quinta-feira, 23 de março de 2017

"Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las". Thomas Sowell

Carne fraca? Não, mente fraca.


Por Alessandra Leles Rocha



Não é de hoje que trago aos meus textos a reflexão sobre o movimento, porque não dizer, sentimento de anticidadania que rege o povo brasileiro. Infelizmente, não somos dotados daquilo que se conhece por consciência nacional ou cidadã. O ranço do colonialismo a que fomos submetidos nos impregnou de tal forma, que nossa independência foi incapaz de nos mover em direção a um novo senso identitário, capaz de arar e revolver nossas entranhas mais inconscientes e nos fazer aspirar por algo que fosse verdadeiramente nosso. Assim, burocraticamente independentes, permanecemos reprodutores ideológicos e comportamentais de terceiros. A cada hora da história, um diferente.
É por isso que não nos falta entusiasmo para festejarmos o país em assuntos de menor importância, vestidos nas cores do pavilhão nacional. Mas, quando é para dar tratos as responsabilidades nacionais, a sermos cidadãos de fato e de direito, aí a coisa muda de figura. Esquiva-se daqui e dali. Ajoelha-se e roga aos Céus pela Providência Divina, para que uma boa alma possa nos salvar das mazelas e, quiçá, de nós mesmos em relação à nossa preguiça institucionalizada em pensar, em agir de forma responsável. Velhos hábitos de subserviência da colônia!
Pois é, não nos faltava mais nada diante da pior crise que o país já enfrentou até hoje; então, a legião da anticidadania decidiu dar uma forcinha extra e pintar com cores mais fortes o caos. A OPERAÇÃO CARNE FRACA, deflagrada pela Polícia Federal, trouxe à tona uma corrupção que impacta a ética e a moral nacionais; mas, sobretudo, impõe severos riscos a ordem fiscal e sanitária brasileira. O descompromisso anticidadão de uns e outros nocauteou o mais importante pilar da economia nacional, a agropecuária, ou seja, aquele pilar que ainda nos garantia, mesmo em tempos sisudos como agora, índices econômicos importantes para a nossa balança comercial.
Sim, de vez em quando passamos por esses constrangimentos desnecessários. De vez em quando é a descoberta do leite e derivados adulterados com produtos químicos. Também, já aconteceram casos de café misturado a outros grãos durante a moagem. Recentemente, alimentos impróprios para o consumo foram apreendidos em fábrica clandestina, no Estado de Goiás 1. Enfim... O problema é que esses episódios ferem a imagem comercial do país. Se para nós, a história do “jeitinho brasileiro” soa como algo folclórico, com ares de mera traquinagem, para os outros é sinônimo de desconfiança, de irresponsabilidade, de antiprofissionalismo.
No entanto, dessa vez a “lambança” promovida pelo esquadrão anticidadão nacional ultrapassou as fronteiras de tal forma que, em menos de uma semana, o país perdeu bilhões de dólares em exportação 2. Não preciso nem dizer que isso repercutiu em demissões, por parte de alguns frigoríficos investigados; bem como, em um impasse logístico no que diz respeito à cadeia produtiva da carne (suspensão de abates, estocagem de produtos etc.) 2.
Se havia algum filho de Deus, nesse país, com dificuldades para entender o que significa o poder destruidor da CORRUPÇÃO, o exemplo agora está totalmente didático. Em nome do enriquecimento a qualquer preço e contando com uma eventual impunidade, corruptos e corruptores se aliaram para fraudar o segmento alimentício de carnes.  Não há maior ou menor corrupção; há corrupção e esta, seja direta ou indiretamente, destrói o país gradativamente.
Recentemente, quando os ventos começavam a soprar a favor de nossa economia, com a agência de classificação de risco Moody’s acenando com a perspectiva de melhora da nota de crédito do Brasil, em razão dos sinais positivos (embora, tímidos) da economia nacional, os novos casos de corrupção chegam para estragar.  Afinal, quando o assunto é a corrupção, os analistas retroagem o bom ânimo dada a volátil instabilidade que ela promove as relações econômicas 4.  Paralelamente a realidade desses indicadores, recebemos essa semana o resultado da estagnação brasileira no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 5, da Organização das Nações Unidas (ONU), e a perda de 19 posições na análise da desigualdade social 6.
Traduzindo em miúdos, isso nos diz que estamos distantes de uma efetiva recuperação do país; sobretudo, em termos de reaquecimento e desenvolvimento das cadeias produtivas, geração de novos empregos, reativação das relações comerciais,... e dignificação humana. Portanto, a ousadia dos anticidadãos, os quais insistem na preservação dos modos de CORRUPÇÃO no Brasil, representa indiscutivelmente o maior entrave para se vencer os obstáculos dessa realidade crítica que nos assola há mais de quinhentos anos.
Apesar de tudo isso, há ainda quem considere o Brasil, o país da Felicidade, por uma observação meramente superficial da sua esfuziante alegria e afetuosidade; já pensou?! Mas, diante dos fatos presenciados, seria bom que o nosso senso de felicidade pudesse ser manifestado concretamente, segundo “uma abordagem mais inclusiva e equilibrada ao crescimento econômico que promova o desenvolvimento sustentável e o bem-estar”, como propõe a Organização das Nações Unidas (ONU) 7. Mas, para tal, só se pudéssemos de fato reescrever os princípios e pilares da nossa identidade sociocultural, sem máculas tão degradantes, como é o caso da CORRUPÇÃO. Quer saber, não é a CARNE que é FRACA, mas a MENTE; pois, como diziam os romanos, “Mens sana in corpore sano” (“Uma mente sã em um corpo são”) 8 é o único caminho para uma vida tranquila e virtuosa.  




5 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde. O objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento. [...] http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html