Friday, February 28, 2025

MOMENTO VERGONHOSAMENTE HISTÓRICO

Há dias, à questão "Pode a Ucrânia continuar a lutar sem o apoio dos EUA"  colocada num artigo publicado no Washington Post, escrevi que não, não pode.
E não pode porque se a Ucrânia não continuar a contar com o apoio dos EUA é porque os EUA (i.e., da administração Trump) colocar-se-ão, implícita ou explicitamente, do lado da Rússia (i.e., de Putin).
 
E, obviamente, a incapacidade de defesa da Ucrânia continuar a defender-se da agressão russa se a administração norte-americana se colocar, activa ou passivamente, do lado dos russos, estender-se-á à União Europeia europeia que, segundo Trump, foi constituída para lixar (sic) os interesses norte-americanos. 
Serão necessárias mais provas para demonstrar que Trump e Putin estão virados para o mesmo lado:O desmantelamento da União Europeia, com a cooperação de alguns eurófagos que vivem e se alimentam das estruturas europeias e assim as debilitam facilitando o assalto do inimigo declarado, a Rússia?
 
Para ontem estava anunciado por Trump um encontro com Zelensky, em Washington DC., para assinatura de um acordo que permitiria aos EUA explorar os recursos minerais da Ucrânia, e muito especialmente os minérios raros, resultando da concessão ucraniana uma compensação aos EUA, que Trump avaliava em 500 mil milhões de dólares, destinados ao pagamento da ajuda, essencialmente em fornecimentos de equipamentos efectuados pelos EUA durante a administração do (sic) incompetente Biden.
 
O encontro que deveria ter sido, segundo as mais elementares regras diplomáticas, realizado entre os dois intervenientes (Zelensky não se fez acompanhar por qualquer assessor) foi aberto à imprensa consentida por Trump, contou com a presença do vice-presidente Vance e do secretário de estado Rubio, e transmitido em directo para todo o mundo. 
 
O ambiente de intimidação criado por Trump e os seus acólitos não podia ter sido mais refinado nem mais repugnante a humilhação a que Zelensky foi submetido. 
Foi um "momento histórico", escreveu Putin na X, de Elon Musk.
E foi.
Foi um momento vergonhosamente histórico.
 
A partir daqui, se o ambiente era de penumbra, subitamente tornou-se de sombras no teatro do mundo onde se movimentam os principais actores, Trump, Putin e Xi Jinping, sem que sejam previsíveis os próximos actos para além das intenções, aparentemente pontualmente conjuntas de Trump e Putin dividirem entre si os destinos do ocidente e consentirem a Xi Jinping o domínio do oriente. 

Ontem, na Sala Oval Trump, além de outras acusações públicas feitas a Zelensky responsabilizou-o, considerando os argumento com que tentou defender-se, pela eventual deflagração de um Terceira Guerra Mundial. 
Como? Que pode Zelensky fazer para ser culpado do apocalipse citado por Trump?
 
Que humanidade, sonâmbula, caminha agora, mais que nunca antes, para a sua auto-destruição não é ideia de qualquer aprendiz de filósofo com a mania milenar que o mundo (a humanidade) um dia vai acabar.
Não. 
Essa possibilidade está a ser monitorada pelo Science and Security Board of the Atomic Scientists, que contou com Einstein, entre os seus primeiros fundadores. 

Há muitos que não querem acreditar na possibilidade de auto destruição da espécie humana em consequência dos arsenais nucleares existentes e em constante procura de mais potência (para quê?) e mais sofisticação da sua capacidade de destruição. 
Um dos mais ouvidos argumentos de quem não acredita na hipótese monitorada pelos cientistas atómicos é a dissuasão: os arsenais nucleares aumentam e sofisticam-se para constante reequilíbrio das capacidades em caso de eventual confronto. 

Dando por adquirido que o equilíbrio do terror é dissuasor de um confronto nuclear, de onde ninguém sairia salvo, se Trump e Putin se alinham do mesmo lado por onde se estenderia a Terceira Guerra Mundial citada ontem, mais uma vez, por Trump?

