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05 dezembro, 2007

O post mais longo da história do ZdC, na esperança de notícias sobre uma greve geral que vai de Pequim até ao Vale do Ave


Este post é tão, mas tão, tão longo, que melhor parece uma tentativa de boicotar o próprio Zero de Conduta… Aos colegas, as minhas desculpas. Aos leitores habituais, a menos que não tenham nada de interessante para fazer no resto da noite, convido a saltarem directamente para os posts abaixo deste ou para os posts que entretanto terão aparecido encimando este. A minha esperança, confesso por fim, é que estes milhares de caracteres que se seguem dêem ainda mais alento ao Pedro Sales nos seus esforços para descobrir como usarmos, aqui no blogue, aquele mágico click: “read more”.
Caro João Rodrigues. Não tive tempo para te responder com a sistematicidade que convém mas deixo algumas notas soltas como hipótese para discussão. Começo pelo princípio do teu post. Repara que a tua crítica parte da ideia de que eu quero pensar como organizar um sistema universal de cuidados de saúde. Mas olha que não, olha que eu estou bem mais “atrasado” do que isso… Senão repara. Ambos entendemos que o acesso à saúde é algo de que ninguém deverá ser privado e ambos queremos travar uma guerra em nome deste princípio. Mas isto não implica que ambos entendamos a organização de um “sistema universal” de provisão de cuidados de saúde como única estratégia possível nessa luta. A ideia de um serviço nacional de saúde - ou de um sistema de segurança social - não nasceu do “espontâneo” pensar organizativo de políticos e intelectuais do Estado ou de políticos e intelectuais que quiseram mudar o mundo depois de tomarem o poder de Estado. A ideia destes sistemas estatais surgiu na continuidade de um contexto de conflituosidade social, na continuidade de fenómenos tais como as caixas económicas operárias, as redes de solidariedade de índole familiar e local, enfim, redes tecidas “a partir de baixo”. Assim, uma principal fonte de energia dos sistemas sobre cuja organização queres pensar é, com efeito, aquela “vaga noção do comum” que de algum modo desprezaste.
Trata-se aqui, nesta "vaga noção de comum", de uma fonte de energia histórica na medida em que a emergência do Estado social não é dissociável da história da luta de classes. Aliás, quando desprezas a “vaga noção de comum”, esqueces momentaneamente um sem número de experiências concretas: a tão iconoclasta Comuna de Paris, é claro, mas também as dinâmicas associativas do movimento operário alemão de inícios do século XX, o movimento político-económico dos conselhos de fábrica, a força revolucionária dos sovietes, a contra-sociedade do PCI nos anos 40 e 50, as greves em Portugal entre 1942 e 1946 (sem as quais não se compreende o discurso económico comunista português do qual tu tendes a herdar apenas o lastro desenvolvimentista), as experiências da autonomia operária nos anos 60 e 70, o movimento do zapatismo desde Chiapas até à Outra Campanha, as inúmeras “vagas” noções do comum que fizeram o PREC, a tão recente Comuna de Oaxaca, os assentamentos dos Sem Terra, as assembleias barriais do 2001 argentino, as casas ocupadas que tendes a desprezar, etc., etc., etc. Em todos estes casos não encontrarás por certo um pensamento da “organização” e do “sistema” mas em todos estes casos encontras uma economia moral que está em processamento. (e aqui, no entendimento da política aquém e além do “plano”, da “organização” e do “sistema”, recordo-te o comentário que te deixei na caixa deste post, comentário acerca da importância de precisarmos o sentido da “economia moral da multidão” – e não economia moral socialista - do E.P.Thompson). Repara bem, no entanto, que a reciclagem da energia do comum feita pelo público não é um processo simplesmente histórico. Com efeito, o público necessita de empreender esta reciclagem todos os dias. É essa reciclagem que ocorre quando o Serviço Nacional de Saúde enquadra a motivação “comunitária” (na realidade mais comunista do que comunitarista) manifesta em incontáveis actos de comunicação (de comunidade) praticados por vários profissionais da saúde. Ora aquilo para que eu te quis chamar a atenção é o facto do teu “sistema universal” não sobreviver sem esta energia do comum, sendo que o contrário não se verifica... De que o fulcro da questão reside no comum – na actualidade do comum – parecem aliás ter clara noção os ideólogos e os estrategas do privado. Repara que a “vaga noção do comum” que tu referes está presente, mesmo se subsumida, na retórica de vários discursos privados. É certo que os discursos do privado fomentam o individualismo do “salve-se quem puder” mas eles simultânea e paradoxalmente procuram recuperar para si a tal “vaga noção do comum”. Repara que a “paisagem” do anúncio televisivo do ministério da segurança social em que se elogia o “sistema” não é assim tão diferente da “paisagem” de anúncios televisivos de algumas seguradoras. Em ambos os casos se procura disputar a energia fornecida pelo comum; em ambos os casos se promete a vida plena – com os netos, os amigos, os cães, o tempo livre, o turismo, o cinema, a casa de campo, etc. – a quem se libertou do trabalho. (O que aliás só vem mostrar a actualidade de uma crítica da própria ideia de trabalho; a acumulação primitiva que transforma o camponês em operário não é apenas algo que se verifica na fase de ascensão do capitalismo, é algo que se renova todos os dias e só uma