Ganhar ou
perder ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Ganhar ou perder é parte de
qualquer esporte. Mas, não é de hoje, que as profundas mudanças organizacionais
e estruturais nos times de futebol trazem dúvidas em torno dos resultados das
partidas.
Ora, euforia não ganha jogo! Por
mais torcida que exista, em favor de um e em detrimento de outro, esportes são
marcados pela incerteza do placar. Pelo menos em tese! De modo que aprendemos,
há tempos, a conviver com a marotice de uma zebrinha, na TV aberta, que trazia
os resultados surpreendentes da rodada!
Além disso, por mais que os
calendários sejam absurdamente perversos, trazendo uma sobrecarga indiscutível às
equipes, espera-se, no mínimo, a manutenção do espírito desportivo, da
dignidade dos atletas ao vestirem a camisa e entrarem em campo. Especialmente, quando
se trata de atletas da elite do futebol.
Estamos falando de gente experiente
que, apesar de jovem, já carrega uma bagagem suficiente para saber se portar e
dar o melhor de si, em campo. Que torna inadmissível
uma participação repleta de atitudes principiantes. Afinal, não dá para
escolher, quando a dignidade deve entrar em campo. Se no jogo A, B ou C. Como
dizem, por aí, jogo é jogo e não se escolhem adversários! Cada vitória é o fim
de uma batalha bem sucedida!
Portanto, quando se chega ao
final de um grande campeonato, espera-se dos competidores um nível total de
motivação e de entrega. Como se aquele fosse o jogo de suas vidas. Nada é mais
importante! Nada pode ser empecilho para buscar a vitória! Hipoteticamente, o
que se imagina são atletas driblando todo e qualquer obstáculo que surja na sua
frente. Seja a chuva ou o sol. Sejam os erros de arbitragem. Sejam os
desalinhos no campo. Seja o cansaço. ... Não interessa.
Afinal, aquela conquista já é, em
si mesma, o trampolim para outras tantas que o futuro reserva. E não é só isso!
O futebol contemporâneo, que lida com cifras astronômicas de investimento;
sobretudo, a partir das premiações, tem condições de construir equipes cada vez
mais competitivas. Formar elencos de primeira grandeza, oferecendo-lhes a
melhor infraestrutura de trabalho possível.
De modo que as derrotas não são
apenas motivo de um pesar momentâneo. Elas reverberam pelo tempo. Elas sinalizam
desafios concretos adiante. E tudo isso é sim, um gigantesco balde de água fria
sobre o torcedor. A relação entre times e a população, no Brasil, é historicamente
muito intensa e passional. Atravessa gerações de uma mesma família. Agrega amigos
ao longo do caminho. Tece afetos enamorados entre simpatizantes de um mesmo
escudo.
Por essas e por outras, é que a repentina
falta de apetite, de garra, de vontade de vencer, atinge de maneira tão cruel e
dolorosamente o torcedor. Há uma ruptura da reciprocidade que se imaginava
existir. De certo modo, o torcedor sente-se traído na sua devoção, no seu
apoio, no seu genuíno amor. O que explica porque, depois do apito final da
partida, as coletivas de imprensa são insuficientes e ineficientes para
justificar o que se viu. Desculpas não alteram o resultado. Se faltou isso ou
aquilo, não importa mais. No entanto, jamais saberemos o que, de fato, acontece
nos bastidores dessa teia, que envolve a organização e a estrutura dos times de
futebol contemporâneos, para que as equipes se comportem dessa ou daquela
maneira.
Diante desse cenário, vitórias e
derrotas acabam tendo um gosto amargo. Como se, de algum modo, o curso dos
acontecimentos não tivesse fluído de uma maneira natural, sem interferências
diversas. Infelizmente, a alma do futebol perdeu muito do seu brilho. Está opaca.
Está arranhada. Está visivelmente melancólica. Não é à toa que Nelson Rodrigues
dizia, “Estão a postos os jogadores, o técnico e o massagista. Mas quem
ganha e perde as partidas é a alma” (À sombra das chuteiras imortais, por Ruy Castro,
p.29).
Enquanto o torcedor parece
continuar o mesmo. Maluco. Insano. Passional. Irracional. O futebol não. Está longe
e distante da sua molecagem tradicional. Da sua leveza inspiradora. Da sua
euforia indomável. O coração pulsa; mas, a alma não. Por isso, gostaria muito
que o futebol brasileiro resgatasse a sua alma inspirando-se no feito incrível da
Seleção Sul-Africana de Rugby, que venceu a sua principal competição, a Copa do
Mundo, em 1995, contrariando todos os prognósticos 1.
Uma história que mostra como é possível fazer o esporte sair do fracasso para a
glória, a partir de um verdadeiro movimento de renascimento das suas próprias cinzas.
1 Invictus
– trailer (https://www.youtube.com/watch?v=211tsGoram8)
CARLIN, J. Playing the Enemy: Nelson Mandela and the Game That Made a Nation. 2008.