebendo da Securidade Social durante algum tempo), então eu vou continuar.


P: Olhando para trás em sua carreira, o que você acredita ter sido sua maior contribuição para a literatura de Ficção Científica?

Budrys: O ensino. Eu escrevo bem, como eu disse, me admiro com o que fiz. Mas eu não escrevo muito, eu só escrevi algo como 10 livros na minha vida. São bons livros, e ainda há pessoas que vêm até mim e dizem: "Puxa, tal livro foi um bom livro." Mas eu não acho que isso seja, sequer próximo, de ser tão duradouro como o ensino. Eu lecionei, penso ao menos, provavelmente para mil pessoas, que aprenderam de mim. E isso é realmente algo!


Entrevista por Jeff Berkwits

Algis Budrys



Algirdas Jonas Budrys ou Algis Budrys (9 de Janeiro de 1931 – 9 de Junho de 2008) nasceu em Königsberg, Prússia Oriental, filho do cônsul geral da Lituânia. Sua família migrou para os EUA quando tinha 5 anos de idade. Budrys estudou na Universidade de Miami, e depois na Universidade de Columbia, NY.

No início da década de 50, Budrys trabalhou como editor de diversas revistas populares importantes no gênero Ficção Científica e Fantasia, ao mesmo tempo que escrevia e publicava em revistas semelhantes, sob diversos pseudônimos, como por exemplo: "Alger Rome", "John A. Sentry", "Frank Mason", "William Scarff", "Ivan Janvier", "Paul Janvier" e "Sam & Janet Argo".

Apesar de sua importância trabalhando como editor na Década de Ouro da FC, sua obra é consistente e laureada por prêmios, sendo 'Rogue Moon' (1960) e "Who?"(1958) seus trabalhos mais conhecidos.
 
Ao final dos anos 60, Budrys se afastara da Ficção Cientííica, para trabalhar como editor de revistas como a Playboy e Galaxy, onde passou a dedicar-se à crítica literária. A partir daí, passou a aparecer mais vezes escrevendo para jornais, e chegou a escrever alguma ficção policial (The Iron Thorn).
Nos anos 70, tornou-se o coordenador de resenhas da The Magazine Of Fantasy and Science Fiction, e lançou o romance "Michaelmas'.

Também lecionava criação literária nos workshops da Clarion, organizada na época por autores de prestígio e amigos seus, como Damon Knight e Kate Wilhelm.

Nos anos 80 colaborou com os programas Writers of the Future e Artists of the Future. Voltou decididamente ap gênero FC nos anos 90, ao criar e editar sua própria revista Tomorrow Speculative Fiction, lançando em números bimestrais, por muitos anos, trabalhos de escritores amigos seus de longa data, assim como novos escritores.

Um aspecto controverso de Budrys foi sua união com a Cientologia. Budrys seguia e promovia a doutrina da igreja de L. Ron Hubbard.


Algis Budrys ( 1981 and Counting, A scraping of the Bone, AID, And then, Aspirin, Be Merry, Between the dark, Blood and burning, Brunette, Burning World, Contact by equals, Death March, Dream, El distant rumor de los motores, Engines, Executioner, Falling Torch, First to serve, Go and behold, Jeevers lost world, Jungle, La Guerra ha terminado, Little Joe, Lower than angels, Michaelmas, Never, Nobody bothers Gus, Quien?, Rogue Moon, Scream, Silent Brother, Skirmisher, Some will not die, Starlight, The edge of the Sun, The end of Summer, The Iron Thorn, The man who tastes the ashes, The nuptial flight of Warbirds, The silent eyes of Time, Three stories, Wall of Crystal, War is over, Watch your step, Who?, Dimension Inesperada, El final del Verano, El laberinto de la Luna, Ojo de la noche, Pleito resuelto) [ Download ]

sábado, 30 de janeiro de 2010

Pequeno Irmão - Cory Doctorow - Capítulo 14


CAPÍTULO 14
Este capítulo é dedicado à incomparável Mysterious Galaxy em San Diego, Califórnia. O pessoal da  Mysterious Galaxy  me pede para assinar meus livros sempre que estou em San Diego para uma conferência ou para dar aula (O Clarion Writers’Workshop acontece na Universidade do Estado de San Diego, perto de La Jolla, Califórnia) e sempre que apareço eles enchem a casa. É uma loja com seguidores leais e que sabem que eles são sempre capazes de grandes recomendações e idéias. No verão de 2007, levei meus alunos da Clarion lá, para o lançamento à meia-noite do livro final de Harry Potter e eu nunca tinha visto uma festa tão animada e tão terrivelmente divertida em uma loja.
Mysterious Galaxy: 7051 Clairemont Mesa Blvd., Suite #302 San Diego, CA USA 92111 +1 858 268 4747



