segunda-feira, 7 de abril de 2014

Seriedade


Luisa passava uma época atormentada com a contradança de empregadas a entrarem e a saírem. Não percebia o que se passava… Elas vinham todas com referências de pessoas ilustres. No entanto, depois, o seu comportamento deixava muito a desejar. Eram as suas porcelanas e cristais que apareciam partidos, a conta da mercearia com produtos que ela não pedira… Enfim, um inferno.


Faziam de tudo para serem despedidas ao fim de poucos dias mas exigiam o ordenado por inteiro!
O marido dizia-lhe muita vez:
- Tens um coração mole e elas conhecem a tua fraqueza.
- Eu estou é cansada deste corrupio e não sei como os antigos patrões passam referências tão enganadoras…
- E sabes se são eles quem as passa? Devias fazer o que aconselha a Leonor, ligar para esses números de telefone que elas apresentam nesses cartões pomposos e indagar sobre a sua veracidade. Mas não, admites logo o pessoal sem saber onde elas penduram as botas.
- Espoliam-me como ladrões de estrada e não tenho quem me sirva… - Lamentava-se Luisa.
Nem de propósito, no dia seguinte Leonor telefonou-lhe para saber como paravam as modas.
- Não tenho ninguém que me sirva, Leonor! Estive a pensar e vou limitar o pessoal a uma só. Quero uma empregada que faça o serviço todo de casa. Meto uma mulher-a-dias para as limpezas e mando a roupa à lavandaria…
- Então talvez tenha algo que te sirva. No jornal de hoje vem um anúncio de uma senhora viúva que pretende um lugar como o que tu ofereces.
Luisa não quis saber de mais nada e telefonou de imediato para a senhora “de respeito”. Quando chegou ao seu contacto perguntou-lhe se estava disponível para se apresentar ao serviço o mais breve possível.
A mulher, de nome Rita, apresentou-se para uma entrevista dois dias depois. Luisa gostou do seu aspeto: alta, magra, já com alguns cabelos grisalhos, um ar simpático mas sério; como se a seriedade tivesse cara.


Luisa tinha ressonâncias de alegria dentro de si e pensava que podia ir agora mais descansada para o seu escritório.
Ao jantar o marido ficou surpreendido por múltiplas razões: por já haver uma empregada em casa como se alguém tivesse estalado os dedos, pelo assado primoroso apresentado com classe, contrariando ar bastante humilde, quase rústico, de quem o servia.

- Espero que desta vez tenhas primeiro colhido informações. - Dizia-lhe o marido.
- Ah, não foi preciso! Mal lhe abri a porta vi logo que era uma pérola.
- Só se for falsa…
- Não digas isso. Tivemos uma conversa que me elucidou bastante sobre o seu carácter.
É viúva, o marido morreu no Brasil. Durante algum tempo viveu com o filho único que era funcionário de um banco e que faleceu num acidente…
- Mulher, ela matou toda gente para que não haja ninguém que possa confirmar a sua verdade. - Concluía o marido insistindo em manter a dúvida.
- Estás a ser injusto. Ela até tem umas boas economias lá na terra mas, para não ser pesada a ninguém, resolveu trabalhar. É de Fornos e facilmente poderemos averiguar se falou verdade.
- E deu referências?
 - Bem, dar não deu, mas disse-me que podia perguntar aos Menanos, ao Dr. Bettencourt e até me falou no nome de alguns ministros. Todos a conhecem mais à sua família…
- Que já morreu…
- É boa pessoa e até acrescentou que se o ministro (o último onde ela trabalhou) soubesse que ela estava a servir, mandava-a para a terra com uma boa mesada.
- Qual ministro? Só se for o da Saúde para a internar… Luisa, tu acreditas nisso tudo?
- Olha, pelo menos cozinha como viste…