Sem poder nuclear relevante a Europa seria, mais uma vez, o primeiro campo de batalha, Putin, com o consentimento de Trump, ocupará a Europa mais facilmente que Hitler há oito décadas. 
O Reino Unido possui algumas ogivas nucleares que são monitoradas pelos norte-americanos, a França dispõe de 200 ogivas, ouvi ontem dizer a um conhecido comentador, mas a Rússia tem 5000.
 
Mas para quê quererá Putin ocupar a Europa?
Nunca nenhum ditador parou nos seus avanços de conquista senão for travado.
Mas como pode a Europa travar Putin sentado no maior poder de destruição do planeta?

Tuesday, February 25, 2025

PODE A UCRÂNIA CONTINUAR A LUTAR SEM O APOIO DOS EUA?

Do Washington Post de hoje, retirei esta manhã esta questão:

Could Ukraine keep fighting even without U.S. support?

Consegue a Ucrânia continuar a lutar sem o apoio dos EUA?

Não vou transcrever o artigo, que está acessível através do link. Limitar-me-ei  a indicar as conclusões que o artigo me sugere, não as que o artigo aponta.
 
A resposta é: não consegue.
E não consegue porque o apoio dos EUA, isto é, de Trump, passará a ser dado à Federação Russa, isto é, a Putin, nomeadamente o levantamento de todas as sanções económicas.
Trump não se meteu nas negociações para ser mediador nas conversações para a paz mas para fazer negócios.
 
E, neste caso, cada vez mais que provável, a Ucrânia terá pela frente os EUA aliados à Rússia, perante a impotência da Europa liberal, democrática, que poderá assistir às negociações sem capacidade de intervenção nos planos previamente acordados entre Putin e Trump.
Resignar-se-á Zelensky e o povo ucraniano que muito maioritariamente o apoia a este diktat?
Penso que não.
E e a guerra continuará sem fim pacífico à vista.
 
Putin ordenou nestes três últimos anos tanta destruição e atingiu tantas vítimas que suscitaram tanta animosidade entre russos e ucranianos (povos irmãos, segundo Putin, antes da "operação militar especial") que nenhuma proposta de negociação de paz coordenada pelos instintos do magnata comerciante norte-americano pode sequer amenizar.
 
Aliás, este acordo bilateral forjado entre Trump e Putin terá um alcance que extravasa as consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia. Será precedente da legitimação da absorção do Canadá e da Gronelândia pelos EUA e de Taiwan pela China?
Xi Jinping espera, sem interferir, que a Ilha Formosa lhe seja dada de bandeja .
 
Entretanto, esta tarde, pode ler-se aqui:

 

O Presidente russo, Vladimir Putin, mostrou-se hoje favorável à participação dos europeus na resolução do conflito na Ucrânia e a investimento norte-americano para explorar minerais estratégicos nos territórios ucranianos ocupados pelo exército russo.

Se assim acontecer, Trump exibirá a derrota da Ucrânia como um troféu conquistado pelas suas capacidades de negociador detentor dos próximos destinos do mundo.

Ou talvez não.

 

Sunday, February 23, 2025

UM BANDO DESORIENTADO

... - 
 
- Lamento reconhecer mas a Europa, democrática-liberal, é um bando desorientado.
Sou europeísta, continuo a pensar que a Europa em que me reconheço europeu só poderá continuar  a afirmar-se digna do seu passado histórico se lutar pela preservação dos valores democráticos liberais. Digo democráticos liberais consciente do conteúdo pleonástico para distinção do uso abusivo da palavra democracia em espaços e contextos que são totalmente contrários à vivência democrática. Por exemplo a República Popular Democrática da Coreia do Norte ou a ex-República Democrática Alemã
 
- Concordo que a Europa atravessa um período de grande desorientação, mas daí considerar a Europa um bando parece-me excessivo...
 
- Mas é. O que é um bando? Em sentido genérico, sem interpretação pejorativa, um bando é um grupo de pessoas reunidas para um fim comum, ou um grupo de aves ou outros animais. 
 
- São coisas diferentes: a espécie humana é, pelas suas capacidades inteligentes, claramente distinta de outros seres do mundo animal. 
 
