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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Peão esquecido é o elo mais fraco da vida do Largo do Rato

in Público, 9 de Novembro de 2008, Inês Boaventura

Estudo sobre fluxos pedonais concluiu que o largo só se torna "realmente humano" em ocasiões específicas como manifestações

O Largo do Rato, em Lisboa, é "um lugar hostil e perigoso para o peão", onde todos aqueles que não circulam em veículos motorizados foram afastados da parte central do largo e confinados às "zonas marginais" da praça e ao espaço privado dos pequenos comércios, que "tem vindo a tornar-se o único espaço de convivência possível".

Estas são algumas das conclusões da pesquisa desenvolvida entre Setembro de 2006 e Setembro de 2007 pelo investigador francês Aymeric Böle-Richard, no âmbito de um doutoramento em antropologia social. O trabalho, que procura dar conta daquilo que significa ser peão numa praça de Lisboa definida como "um exemplo paradigmático da recente motorização da sociedade portuguesa", deu origem ao livro Pedonalidade no Largo do Rato: Micropoderes, que será lançado na quarta-feira, numa edição daAssociação de Cidadãos Auto-Mobilizados. paralelamente à realização do colóquio O Peão e a Cidade, no Goethe-Institut de Portugal, em Lisboa. Para Böle-Richard, o objecto da sua pesquisa pode ser encarado "como um símbolo da situação rodoviária geral de Lisboa e, portanto, de um processo de alienação e delapidação da cidadania pedonal e do espaço dito 'público', em benefício de uma sociedade motorizada desigual e cada vez mais constrangedora".

Itinerários impostos
O investigador defende que a "intensidade maciça do trânsito rodoviário" e o "agenciamento impositivo da mobilidade pedonal", em que as guardas metálicas, os pilaretes e as passadeiras "impõem determinados itinerários ao peão", foram os responsáveis pelo "processo centrípeto de afastamento do cidadão peão da parte central do largo". O resultado, diz, é "a agonia lenta e dolorosa de um espaço que devia ficar um lugar público, isto é, de encontros, de diálogo e de vivência". Böle-Richard fala mesmo numa "inversão dos papéis entre espaço privado e espaço dito público", já que o Largo do Rato passou de espaço de "convivência" a espaço de "atravessamento", fazendo com que os estabelecimentos comerciais nas suas margens se tenham tornado "o único espaço de convivência possível, concentrando as sociabilidades mais 'tradicionais' de rua". Actualmente, afirma, "para conviver, torna-se necessário entrar num café, numa loja, ou seja, em lugares privados que implicam o dispêndio de dinheiro, esquecendo a premência de utilizar o espaço público do Rato, dando-o desta forma, à partida, como perdido para o automóvel".

Manifestação/metamorfose
Apesar desta realidade e de o largo se transformar num "local desertificado" aos fins-de-semana, "altura em que os tais espaços comerciais estão encerrados", Böle-Richard sublinha que "de vez em quando ainda pode observar-se formas espontâneas de encontro e de ocupação cidadã do espaço público". Como exemplo, o antropólogo aponta "a manifestação dos sindicatos do 2 de Março de 2007", em que "durante cerca de uma hora e meia o largo metamorfoseou-se num espaço realmente humano". Mas Böle-Richard aponta ainda outros factores que contribuem para a hostilidade do Largo do Rato: "Poluição hedionda devido a emissões de CO2 e monóxido de carbono por parte do trânsito rodoviário; ausência de fonte pública de água; escassez de vegetação - o largo contabiliza apenas 18 pequenas árvores situadas em locais pouco frequentados pelos peões". Em suma, diz o investigador, "o peão parece ter sido esquecido, enquanto elemento participante da vida do largo".

Na sua pesquisa, o antropólogo procurou ainda observar as "relações de força" que se estabelecem entre os condutores e peões, tendo notado que os últimos "geram estratégias temporárias espontâneas de resistência relativamente ao poder impositivo do trânsito e da própria organização infra-estrutural do referido largo". Isto acontece, por exemplo, quando o peão abandona o passeio e caminha pela estrada ou, como coloca Böle-Richard, quando este, "para retomar posse do espaço cívico que jamais devia ter deixado de ser seu, a rua, se atreve a abandonar as estruturas autoritárias que lhe estão destinadas". Para esta atitude dos peões contribuem, segundo o antropólogo, a ocupação dos passeios com estacionamentos abusivos, com lixo, obras e outros obstáculos, bem como o facto de alguns passeios serem demasiados estreitos para permitirem, por exemplo, a passagem de um carrinho de bebé ou de uma cadeira de rodas.

