É curioso como há tantas coisas que só verdadeiramente nos preocupam quando passamos por elas, quando somos pais.
Quem me segue sabe que esta é uma luta que travo há talvez uns dois anos.
Da primeira vez que o meu filho Manel me disse que o que queria ser da vida era youtuber, achei estranho e simultaneamente desconhecida. O YouTube não era um bicho raro, sabia que há lá de tudo, mas como só lhe ligo para ouvir música e ouvir conferências, não liguei muito. Até porque o Manel, também com a ajuda do pai tinha aprendido a tocar guitarra no YouTube. E depois havia imensos tutoriais de maquilhagem, embora estes me passassem ao lado, e havia a Porta dos Fundos. Só por isso já valia a pena haver está ferramenta/meio comunicacional.
Achava eu que embora não dominasse este novo mundo, não era uma completa totó - sou uma mãe fixe e moderna.
Até que vi e ouvi o primeiro vídeo do Manel. E aquele não era o Manel. Não dizia palavrões à descarada, mas era uma personagem, não era ele. Os toques, o tom de voz..tudo era estranho. Ri-me a tentar desvalorizar a coisa, mas não fiquei completamente em paz.
Talvez fosse um novo rito de passagem, nós sociedade ocidental que não temos muito, para passar da infância para a adolescência.
O gosto pela guitarra tinha ficado para trás. Um miúdo que tinha comprado uma guitarra eléctrica e um amplificador com o seu dinheiro, para a deixar de lado. Agora já nada interessava seguir um bando de youtubers.
Deixou de fazer vídeos, mas o interesse permanecia. O Facebook diz muito pouco a esta nova geração, curiosamente.
Falei com ele. Inclusivamente falei-lhe de um texto preocupante escrito por uma psicóloga. Mais uma vez se isto não fosse sério, ria-me com a resposta que me deu: ela tem é inveja de ganhar menos de um terço do que eles ganham. Tão novo e com um sentido de vida tão errado. Mas engraçado, não era nada disto que lhe incutia em casa.
Ele mostrou-me os vídeos. De facto os que ele seguia não incitavam a loucuras, à desobediência ou rebeldia. Muitos até eram a comentar jogos do Real Madrid, do Barcelona ou do Benfica. Mas a forma como falavam. Em 4 palavras três e meia eram asneiras. Oscilando entre um palavreado feio, mas soft, e palavrões a sério.
E o pior é que via os vídeos com o Vicente, de 7 anos, que adora futebol.
Acho preocupante? Acho. Se faz parte da crise identitária que é adolescência? Talvez faça. Se os pais por isso devem permitir. Só até o seu bom senso permitir.
Tenho algumas questões sem resposta: deveremos banir tudo o que nos parece nefasto e pernicioso da vida dos nossos filhos? Como fazer entre fechar os olhos e proibir? Nós também testámos limites. Mas nunca poderemos comparar porque o mundo agora é diferente e está constantemente a mudar.
Não há One answer fits all.
Mas gostava de ouvir-vos sobre isto. Para mim passa tudo por não nos fecharmos ao debate, nem entre pais, nem com os filhos. Devemos saber sobre o assunto, ouvir psicólogos clínicos e do desenvolvimento, mas conscientes que podemos ouvir reflexões bastante diferentes umas das outras, e a procura do locus de controlo para educar os nossos filhos está tão fora, como dentro de nós. Não há ninguém que conheça melhor o que é melhor para os filhos do que os próprios pais.
Entretanto deixo-vos o texto da Ana Galvão, que serviu de motor de arranque para este post.
Vivemos um momento curioso. Por um lado está a travar-se uma luta, nunca antes vista, contra qualquer tipo de acto ou manifestação de desigualdade (o que acho fundamental para uma civilização mais decente e justa) num combate totalmente minucioso, que não deixa passar quase nada, no que parece um exame, a pente fino, por tudo o que nos apareça à frente (e que aparenta mobilizar pessoas 24 sob 24 horas, pois nada passa despercebido). Mas, por outro lado temos, sem ninguém dar por isso, uma legião de jovens YouTubers que estão a ensinar barbaridades aos nossos filhos. Sei que o Nuno Markl mencionou o assunto esta tarde, o que é normal, pois somos pais da mesma criança e preocupam-nos as mesmas questões na sua educação, e esta tarde chegamos os dois à conclusão (e espero que muitos mais pais ) do preocupante que são estes tipos e ninguém fazer nada, se manifestar, e não só isso, existirem marcas que os patrocinam, à grande.
É que há, de facto, um grupo de youtubers, que gravam vídeos sem parar, que têm fãs aos molhos, e que, todos os dias, apresentam ao mundo conteúdo falado em mau português, cheio de palavrões, obscenidades, apelo a insultar os pais, e ainda, desafios para as crianças serem rebeldes na escola. Incrível. Mesmo que se proíba um filho a ver isto em casa, chegará à escola e verá no telefone de um colega, ou saberá de tudo através das conversas (alguma criança no mundo quer estar fora do círculo social da sua turma?). E para quem defenda que tem que existir liberdade de expressão, e que o que é preciso é educar bem um filho (noutras questões concordo) é preciso recuar no tempo e lembrar como éramos na infância. Era muito bonito o que nos diziam em casa, mas o que mais queríamos era ser igual aos outros, assim que chegávamos à escola, e ver, pensar e dizer em
grupo (faz parte da idade). Há alturas em que os amigos de escola são mais dominantes que os pais (ou, senão é assim, cria-se, no “planeta criança” dois mundos paralelos, o de casa e o da escola). Mais uma vez apelo a que se lembrem como eram em idade infantil/adolescente. Só que nós, em pequenos, tínhamos como expoente máximo de rebeldia umas baldas às aulas ou umas revistas impróprias. Agora o expoente máximo de ambição, para os nossos filhos, é serem como os youtubers que vêm no computador, ou seja, crianças com muito dinheiro, que insultam a mamã, que falam mal, e que acham a escola como algo indesejado, os professores uma “seca”! E isto é gravíssimo. Gravíssimo porque nos atinge a todos, gravíssimo porque influencia os nossos filhos ( falamos de youtubers com milhares de seguidores, portanto é provável que os vossos filhos também andem por lá), e gravíssimo porque a sociedade não se manifesta, parecendo que, ou há pais que não se importam, ou há pais que não fazem ideia do que os filhos andam a consumir. E, voltando ao início da conversa, o que me parece fascinante, é estarmos numa altura onde tudo é tão minuciosamente examinado, onde somos tão picuinhas com os conteúdos para que não contenham nenhum tipo de linguagem ou teor ofensivo para ninguém, onde cai o carmo e a trindade por coisas, por vezes, tão minúsculas, e onde somos tão, mas tão preocupados em que a sociedade seja justa e respeitosa e, no entanto, há uma pandilha de tipos (chamados de influenciadores) que dizem as maiores das barbaridades, de fazer ruborizar o mais bravo dos adultos, e ninguém parece importar-se. Não entendo. O que está a falhar?