- Admitamos que sim, que os humanos, pelos seus dotes de inteligência, são diferentes dos não humanos supostamente não inteligentes ou não tão inteligentes quanto os humanos. É assunto que dá pano para muitas mangas. Mas chame-lhe bando ou grupo ou união, chame-lhe o que quiser, mas num aspecto os grupos de humanos ou não humanos com intenções de atingir objectivos de interesses comuns instintivamente escolhem, designam, nomeiam, votam, um líder, alguém que os conduza ao objectivo pretendido pelo grupo. 
 
- Nem sempre.
 
- Nos grupos de não humanos a necessidade de liderança, que pode e muitas vezes é, revezada, é instintiva; nos grupos humanos é uma necessidade racional que só é concretizável em sociedades democráticas ou consequência de uma imposição pela força em sociedades não democráticas. Mas, em nenhum caso um grupo atinge os seus objectivos sem uma liderança imposta pela força ou designada pela vontade dos seus membros. 
 
- Há animais que não seguem qualquer líder ...
 
- Refere-se aos cães, aos gatos, aos bovinos aos caprinos?
Sim. Esses não têm líderes, mas não têm líderes porque foram domesticados pelos humanos, passaram a ser membros de grupos humanos. Considerando todas as espécies do mundo animal, representam um número ínfimo da totalidade dos não humanos que os humanos ainda não extinguiram.
 
- Mas se é natural que um grupo de seres vivos não atinge os seus objectivos sem um líder - e não sabemos nada quanto a esse aspecto o que se passa a nível das bactérias, dos vírus etc., - como é que explica a desorientação europeia livre, democrática? São um grupo não inteligente?
 
- Curiosamente, a sua referência às mais remotas formas de vida - bactérias, vírus, etc., - é impressionante a forma como atacam os seres humanos mas também os não humanos, podendo levar-nos a pensar que esse ataque ordenado procede de algum processo biológico impresso na sua origem. Mas não vou por aí, não sou biólogo nem tenho oportunidade de falar com eles. 

- Eu tenho, mas a minha pergunta era outra: para si, a Europa democrática, no exacto sentido da palavra,  é formada por humanos parcialmente não inteligentes?
 
- A Europa é um continente que, por razões históricas, é formado por tribos, isto, é por diferentes grupos com objectivos diferentes ambicionando alguns objectivos comuns. Decidiram essas tribos (reconheço que a designação pareça imprópria por ser forte) formar uma união com alguns objectivos comuns.  E é na armadilha das contradições dos objectivos de cada uma das das tribos e de alguns objectivos comuns que pretendem alcançar que reside a incapacidade  de surgir uma liderança do bando e a desorientação que atinge a união dos europeus quando essa união é  colocada perante uma ameaça que a pode liquidar.
Neste sentido, a desorientação por falta de liderança, é prova de falta de inteligência suficiente para evitar a sua liquidação a prazo. 

- Só isso?
 
- Isso é muito. É, no ponto em que a situação se encontra uma quase impossibilidade. 
A Europa livre e democrática (releve-se outra vez o pleonasmo) simplesmente não existe. E não existe porque não há europeus.
 
- Não há europeus???
 
- Não. Há franceses, alemães, italianos, espanhois, portugueses, etc., mas não há europeus. Foi sempre assim durante toda  história da Europa que, por essa razão, foi e continua a ser campo de batalhas. Houve períodos de paz? Sem dúvida. Mas foram curtos. Tão curtos que não chegaram para modificar o tribalismo que ainda persiste e ameaça continuar.
 
- Mas não acontece isso mesmo noutros pontos do planeta?
 
- Acontece  em todo o lado onde predomina a organização tribal susceptível de obedecer aos mais diversos interesses externos e alguns internos. 
 
- Então não serve como sistema sustentável de governo. É isso?

- A democracia - "a democracia é o pior dos regimes, à excepção de todos os outros", Churchill - é tão complacente com os seus inimigos que corre sempre o risco de ser esmagada por eles. 
Amanhã. haverá eleições na Alemanha. O partido da extrema-direita (como ameaça a democracia, se fosse da extrema-esquerda provavelmente as consequências seriam idênticas) é claramente anti democrático. O desfile de ontem de duas centenas de membros do partido neonazi alemão em Berlim demonstra que a democracia é complacente a ponto de consentir que o inimigo se desenvolva, cresça sem restrições, no seu seio.
 