A Xnet não era lá muito divertida no meio de um dia de aula, quando todos que costumam utilizá-la estão na escola. Eu tinha o pedaço de papel dobrado no bolso de trás da calça jeans e joguei-o na mesa da cozinha assim que entrei em casa. Sentei na sala de estar e liguei a televisão. Eu nunca assistia tevê, mas sabia que meus pais assistiam. A televisão, o rádio e os jornais, eram tudo que tinham para saber sobre o mundo.

As notícias eram terríveis. Havia tantos motivos para ficar apavorado. Soldados Americanos estavam morrendo pelo mundo inteiro. Não apenas soldados. Também o pessoal da guarda nacional que auxilia salvando pessoas de ciclones, baseados no exterior por anos e anos de uma longa e interminável guerra.
Passei o dia saltando de um noticiário para outro, um desfile de autoridades nos dizendo por que devíamos ter medo. Um desfile de fotos de bombas que explodiram ao redor do mundo.

Continuei até dar com uma cara familiar. Era o cara que tinha entrado na traseira do caminhão e falado com a mulher de cabelos curtos quando estava algemado nos fundos. Vestia um uniforme militar. As insígnias o identificavam como Major General Graeme Sutherland, comandante regional da DHS.

“Tenho nas mãos o tipo de literatura distribuída no chamado concerto de Dolores Park na semana passada.” Ele segurava alguns panfletos. Havia muitos por lá, eu me lembrei disso. Em qualquer lugar em São Francisco onde existam pessoas, você achará panfletos.
“Quero que olhem para isso por um instante. Deixe-me ler os títulos para vocês. “SEM O CONSENTIMENTO DOS GOVERNADOS, GUIA DO CIDADÃO PARA DERRUBAR O GOVERNO.” Aqui temos um “SERÁ QUE O 11 DE SETEMBRO REALMENTE ACONTECEU?” E outro, “COMO USAR A SEGURANÇA NACIONAL CONTRA ELA PRÓPRIA.” Esta literatura nos demonstra o verdadeiro propósito desta reunião ilegal de sábado a noite. Não se tratava meramente de milhares de pessoas reunidas sem a apropriada precaução, ou mesmo sem toaletes. Era um comício de recrutamento. Uma tentativa de corromper crianças para abraçar a idéia de que a América não deve se proteger.”

“Veja este slogan, ‘NÃO CONFIE EM NINGUEM COM MAIS DE 25’. Que maneira melhor para se garantir uma falta de equilíbrio, ou discussão madura em uma mensagem terrorista do que se excluindo adultos, limitando o grupo apenas a jovens impressionados?”
“Quando a polícia entrou em cena, encontrou um comício de recrutamento de inimigos da América em progresso. A reunião já havia perturbado a noite de centenas de residentes daquela área, nenhum deles foi consultado no planejamento daquela festa noturna.”
“A polícia ordenou que as pessoas se dispersassem - o que é bastante visível em todos os vídeos - e quando os populares se voltaram contra eles, atiçados pelos músicos no palco, a polícia os subjugou utilizando técnicas não letais para controlar a multidão.”
“As detenções foram de líderes e provocadores que conduziam milhares de jovens impressionáveis para atacar as linhas policiais. 327 deles foram levados sob custódia. Muitos já tinham ocorrências anteriores.

Mais de 100 deles tinham mandados contra eles. Estes ainda estão sob custódia.”
“Senhoras e senhores, a América está lutando uma guerra de muitas frentes, mas nenhuma é mais grave do que esta que se encontra aqui, no nosso lar. Não importa se estamos sendo atacados por terroristas ou por seus simpatizantes.”