concepção linear do tempo histórico é que pode sustentar o contrário). Menciono-te ainda outras circunstâncias em que o privado tem igualmente procurado recuperar em seu proveito a legitimidade de representação do comum que o público julga deter (e que detém na figura da promessa desenvolvimentista). É uma recuperação quase sempre feita com recurso a um forte investimento no cultivo da afectividade, como melhor saberás explicar. Vejamos o caso da saúde, no qual são muitos os contextos em que o público oferece melhores condições técnicas e científicas que o privado e em que este tem sabido contrapesar este défice procurando oferecer melhores condições de atendimento, mais conforto, serviços mais humanizados. Esta preocupação do privado – que nos aparece como objectivamente secundária e que achamos que só os ricos é que valorizam – indicia bem que a necessidade social premente é uma sociedade-providência e não obrigatoriamente um Estado-providência. Também por isto a questão da comunização/recomunização do Serviço Nacional de Saúde não é simplesmente uma questão de dar mais “voz” a utentes e médicos, como a teu jeito reduzes o que eu defendera ser o mais importante no artigo da Isabel do Carmo; é também uma questão vital no combate ao privado. Outro exemplo ainda, agora para lá da saúde: a privatização do dito espaço público. (E aqui teríamos que discutir até que ponto público é o mesmo que Estado mas, por agora, deixemos isto de parte). Não sei se alguma vez olhaste com atenção para um anúncio de um condomínio privado mas em alguns deles é justamente uma experiência comunitarista do comum que nos é proposta; no contexto urbano em que impera a “lei do mais forte”, eles falam da possibilidade de regressarmos a uma vida social fraterna e solidária (talvez nem sempre nesta linguagem jacobina-alegrista…) e prometem-nos por isso uma ilha soberana no meio do caos citadino.
A mim parece-me que se deixarmos a luta contra o privado nas mãos do público, do Estado, dos “defensores” do público e dos “defensores” do Estado, essa mesma luta contra o privado continuará a ser derrotada como tem sucedido. (E por isso é com um sorriso nos lábios que te vejo a usar a eficácia como um argumento de autoridade face às minhas posições; se atenderes às derrotas e mais derrotas que nos últimos anos temos sofrido sob a tutela político-ideológica da tradição a que pertences, estou certo que eficácia não é coisa de que te possas valer).
A meu ver, e era sobre isto que eu pretendi iniciar o debate contigo, o nosso problema começa desde logo no diagnóstico. Julgo que é redutor apresentarmos as tendências de privatização em curso como simples produto da hegemonia cultural, política, ideológica e académica dos neoliberais. (Ou melhor, julgo ser redutor que por hegemonia entendamos simplesmente “coerção” ou mesmo “dominação”). As tendências de privatização vêem sendo cada vez mais validadas pelos próprios cidadãos – enquanto eleitores e enquanto consumidores –, cidadãos que muitas vezes parecem não ouvir aqueles que lhes dizem que o Estado é de todos nós, a nação é de todos nós, o público é de todos nós. Podemos, é claro, dizer e dizer e voltar a listar todos os méritos que achamos inerentes à propriedade colectiva estatal; mas também poderemos começar a perguntar se não existe qualquer coisa que está a “falhar” no culto esquerdista (de esquerda) do público e perguntar se este qualquer coisa não está para cá e para lá do debate sobre a ineficiência ou não dos serviços públicos, o desinvestimento ou não no público de que os governantes são responsáveis ou, ainda, a posição minoritária em que se encontrará o discurso político e económico alternativo ao neoliberalismo. Não basta teres a posição “defensiva” que mostraste, não basta remeter a história dos sistemas estatais de providência ao contexto da história do embate entre capitalismo e socialismo no século XX. É preciso compreender que o combate ao privado começa hoje e sempre hoje; é um combate que começa na luta quotidiana do comum contra o privado, luta travada sob enquadramento dos sistemas estatais mas também aquém e além desse enquadramento; é um combate que ataca e não que defende, um combate que deve evitar que a ideia da luta de classes perca a sua actualidade, o que sucede quando é dominada por qualquer concepção progressista do tempo que nos deixa com as classes – ou outras figuras identitárias – mas sem a luta. O principal problema que enfrentamos não é como organizar uma outra sociedade; é como lutar nesta sociedade. Sem luta – e sem teorização sobre a luta –, a teorização sobre o sistema de nada serve; e com a luta, e na luta, a teorização da alternativa adquire necessariamente contornos radicalmente diferentes do que a teorização a-histórica sobre o sistema dominante ou alternativo (uma teorização que é sempre produzida no tempo histórico presente mas que é sempre realizada a pensar na defesa de um tempo histórico passado ou na invenção de um tempo histórico futuro). Repara que vários intelectuais burgueses terão idealizado modelos alternativos ao feudalismo, por certo; mas parece-te sensato que lhes exigissemos a proposta de um modelo de "organização" económica alternativo?!). O início do nosso discurso sobre política só pode ser – e este livro aqui fala-nos disso – uma filosofia política que tome partido implicando-se nas próprias possibilidades que as tensões presentes acolhem em todas as suas contradições. (e peço desculpa pela falta de rigor