Luisa sacudiu os pensamentos negativos que o marido lhe sugeria e acalmou-se pensando que, no dia seguinte, deixaria a sua casa bem entregue.
À noite, quando chegaram os dois a casa, um perfume de guisado espalhava-se no ar como um convite irrefutável das qualidades culinárias da dona Rita.
- Luisa, esta mulher foi toda a vida cozinheira. - Afirmava com convicção o marido.
Depois do jantar Luisa foi para cozinha conversar e tentar descobrir um pouco mais sobre a empregada. Entabularam uma conversa muito curiosa. Dona Rita entusiasmada com o interesse da patroa “esticava-se”…
- A senhora conhece Fornos, a minha terra?
- Sim conheço, já lá estive há alguns anos.
- Então devia conhecer o Barão de Fornos que era meu tio.
- Era seu tio?
- Era sim senhora mas, quando ele morreu eu estava no Brasil e por isso fiquei sem nada.
- Então tem viajado muito…
- Bastante… Quando o meu marido era vivo corremos a Europa quase toda até fomos numa viagem de recreio à Suíça no “Niassa” porque o comandante era nosso amigo.
- No “Niassa”? Tem a certeza?
Dona Rita atrapalhou-se e pensou que tinha ido longe de mais.
- Foi, foi. Até a minha irmã mais velha foi connosco… – Disse, agora com menos convicção.
- E a sua irmã vive em Fornos?

- Não, não… Ficou lá pela Suíça e nunca mais deu notícias.
Acabou de arrumar a cozinha e disse quase desabridamente:
- Vou deitar-me, minha senhora.
Luisa quando se deitou contou ao marido a história que ouvira da cozinheira.
- Com que então no “Niassa” e vá lá, desta vez não matou a irmã… Luisa, tira informações sobre esta mulher, ela é uma aldrabona.
-Coitada, é só para não parecer uma criada de servir.
Mas no dia seguinte a porteira veio ter com ela e perguntou-lhe:
- A senhora conhece bem a sua empregada?
- Bem, de certo modo…
- É que ela faz pela janela uns sinais com os dedos e depois recebe visitas na sua ausência.
Luisa quando entrou em casa chamou a dona Rita:
- Já lhe disse que não quero visitas na minha ausência.
- Ah, elas até eram para a senhora… - Disse manhosa.


À noite na cozinha continuava a desfiar os seus altos conhecimentos à procura de um estatuto de nível.
Luisa começava a duvidar e ainda mais a dúvida se consolidou quando a porteira veio ter com ela e confidenciou:
- Hoje apareceu uma mulher com um saco de oleado, andou na rua a mirar as suas janelas e só entrou quando viu os tais sinais.
Luisa desabafou com Leonor.
- Eu se fosse ti mandava-a já, mas mesmo já para donde veio. E que isto te sirva de lição.
O marido logo concordou com Leonor.

Finalmente convencida, Luisa chamou a dona Rita, pagou-lhe o ordenado por inteiro, e despediu-a.
A Empregada aceitou logo, correndo pelas escadas abaixo e levando a sua parca bagagem.
No fim-de-semana seguinte Luisa resolveu fazer uma limpeza a fundo à casa e deu conta da “limpeza” que dona Rita fizera nos dias que lá trabalhara.
Telefonou aos ilustres empregadores mas ninguém conhecia nenhuma Rita.

Procurou de imediato o jornal onde aparecera o anúncio e telefonou para o número através do qual tinha contactado a ex-empregada. Qual não foi a sua surpresa ao saber que o número pertencia a uma tabacaria e de onde a informaram que apenas tinham consentido receber respostas a um anúncio de emprego para ajudar uma senhora viúva, de “muito respeito”…

quinta-feira, 27 de março de 2014

Pergunta-me



Pergunta-me
Se ainda és o meu fogo
Se acendes ainda
O minuto de cinza
Se despertas
A ave magoada
Que se queda
Na árvore do meu sangue

Pergunta-me
Se o vento não traz nada
Se o vento tudo arrasta
Se na quietude do lago
Repousaram a fúria
E o tropel de mil cavalos



Pergunta-me
Se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
Junto das pontes enevoadas
E se eras tu
Quem eu via
Na infinita dispersão do meu ser
Se eras tu
Que reunias pedaços do meu poema
Reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
Pergunta-me qualquer coisa
Uma tolice
Um mistério indecifrável
Simplesmente
Para que eu saiba
Que queres ainda saber
Para que mesmo sem te responder
Saibas o que te quero dizer