- Deveria ser proibida essa e outras manifestações com idênticas intenções? Se proibisse trairia os valores democráticos, não?
 
-  Não. A um inimigo não se franqueia a porta de entrada.  Aos extremistas não deveria sequer ser consentido candidatarem-se. 
" Se alguém se engana com seu ar sisudo. E lhes franqueia as portas à chegada. Eles comem tudo eles comem tudo. Eles comem tudo e não deixam nada" - lembra-se desta?
 
- Significa isso que cerca de um quinto dos eleitores alemães estariam proibidos de votar amanhã.
Não me parece que seja uma posição democrática.
 
- Porquê?
 
- Porque contraria os valores democráticos.
 
- Os valores democráticos não são, não devem ser valores suicidas. 

- Mas o que é que o chefe do bando, se existisse, poderia fazer? Impor a proibição da entrada do inimigo mesmo contra a vontade da maioria do bando?
 
- Se houvesse um líder, independentemente da forma como se tornou líder, ele teria a capacidade delegada pelos membros do bando para impedir que o inimigo da democracia entrasse. Sem líder, o bando dispersa-se em posições que os desorientam e o inimigo entra. Amanhã terá um quinto dos votos, na próxima alcançará a maioria. E, nesse caso, o líder da maioria não democrática impedirá os democratas de votarem
Tem dúvidas? Só tem dúvidas quem não conhece a história.
 
- Tenho dúvidas que o meu amigo seja um verdadeiro democrata.
 
-  Um verdadeiro democrata deve saber fazer contas para avaliar até que ponto a complacência da democracia para com os seus inimigos não é demolidora da democracia.


BOB DYLAN, ENQUANTO JOVEM

                                                     A Complete Unknown

"Em 1960, um jovem chamado Robert Zimmerman – interpretado por Timothée Chalamet que, com este papel, está nomeado para o Óscar de melhor actor – deixa Duluth, no Minnesota, e chega a Nova Iorque com o objectivo de conhecer Woody Guthrie (1912-1967), o seu grande ídolo, e de se afirmar como músico e compositor.

Robert impressiona Guthrie e o seu amigo Pete Seeger (1919-2014)​ e​, em 1962, já com o nome de Bob Dylan, lança o primeiro álbum, um disco que mistura folk, blues e gospel. A 24 de Julho de 1965, já famoso e como cabeça de cartaz do Newport Folk Festival (que tinha sido iniciado em 1959 em Rhode Island), Dylan decide tocar com uma guitarra eléctrica. Essa decisão, controversa e muito criticada por alguns puristas do folk, deu início a uma revolução no seu percurso.

Com canções poéticas e cheias de significado, Bob Dylan foi o primeiro (e, até agora, o único) artista na história a ganhar, em 2016, um Prémio Nobel da Literatura e um Pulitzer pela sua obra, assim como um Óscar, um Grammy e um Globo de Ouro – os três últimos pelo tema Things have changed, composto para o filme Wonder Boys - Prodígios."

***


                                           Bob Dylan, 83 anos de idade 

 

Friday, February 21, 2025

PROMESSAS *

Do Almirante Gouveia e Melo, publica hoje o Expresso um longo comunicado que vai fazer correr muita opinião e preconceito. 
Havia até agora uma generalizada convicção que Gouveia e Melo será candidato às presidenciais de 2026, provavelmente em Janeiro, mas que só anunciaria a candidatura depois de conhecidos os resultados das municipais entre setembro e outubro deste ano. 
Gouveia e Melo ainda não anunciou até agora candidatura nem deu ainda qualquer indicação de quando o irá fazer.
Mas, talvez, para responder à generalizada opinião de que "não se sabe o que pensa o Almirante", o presumível candidato escreveu o que pensa sobre o país e a Presidência. 

Esclareceu alguma coisa?
Num texto tão longo, que a seguir transcrevo na íntegra, alguma coisa deve ter sido esclarecida.
Mas também levantou muitas dúvidas.
A mais polémica será a sua afirmação de que Governo que não cumpra as promessas feitas ao eleitorado que o elegeu deve ser dissolvido pelo Presidente da República.
 
