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03/04/2013

Por Falar em Newcastle...

Alan Shearer. Um dos mais fantásticos pontas-de-lança que vi jogar. 
Não se pode falar em Newcastle sem relembrá-lo.




19/11/2012

O golo do Isaías

Em 1994 iniciei-me oficialmente para o mundo do Benfica. Ia ver, finalmente, um jogo ao Estádio da Luz. Pus o fato de gala: camisola marca “Imperia”, símbolo do Glorioso no coração, Casino Estoril a apertar a barriga. Jogo importantíssimo, 29ª jornada, uma semana antes do 6-3 que praticamente selou o título. O adversário era o Estrela da Amadora.

Não sei bem o que se passou desde que o meu pai me disse que íamos à bola até estar dentro do Estádio. Sei que, de repente, estava sentado na Catedral, ainda despida de cadeiras e sem o fosso cavado em 95 para proteger os Paredões, Kings e Marcelos do assédio dos comuns mortais que se sentavam nas bancadas.

Passei à minha primeira análise do Estádio da Luz. Do banco dos suplentes, com marcação à zona feita pelo bigode do Toni, até ao camarote, onde devia estar o Eusébio, a chorar ainda a meia-final contra a Inglaterra e a derrota de 1968. Na altura conhecia poucos jogadores, e para mim o mais distinto era o Veloso, que tinha um bigode que não era como o do Toni, era mais senhorial, e que eu reconheceria em qualquer parte do mundo, mas que reconhecia principalmente da caderneta Panini que recebera na semana anterior, onde o Capitão partilhava a capa com um jogador do Porto.

Ainda me lembro do que foi o palavrão. Nunca tinha ouvido nada assim, foi o meu primeiro contacto com o vernáculo do futebol. Caralhadas e filhas da putice, foda-ses e conas da mãe do outro. Lembro-me de olhar para o meu pai à espera de um grito para o gajo do lado por estar a ser mal-educado, ou de uma reprimenda na gorda que se sentava acima de nós, e que a cada lance mais emocionante, cuspia para cima de nós bocados de queijada mastigados e léxico vindo dos confins do dicionário. Um pouco de contenção era o que se pedia, havia crianças presentes. O meu pai não fez nada, continuava concentrado no jogo, e eu devo-me ter perguntado se os pais da gorda saberiam que ela falava assim, e se o gajo do lado, que já tinha idade para ser meu avô, embalava os netos à noite dizendo que os vilões das histórias eram uns grandes filhos da puta.

O jogo já começara e eu ainda não absorvera tudo o que se passava à minha volta. É provável que estivesse a tentar decifrar os ponteiros do relógio do marcador quando fui interrompido por um tremor de terra humano. Olhei à minha volta e vi os homens e mulheres, que ainda há pouco gritavam palavrões, aos gritos, aos abraços e aos saltos. Até o meu pai perdera a compostura. Só quando me pôs ao colo é que percebi que tinha perdido o primeiro golo da minha vida. O Isaías marcara, e eu, que tanto massacrara o meu pai para me levar a um jogo, deixara passar a oportunidade em claro. O golo fora assim, à socapa, sem dar oportunidade a um miúdo que nunca tinha visto nada daquilo e não sabia que o futebol é muito mais do que o que nos mostrava a televisão, onde há a complacência da repetição para os distraídos.

Tinha que estar mais atento. Concentrei-me, não podia perder o próximo. Chegou o empate do Estrela, esse vi eu, mas as ninguém reagiu como no golo do Benfica. As pessoas ficaram caladas, a olhar para os sapatos, algumas assobiaram, não percebi bem o quê – na altura Emerson ainda não jogava e Roberto era um pesadelo distante. O meu pai devia estar preocupado, já a fazer contas à vida - para a semana lá íamos ter de ganhar em Alvalade. Não marcámos mais vezes, para meu desapontamento. O Benfica empatou, e eu nunca mais vi esse golo do Isaías.