- Mia Couto in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

terça-feira, 11 de março de 2014

Encontro de Átomos


Inês guardou na sua pasta os exames médicos que a doutora Cecília lhe entregara.
- Obrigada por tudo doutora.
- Tudo? Mas eu não fiz nada porque a Inês não permite. É uma pessoa invulgarmente dinamizada eu diria até, desassossegada. Sofre da doença do “mais”…
- Não brinque doutora Cecília… O jornal precisa de mim para esta grande reportagem e já há diversas conferências marcadas com pessoas de todo o mundo que estão envolvidas neste trabalho social. Vão comigo mais dois elementos do jornal e a viagem é para daqui a dois dias.
- E se em vez de um tumor benigno fosse maligno, Inês? Não teria a capacidade de parar, ouvir o que os médicos lhe dizem, escutar a própria vida?
- Não sei… Com certeza que na Índia também há hospitais bons que me possam ajudar se a situação se alterar…
- Penso que sim mas, não é a mesma coisa. Aqui está em casa em todos os aspetos e o apoio da família e amigos é muito importante.
- Espero regressar a tempo de resolver a situação. Depois de ter cumprido a minha obrigação profissional…
- Diga antes, o seu sonho…

Inês sorriu e o seu olhar já estava longe dali e de si própria. Meteu-se no carro pronta a ir fazer as malas para evitar aquele desconforto de já não se sentir em lado nenhum…
Os pais já não se surpreendiam com estas viagens que Inês fazia a cada passo em serviço. Mas agora para a Índia… tão longe, o coração ficava apertado, sem dúvida.
Inês sossegava-os:
- O tempo passa depressa e prometo que todos os dias falo convosco.
Inês gostava da sua profissão que, em cada ano, lhe oferecia uma aventura feita de rostos, de histórias, de muitas palavras a correr como um rio, compêndios, apontamentos e fotocópias.
Por diversas vezes já fora premiada por reportagens que fizera quer para o jornal, quer para a televisão.
Já no avião, Inês não largava o seu computador. Os colegas riam-se dela:
- Aproveita para dormir umas horinhas, a viagem é muito longa.
- Não consigo dormir no avião. Aproveitem vocês, estou já a trabalhar na minha reportagem.
Contudo, Inês passou algumas horas pelo sono…

Túmulo do imperador mughal Humayun, construído em 1570, serviu de inspiração para o Taj Mahal. New Delhi, Índia

Quando chegaram a Nova Deli, capital da Índia, a cidade foi uma surpresa agradável para os três, bem como o luxuoso hotel onde ficaram hospedados.
Avisados que depois do jantar haveria a conferência de apresentação, apressaram-se a tomar um duche para espantar cansaços e vestirem-se adequadamente.
Ao jantar, numa mesa de dez pessoas tornada em Nações Unidas: ouvia-se falar em espanhol, italiano, inglês, francês e, claro, em português.
A seu lado, sentou-se um italiano, também ele jornalista, que desportivamente se apresentou:
- Ciao, me chiamo Giovanni, de Riomaggiore… Scusi, o meu portuguese non è muito buono. È una língua molto difficile…
Perante aquela algaraviada proferida de forma tão desajeitada e simpática, Inês nem exitou e disse sorridente em bom italiano:
- Não há problema, eu falo italiano!
O alívio do seu interlocutor não se fez esperar.
- Meu Deus, mas isso são ótimas notícias! – E a partir daí a conversa entre os dois seguiu na língua mãe do jornalista italiano.
É claro que, entre todos os que sentavam naquela mesa, surgiram as inevitáveis dificuldades de comunicação, mas nada que um sorriso e umas palmadinhas nas costas não resolvessem.
Todos tinham a consciência que era um privilégio estarem ali, convidados expressamente para um mês de trabalho em várias províncias da Índia.

No dia seguinte, vários autocarros levaram jornalistas e conferencistas a fazer uma breve visita à capital da Índia. Giovanni, que já conhecia o país, sentado ao lado de Inês, era o seu guia pessoal. Diante dos olhos de Inês surgia o limite entre a realidade a bater-se vencedora com a ficção e os pés de barro dos quais ia dando conta em vários pontos deste circuito, preparado para encantar. Mas a tradição pesa e oferece imagens, por vezes, nada agradáveis.
Giovanni dizia-lhe:
- Quem vem à Índia, nunca mais regressa igual. E é verdade!
- Foi o que te aconteceu?
- Sim, adorei o povo, as suas tradições tão marcantes, a sua história e cultura religiosa tão pouco conhecidas dos ocidentais. A Índia ou se gosta e ama-se de vez ou se rejeita e tem-se a vontade de pegar o primeiro avião para voltar para casa.