Uma repórter ergueu a mão e disse. “General Sutherland, o senhor está claramente dizendo que estas crianças são simpatizantes dos terroristas por irem a uma festa no parque?”
“Claro que não. Mas quando os jovens são colocados sob a influência dos inimigos do nosso país, é fácil para eles entrar em suas cabeças. Terroristas adoram recrutar quinta-colunas para lutar esta guerra caseira por eles. Se estas forem minhas crianças, então eu ficaria gravemente preocupado.”
Outro repórter aderiu à discussão “Estava claro que era só um concerto ao ar livre General? Eles não estavam armados.”

O General pegou várias fotos e passou a mostrá-las. “Estas são fotografias tiradas por infravermelho por oficiais antes de entrarem em ação.” Ele segurou a seguinte junto ao rosto e começou a passar uma por uma. Mostravam pessoas dançando rudemente, alguns se batendo ou pulando. E então algum sexo rolando entre as árvores, uma garota com três caras, dois caras juntos. “Havia crianças de dez anos neste evento. Coquetéis fatais de drogas, propaganda e música resultaram em dezenas de machucados. É incrível que não tenham ocorrido mortes.”

Desliguei a televisão. Eles fizeram parecer que fora uma baderna completa. Se meus pais estivessem ali, eles me colocariam de castigo no quarto por um mês e só me deixariam sair com um colar rastreador.
Falando nisso, eles ficariam furiosos quando descobrissem que fui suspenso.

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Eles não receberam a coisa muito bem. Papai queria me triturar, mas mamãe e eu o convencemos a desistir disso.
“Você sabe que o vice-diretor persegue Marcus há anos.” disse mamãe. “Da última vez que nos o encontramos, depois você o xingou durante quase uma hora. Várias vezes você repetiu a palavra ‘babaca’, se me lembro bem.”

Papai balançou a cabeça. “Perturbar a aula por discutir contra a DHS...”
“Era uma aula de estudos sociais, papai.’ eu disse. Eu estava me arriscando mas senti que se mamãe ia se prejudicar por minha causa e que eu devia ajudá-la. “Nós falávamos sobre a DHS. Um debate que deveria ser saudável, não?”

“Olha, filho...” ele disse. Ele começava a me chamar muito de “filho” e me fazia sentir como se ele estivesse parando de pensar em mim como uma pessoa e passando a pensar em mim como um tipo de larva semi-formada que necessitava ser guiada para fora da adolescência. Eu odiava isso. “Você precisa aprender a lidar com o fato que vivemos em um mundo diferente agora. É claro que você tem o direito de falar o que lhe vem à cabeça, mas tem que estar preparado para as conseqüências disso. Tem que encarar o fato de que existem pessoas feridas, que não vão querer discutir aspectos da Constituição quando suas vidas estiverem em perigo. Estamos num barco salva vidas agora, e uma vez que você está lá, ninguém quer pensar em o quão terrível é o capitão.”

Eu me limitava a olhar para lá e para cá.
“Determinaram que eu teria duas semanas para estudar sozinho, escrevendo um trabalho de cada uma das questões, usando a cidade como pano de fundo - um trabalho de história, de estudos sociais, um de inglês, um de física. Isso é melhor do que ficar em casa assistindo televisão.”
Papai olhou para mim como se suspeitasse de algo, então eu concordei e disse boa noite para eles e subi para meu quarto. Liguei o Xnet e abri o processador de texto e comecei a pensar intensamente em idéias para os trabalhos. Por que não? Era melhor do que ficar pela casa de bobeira.

#

Acabei no IM conversando com Ange quase a noite toda. Ela foi simpática e me disse que iria me ajudar com os trabalhos se eu quisesse me encontrar com ela depois da escola a noite seguinte. Eu sabia onde ela estudava - a mesma escola de Van - no fim de East Bay, que eu não visitava desde as bombas.
Eu estava excitado com a perspectiva de revê-la de novo. Toda noite desde a festa eu ia para a cama pensando em duas coisas: a multidão avançando contra as linhas policiais e a sensação dos seus seios sob a blusa enquanto estávamos encostados ao pilar. Ela era maravilhosa. Nunca tinha ficado com uma garota tão... agressiva como ela antes. Tinha a impressão de que Ange estava tão a fim quanto eu. E era atormentante saber disso.