que adquiriram conceitos como “intelectuais burgueses”, “burguesia” e “feudalismo”, mas acho que percebes o que quero dizer). II Deixemos por isso entre nós as referências aos livros que se encontram na mesa-de-cabeceira de cada qual, ok? Mas, como perguntas, não resisto a reflectir sobre a (in)utilidade de O Capital e de Império para os gestores de cooperativas. Eu não acho que Marx e Negri – e em relação ao segundo falo com conhecimento razoável, em relação ao primeiro não diria tanto – sirvam para ajudar o tipo que gere a cooperativa a melhor gerir a sua cooperativa. Tu, pelo contrário, achas que List ou Keynes servem para esse efeito. Ora é aqui que está uma boa parte da nossa diferença. E quando digo aqui não digo que a diferença esteja tanto no facto de tu indicares List e não Marx e Negri como leituras convenientes para um gestor de cooperativas; quando digo aqui digo que a diferença está no facto de reservares a List um estatuto de “ciência” que pretendes ver usado para planificar um novo futuro. Marx e Negri, tens razão, não servem a uma tal função: mas não servem não por "defeito" e sim porque entendem o comunismo como tendência e não como sistema. Marx não nos deixou muita coisa escrita sobre o que seria a sociedade pós-capitalista mas isso, ao contrário do que é costume dizer, não é uma lacuna; antes é o sinal da confiana em que o comunismo nasça da sociedade em que o capitalismo é dominante; nas palavras de Negri e de Guattari, palavras datadas dos anos 80 que cito aqui de cor, o comunismo não é algo a criar no futuro histórico mas sim um mínimo denominador comum do presente, algo que não corresponde à ambição de um “amanhã que cante” e que não necessita da moderação de uma “fase de transição”. Os homens dos meus livros de mesa-de-cabeceira, como vês, são bem menos moderados mas também bem menos revolucionários do que tu, são bem menos social-democratas do que tu mas também bem menos marxistas-leninistas do que tu...
Esta nossa diferença (mas tu corrigir-me-ás os pontos em que irei longe demais) expressa-se ademais nas diferentes posições que temos perante a “questão nacional”: tu defendes um patriotismo socialista e eu recuso a possibilidade de um projecto patriota, seja ele de que natureza política for. Tu olhas para a realidade preocupado com o todo e identificas esse todo no Estado nacional. O resto – o mundo para lá de Badajoz – não te inexiste, claro que não, mas tratam-se de exterioridades que só secundariamente determinam – ou melhor, que só secundariamente deveriam determinar - a vida do todo nacional. Para ti, o Estado nacional é ou devia ser uma comunidade política e económica autodeterminada e não há projecto comunista (ou social-democrata) que possa contornar isto. Eu não olho – ou não pretendo olhar - para a realidade a partir de um todo. Olho sim para a realidade a partir de uma parte, uma parte cujo poder de acção condiciona – mais ou menos, depende da luta política e da famigerada correlação de forças – um todo. Trata-se aqui de algo mais distintivo do que poderia fazer supor um simples problema de posicionamento. Neste caso, mas será assim no geral, o lugar de onde olhamos contém desde logo um “significado epistemológico”. Entre outras razões, e quiçá poderás acrescentar mais ainda, o diferente lugar em que nos encontramos é afim às diferentes preocupações que desenvolvemos ao olhar para a história do movimento comunista. Para ti, face a essa história, a questão principal tende a ser a do falhanço do socialismo uma vez tomado o poder e não é por acaso que boa parte dos problemas sobre os quais reflectes desenvolvem os debates historiográficos dominantes sobre as políticas de desenvolvimento soviéticas. O centro da tua reflexão acaba assim por ser o Estado. Eu, como já te disse, estou muito mais “atrasado” no meu processo de reflexão; e, mais ainda, não pretendo abdicar deste “atraso”. Eu "ainda" ando a fazer perguntas sobre a fase “prévia”, a fase da tomada de poder, da questão revolução-reformismo, do debate parlamentarismo-não-parlamentarismo, da relação partido-movimento, etc. Tu já estás sentado em São Bento ou em Leninegrado a decidir políticas públicas e medidas estatais de desenvolvimento. Eu, vê bem, não me quero furtar ao debate que tu colocas; mas não o quero desligar de um outro, do debate sobre o sucesso do movimento comunista, sobre o sucesso passado e sobre um eventual sucesso presente. Para mim, a questão do fracasso do socialismo na URSS não pode ser dissociada das condições do seu sucesso e do modo de produção desse sucesso e por isso é tão importante começar por reflectir sobre a questão política “como fazer a revolução?” (e só o simplismo desta formulação demonstra bem tal necessidade…). Tu sentes-te interpelado pela clássica questão que desde 1989 é sistematicamente atirada à cara dos comunistas: “mas qual é o modelo alternativo ao capitalismo que têm para oferecer?”