Inês sentia-se dentro de um filme, daqueles filmes indianos que ela sempre detestara. Pensava que a sua vontade talvez fosse a segunda hipótese. No entanto, nunca fora de desistir e entendia perfeitamente que o bem e o mal convivem amiudadas vezes paredes meias, assim como o amor e ódio, o lar e a selva.
Giovanni falou-lhe de Mahattma Gandhi, esse homem extraordinário que amou o seu povo precisamente porque reconhecia que eram presas fáceis para a morte que os rondava sempre. Pessoas fustigadas sem piedade por toda a espécie de pobreza, aceitando essa vida miserável como um destino. 

Rio Ganges em Varabasi, Uttar Pradesh, Índia
- Tenho um projeto, talvez como Gandhi… Quero ajudar este povo na medida das minhas possibilidades. Em Uttar Pradesh colaboro num empreendimento que está a erguer uma aldeia sociocomunitária auto-suficiente, que, aos poucos, está a transformara vida de um pequeno canto daquela província tão pobre…
- Uttar Pradesh? Mas é aí que vamos fazer a nossa reportagem! - Inês ficara curiosa com o projeto de que Giovanni lhe falara. A ideia de poder testemunhá-lo em primeira mão deixou-a radiante.
“Nenhum homem é uma ilha; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra”. Uma citação muito bonita mas que, às vezes, não tem significado.

Universidade La Martiniere, Lucknow, Índia (c) Ahmad Faiz Mustafa
Inês estava cada vez mais ansiosa para ver a obra de que tanto ouviu falar naqueles dias. As horas voavam em antecipação do momento de chegada à província de Uttar Pradesh. A viagem passou por um voo entra Nova Deli e Lucknow, a cidade dourada da Índia e capital da província. Depois seguiu-se uma longa viagem por estrada, para norte, em veículos ao serviço do empreendimento com que Giovanni colaborava. A localidade mais próxima era Nighasan, não muito longe da fronteira com o Nepal.
O aldeamento, esta palavra fazia todo o sentido, fora construído de raiz. Inês e os seus colegas ficaram espantados com aquela “pequena cidade”. De facto, a única palavra que liberta toda a espécie de prisão, é o amor. E ali notava-se, para além de muito trabalho, o amor e a dedicação.

Giovanni e os imensos amigos convidados a oferecerem um ano ou dois de trabalho comunitário em Uttar Pradesh, tinham sido fantásticos, quase operando um milagre.
Não faltava um pequeno hospital, bem apetrechado, um infantário, um lar de idosos, duas escolas para além de habitações sociais destinadas às famílias pobres, que naquela zona eram quase todas...
Inês desdobrava-se em visitas e entrevistas à população local, quando necessário com a tradução de Giovanni já razoavelmente fluente em hindi.
- Estou a adorar fazer esta reportagem e de ter a oportunidade de dar a conhecer ao mundo a obra que está aqui a ser feita.
- Não precisamos de aplausos, apenas de muita ajuda e amor. - Riu-se Giovanni.

Os dias foram correndo céleres e Inês constatava que já amava aquela obra e gostava de estar ali. Percebia também, na sua sinceridade interior, que havia outros laços que iam crescendo igualmente. E no silêncio dos corações um sentimento muito seguro foi cimentando-se na reciprocidade. Há coisas que não se podem esconder, tal é a sua intensidade.
Os outros sorriam e compreendiam.
Um dia Giovanni sentiu-se mal. Ficou muito pálido, parecia a imagem da morte. Chamaram o médico que habitualmente o assistia.
- É tempo de voltares outra vez a Itália. Há tratamentos que não podem parar.
A situação desnudava-se perante Inês confrontada com a perceção inegável de que algo de grave se passava.
A reportagem estava pronta e os colegas partiriam dentro de dias. Mas os planos de Inês eram outros, estava determinada em seguir com Giovanni para Itália. Todo o seu material tinha sido enviado para a sua redação e as imagens recolhidas seguiam com o cameraman que havia acompanhado o grupo para serem editadas em Portugal.