Dormi profundamente aquela noite, com excitantes sonhos de Ange e eu e o que estaríamos fazendo se nos encontrássemos num lugar reservado em alguma parte.

No dia seguinte comecei os trabalhos. São Francisco é um bom lugar para se escrever sobre História? É claro que sim, ela está lá, desde a Corrida do Ouro aos estaleiros da Segunda Grande Guerra, os campos de concentração para japoneses, a invenção do PC. Física? O Exploratorium tem as exibições mais bacanas do que qualquer museu em que já estive.  Língua Inglesa?  Jack London, os poetas Beatniks, escritores de Ficção Científica como Pat Murphy e Rudy Rucker. Estudos Sociais? O Movimento pela liberdade de expressão, Cesar Chavez, Direitos dos gays, feminismo, o Movimento contrário à guerra...
Sempre amei aprender as coisas por conta própria, apenas para saber mais sobre o mundo à minha volta. Eu podia fazer isso apenas andando pela cidade. Decidi que primeiro iria fazer o trabalho de literatura inglesa sobre os Beats. A livraria City Lights tinha um bom acervo em uma sala no segundo andar, onde Alan Ginsberg e seus camaradas tinham criado suas poesias psicodélicas. Aquela que tínhamos lido em sala de aula se chamava Uivo (Howl) e nunca esqueci do seu início que me fazia tremer:

“Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca uma dose violenta de qualquer coisa ‘hipster’ com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado da maquinária da noite...” * (trad. Cláudio Willer)


Gostava da maneira que as palavras todas juntas, “morrendo de fome histéricos”. Eu sabia como era. E “os expoentes da minha geração” me fazia pensar também. Me fazia lembrar do parque e da polícia e do gás descendo. Eles queimaram Ginsberg por obscenidade depois de “Uivo” - tudo por conta de uma linha sobre sexo gay que dificilmente nos provocaria um piscar de olhos sequer hoje em dia. De alguma forma ficava feliz com isso, por saber que nós havíamos feito algum progresso. As coisas eram bem mais difíceis do que são hoje.

Me perdi na livraria, lendo aquelas lindas e antigas edições. Me perdi em “On the Road” de Jack Kerouac, um livro que pretendia ler há muito tempo e um funcionário encontrou para mim uma edição baratinha que me vendeu por seis paus.
Fui para Chinatown e comi din sun e macarrão com molho apimentado que eu já sabia ser bem quente mas que não se comparava ao especial de Ange.

Quando o dia terminava, fui até a BART e peguei um ônibus via ponte San Mateo que me levaria a East Bay. Li meu exemplar de “On the Road” e mergulhei assoviando no cenário que passava. “On the Road” era um romance semi-autobiográfico sobre Jack Kerouac, um escritor viciado e alcoólatra que atravessava a América pegando carona, fazendo bicos, uivando nas ruas à noite, conhecendo pessoas e indo embora. Hipsters, vagabundos tristes, trapaceiros, sujeitos asquerosos e anjos. Não tem um enredo na verdade; Kerouac supostamente o escreveu em três semanas, num rolo de papel, chapado, somente um monte de coisas assombrosas, e as coisas aconteciam uma depois da outra. Ele fez amizade com pessoas auto-destrutivas como Dean Moriarty, que estava envolvido nuns esquemas esquisitos que nunca funcionavam, se é que me entendem.

Havia um ritmo nas palavras, que era estimulante, conseguia ouvi-lo na minha cabeça. Me fazia querer pegar uma carona de caminhão e acordar numa pequena cidade poeirenta em alguma parte do meio do país, a caminho de Los Angeles, um destes lugares com um posto de gasolina e um restaurante, apenas sair por aí pelos campos e encontrar pessoas e ver e fazer coisas.
Foi uma viagem longa e devo ter cochilado um pouco, ter ficado acordado de papo com Ange no IM complicava minha programação de sono, e Mamãe esperava que eu descesse para o café da manhã. Acordei e troquei de ônibus e depois de um tempo estava na escola de Ange.
Ela saiu dos portões em seu uniforme escolar - nunca a tinha visto nele, era até charmosa, de uma maneira estranha e me lembrou de Van de uniforme. Me deu um longo abraço e um beijo no rosto.

“Olá!” ela disse.
“E aí?”
“Tava lendo?”

