Retornemos à frase. Um título. Ela acha-se lá no primeiro de Gutenberg, na repartição dos sinópticos – exceptua-se, por isso, o apocalíptico. E dá-me imenso jeito para esboçar uma tentativa de gracejo pela ambiguidade semântica e apertar O Laço Branco. A pureza que advém da Palavra. Só que Haneke subverteu a palavra, embora filmando como Dreyer, inóspito, austero e perfeccionista, optou pela desesperança e a indelével crueldade da Reforma, ao sobrelevar a mácula sem redenção, nem por força de uma directa intervenção divina – o deus ex machina dreyeriano de Ordet.
Uma parábola negra? Era uma vez um austríaco, nascido numa aldeia dos arrabaldes de Linz que se tornou alemão…
Es war einmal um alemão de Munique de nascimento (onde tudo começou, porventura nascido bem perto da Bürgerbräukeller ou da Löwenbräukeller) que se tornou austríaco e assim cresceu na aldeia de Wiener Neustadt…
Uma aldeia-tipo, situada no norte da Alemanha, incubadora da malignidade: Eichwald. A acção decorre em pleno advento das atrocidades do século alemão (1913-1914). Elíptico, tal como as secura e indiferença daquela assembleia imperturbável ante a sordícia de um passado recente bárbaro e criminoso (ver imagem), contrastando com a perturbadora surdez, sob o negro que se dissemina aos olhos atónitos do espectador, no fade out final – o habitual apelo exegético de Haneke.
Em suma, permite-se até ao mais pueril dos exegetas uma interpretação reducionista em apenas uma frase: «A liberalização do onanismo teria evitado o holocausto.»
- Não tendo visto dois dos cinco filmes candidatos ao Globo de Ouro de “Melhor Filme em Língua Estrangeira” – acho inacreditável que o (segundo dizem) monumental Baaria de Tornatore não tenha ainda data marcada para a sua estreia em cinema no nosso país –, prevejo, ainda assim, pelo que pude ver dos três que restam, uma votação cerrada que ditará o seu vencedor no próximo domingo. Embora conceda uma preferência milimétrica a Um Profeta (Un Prophète) de Audiard, não posso afastar o maravilhoso e inesquecível drama enredado de Almodóvar e este Haneke (Palma de Ouro em Cannes em 2009) – todos tão diferentes entre si, nos planos técnico, ético e estético, o que dificulta a tarefa do prognóstico.
- É de recordar o subtítulo original de O Laço Branco: «Eine Deutsche Kindergeschichte» escrito, numa lentidão estudada, a vermelho sangue no genérico inicial num cursivo indecifrável («Uma história alemã para crianças».)