. Eu rejeito os termos da própria pergunta. Não temos, não temos que ter, não devemos ter, e não deveríamos ter tido, qualquer “modelo” para oferecer (oferecer a quem? ao povo ignaro? à gente que "consome" teoria e "compra" política?). E isto, o não termos modelos para oferecer, em nada nos impede de dizer NÃO ao que bem acharmos e de produzirmos politicamente este NÃO. O NÃO é historicamente tão produtivo quanto o SIM, a menos, claro, que regressemos a uma concepção teleológica do processo histórico. Para glosar um título, e como vês vou exagerando cada vez mais as nossas diferenças, tu vês como um Estado. (Em bom rigor, tu não vês só assim, bem o sei; mas em última instância, e quando contra mim, tu vês assim). Eu pretendo colocar-me a olhar a realidade desde o ponto de vista de uma parte e não de um todo. O princípio da minha reflexão, por isso, é o movimento (ou o partido, aqui tanto faz), a nossa parte-presente; e não o Estado, o nosso eventual todo-futuro. A minha é uma posição aparentemente mais modesta, mais tímida. Mas não só o é aparentemente. Com efeito, o teu olhar é mais coeso, mais sistémico e mais coerente; num entendimento programático da revolução, o teu olhar é bem mais revolucionário. Tu aliás fazes questão de usar este entendimento como argumento de superioridade, não resistindo mesmo a fazer um comentário em que separas as minhas ideias “abstractas” dos “assuntos correntes da vida” (de quem está a fazer uma tese de doutoramento sobre história do pensamento económico integrado num departamento de filosofia, confesso que não esperava este tipo de dicotomia ou, pelo menos, esperava-a mais sofisticada; nota que as aspas que tu próprio utilizas para acomodar esta dicotomia abstracto/corrente, e que pareces usar como simples facilitismo de comunicação, são na realidade mais do que isto; são um facilitismo de raciocínio; elas mostram que tu sabes bem que a separação abstracto/corrente contém algo demasiadamente impreciso para poder ser referida de peito aberto). A ambição revolucionária do teu olhar tem no entanto algo mais que se lhe diga. A manutenção da compostura desse teu olhar depende, na verdade, de tomarmos como referente de construção da alternativa aquele mesmo referente dominante de tudo o que é coeso, sistémico e unitário, isto é, o referente da comunidade nacional. Todo o teu raciocínio depende , entre outras coisas, de uma asserção que só é válida na medida em que tomemos a realidade como unívoca, como um dado e não como um sólido que se desfaz no ar, isto é, todo o teu raciocínio depende de não se tomar a realidade como um conglomerado de tendências ambivalentes, ambíguas e contraditórias; e é justamente tal univocidade que te permite fazer a asserção segundo a qual a nação é a identidade preferencial na realidade vigente e, portanto, tem que ser a identidade preferencial na política que age sobre a realidade vigente. Ora, o problema não está em saber qual das identidades – se a nação se a classe - é mais forte do que a outra; mas sim em saber que ambas estão aí e que a política se faz valorizando uma e ou valorizando a outra. E que um dos problemas fundamentais da luta do proletariado é um problema internacionalista, não daquele internacionalismo dos povos e das culturas nacionais, mas de um internacionalismo mundialista capaz de produzir a primeira greve geral planetária, que ligue o proletariado de Pequim ao Vale do Ave, contra o interesse nacional português e contra o interesse nacional chinês (ena, ena, ena, se isto algum dia acontecer é favor creditar aqui ao Zero de Conduta!). E aqui chegamos, é claro, a List vs. Marx, particularmente à polémica travada entre ambos na primeira metade dos anos 40 do século XIX. E sobre este antagonismo Marx-List há com efeito uma coisa em que tens razão. Quem tem de tomar decisões de “política industrial”, faz melhor em escolher List e em deixar esquecido Marx. Já quem tem de fazer política no-e-contra o capitalismo e quer tomar partido na “luta de classes” (ou outra formulação prima, mais ou menos classista; e aviso que não falarei aqui de multitude porque aí então é que dirás que eu sou um mero dilentante) melhor fará em esquecer List e debater Marx.
As tuas ideias serão porventura muito úteis quando a malta tomar o poder cá na terrinha (nesta ou noutra terrinha), tomando o palácio de Inverno a tiros ou São Bento a votos. Entretanto, bem antes disso, será preciso lutarmos como nunca o fizemos e isto só é possível sendo nós uma parte no mundo. E daqui, da necessidade de uma luta imediatamente mundial, retiram-se então duas conclusões. Em primeiro lugar, que há uma diferença de escala a nos separar: a tua concepção é mais total mas a tua totalidade tem o tamanho de um país; a minha é mais partidária mas o meu partido age no tamanho do mundo. Em segundo lugar, e foi isto que discutimos na primeira parte deste post, uma diferença de natureza: o teu ponto de partida é o teu ponto de chegada, o teu esforço é positivo e a tua linguagem é a do plano; já o meu ponto de partida não sabe qual é o seu ponto de chegada, o meu esforço é negativo e a minha linguagem é a da recusa; no meu processo revolucionário, o curso do mesmo tem como efeito questionar a legitimação que tu terias para estar sentado em São Bento ou no Palácio de Inverno a publicar decretos (bem sei que ancorados em estudos rigorosos, no teu caso não tenho a mais pequena dúvida), desafiando assim a credibilidade dos princípios de “planificação” subjacentes ao teu “pensar como organizar um sistema universal”. A emergência do movimento e ou do partido – essa “vaga noção do comum”, esse espectro que paira sobre a Europa (e vê como uma coisa tão vaga como um espectro foi tão material) - vem na verdade colocar em questão a legitimidade dos saberes de Estado ou, pelo menos, a legitimidade da sua preponderância e da sua primazia. E pronto, acho que estão aqui algumas coisas para debate; não tudo, é claro, porque em nome da eficácia e do pragmatismo que exiges, tive que ser curto, breve e sucinto. Acho que consegui.