É uma intenção para merecer largos aplausos.
Mas como é que essa intenção se pode concretizar? 
Como é que o incumprimento de uma promessa pode ser medido sem consideração das alterações de circunstâncias incontroláveis entre os momentos da promessa e da sua avaliação? *
 
Começa Gouveia e Melo por afirmar: "Situo-me politicamente entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime político, começa" .
É uma afirmação forte mas muito controversa.
 
A partir de agora, Gouveia e Melo, que ainda não é candidato, colocou-se no centro do palco político do país.
Vantagem para o Primeiro Ministro Montenegro que esta tarde vai ter que justificar uma distração jurídica incómoda; vantagem também para o partido admirador de Trump que, deste modo retira os holofotes de cima das suas flagrantes incongruências entre o que afirma e o que faz.
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* Uma leitura mais atenta do texto de Gouveia e Melo não permite validar o título da notícia do Expresso: 
O sensacionalismo vende, mas frequentemente vende gato por lebre.
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"Honrar a Democracia": o artigo de Gouveia e Melo sobre o país e a Presidência 

 "Situo-me politicamente entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime político.

Considero essencial que a Justiça, enquanto pilar fundamental da democracia, permaneça imune a qualquer tentativa de manipulação e politização, tanto externa como interna, reforçando a sua independência, eficácia e eficiência. Defendo uma Justiça célere, que se distancie do espetáculo mediático e do julgamento na praça pública, uma Justiça que inspire confiança e segurança e não receio e instabilidade nos cidadãos.

Defendo uma administração pública independente e competente, centrada nos cidadãos e liberta de alinhamentos partidários, para lá da orientação política legítima dos governos. Acima de tudo, a administração pública não deve servir de suporte ou trampolim para clientelas políticas.

A economia deve centrar-se nas pessoas e trabalhar para elas. É fundamental reduzir as assimetrias sociais extremas e capacitar todos os cidadãos para que possam integrar, de pleno direito, uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Todos contam; ninguém deve ficar para trás. A exclusão social, o racismo e outras formas de discriminação não podem limitar o direito a uma vida digna e livre. A caridade não pode servir para apaziguar consciências. Devemos ambicionar uma sociedade próspera, com um elevado nível de vida. Devemos combater a pobreza e as desigualdades sociais extremas com medidas estruturais que criem verdadeiras oportunidades de mudança. Formar, requalificar, garantir habitação condigna, reabilitar espaços e bairros, apostar nas pessoas e nas comunidades, financiar a iniciativa e a inovação — esse parece ser o melhor caminho.

A prosperidade só se materializará numa economia de mercado livre. O Estado não deve cair na tentação de conduzir a economia, mas intervir apenas na medida do necessário para garantir uma sociedade mais próspera, coesa e menos desigual ao alcance de todos os cidadãos.

É também imperioso libertar a economia, a iniciativa privada e os cidadãos de um sistema burocrático, complexo e asfixiante, que atrasa e dificulta o desenvolvimento. A proliferação de pequenos poderes favorece um terreno propício ao compadrio e à corrupção.

Importa transformar uma economia estagnada numa economia dinâmica, baseada no conhecimento e no elevado valor acrescentado. Uma economia que valorize o risco, a criatividade, a inovação e o empreendedorismo, com os empresários na linha da frente do caminho para a prosperidade.

Apenas neste novo modelo, assente na produtividade, na inovação, na flexibilidade e adaptação constantes, e num tecido social composto por cidadãos empoderados, poderemos ambicionar reduzir a carga fiscal e tornar o Estado mais eficiente e eficaz. Só assim estaremos preparados para enfrentar as variações cíclicas de um mundo em permanente transformação, e criar um ambiente propício à fixação dos nossos jovens.

OS PARTIDOS POLÍTICOS SÃO FUNDAMENTAIS

Vivemos tempos perigosos, com atores poderosos a tentar subverter a ordem mundial em função dos seus interesses. A ameaça já não vem apenas do Leste; surge agora de todas as direções, num cenário de 360 graus. Os valores fundamentais da ética republicana e das democracias liberais estão a ser postos em causa, inclusive por aliados historicamente próximos.

