Mostrar mensagens com a etiqueta Angústia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Angústia. Mostrar todas as mensagens

domingo, 31 de outubro de 2010

Oito

Não me canso de repetir e fazer-me ouvir: “São apenas datas, um sinal no calendário igual aos demais que se repetem três centenas e meia num ano.” E assim tento enganar, ludibriar a dor inextinguível da saudade de outros, que também é minha, e que deste modo se multiplica e intensifica pela estúpida mentira que estipulei seria dita àqueles que mais amo no dia fatal. Todavia, fico com a dúvida que a mera percepção da estupidez cometida possa servir como indicador de algum resquício de lucidez que julgara definitivamente perdida.

«Pelo menos sabes que és a pessoa mais estúpida que jamais viveu neste mundo. Quantas pessoas terão a inteligência necessária para admitir uma coisa dessas?»
Paul Auster, Sunset Park, pág. 188 [Alfragide: Asa, 1.ª edição, Outubro de 2010, 231 pp; tradução de José Vieira de Lima; obra original: Sunset Park, 2010.]
Contudo, o dia passou, permanece a dor… 8, que se declina para o infinito.

domingo, 12 de outubro de 2008

Temível Aurora

«Quando acordei, vi a luz do amanhecer através dos buracos da persiana. Vinha tão de dentro da noite que tive uma espécie de vómito de mim mesmo, o espanto de encarar o novo dia com a mesma apresentação, a sua indiferença mecânica de sempre: consciência, sensação de luz, abrir os olhos, o nascer do dia.
«Nesse instante, medi o horror que tanto maravilha e seduz as religiões com a omnisciência do semi-adormecido: a perfeição eterna do cosmos, a revolução interminável do planeta sobre o seu eixo. Náusea, sensação insuportável de coacção. Estou obrigado a suportar que o sol apareça todos os dias. É monstruoso. É desumano.»
Julio Cortázar, O jogo do mundo (Rayuela), pág. 423.
[Lisboa: Cavalo de Ferro, 1.ª edição, Abril de 2008, 631 pp.; tradução de Alberto Simões; obra original: Rayuela, 1963]