02 dezembro, 2007

Os Assessores do Ministério

Pela calada da caixa de comentários deste post, um assessor ministerial escreveu todo um tratado de boas maneiras a meu respeito e, pelo meio, ainda colocou uma questão importante em debate: democracia-escala-economia. Por ora deixo de lado a questão importante – voltarei a ela quando arranjar um tempinho para responder a este outro post – e vou ao encontro das bocas do Hugo Mendes. Antes porém, e para desdramatizar, convém dizer que as bocas do Hugo Mendes não configuram um ataque dirigido especialmente contra mim. Um outro qualquer Hugo poderia mandá-las a um outro qualquer Zé. E, apesar da análise psicanalítica a que o Hugo Mendes me submete se querer muito perspicaz – e é verdade que para esse efeito é sempre tentador comentarmos as práticas masturbatórias alheias - a nossa relação pessoal é praticamente inexistente: eu e o Hugo Mendes cruzámo-nos algumas vezes no ISCTE, partilhando alguns amigos dessa época em que pc’s e outros lutavam contra propinas e praxes e o Hugo passava o seu tempo livre em amena cavaqueira nuns frugais piqueniques que juntavam três ou quatro jovens intelectuais socialistas.
Na realidade, as bocas do Hugo limitam-se a fazer de mim um caso exemplar de “pessoas que vivem a sua existência numa bolha ideológica e política”.
Esta tentativa de realojar numa bolha aqueles que apresentam ideias políticas de que não gostamos, mesmo se revela o Jorge Coelho que pode haver em cada assessor ministerial, não é um exclusivo socialista. Raro é aquele que se representa como a personificação do poder e que não usa o expediente da “bolha”; não ofende quem quer, ofende quem pode, diz um provérbio que tem um alcance tantas vezes insuspeito. E a verdade é que o Hugo pode, porque o Hugo está na mó-de-cima, ali de onde fala em nome do interesse de todos; ali de onde lhe parece infantil, ineficiente, preguiçoso ou poluído tudo aquilo que seja desviante da lógica que funda o seu próprio discurso; ali de onde, em jeito muito higiénico, o Hugo pode argumentar “la réalité c’est moi” e logo concluir que os outros vivem desligados da realidade.
Trata-se aqui, bem vistas as coisas, de um mesmo argumento de sempre; do argumento dos deputados do Estado Novo quando atacam os militantes comunistas, do argumento do primeiro-ministro quando ataca os partidos da oposição, do argumento de Luís Felipe Menezes quando ataca José Pacheco Pereira, do argumento do José Pacheco Pereira de hoje quando ridiculariza o José Pacheco Pereira dos anos 70, do argumento dos dirigentes comunistas contra os militantes da extrema-esquerda, do argumento dos dirigentes da extrema-esquerda contra os anarquistas, ou, por fim, do meu argumento quando no início deste post demagogicamente contrapus a minha figura de estudante-militante-associativo à figura de estudante-intelectual-académico do Hugo Mendes.
Mas, e justiça seja feita, nem todos os que recorrem a este gesto conseguem atalhar tão abruptamente caminho como o Hugo Mendes. Na verdade, diz o Hugo que nós - eu, tu, ele, o Louçã, o Jerónimo, o Negri, a esquerda francesa, o Maio de 68 e, também, a direita e os direitolas - somos uma minoria: “as pessoas são muito menos politizadas que os 3, 4, 5% da população (estimando isto por cima), que vive, que 'respira' política (à esquerda e à direita)”. Ou seja, segundo a perícia sociológica do Hugo, é só fazer as contas e nem vale a pena estrebucharmos quanto ao futuro: é que o Hugo também nos diz que as pessoas da bolha “são - e a sociologia serve para alguma coisa, serão no futuro - uma minoria”. Perante isto, que dizer? Reconhecer que finalmente percebemos que as ideias da malta da bolha já não têm qualquer “futuro histórico”? Dizer que, nas mãos do assessor, a sociologia se torna uma ciência semi-oculta, situada a meio caminho entre a futurologia e a demografia, entre Maya e Malthus? Ou perguntar se há assim tanto e tão pouco para fazer no ministério que o assessor se dedique a escrever 12 mil caracteres de texto sobre uns animais que estão em vias de extinção?