Eu esperava por isso. Tinha marcado a passagem com um dedo. Ouça: “Eles dançaram pelas ruas como dingle-dodies e eu fui atrás como fiz toda a minha vida, segundo aqueles que me interessa, por que os únicas pessoas para mim eram os doidos, que estavam loucos por viver, loucos por falar, para serem salvos, desejando tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca dizem aquilo que se espera, mas queimam, queimam como fabulosas velas romanas explodindo como aranhas entre as estrelas e no meio você vê aquela luz azul estourando e todos dizem ‘Uau!’”

Ela pegou o livro e leu esta passagem para si mesma: “Uau. Dingle-dodies! Amei! O livro é todo assim?”
Contei sobrei as partes que tinha lido, enquanto caminhávamos pela calçada em direção ao ponto de ônibus. Assim que viramos a esquina, ela colocou o braço ao redor da minha cintura e fez meu braço escorregar ao redor dos seus ombros.  Caminhando pela calçada com uma garota - minha namorada? É, por que não? - falando sobre um livro legal. Aquilo era o máximo. Me fez esquecer dos outros problemas por algum tempo.

“Marcus?”
Me virei. Era Van. No meu subconsciente eu esperava por isso. Sabia disso, porque eu não estava nem remotamente surpreso em vê-la. Não era uma escola tão grande assim, e todos saíam ao mesmo tempo. Fazia semanas que não falava com Van e pareciam meses. Costumávamos nos falar diariamente.
“Oi, Van.” eu disse. Controlei a vontade de tirar o braço dos ombros de Ange. Van parecia surpresa, mas não com raiva, mais abalada. Ela era íntima de nós dois.
“Ângela?”
“Oi, Vanessa” disse Ange.
“O que você está fazendo aqui?”
“Vim pegar Ange” eu disse tentando parecer normal. Mas estava embaraçado por ser visto com uma outra garota.
“Oh.” disse Van “Bem, legal ver vocês.”
“Legal te ver também, Vanessa” disse Ange, nos fazendo virar e seguir para o ponto de ônibus.
“Você a conhece?” perguntou Ange.
“Sim. Desde pequeno.”
“Era sua namorada?”
“O quê? Não! Éramos só amigos.”
“Eram amigos?”

Senti como se Van estivesse bem atrás da gente, nos ouvindo. Resisti à tentação de olhar por sobre o ombro por bastante tempo, mas então eu olhei. Havia várias meninas do colégio ao redor, mas nada de Van.
“Ela estava comigo, Jose-Luis e Darryl quando fomos presos. Costumávamos jogar ARG juntos. Nós quatro éramos, tipo, melhores amigos.”
“E o que aconteceu?”
Eu baixei a voz. “Ela não gostava na Xnet. Achou que estávamos arranjando confusão. Que colocaríamos outros em perigo.”
“E por isso deixaram de ser amigos?”
“‘Só paramos de nos falar.”
“Vocês não eram tipo, apaixonados um pelo outro?”
“Não!” Meu rosto estava quente. Parecia que eu mentia, apesar de estar falando a verdade.
Ange me fez parar e olhou bem para mim.
“Você gostava dela?”
“Não! Sério! Éramos apenas amigos. Darryl e ela - bem, Darryl era gamado nela. Não tinha como...”
“Mas se Darryl não estivesse a fim dela, você a namoraria, huh?”
“Não Ange, não. Por favor, acredite e esqueça isso. Vanessa era uma boa amiga, mas não somos mais amigos e isso me aborrece, mas nunca pensei nela deste jeito, certo?”
Ela ficou séria
“Ok, Ok, me desculpe. Eu também não ando mais com ela. Nem fomos muito próximas, nestes anos todos que nos conhecemos.”
“Tá bom.” pensei. Era como Jolu que a conhecia a muito tempo e nós nunca nos encontramos; ela tinha algo com Van e não a queria por perto.
Me deu um abraço demorado e nos beijamos e um bando de gurias passou por nós zoando da nossa cara e então e seguimos para a parada de ônibus. Na nossa frente estava Van, que tinha passado por nos enquanto nos beijávamos. Me senti um completo idiota.
É claro, ela estava esperando ônibus e depois entrou no ônibus conosco mas não trocamos uma palavra sequer e tentei ficar conversando com Ange o caminho inteiro, mas foi estranho.

