18 de março de 2020

voltar pra casa







Sempre fui fascinada pelos cenários de Hopper
me via ali, naquele vazio, naqueles instantes congelados
a pausa, o silêncio, têm disso...
transmutam-se em espelhos
Não há linhas de fuga
tenho chegado e encontrado tudo igual
o livro de cabeceira, a xícara, o prato com farelos
me recebem da mesma forma como os deixei
Voltar pra casa é voltar no tempo, pois o antes ficou ali, 
e me olha de novo ao abrir da porta
Farelos e objetos
um focinho
pontada de calor pra não morrer por um fio
Tem um vento frio que entra 
da porta da sacada, me lembra de meus pulmões
cruzar os braços é um pouco abraço
lembra que é preciso
Lembra, que é preciso!
É só abrir um livro para que haja voz, mas não os abro
há esse silêncio disfarçado de ar
que me cobre inteira. Aceito.
A casa toda é compassada
por ponteiros cansados
Quero dormir, ou apenas
fechar os olhos
poupar-me a consciência
guardar,
um pouco de vida, talvez.
Essa noite sonhei que os móveis da casa haviam sido arrancados
ficara as marcas na parede
eu me virava assustada 
mas olhava para aquilo 
como quem já sabia o que encontrar
a casa em ruínas
Mas meu amigo, que tem nome de sonho,
me contou que também tivera um sonho.
"Eu estava em algum lugar
com algumas pessoas conhecidas
eu sabia que ele iria chegar (o seu amor)
Mas eu não queria que ele viesse
porque sabia que quando eu o visse
eu iria sorrir.
Quando ele entra, eu escondo o rosto
levando o braço à frente
Ele vem até mim e pergunta.
Por que estás te escondendo?
E eu sorrio."
Eu meio que me emociono...
Vamos para uma reunião 
(hoje já não iríamos)
Na volta para casa eu lhe peço:
Conta o teu sonho de novo?
E ele que é tão doce e humano, conta 
como se não tivesse contado a primeira vez
Esse sorriso - do sonho - eu o conheço
Acho que ele vai me salvar por um tempo 
Agora que não sei muito bem voltar para casa
Agora que preciso voltar para meus farelos.

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