- Não quero que alteres os teus planos por minha causa. - Murmurava-lhe Giovanni.
- O meu dever profissional está cumprido e agora há outro que se impõe. Se tens de lutar contra alguma coisa eu serei tua aliada! - Afirmou Inês decidida.
Na viagem de avião até Roma houve espaço e tempo para abrirem os seus corações.
- Padeço de leucemia há algum tempo mas o desânimo nunca me afetou. Continuei com a mesma determinação no trabalho do aldeamento a que eu chamo de “Mio Amore”.
Inês brincou:
- Ah, pensava que era eu o teu amor. Riram-se os dois.
Após um momento partilhado, a expressão de Inês tornou-se séria e afastando docemente os braços confessou num murmúrio:
- Tenho dificuldade em encontrar as palavras certas sem te causar mais preocupações. Na véspera de embarcar para a Índia, a minha médica entregou-me os resultados de exames que fizera e o vaticínio era cancro da mama, embora o tumor fosse benigno. Comprometi-me com ela, no meu regresso a Portugal, a fazer o devido tratamento.
Giovanni e Inês abraçaram-se num gesto onde para além do amor, havia cumplicidade, intimidade e partilha.
- Havemos de vencer! – Disse Giovanni.
Ao chegarem a Roma, Giovanni foi internado no seu hospital para fazer vários exames. Antes ainda confiou Inês aos cuidados dos pais transmitindo-lhes o carinho que tinha por ela que um pai e uma mãe tão bem sabem reconhecer. Nascia um vínculo que unia aqueles seres marcados pela doença e pelas preocupações mas também por um sonho grandioso de fazer muita gente feliz.
O avançar dos dias parecia trazer mais calma a Giovanni e a Inês mais impaciência.
Inês passava todo o tempo possível com o seu amore no quarto de hospital onde continuava internado. Num desses dias, receberam a visita de uma médica que Giovanni apresentou de imediato.

Cupido e Psyche, por Antonio Canova (c. 1797) - Palazzo Marini, Milão.

- Minha querida, esta médica, uma grande amiga minha, é especialista na área do teu problema e gostava de te fazer um exame mais cuidado. Porquê esperar o teu regresso a Portugal? Já que estamos os dois aqui façamos uma revisão aos nossos casos.
Inês aceitou pensando que no último mês, a caminho do segundo, tinha tido uma vida sem repouso, numa vertigem constante de alta velocidade e fortes sensações.
Era preciso parar como dizia a doutora Cecília.
Nos dias seguintes os casos clínicos de Giovanni e Inês foram tema de conversa em vários núcleos hospitalares do país. Os médicos conferenciavam, discutiam opiniões com outros especialistas, e ofereciam possíveis soluções. O cancro de Giovanni e o tumor de Inês haviam regredido. No caso de Inês o tumor havia desaparecido por completo. No de Giovanni as melhorias eram inusitadas e inesperadas, aproximando a cura total.
Os clínicos questionavam qual seria a explicação. No caso de Inês era fácil entender o que se passara, afinal, por vezes, os tumores benignos regridem. Mas a leucemia de Giovanni era um cancro declarado! Não era muito clara a sua cura… Iria certamente ser motivo de vários estudos futuros.
Aos dois apaixonados pouco interessavam as explicações oferecidas pelos médicos, marcadas mais pelas dúvidas do que pelas certezas. Inês, abraçada a Giovanni, dizia-lhe:
- De tão longe vim aos teus braços abertos.
- Posso afirmar o mesmo, meu amor. Os médicos não entendem o que se passou mas eu sei: os nossos átomos deixaram de ter preocupações e uma espada sobre a sua existência. Ficaram cheios de projetos, de sonhos e, finalmente, de amor! Deixamos de pensar em nós para pensar nos outros. Deixou de haver espaço para a doença… Entre os nossos átomos houve uma secreta biogénese, essa coisa estranha a que se chama comunhão de corações.


- Foi apenas o Amor que nos salvou.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

5º Aniversário do blog Zambeziana


 
Não há nada como um aniversário para assumir de novo um sonho: o meu BLOG!
 
Por vezes é preciso deixar o caminho para realizar sonhos mais antigos que só esperavam o momento certo para saírem da gaveta. Terminei o meu livro, agora o trabalho é com a editora.
Foi esta a razão da minha ausência. Dentro de mim debatiam-se mil coisas, mil desejos… Mas, na vida, há sempre que fazer opções: não poderia matar a semente que havia em mim, há tanto tempo guardada, desejosa de ser flor! Missão cumprida!
 