Agora, mais do que nunca, a liderança, a capacidade de decisão e a coesão nacional poderão revelar-se fatores críticos para o sucesso ou, pelo contrário, para o fracasso das nossas sociedades.

Não basta sonhar ou recorrer a discursos elaborados, repletos de fórmulas gastas e banalidades cínicas. É essencial saber fazer, apontar caminhos, ultrapassar obstáculos, decidir com base em evidências e ter a coragem de explicar, envolver e agir.

Exige-se dos atores políticos, acima de tudo, responsabilidade, transparência e coragem. O sistema político deve impedir a degradação das instituições e evitar o perigoso descrédito do regime democrático.

Os partidos políticos são fundamentais para o bom funcionamento da democracia. Por isso, é imperativo que façam uma autorreflexão profunda, para recuperarem a confiança e credibilidade junto da população.

Ninguém tem o monopólio da política. É preciso renovar, agregar conhecimento e experiências, e melhorar o ecossistema político, tornando-o mais diversificado e competente.

Transformar a Presidência num apêndice dos interesses partidários é uma ameaça à capacidade da democracia liberal de manter um sistema equilibrado e funcional

As pontes não se constroem sobre redes de influência, compadrios ou intrigas político-partidárias, mas sim sobre consensos assentes em valores humanitários, no desejo de liberdade, prosperidade e solidariedade efetiva, e, acima de tudo, na defesa intransigente da democracia liberal.

A preservação ambiental e o combate às alterações climáticas devem estar presentes em todas as nossas ações e planos. É um dever e uma exigência de solidariedade intergeracional.

Do operário ao empresário, do estudante ao professor, do médico ao Presidente da República, somos um só povo, habitamos o mesmo território e partilhamos um destino comum.

É preciso saber sonhar, mas, acima de tudo, é essencial concretizar o sonho.

O Presidente não está ao serviço dos partidos, está ao serviço dos portugueses e de Portugal. Garante a Constituição, a união e a integridade do país e é, por isso, um poder-contrapoder de um sistema democrático equilibrado ao serviço da liberdade, segurança, equidade e prosperidade dos portugueses e, consequentemente, de Portugal.

Um dos poderes informais mais importantes do Presidente é o poder da palavra. Quando o Presidente fala, não é um cidadão comum, é a República. Tem a obrigação de usar a palavra seguindo as regras da relevância, isenção, equilíbrio, contenção e gravitas.

Na conjuntura atual, um Presidente sem a independência necessária afunila a democracia. Por isso, a bem do sistema democrático, devemos querer um Presidente isento e independente de lealdades partidárias.

O PODER DE CONVOCAR ELEIÇÕES ANTECIPADAS

A democracia é um sistema político que tem por base um contrato social entre a população e o Governo. Este contrato não é intemporal e muito menos absoluto. As eleições gerais e periódicas visam precisamente limitar a duração do contrato, evitar uma deriva e entronização despótica do poder e restabelecer uma nova sintonia entre o Governo e a população governada.

Os mediadores deste contrato são os partidos políticos, que representam os diversos interesses, orientações e opiniões da população que os elege. Daí serem verdadeiramente essenciais ao processo democrático representativo.

Nunca é demais recordar que nas democracias liberais, o poder do Estado está dividido entre um poder legislativo e um executivo, independentes entre si, com tendencial preponderância para o primeiro. Existe ainda um terceiro poder, o judicial, com o fim de administrar a justiça de forma equitativa e independente, com base nas leis promulgadas.

As liberdades de informação, expressão e contestação devem estar devidamente salvaguardadas. No entanto, sendo a democracia tolerante por natureza, não deverá, em defesa própria, permitir ideias e práticas intolerantes, sob o risco de estas comprometerem a própria tolerância e, consequentemente, a democracia (paradoxo da tolerância de Karl Popper, 1945).

