Carne fraca?
Não, mente fraca.
Por Alessandra
Leles Rocha
Não é de hoje que trago aos meus textos a reflexão sobre o
movimento, porque não dizer, sentimento de anticidadania que rege o povo
brasileiro. Infelizmente, não somos dotados daquilo que se conhece por consciência
nacional ou cidadã. O ranço do colonialismo a que fomos submetidos nos
impregnou de tal forma, que nossa independência foi incapaz de nos mover em
direção a um novo senso identitário, capaz de arar e revolver nossas entranhas
mais inconscientes e nos fazer aspirar por algo que fosse verdadeiramente
nosso. Assim, burocraticamente independentes, permanecemos reprodutores ideológicos
e comportamentais de terceiros. A cada hora da história, um diferente.
É por isso que não nos falta entusiasmo para festejarmos o país
em assuntos de menor importância, vestidos nas cores do pavilhão nacional. Mas,
quando é para dar tratos as responsabilidades nacionais, a sermos cidadãos de
fato e de direito, aí a coisa muda de figura. Esquiva-se daqui e dali. Ajoelha-se
e roga aos Céus pela Providência Divina, para que uma boa alma possa nos salvar
das mazelas e, quiçá, de nós mesmos em relação à nossa preguiça
institucionalizada em pensar, em agir de forma responsável. Velhos hábitos de subserviência
da colônia!
Pois é, não nos faltava mais nada diante da pior crise que o
país já enfrentou até hoje; então, a legião da anticidadania decidiu dar uma forcinha
extra e pintar com cores mais fortes o caos. A OPERAÇÃO CARNE FRACA, deflagrada
pela Polícia Federal, trouxe à tona uma corrupção que impacta a ética e a moral
nacionais; mas, sobretudo, impõe severos riscos a ordem fiscal e sanitária
brasileira. O descompromisso anticidadão de uns e outros nocauteou o mais
importante pilar da economia nacional, a agropecuária, ou seja, aquele pilar que
ainda nos garantia, mesmo em tempos sisudos como agora, índices econômicos importantes
para a nossa balança comercial.
Sim, de vez em quando passamos por esses constrangimentos
desnecessários. De vez em quando é a descoberta do leite e derivados adulterados
com produtos químicos. Também, já aconteceram casos de café misturado a outros
grãos durante a moagem. Recentemente, alimentos impróprios para o consumo foram
apreendidos em fábrica clandestina, no Estado de Goiás 1.
Enfim... O problema é que esses episódios ferem a imagem comercial do país. Se para
nós, a história do “jeitinho brasileiro” soa como algo folclórico, com ares de
mera traquinagem, para os outros é sinônimo de desconfiança, de
irresponsabilidade, de antiprofissionalismo.
No entanto, dessa vez a “lambança” promovida pelo esquadrão
anticidadão nacional ultrapassou as fronteiras de tal forma que, em menos de
uma semana, o país perdeu bilhões de dólares em exportação 2.
Não preciso nem dizer que isso repercutiu em demissões, por parte de alguns frigoríficos
investigados; bem como, em um impasse logístico no que diz respeito à cadeia
produtiva da carne (suspensão de abates, estocagem de produtos etc.) 2.
Se havia algum filho de Deus, nesse país, com dificuldades para
entender o que significa o poder destruidor da CORRUPÇÃO, o exemplo agora está
totalmente didático. Em nome do enriquecimento a qualquer preço e contando com uma
eventual impunidade, corruptos e corruptores se aliaram para fraudar o segmento
alimentício de carnes. Não há maior ou
menor corrupção; há corrupção e esta, seja direta ou indiretamente, destrói o
país gradativamente.
Recentemente, quando os ventos começavam a soprar a favor de
nossa economia, com a agência de classificação de risco Moody’s acenando com a
perspectiva de melhora da nota de crédito do Brasil, em razão dos sinais
positivos (embora, tímidos) da economia nacional, os novos casos de corrupção
chegam para estragar. Afinal, quando o
assunto é a corrupção, os analistas retroagem o bom ânimo dada a volátil
instabilidade que ela promove as relações econômicas 4.
Paralelamente a realidade desses
indicadores, recebemos essa semana o resultado da estagnação brasileira no
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 5,
da Organização das Nações Unidas (ONU), e a perda de 19 posições na análise da desigualdade
social 6.
Traduzindo em miúdos, isso nos diz que estamos distantes de uma
efetiva recuperação do país; sobretudo, em termos de reaquecimento e
desenvolvimento das cadeias produtivas, geração de novos empregos, reativação das
relações comerciais,... e dignificação humana. Portanto, a ousadia dos anticidadãos,
os quais insistem na preservação dos modos de CORRUPÇÃO no Brasil, representa indiscutivelmente
o maior entrave para se vencer os obstáculos dessa realidade crítica que nos
assola há mais de quinhentos anos.
Apesar de tudo isso, há ainda quem considere o Brasil, o país da
Felicidade, por uma observação meramente superficial da sua esfuziante alegria
e afetuosidade; já pensou?! Mas, diante dos fatos presenciados, seria bom que o
nosso senso de felicidade pudesse ser manifestado concretamente, segundo “uma
abordagem mais inclusiva e equilibrada ao crescimento econômico que promova o
desenvolvimento sustentável e o bem-estar”, como propõe a Organização das
Nações Unidas (ONU) 7. Mas, para
tal, só se pudéssemos de fato reescrever os princípios e pilares da nossa
identidade sociocultural, sem máculas tão degradantes, como é o caso da
CORRUPÇÃO. Quer saber, não é a CARNE que é FRACA, mas a MENTE; pois, como
diziam os romanos, “Mens sana in corpore sano” (“Uma mente sã em um corpo são”)
8 é o único caminho para uma vida
tranquila e virtuosa.
5
O Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo
em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O
objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador
muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas
a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a
colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de
Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar
de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota
todos os aspectos de desenvolvimento. [...] http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html