É claro que o Hugo Mendes explica porque somos e seremos uma simples bolha. É que o povo, diz ele, não quer saber de outra política que não as muito institucionais políticas públicas “exequíveis” e “concretas”, isto é, as políticas que o Hugo Mendes analisa e planeia para alegria geral da nação; o povo está-se a borrifar para a democracia constituinte, quer mas é ler todos os dias o Diário da República onde já se nota o dedo do Hugo Mendes e dos seus companheiros. O povo está à espera do Hugo Mendes e o Hugo Mendes espera que o povo espere por ele e é justamente por isso que a rua sindical, essa bolha de milhares de manifestantes que não esperam pelas medidas progressistas do jovem Hugo, tanto incomoda à ordem dos assessores ministeriais.
A Ordem dos Assessores Ministeriais define-se pelo facto dos seus membros não viverem em nenhuma bolha, esse lugar tremendo onde apenas se respira, come, bebe, defeca, urina e ejacula uma só coisa: ideologia. Mas se os assessores não querem viver na bolha, verdade é que também não querem viver onde mora o povo. E não querem por uma razão segundo eles muito óbvia. É que enquanto na bolha há politicidade a mais, no meio do povo falta politicidade e falta porque a malta do povo vive politicamente determinada pelos seus interesses materiais particulares. Se vivessem no meio do povo, se fossem povo, os nossos assessores ministeriais não poderiam determinar politicamente o que interessa e o que não interessa ao próprio povo.
Ou seja: como acham que política é fazer 15 flexões legislativas por dia e reunir três grupos de trabalho por semana, os nossos assessores excluem da polis todos os que não cumprem esta meta. Os que identificam como mais “politizados”, alojam-nos em bolhas; e o povo, a população, a gentalha, a maioria “despolitizada”, remetem-na a uma condição de excluída ou potencial excluída, colando-lhe uma imagem de vítima através da qual a desapropriam de qualquer poder constituinte. Sobram assim, na figura de donos da política, os homens da “linha justa”, uma linha tecnicamente aferida e traçada por eles próprios. O assessor – através dos discursos que escreve para o ministro – não é povo mas fala em nome da população, um entre outros conceitos através dos quais estes tecnocratas foram apagando qualquer carga de subjectividade política que ainda existisse no próprio conceito de povo. (Por isto também, quando alguém fala em nome do povo, os nossos assessores ministeriais logo se alvoroçam a acusar esse alguém de populismo). Com efeito, a população de que o gang da bolha vive desligado é a população que pulula no gabinete ministerial do Hugo Mendes! Um gabinete que, claro está, não é um gabinete-bolha … Qual quê! No gabinete do ministério são resmas de gente, toneladas de pessoas concretas, um odor a povo que tresanda, uma multidão arrumadinha sob categorias oficiais que engavetam cidadãos e cidadãos em dezenas e dezenas de quadros estatísticos, relatórios técnicos e discursos parlamentares.
Resumindo. O assessor do ministério não pode fazer parte dos 95, 96, 97% de “despolitizados” da população porque o assessor carrega sobre os seus ombros a responsabilidade histórica de aferir o que é e o que não é politicamente interessante para melhorar a "vidinha" dos “despolitizados” lá de baixo; e o assessor também não faz parte dos 3,4,5% de ideologicizados porque, tendo que tratar da "vidinha" dos acéfalos lá de baixo, o assessor não só não tem interesses materiais particulares como também não pode ter interesses ideológicos universais. Do alto do seu lugar de assessor ministerial, o Hugo Mendes tutela em vez de existir. Lembra aquele rapaz chatinho que faz de defesa nos jogos de futebol do bairro: sempre que tem um adversário pela frente, em lugar de o procurar desarmar, transforma-se automaticamente em fiscal-de-linha e desata a gritar fora-de-jogo, fora-de-jogo, fora-de-jogo!

ps: como referi, nada de pessoal. E como o Hugo Mendes até confessa que “se há pessoas com quem se tem gosto em conversar, é com esses apaixonados”, os que vivem nas bolhas, prometo que da próxima vez que o vir lhe pagarei um suminho com bolhas e tudo. Assim poderá o Hugo continuar a conviver nas “bolhas ideológicas e políticas” com a malta que se dedica à “masturbação ideológica”. E manter o sempre difícil compromisso entre deveres públicos e gostos privados.

25 novembro, 2007

A Democracia, Tipologia de uma História?