O plano era parar para um café e então ir para a casa de Ange para descansar e “estudar”, quer dizer, ligar seu Xbox e navegar pela Xnet. A mãe de Ange chegava tarde às terças, era sua noite de yoga e jantar com amigas e a irmã de Ange estava fora, com o namorado, então teríamos o lugar só para nós. Eu tinha pensamentos pervertidos sobre isso desde que combinamos de nos ver.

Fomos direto para seu quarto e fechamos a porta. Seu quarto era um desastre, coberto por camadas de roupas e notebooks e peças de computador nas quais pisávamos como armadilhas. Sua mesa de estudos era pior que o chão, pilhas de livros e revistas, acabamos sentando na cama, o que tava bom pra mim.
A estranheza de ter encontrado Van tinha passado e estávamos com a Xnet rodando agora. Estava no centro das conexões, ela tinha colocado um tipo de antena na janela que ajudava a capturar as linhas sem-fio da vizinhança. Ela tinha duas telas de antigos laptops transformadas em monitores com o interior exposto.

Ficavam nas mesinhas, uma de cada lado da cama, eram ótimas para assistir filmes ou fazer IM da cama, ela podia virar os monitores e deitar e não importava de que lado ela deitava.
Ambos sabíamos o porquê de realmente estarmos ali, sentados um ao lado do outro. Eu estava um pouco nervoso e super consciente do calor da sua perna e seu ombro contra mim, mas eu precisava me conectar na Xnet e ver se havia algum email para mim e o que estava rolando.
Havia um email de um garoto que mandava hilários vídeos via celular do DHS ficando louco - o último mostrava um carrinho de bebê sendo desmontado após o cão farejador de bombas mostrar interesse nele, abrindo-o com chaves de fenda bem no meio de uma rua na Marina enquanto todos aqueles ricaços passavam olhando bestificados.

O vídeo estava sendo baixado pra caramba. Estava hospedado no internet Archive Alexandria, um mirror no Egito, que hospedava qualquer coisa de graça desde que você colocasse sob licença da Creative Commons, que permitia que qualquer um remixasse e o compartilhasse. O Arquivo Americano, que ficava perto dali em Presídio, tinha sido forçado a deletar todos estes vídeos por conta da Segurança nacional, mas o arquivo Alexandria estava hospedando qualquer coisa considerada embaraçosa nos EUA.

O garoto, o apelido era Kameraspie, já tinha me mandado um vídeo melhor ainda. Da porta da Prefeitura no centro cívico. O DHS tinha cercado o lugar, estabelecendo um perímetro de segurança ao redor do prédio e o vídeo de Kameraspie mostrava a imagem de um cara vestido com uniforme se aproximando da cancela e mostrando sua identificação e colocando sua valise no detector de raios-x. Estava tudo bem até que alguém do DHS viu alguma coisa no raio-x e que não gostou. Ele perguntou algo ao general, que disse algo inaudível (o vídeo fora feito do outro lado da rua, aparentemente graças a um zoom caseiro então o áudio era na maioria de pessoas andando e sons do trânsito.)

O general e os caras do DHS estavam num impasse e por mais que argumentassem, mais caras do DHS apareciam ao redor dele. Finalmente o general balançou a cabeça com raiva e apontou o dedo para o peito do cara do DHS e pegou sua maleta e começou a afastar-se. Os caras do DHS gritavam, mas ele não parou. Sua linguagem corporal dizia algo como “Estou completamente furioso.”
Então aconteceu. Os caras correram atrás do general. Kameraspie diminuiu a velocidade do vídeo, então podíamos ver, frame a frame, meio que virado e sua face dizia “Vocês não vão me deter” então mudando para o horror quando três guardas gigantescos do DHS o derrubaram, como fazem no futebol Americano. O general, um sujeito de meia idade, de cabelos grisalhos, rosto serio e cheio de dignidade, caiu como um saco de batatas, de cara na calçada e com sangue espirrando do seu nariz.