Neste Quinto Aniversário do Blogue ZAMBEZIANA quero dizer-vos que nunca vos esqueci. Por vezes, vinha “espreitar” o que escreviam e deliciava-me. Mas o tempo, esse tempo que agora me parece mais diminuto, não me deixava margens para vos comentar. É que a realização está mais perto do desejo do que da realidade. Mais na possibilidade do que na posse.


A montanha ficava, por momentos, só, perfilada ao longe… mas nunca ESQUECIDA!
 
Fui feliz convosco e, se calhar, nem me apercebi do tanto que recebi de todos. Quando somos felizes, acontece nem darmos por isso… Afinal, a felicidade é feita de pequenas coisas e são essas que enchem o nosso contentamento.
 
Não seria justo festejar este aniversário sem a vossa presença… Estar aqui há cinco anos foi possível graças aos Amigos que estão comigo quase desde o primeiro momento.
 
OBRIGADA a todos do fundo do meu coração.


Quero continuar a deitar à terra a semente que me foi dada e no caminho que escolhi percorrer. A felicidade chega depois: na certeza de que o possível está a ser construído passo a passo.
Sei que palavras vivas, cheias de cor, voltarão a ser escritas aqui vagarosamente… como um rio que corre para a sua foz.
 
A Palhota terá sempre as suas portas abertas para acolher Amigos, mensagens estimulantes que nos levem todos a recuperar rumos!
 
Somos as nossas decisões!

Que Deus vos abençoe!

sábado, 7 de setembro de 2013

Ser Viúva


Esta é uma "vocação" pela qual nunca nenhuma mulher optou.
Ao sair da igreja com a alma em festa e a mão poisada no braço do companheiro que escolheu para trilhar uma estrada a dois, pensa que será para sempre. Nada poderá interromper este sonho de felicidade. Poderá acontecer a outras, mas não a ela! Juraria que ele é imortal... e depois tão saudável.
Afinal a sua vocação foi sempre o caminho do matrimónio. Esta sim era, e é, uma vocação, agora a viuvez? Nunca ouvira tal, mas há quem lhe chame assim... E há movimentos a lembrar este estado que ela quer esquecer. E serão bem vindos se não falarem nesta "vocação" como se fosse um estigma ou uma maldição. São umas coitadinhas! São precisos grupo mistos que apoiem estas mulheres que ficaram sós mas que continuam a ter vocação de esposas. "Não separe o homem aquilo que Deus uniu" (Mt. 19,6). Eles partiram, mas estão apenas ausentes, assim lhes diz a sua fé. E estas mulheres continuam a ser mulheres, mães, profissionais e esposas.

 
Mas a sociedade não entende assim e marginaliza a mulher viúva. Desde o Antigo Testamento, embora Jesus, o Mestre, e os seus apóstolos tenham enaltecido sempre esta figura quase patética (Lc. 7,13; Mc. 12,42-44; I Tim. 5/3,5).
Muitas ficam totalmente sós, desprotegidas e abandonadas, sem apoio social ou económico. Algumas até sem um único ente familiar. É evidente que, durante séculos e séculos, esta situação passou a ser vista de uma maneira mais positiva. Mas não se animem os otimistas, nem tudo foi relevado.
No Antigo Testamento a mulher viúva era conotada como rasteiro (Zac. 7,10), em suma, uma deserdada da sorte (Lev. 22,13).
Ainda no Antigo Testamento a mulher viúva tinha três hipóteses de caminho a seguir. Podia voltar a casar se tivesse um bom dote; podia trabalhar para ganhar o seu sustento; ou podia voltar para a casa dos pais.


Hoje, com a emancipação da mulher, e o seu novo lugar conquistado na sociedade é quase sempre a segunda hipótese a mais seguida. Mas, a nível de Estado, e não só, a viúva continua como antigamente, desprotegida.
A pensão de viuvez é muito menos de metade do vencimento base do seu cônjuge. Havendo filhos menores a estudar de que modo pode ela fazer face a uma situação em que se encontra já penalizada emocionalmente?
E a nível da Igreja, do espírito cristão, como são acolhidas as mulheres de "vocação" não escolhida e muito menos compreendida e apoiada?
É um estudo feito por uma mulher que ficou só, que é posto aqui como desafio a toda a sociedade, ao Estado e à Igreja.