No regime semipresidencial português, o Presidente da República é o garante último da Constituição, da unidade nacional e do regime democrático. É-lhe conferido o poder de convocar eleições antecipadas e reiniciar o sistema fora dos períodos eleitorais previstos, ou mesmo, em situações especiais, demitir o Governo. Este poder só deve ser exercido quando existir a forte convicção que o contrato entre governados e governantes foi significativamente comprometido: por uma perda de confiança insanável do povo no Parlamento e/ou no Governo em funções; por um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo; ou por uma tentativa de usurpação de poder e subversão da Constituição, à margem da lei.

É precisamente por isso que o Presidente é eleito por sufrágio universal e direto em Portugal. Os poderes presidenciais, previstos na Constituição, servem exclusivamente este propósito. Sejam eles:

— de representação do Estado Português no estrangeiro;

— de atuação como comandante Supremo das Forças Armadas (que jura a Constituição e se compromete a defender o país contra agressões externas);

— ou até na prerrogativa que lhe é conferida de acompanhamento político da atividade legislativa dos outros órgãos de soberania, através da fiscalização preventiva da constitucionalidade, ou veto político das leis.

Estes últimos poderes têm, contudo, limitações impostas pela Constituição, mais uma vez, num sistema pensado em pesos e contrapesos, cujo equilíbrio considero que tem sido virtuoso e adequado.

A capacidade de isenção e de promoção da unidade nacional aumenta proporcionalmente ao afastamento e independência do Presidente dos interesses partidários. Pois, esses, já estão suficientemente representados no poder legislativo e executivo. Aos partidos, a Constituição reservou exclusivamente as eleições legislativas, das quais emanam os poderes legislativo e executivo. As eleições presidenciais são, por isso, nominais.

Sendo a democracia tolerante por natureza, não deverá, em defesa própria, permitir ideias e práticas intolerantes, sob o risco de estas comprometerem a própria democracia

O Presidente não governa. Acompanha, verifica, questiona e facilita, mas deve manter-se isento, evitando a tentação de se imiscuir nos assuntos político-partidários.

O legislador constitucional, em concordância com os princípios da democracia liberal, visou criar um sistema de pesos-contrapesos, gerando o equilíbrio necessário para preservar o regime democrático. No entanto, a prática que se vem estabelecendo é a de todas as eleições se tornarem derivadas dos interesses partidários, incluindo as presidenciais, o que limita e reduz a amplitude da democracia.

Apesar desta tendência, o povo tem demonstrado sabedoria ao votar de forma equilibrada, optando, na nossa história democrática recente, por eleger poderes legislativo-executivos de uma área do espectro político e Presidentes de uma área distinta.

Os compromissos políticos assumidos pelas diferentes forças partidárias nas últimas eleições legislativas e a atual composição da Assembleia da República não permitem vislumbrar a existência de condições para soluções maioritárias, à esquerda e à direita, nesta legislatura. Igualmente, a maioria dos eleitores rejeitou os extremos do espectro político.

É neste contexto que se compreende a tentação dos principais partidos procurarem eleger um Presidente alinhado com a sua área política. Ou seja, um Presidente que seja um instrumento partidário para desequilibrar ou sustentar a governação atual. Contudo, transformar a Presidência num apêndice dos interesses partidários é uma ameaça à capacidade da democracia liberal de manter um sistema equilibrado e funcional — o chamado sistema de “checks and balances”.

Importa também considerar que nenhum Presidente pode ser verdadeiramente “de todos” se estiver claramente associado a uma fação política, pois não terá a independência necessária para representar o interesse coletivo.

Um sistema político sem pesos-contrapesos é um sistema mais frágil, sem escrutínio e, consequentemente, mais vulnerável aos ventos que sopram hoje, da radicalização e da proliferação de ideias autocráticas e iliberais.

A radicalização das sociedades, o apelo por soluções simplificadas e imediatas resultam normalmente de:

— uma incapacidade para proporcionar os fins últimos da democracia — liberdade, segurança, equidade e prosperidade — que geram um perigoso desencanto;

— uma perceção negativa do comportamento dos atores políticos que acaba por fomentar o descrédito no sistema democrático, ou no mínimo o alheamento deste;

— uma dissonância entre preocupações urgentes sentidas pela população e as carreadas pela área da governação, o que beneficia os extremos;

— uma agenda transnacional de diversos tipos de extremismos, com incidência na política interna dos Estados.