O DHS algemou o general pelos pulsos e tornozelos. O general gritava, gritava pra caramba, sua face estava púrpura debaixo do sangue que escorria do nariz. Os pedestres passavam olhando para o cara ao chão, de uniforme, e dava para ver pela sua expressão que aquela era a pior parte, a do ritual de humilhação, onde toda dignidade se esvaía. O clipe terminava assim.
“Santo Buda” eu disse olhando para a televisão ficando escura e o vídeo iniciando novamente.
Puxei Ange e mostrei-lhe o clipe. Ela ficou sem palavras, de queixo caído.
“Coloca isso agora num post!”
Coloquei. Escrevi uma leve descrição e adicionei uma nota pedindo pra que se alguém conhecesse e pudesse identificar o militar no vídeo ou se sabia algo sobre isso.
Assistimos ao vídeo, de novo e de novo.
Uma mensagem chegou para mim.

>Claro que conheço o cara, pode ver a biografia dele na Wiki. É o General Claude Geist. Ele é o comandante da junta de paz da ONU no Haiti.

Chequei a biografia. Tinha uma foto dele numa conferência de imprensa e algumas notas sobre sua Missão difícil no Haiti. Era o mesmo cara.
Atualizei meu post.

Teoricamente esta era a minha chance de Ange e eu transarmos, mas não foi o que acabou acontecendo. Reviramos os blogs da Xnet, procurando por mais ações da DHS, detendo gente, invadindo. Era uma tarefa costumeira, a mesma que eu fizera com o material do que ocorreu no Parque. Tinha criado uma categoria nova no meu blog para isso: “Abuso de Autoridade.” Ange tentava novos termos de pesquisa para mim e quando sua mãe chegou em casa, minha nova categoria tinha 70 postagens, começando com a queda do general Geist na prefeitura.

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Trabalhei no meu projeto escolar todo o dia seguinte em casa, lendo Keuroac e surfando na Xnet. Planejava encontrar Ange na escola, mas estava temeroso de encontrar Van de novo então usei a desculpa de estar fazendo o trabalho.
Todo tipo de ótimas sugestões chegavam pelo “Abuso de Autoridade”; centenas de grandes e pequenas fotos e vídeos e áudio. O meme estava se alastrando.
E se alastrou. Na manhã seguinte havia mais.
Alguém começara um novo blog chamado AbusosdeAutoridade que juntava mais e mais. A coisa crescia. Encontramos as histórias mais interessantes e as fotos mais loucas.

O combinado com meus pais era que eu tinha que tomar o café da manhã com eles e falar sobre como estava meu projeto. Eles gostaram de saber que eu estava lendo Kerouac. Tinha sido o livro favorito deles dois e tinha um exemplar na estante do quarto deles. Meu pai o pegou e o mostrou para mim. Havia passagens marcadas a caneta, páginas com orelhas dobradas, notas nas margens. Meu pai realmente amava aquele livro.

Isso me fez lembrar dos bons tempos em que ele e eu podíamos conversar por mais de cinco minutos sem gritar um com o outro sobre terrorismo e tivemos um ótimo café da manhã conversando sobre o jeito que o romance foi escrito e todas as loucas aventuras nele.
Mas na manhã do dia seguinte ambos estavam grudados ao radio.

"‘Abusosdeautoridade’ é a última loucura da notória rede Xnet de São Francisco e capturou a atenção mundial. Chamado de A-oh-A, o movimento é composto de ‘Pequenos Irmãos’, que observam as medidas anti-terrorismo do DHS, documentando as falhas e excessos. O videoclipe mais popular e viral é o do General Geist, um general três estrelas aposentado, sendo atacado pelos homens do DHS na calçada em frente da Prefeitura. Geist não comentou sobre o incidente, mas os comentários dos jovens irritados com a maneira que estão sendo tratados foram rápidos e furiosos.”

“Mais notável é a atenção global que o movimento está recebendo. Fotos do vídeo de Geist apareceram nas páginas dos jornais da Coréia, da Grã Bretanha, Alemanha, Egito e Japão, e as redes de notícias ao redor do mundo passaram o clipe em seus telejornais em horário nobre. A matéria alcançou seu ponto alto quando na última noite, o jornal da noite da BBC em edição nacional exibiu uma reportagem sobre o fato de que nenhuma rede americana de notícias tinha coberto a história. Comenta-se que o web site da BBC em sua versão Americana também não fala sobre o caso.”