Entre algumas poucas outras coisas, ali atrás procurei dizer que uma crítica de esquerda a Chavez não tem por que ser uma crítica semelhante à crítica da direita a Chavez. E procurei também dizer que falar sobre a Venezuela hoje não pode ser apenas falar sobre Chavez. Entretanto, somaram-se várias reacções ao meu artigo no Público e também ao que escrevi ali em baixo. A talhe de foice quero pegar em dois pontos, o segundo (qual o grau de anarquicidade das minhas posições) num próximo post e o primeiro (uma dúvida avançada por um peão) aqui e agora: diz o Renato do Carmo, entre uma e outra consideração especulativa sobre o que eu escrevi, que não percebe se eu critico a democracia em si mesma ou se critico o modelo liberal de democracia. Devido à minha péssima formação liberal e ao meu não menos parco conhecimento dos debates da “ciência política”, confesso que ambas as formulações – democracia em si mesmo e modelo liberal de democracia – escapam-se-me facilmente por entre os dedos. Por isso sou forçado a colocar a questão noutros termos, contando que ainda assim não escape à questão colocada pelo Renato.
Uma das coisas que me faz alguma confusão nos debates sobre “existe ou não democracia na Venezuela?” é a facilidade – e creio que ela de alguma forma se precipita nas críticas de Pedro Magalhães a Daniel Oliveira – com que tais debates se transformam em discussões tipológicas e taxonómicas, do género, e passe a caricatura: é democracia se renovar-as-licenças-a-canais-de-televisão-mesmo-que-tenham-promovido-um-golpe-de-estado, não é democracia se puser-em-causa-as-propriedades-privadas-de-uns-poucos-num-país-em-que-milhões-estão-privados-de-toda-e-qualquer-propriedade, é democracia se não-houver-possibilidade-de-renovação-ad nauseum-dos-mandatos, não é democracia se as-armas-forem-parar-às-mãos-do-povo, etc..
Esta análise tipológica terá as suas virtudes, por certo que as terá; entre elas, por exemplo, evitarmos um relativismo conceptual insuportável para qualquer debate. Mas não é só isso que a tipologia evita. Ao aprisionar a ideia de democracia na figura do sistema (ou do modelo) – uma figura que necessariamente tende a ser estática e a-histórica – este tipo de análise deixa recorrentemente de lado a necessidade, que julgo imperiosa, de se pensar a democracia enquanto movimento constituinte e enquanto forma da própria resistência. (Questão que aliás me parece estar em jogo no debate travado no dito peão a propósito das lutas estudantis em França).
A limitação higénica da ideia de democracia à figura de um sistema é um problema maior sobretudo para aqueles que se reclamem de uma tradição comunista/libertária e que necessariamente se esforçam por imaginar um estádio humano em que a vida política dispensa o Estado (e, portanto, a democracia representativa). Creio, no entanto, que a idealização da democracia deveria igualmente preocupar democratas como o próprio Renato. Não o digo apenas – ou tanto – pelo que essa idealização pode ter de afim aos projectos neoconservadores de exportação da democracia. Falo sim de algo que me parece anterior a isso: as análises tipológicas sobre a democracia correm muitas vezes o risco de só existirem “fora da história” e de só servirem num tal contexto. Neste dia 25, não queria deixar de referir que é nesse erro que uma e outra vez se incorre quando se procura abstrair a liberdade e a democracia das lutas pela libertação e contra a didatura. Lutas travadas por figuras tão impuras como o senhor da foto, alguém a quem os diagnósticos tipológicos fazem questão de interditar o acesso à condição de democrata e de homem da liberdade.

* o título deste post manipula o título de um livro de Luciano Canfora, A Democracia – História de uma Ideologia, livro que não li mas que será objecto de um interessante debate na próxima 5ª feira no ISCTE.

23 novembro, 2007

Matámos os heróis, tudo bem. Mas e os líderes, deixamo-los andar por aí?

Caro Daniel, creio que estamos de acordo em relação a Chavez e à Venezuela. Pelo menos mais de acordo do que estávamos antes desta conversa se iniciar. Deve ser da dialéctica, como tu dizes.

A minha crítica às tuas posições tinha origem aqui: achava eu que essas posições se estavam a embaraçar nos mil e um debates por regra desenvolvidos em torno da figura de Chavez e que, assim, deixavas para segundas núpcias o debate sobre as transformações em curso na Venezuela. Do meu ponto de vista, tal não só tornava a tua posição susceptível de convergir com a crítica da direita a Chavez, como também tornava a tua própria posição “crente” na propaganda chavista que tende a resumir na figura de Chavez os processos revolucionários em curso na Venezuela.
(Reconheçamos no entanto, com ironia se preciso for, que este auto-culto chavista teve o condão de, no momento do golpe de estado, criar a ilusão junto da direita golpista venezuelana e dos ministérios dos negócios estrangeiros espanhol e norte-americano – e português? – de que lhes bastaria colocar Chavez atrás das grades de uma prisão para que o regime fosse à vida…)

Não creio, no entanto, que o problema do excesso de liderança de Chavez seja um problema que devamos restringir a Chavez. Explico-te sucintamente – e portanto simplisticamente – as razões pelas quais essa restrição de alguma forma me embaraça:

Tomo Chavez como uma dupla figura de liderança. A um tempo, líder de um movimento revolucionário; a um tempo, líder de Estado.