Gosto pelo risco
Outro problema apontado por Böle-Richard é o dos "semáforos pedonais com tempos de verde curtíssimos", que "incentivam" o peão a atravessar com o vermelho. Apesar disto, o investigador reconhece que algumas das "afrontas" dos peões ao Código da Estrada e à "sua própria segurança" se devem à "falta de civismo". "Seja para atalhar uma trajectória ou para ganhar tempo, os peões revelam um gosto bastante pronunciado pelos comportamentos e percursos arriscados", diz Böle-Richard, notando que estes comportamentos "caracterizam todas as faixas etárias e camadas da população".

O medo de atravessar a estrada
O Largo do Rato é ou não um ponto negro na sinistralidade rodoviária da cidade? O Largo do Rato só não é considerado um ponto negro na sinistralidade rodoviária em Lisboa - conceito que o antropólogo Aymeric Böle-Richard diz ser "contestável, segundo o ponto de vista do cidadão peão" - porque "o seu índice anual de mortalidade e de feridos graves registados no local não ultrapassa o limite daquilo que é politicamente aceitável". Mas a realidade é outra, sublinha Böle-Richard no seu estudo, quando constatou que nesta praça de Lisboa o peão "tem medo de atravessar a estrada, que também pensa duas vezes antes de sair de casa, que reduz propositadamente as suas deslocações no local e, pior ainda, porque abandona progressivamente o espaço cívico para se refugiar dentro de zonas comerciais, nos jardins dos arredores ou até em condomínios". Nesse sentido, uma das conclusões do trabalho do antropólogo é que "entre a situação real do Largo do Rato e o discurso oficial existe um abismo". Böle-Richard acredita que isto acontece porque o último se baseia numa análise "apenas em termos de fluxos motorizados", que não tem em conta "a realidade vivida pelos seus utentes".

FOTO: Largo do Rato em 1917. Fotógrafo Joshua Benoliel. Fonte: Arquivo fotográfico Municipal. Actualmente há apenas 18 árvores no Largo do Rato, onde não há fonte de água e abundam as emissões de monóxido de carbono.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Colóquio Internacional: O PEÃO E A CIDADE

Colóquio Internacional: The Walker and the City

O encontro fortuito entre cidadãos anónimos é a pedra de toque da vida urbana. Os espaços exteriores de atracção de gente são o garante da interacção entre gerações, classes sociais e comunidades, e de construção da "coisa pública". Por toda a Europa, as preocupações ambientais e energéticas, associadas a novas exigências de qualidade na vivência urbana, têm contudo promovido visíveis alterações nos paradigmas ideológicos que balizam o discurso e a prática da gestão urbana.

O presente colóquio procura reflectir, numa perspectiva comparada e a nível europeu, sobre essa categoria funcional da mobilidade urbana, tão ubíqua e estigmatizada que é o "peão". Para tal, foram convocados especialistas europeus de reconhecido mérito em áreas tão diversas como a engenharia de transportes, o urbanismo e as ciências sociais. No contexto deste Colóquio Internacional, é também promovida uma Mesa Redonda juntando investigadores e organizações da sociedade civil portuguesa, onde se procurará fazer uma avaliação da situação da pedonalidade em Portugal.

No final do colóquio será lançado o livro de Aymeric Bôle-Richard, Pedonalidade no Largo do Rato: Micro-poderes.

Dia 12 de Novembro das 9.45h às 18.00h.
Goethe-Institut Portugal
Campo dos Mártires da Pátria, 37
1169-016 Lisboa

Organização: ACA-M, Mestrado em Risco, Trauma e Sociedade - ISCTE, PQN-COST Action 358, Fundação Friedrich Ebert

Inscrições: Tel. 213573375, e-mail: info@feslisbon.org

FOTO: O portão Norte do Jardim Botânico no início do século XX. Quando a Rua da Escola Politécnica ainda era dos peões! Fotografia de Alberto Carlos Lima. Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal