Escritores consagrados repudiam falsos textos que circulam na rede
RAFAEL CAPANEMA
da Folha de S.Paulo
da Folha de S.Paulo
O
título do e-mail começa com "Enc: Fw: Fwd: En:", sugerindo que o
material já frequentou um bocado de caixas de entrada.
O
conteúdo pode ser um texto motivacional, uma história engraçadinha ou uma
crítica virulenta ao governo. Mas o autor, quase sempre, é um escritor
consagrado. Bem, não exatamente.
Vítimas
habituais da atribuição indevida de autoria de textos na internet, Carlos Drummond
de Andrade, Clarice Lispector e Mario Quintana não podem mais se defender.
Mas
Luis Fernando Verissimo, de tanto ver seu nome associado a textos que não
escreveu --e de ser espinafrado e parabenizado por eles-- já se manifestou mais
de uma vez sobre o assunto.
"O
incômodo, além dos eventuais xingamentos, é só a obrigação de saber o que
responder em casos como o da senhora que declarou que odiava tudo que eu
escrevia até ler, na internet, um texto meu que adorara, e que, claro, não era
meu", escreveu em 2005 no jornal "Zero Hora". "Agradeci,
modestamente. Admiradora nova a gente não rejeita, mesmo quando não
merece."
O
texto em questão é "Quase", escrito por Sarah Westphal, à época
estudante de medicina em Florianópolis. Creditado a Verissimo,
"Quase" chegou a ser traduzido e publicado na França em uma coletânea
de escritores brasileiros.
Elson
Barbosa, moderador de uma comunidade sobre o escritor
no Orkut,
compila textos falsos de Verissimo e, quando possível, identifica os
verdadeiros autores.
Mas
por que será que Verissimo é o campeão dos apócrifos da internet? "Talvez
porque ele seja hoje o mais popular cronista brasileiro", sugere a
jornalista Cora Rónai, que organizou "Caiu na rede" (ed. Agir),
compilação de textos falsos lançada em 2006 (leia trechos em
"tinyurl.com/caiunarede]":tinyurl.com/caiunarede). "Minha
proposta de título para o livro, por sinal, era "Falsos Verissimos"."
Cora
conta que Millôr Fernandes, com quem é casada, conforma-se com o fato de não
ser possível controlar o que circula em seu nome na internet, "mas não
consegue deixar de ficar indignado com a qualidade das coisas que atribuem a
ele. "Mas é isso que pensam de mim?!", "Quer dizer que acham que
eu escreveria uma babaquice dessas?!" e por aí vai."
Quem tem boca...
Pasquale
Cipro Neto, colunista da Folha, afirma que sempre recebe elogios sobre
textos que não escreveu --um deles creditado a um certo professor
"Pascoale". "As pessoas ficam decepcionadas quando revelo que
não sou eu o autor", diz.
Entre
outros "ensinamentos", um Pasquale farsante explica na internet que
"Quem tem boca vaia Roma", com o verbo vaiar, seria a formulação
correta do ditado popular. "Eu nunca escrevi isso, não tenho nada a ver
com isso. É uma bobagem monumental", afirma Pasquale, o verdadeiro.
"O
pior é que as pessoas acreditam, não desconfiam de jeito nenhum", afirma o
professor. "Acham que a internet é cartório e que, se está lá, está
santificado."
Prisão perpétua
"Sou
contra a prisão perpétua, mas sou a favor dela para quem escreve textos
apócrifos na internet", escreveu Drauzio Varella em sua coluna na Folha,
em 2005. A irritação se justifica: sob seu nome, circulam textos que difundem
conceitos equivocados de medicina.
Um
deles exalta o pensamento positivo como forma de evitar doenças. "É
exatamente o oposto do que eu penso", afirma. "É uma sacanagem. Como
é que colocam uma coisa dessas na minha boca?"
Outro
"falso Drauzio" é "Porta do lado", que deriva de uma frase
dita por ele em uma entrevista. "Pegaram essa frase e fizeram um texto
babaca, uma coisa absurda", conta. "Corre [na internet] com a minha
fotografia e com musiquinha, que é tudo o que eu odeio."
A
despeito da alegada babaquice, da musiquinha e da autoria falsa, "Porta do
lado" é bastante popular. "Acho que, de todos os textos que eu
escrevi na vida, é o que mais faz sucesso", diverte-se.
Há
cerca de três meses, Varella concedeu uma entrevista a uma rádio da Espanha. O
locutor o apresentou recitando a seguinte frase, atribuída ao médico: "No
mundo atual está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade
masculina e silicone para mulheres do que na cura do mal de Alzheimer. Daqui a
alguns anos teremos velhas de seios grandes e velhos de pinto duro, mas que não
se lembrarão para que servem."
Varella
teve que esclarecer no ar que não é o autor. "Não tenho a menor ideia de
quanto se investe na cura do Alzheimer. E jamais falaria uma grosseria dessas.
Nem no botequim."
Em
sentido horário, Veríssimo (acima à esq.), Millôr, Pasquale e Varella; circulam
na rede textos que eles não escreveram