Estamos a viver momentos verdadeiramente singulares da evolução humana e das relações internacionais, com fortes reflexos internos. A liberdade, a equidade, prosperidade e a segurança estão em risco.

É tempo de ir além do óbvio e dos interesses imediatos, sem afunilamentos. É tempo de cuidar, proteger e honrar a democracia. Não nos podemos alhear. Assim o exige o tempo que vivemos."

                                                    

Monday, February 17, 2025

PRESIDENTE OU PAPEL DE EMBRULHO?

Trump disse a quem o quis ouvir e lhe deu ouvidos, que era amigo de Putin e Putin nunca escondeu que era amigo de Trump.
E que fizesse Putin o que quisesse na Europa porque, logo que voltasse à presidência dos EUA, não haveria mais auxílio norte-americano aos europeus.
 
Em resumo: os europeus que se desenrascassem, os EUA não cumpririam os compromissos assumidos no âmbito da NATO (North Atlantic Treaty Organization) e, nomeadamente o artigo 5º., a pedra angular da Aliança Atlântica: O ataque a um dos seus membros seria considerado um ataque a todos. Este artigo foi invocado apenas uma vez durante os 70 anos da história da Aliança na sequência dos ataques terroristas aos EUA a 11 de Setembro de 2011.

Uns acreditaram, outros não acreditaram, outros ainda, talvez a esmagadora maioria, não quis acreditar que Trump despreza tudo o que possa contrariar a sua ambição para impor a sua vontade sustentado na manipulação e na desobediência a qualquer código de honra. 

Chegou agora a hora da Europa tribal sofrer um murro no estômago e sentir-se a cair desamparada. 
Pior que desamparada, desprezada.
A intervenção de Vance, vice-presidente dos EUA, não podia ser mais arrasadora: A Europa que se quer democrática não tem como inimigos a Rússia nem a China porque o maior inimigo da Europa é própria Europa, agarrada a valores que deixaram de valer. 
E, se as declarações de Vance foram chocantes (O “choque eléctrico” americano deixou a Europa e a Ucrânia em modo de emergência ) - Público - 16/02/2025) é lúcido reconhecer que a Europa enquanto realidade política é irrelevante num contexto geopolítico dominado pela maré autocrática que se alastra por todo o planeta. 

Sem uma força comum de defesa, na ausência do pilar (a NATO) a que se encostou depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa ficou sem músculo, sem uma representação conjunta externa cada tribo pôs-se a palrar o que e para o lado que unilateralmente lhe convinha. 
Quem representa a Europa e, nomeadamente a União Europeia, depois dos bretões, convencidos da sua autossuficiência económica e supremacia militar e financeira, terem brexitado?   
O Presidente do Conselho Europeu?
A Presidente da Comissão Europeia?
Não há presidente se não há reconhecida bastante competência  delegada por aqueles a que preside.
 
Perante o "choque eléctrico", Macron pôs-se em bicos de pés (poderia ter dito ao Presidente do Conselho Europeu que o fizesse), e convocou reunião informal de emergência para hoje discutir as questões da segurança na Europa. Vão lá estar representantes dos principais países membros da União Europeia, do Reino Unido, o actual secretário-geral da NATO e, vá lá, ainda o Presidenta do Conselho Europeu e a Presidente da Comissão Europeia.
O que sairá de lá?
Não sabemos.
 
Zelenzky também estará e sabe que a Europa precisa de um exército europeu.
Trump (e a sua trupe) sabe bem como se dividem as tribos e pergunta: digam lá, europeus, quantos homens destaca cada um de vós para defender as fronteiras da Ucrânia?
Quantos húngaros?
Quantos eslovacos? 
Quantos checos?
E, já agora, quantos franceses?
Quantos portugueses? 
 
E ainda, quanto estão dispostos a pagar para as despesas de segurança militar?
É duro para um europeu ouvir isto.
Porque é mais uma provocação de Trump e Companhia: Se os EUA vão sair da carroça (NATO) por que perguntam quem e por quanto vai continuar nela?   
Será para informar Putin?
É desnecessário. Viktor Órban não se esquecerá de o fazer.