Comecemos pelo Estado. Enquanto líder de Estado, o que me afasta de Chavez é o mesmo que me afasta de qualquer outro líder de Estado, de Bill Clinton a George Bush passando por José Sócrates. Isto é, o que me afasta de Chavez enquanto líder de Estado é a própria figura de líder de Estado. Este afastamento tem que ver com o facto de eu não desejar a democracia representativa como “última etapa” da vida política em sociedade e nisto provavelmente diferimos. Embora o tipo de líderes que temos não me seja indiferente, para mim a “corrupção” não reside no facto de termos líderes populistas, carismáticos ou corruptos; a corrupção da democracia, para mim, reside no facto de termos líderes.
Esta diferente perspectivação tem implicações políticas concretas. Por exemplo: contrariamente ao que o BE fez nas autárquicas, eu não daria tanta importância, numa campanha eleitoral autárquica, à crítica dos “corruptos” de Gondomar, Felgueiras e Oeiras; eu sim daria mais importância à promoção de ideias como o orçamento participativo ou outras poetices do género.

(Sei que isto – a recusa da democracia representativa como necessidade democrática – parece muito infantil e muito pouco realista, muito aventureirista e muito irresponsável, muito perigoso e muito ingénuo. Mas te digo que não só vi, ainda há poucos dias, em plena estação de metro, um pastor de uma seita religiosa muito moderna pregar semelhantes balelas, como também te confesso que me dou à ousadia de achar que no actual estado da luta – e que vivam os “homens da luta”! – é muito difícil alguém achar-se superiormente maduro, realista, sensato e responsável. No actual estado das esquerdas europeias, julgo que ninguém tem “lata” para se armar em mais “consequente” do que outrem e, com sorte e com mais uns fracassos políticos estrondosos pelo caminho, daqui a uns poucos anitos já ninguém à esquerda começará uma frase com aquele insuportável advérbio de modo que desde logo considera o interlocutor o mais inapto dos seres políticos: Objectivamente, blá,blá,blá…)

Passemos ao Movimento e por aqui fiquemos que se faz tarde. Enquanto líder de um movimento revolucionário, o que me afasta de Chavez é o mesmo que me afasta de qualquer outro líder de movimento revolucionário. Não me interessa, na verdade, qualquer alternativa que se construa simetricamente à dominância.
Não exigo, por certo, que a alternativa seja absolutamente assimétrica e estou certo que não existe tal coisa como este "absolutamente"; mas, e para concretizar novamente com um exemplo bem perto de nós, confesso que me revejo muito mais no BE enquanto alternativa na medida em que o BE seja um partido que tem mais do que um simples rosto a “dar a cara”. (E não é que o FL - quem muito admiro - não tenha uma cara laroca, que a tem).

06 novembro, 2007

Para além disso, toda a gente sabe que a "medicina socialista" come criancinhas ao pequeno-almoço

"Eu tinha cancro da próstata há cinco, seis anos atrás. As minhas hipóteses de sobreviver - e, graças a Deus, fiquei curado - nos Estados Unidos? Oitenta e dois por cento. As minhas hipóteses de sobreviver a um cancro na próstata na Inglaterra? Apenas 44 por cento, com a sua medicina socialista".

Já há vários dias que se sabia que os números usados por Rudy Giuliani, o mais que provável candidato republicano às presidenciais norte-americanas, eram falsos. Ontem, numa raríssima intromissão na campanha eleitoral de outro país, o ministro da Saúde britânico veio desmentir publicamente o candidato presidencial republicano e esclarecer que, em Inglaterra, a taxa de recuperação se situa nos 74.4% - e a subir. Pouco importa. Giuliani, numa exemplar demonstração de que Bush fez escola na política americana, já garantiu que vai continuar a transmitir o anúncio na mesma.

Mas o mais importante no anúncio não é tanto o que diz Giuliani mas o que fica por dizer. Esconde que a "medicina socialista" custa aos contribuintes menos de metade do que os americanos gastam em despesas de saúde. O único país industrializado sem um serviço universal de saúde, é o país que gasta mais em despesas médicas: 15% do PIB. O resultado? 46 milhões de cidadãos, sem seguro, não tem acesso a nenhum cuidado de saúde. A pergunta que exigia resposta era essa. Qual é a probabilidade que esses milhões de pessoas têm de sobreviver a um cancro da próstata? Zero por cento. É esse o número que interessa, por muito que os nossos liberais de serviço pretendam elogiar as virtudes de um sistema exclusivamente privado que gasta fortunas para apresentar indicadores medíocres.

08 agosto, 2007

Dantes é quera bom


Knife throwing mother of the 1950s

Ansiando por esses Golden Days dos anos 50, antes dessa cambada de hippies preguiçosos, drogados e comunas se lembrarem de violentar a sacrossanta educação parental.