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- Lamento reconhecer mas a Europa, democrática-liberal, é um bando desorientado.
Sou europeísta, continuo a pensar que a Europa em que me reconheço europeu só poderá continuar a afirmar-se digna do seu passado histórico se lutar pela preservação dos valores democráticos liberais. Digo democráticos liberais consciente do conteúdo pleonástico para distinção do uso abusivo da palavra democracia em espaços e contextos que são totalmente contrários à vivência democrática. Por exemplo a República Popular Democrática da Coreia do Norte ou a ex-República Democrática Alemã
- Concordo que a Europa atravessa um período de grande desorientação, mas daí considerar a Europa um bando parece-me excessivo...
- Mas é. O que é um bando? Em sentido genérico, sem interpretação pejorativa, um bando é um grupo de pessoas reunidas para um fim comum, ou um grupo de aves ou outros animais.
- São coisas diferentes: a espécie humana é, pelas suas capacidades inteligentes, claramente distinta de outros seres do mundo animal.
- Admitamos que sim, que os humanos, pelos seus dotes de inteligência, são diferentes dos não humanos supostamente não inteligentes ou não tão inteligentes quanto os humanos. É assunto que dá pano para muitas mangas. Mas chame-lhe bando ou grupo ou união, chame-lhe o que quiser, mas num aspecto os grupos de humanos ou não humanos com intenções de atingir objectivos de interesses comuns instintivamente escolhem, designam, nomeiam, votam, um líder, alguém que os conduza ao objectivo pretendido pelo grupo.
- Nem sempre.
- Nos grupos de não humanos a necessidade de liderança, que pode e muitas vezes é, revezada, é instintiva; nos grupos humanos é uma necessidade racional que só é concretizável em sociedades democráticas ou consequência de uma imposição pela força em sociedades não democráticas. Mas, em nenhum caso um grupo atinge os seus objectivos sem uma liderança imposta pela força ou designada pela vontade dos seus membros.
- Há animais que não seguem qualquer líder ...
- Refere-se aos cães, aos gatos, aos bovinos aos caprinos?
Sim. Esses não têm líderes, mas não têm líderes porque foram domesticados pelos humanos, passaram a ser membros de grupos humanos. Considerando todas as espécies do mundo animal, representam um número ínfimo da totalidade dos não humanos que os humanos ainda não extinguiram.
- Mas se é natural que um grupo de seres vivos não atinge os seus objectivos sem um líder - e não sabemos nada quanto a esse aspecto o que se passa a nível das bactérias, dos vírus etc., - como é que explica a desorientação europeia livre, democrática? São um grupo não inteligente?
- Curiosamente, a sua referência às mais remotas formas de vida - bactérias, vírus, etc., - é impressionante a forma como atacam os seres humanos mas também os não humanos, podendo levar-nos a pensar que esse ataque ordenado procede de algum processo biológico impresso na sua origem. Mas não vou por aí, não sou biólogo nem tenho oportunidade de falar com eles.
- Eu tenho, mas a minha pergunta era outra: para si, a Europa democrática, no exacto sentido da palavra, é formada por humanos parcialmente não inteligentes?
- A Europa é um continente que, por razões históricas, é formado por tribos, isto, é por diferentes grupos com objectivos diferentes ambicionando alguns objectivos comuns. Decidiram essas tribos (reconheço que a designação pareça imprópria por ser forte) formar uma união com alguns objectivos comuns. E é na armadilha das contradições dos objectivos de cada uma das das tribos e de alguns objectivos comuns que pretendem alcançar que reside a incapacidade de surgir uma liderança do bando e a desorientação que atinge a união dos europeus quando essa união é colocada perante uma ameaça que a pode liquidar.
Neste sentido, a desorientação por falta de liderança, é prova de falta de inteligência suficiente para evitar a sua liquidação a prazo.
- Só isso?
- Isso é muito. É, no ponto em que a situação se encontra uma quase impossibilidade.
A Europa livre e democrática (releve-se outra vez o pleonasmo) simplesmente não existe. E não existe porque não há europeus.
- Não há europeus???
- Não. Há franceses, alemães, italianos, espanhois, portugueses, etc., mas não há europeus. Foi sempre assim durante toda história da Europa que, por essa razão, foi e continua a ser campo de batalhas. Houve períodos de paz? Sem dúvida. Mas foram curtos. Tão curtos que não chegaram para modificar o tribalismo que ainda persiste e ameaça continuar.
- Mas não acontece isso mesmo noutros pontos do planeta?
- Acontece em todo o lado onde predomina a organização tribal susceptível de obedecer aos mais diversos interesses externos e alguns internos.
- Então não serve como sistema sustentável de governo. É isso?
- A democracia - "a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros", Churchill - é tão complacente com os seus inimigos que corre sempre o risco de ser esmagada por eles.
Amanhã. haverá eleições na Alemanha. O partido da extrema-direita (como ameaça a democracia, se fosse da extrema-esquerda provavelmente as consequências seriam idênticas) é claramente anti democrático. O desfile de ontem de duas centenas de membros do partido neonazi alemão em Berlim demonstra que a democracia é complacente a ponto de consentir que o inimigo se desenvolva, cresça sem restrições, no seu seio.
- Deveria ser proibida essa e outras manifestações com idênticas intenções? Se proibisse trairia os valores democráticos, não?
- Não. A um inimigo não se franqueia a porta de entrada. Aos extremistas não deveria sequer ser consentido candidatarem-se.
" Se alguém se engana com seu ar sisudo. E lhes franqueia as portas à chegada. Eles comem tudo eles comem tudo. Eles comem tudo e não deixam nada" - lembra-se desta?
- Significa isso que cerca de um quinto dos eleitores alemães estariam proibidos de votar amanhã.
Não me parece que seja uma posição democrática.
- Porquê?
- Porque contraria os valores democráticos.
- Os valores democráticos não são, não devem ser valores suicidas.
- Mas o que é que o chefe do bando, se existisse, poderia fazer? Impor a proibição da entrada do inimigo mesmo contra a vontade da maioria do bando?
- Se houvesse um líder, independentemente da forma como se tornou líder, ele teria a capacidade delegada pelos membros do bando para impedir que o inimigo da democracia entrasse. Sem líder, o bando dispersa-se em posições que os desorientam e o inimigo entra. Amanhã terá um quinto dos votos, na próxima alcançará a maioria. E, nesse caso, o líder da maioria não democrática impedirá os democratas de votarem
Tem dúvidas? Só tem dúvidas quem não conhece a história.
- Tenho dúvidas que o meu amigo seja um verdadeiro democrata.
- Um verdadeiro democrata deve saber fazer contas para avaliar até que ponto a complacência da democracia para com os seus inimigos não é demolidora da democracia.