A seguir uma série de entrevistas foi mostrada: Os cães de guarda da mídia britânica, um garoto do Pirate Party sueco que fez comentários zombando da imprensa corrupta Americana, um jornalista Americano aposentado vivendo em Tókio - e então exibiram um clipe curto do Al-Jazeera, comparando a imprensa Americana com a da Síria.

Senti que meus pais me encaravam, como se soubessem o que eu estava fazendo. Mas quando acabei de comer e fui lavar meu prato, percebi que estavam olhando um para o outro.
Papai segurava a xícara de café com tanta força que suas mãos tremiam. Mamãe olhava para mim.
“Estão tentando nos desacreditar!” ele disse, finalmente. “Tentam sabotar os esforços para a nossa segurança.”

Abri minha boca, mas mamãe me olhou e balançou negativamente a cabeça. Ao invés disso eu subi para o quarto e trabalhei no meu ensaio sobre Keuroac. Depois que ouvi a porta de casa bater duas vezes, liguei meu Xbox e me conectei.

>Olá M1k3y. Sou Colin Brown. Sou produtor do novo programa da CBC (Canadian Broadcasting Corporation) chamado The National. Estamos fazendo uma matéria sobre a Xnet e mandamos um repórter para São Francisco, para fazer a cobertura daí. Você estaria interessado em participar de uma entrevista para discutir sobre seu grupo e suas ações?
Fiquei olhando para a tela. Jesus Cristo, queriam me entrevistar sobre o “meu grupo”.
>Não obrigado. É uma questão de privacidade. E não é o “meu grupo”. Mas obrigado por fazerem a história.
Um minuto depois, outra mensagem.
>Podemos mascará-lo e garantir seu anonimato. Você sabe que o DHS ficará feliz em providenciar seu próprio representante. Estou interessado em ouvir também o seu lado.
Arquivei sua mensagem. Ele estava certo, mas era loucura fazer isso. Para mim ele era da DHS.
Li mais sobre Keuroac. Outros emails chegaram. O mesmo pedido, mas de agências de notícias diferentes. A KQED queria que eu fosse a uma entrevista no rádio. Uma estação no Brasil. A rede de notícias da Austrália. Deutsche Welle. O dia inteiro foi assim. E eu educadamente respondia que não.
Não consegui avançar com a leitura do Keuroac naquele dia.

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“Convoque uma coletiva para a imprensa.” foi o que Ange disse quando estávamos no café perto de sua casa naquela noite. Eu não iria nunca mais ao seu colégio, com medo de ficar preso num ônibus com Van.
“O quê? Ficou maluca?”
“Você pode fazer isso pela Clockwork Plunder. Escolha uma área onde não tenha PvP habilitado e marque uma hora. Você pode se logar daqui.”

PvP é combate Player-versus-Player (Jogador contra Jogador). Havia partes do Clockwork Plunder onde teoricamente se podia falar, sem a interferência dos outros jogadores.
“Eu não sei nada sobre conferências de imprensa.”
“Ah, faça uma pesquisa no Google. Tenho certeza que alguém escreveu um artigo sobre a maneira de se fazer uma com sucesso. Quero dizer, se o Presidente consegue, tenho certeza que você pode também. E ele mal consegue amarrar os sapatos sem ajuda.”
Pedimos mais café.
“Você é uma mulher muito esperta.” eu disse.
“E bonita.” Ela completou.
“Isso também.”



Pequeno Irmão - Cory Doctorow - Capítulo 14 [ Download ]

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Yesterday's Future e Creazy Astronauts






























































quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Daniel Dociu








































quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Mechanical Mirage














terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dinotopia




O autor e ilustrador James Gurney guia seus visitantes pela ilha perdida de Dinotopia, um mundo de arte, ciência, exploração e invenções, um paraíso selvagem, onde humanos e dinossauros convivem juntos em paz.








James Gurney criou Dinotopia em 1992, à partir de uma série de livros ilustrados, baseados nos relatos do explorador Arthur Denison, que naufragou naquelas terras em 1862. Dinotopia também se tornou uma minisérie para televisão em 2002.








No site é possível conhecer sobre o universo criado por Gurney, conhecer detalhes do próximo livro, seu trabalho de arte e participar do fórum.




segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Franco Brambilla