18/09/2012

O meu Benfica

O ritual de entrada no Velhinho era cumprido em silêncio sepulcral. O cortejo subia pela Rua Soeiro, e estacionava geralmente na João Hogan. Seguia pelas escadas que iam dar à Catedral, ao princípio despida adornos, depois enfeitada com cadeiras que desenhavam os símbolos e nomes dos patrocinadores – Parmalat, Telecel. Quatro grandes torres de betão iluminavam o altar, alimentadas pela Shell.

A minha fé estava lá, sustentada pelas homilias de João Pinto e Preud’homme, pontualmente assistidos por um ou outro acólito que, durante umas épocas ou apenas alguns meses, aparecia para auxiliar à missa – Caniggia, Gamarra, Nuno Gomes, Enke, Van Hooijdonk. Os objectos de culto que mantinham a minha crença apareciam sob formato VHS - Eusébio, um Jogador de todos os Tempos; mensalmente, revestiam suporte de papel, por meio da revista do Clube, que apresentava Totes, Okunowos e Mawetes Juniores como novos profetas de uma instituição religiosa decadente; relíquias eram também as memórias do meu pai, benfiquista de família de sportinguistas, nascido para a Luz pelos golos de Eusébio, raptado para o Terceiro Anel por Coluna, José Águas, Torres.

O meu pai, depois de anos de fanatismo benfiquista que calcorreara o País e a Europa, perdera a fé. Era um agnóstico, que, de vez em quando, me levava a conhecer o templo que lhe fizera a juventude tão feliz. Era, digamos, uma religiosidade não-praticante. Em 1994, antecipou o que iria acontecer. Ainda assisti à última festa que o Gigante de Betão recebeu, a celebração do título à tarde. A partir daí, cada domingo que albergava jogo na Luz era motivo de birras e choradeira – o meu pai recusava-se a levar-me a ir ver aquela equipa moribunda, que usava as mesmas cores e símbolos que Eusébio, Coluna, Humberto, Veloso. Às vezes, o meu pai ia sozinho. Talvez me quisesse poupar, talvez quisesse manter a minha fé cristalizada na cassete do Eusébio e nas tardes de glória que baseavam as histórias que me contava – golos, títulos, jogos fantásticos, viagens. Talvez esperasse que, com tão poucas cerimónias na Luz, eu me desligasse - hipótese menos plausível, mas que me ocorreu algumas vezes.

A verdade é que nunca desconectei a ficha do Benfica. Essa cassete, essas histórias – a revista, entretanto, deixara de ser publicada -, municiavam a minha imaginação, que corria louca à procura de mais um golo, de mais uma jogada, fosse no leitor de vídeo fosse nos recônditos das lembranças do meu pai. “O Chalana era bom, pai?”, perguntava, “O Chalana era 10 vezes o Simão”, “o Bento foi o melhor guarda-redes que vi jogar, um gigante sem medo de nada”, “o Humberto transbordava classe”. Lembro-me de pensar, vezes sem conta, que se o Eusébio tivesse rematado para o outro lado no final do jogo com o Manchester United, em 1968, o Benfica teria sido campeão europeu – um lance que revi até mais não, numa fita já gasta pelos constantes rewinds. Ainda assim, a imagem do Eusébio a felicitar Stepney pela enorme defesa era uma demonstração do que era o Benfica, e do que era a postura que um homem devia manter em momentos decisivos que não correm bem, na certeza de que se fez tudo para ganhar.

Talvez não seja normal, no século XXI, buscar constantemente benfiquismo num estádio que já não existe, numa cassete que fala de coisas de há 50 anos, em histórias que não vivi e em jogadores que não vi jogar. Hoje, pouco me lembra esse Benfica que não conheci na primeira pessoa, mas que conheço como se tivesse festejado os golos de Eusébio, presenciado a galhardia de José Águas, vibrado com as defesas de Bento.

Felizmente há Pablito.