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quarta-feira, 10 de abril de 2024

A minha Poesia sou eu





… Não, Poesia:
Não te escondas nas grutas de meu ser,
não fujas à Vida.

Quebra as grades invisíveis da minha prisão,
abre de par em par as portas do meu ser
— sai…

Sai para a luta (a vida é luta)
os homens lá fora chamam por ti,
e tu, Poesia és também um Homem.

Ama as Poesias de todo o Mundo,
— ama os Homens
Solta teus poemas para todas as raças,
para todas as coisas.
Confunde-te comigo…

Vai, Poesia:
Toma os meus braços para abraçares o Mundo,
dá-me os teus braços para que abrace a Vida.

A minha Poesia sou eu.


Amílcar Cabral,
in “Seara Nova”. 1946.




Amílcar Cabral, o homem que preconizava o diálogo. No poema cantado, abaixo, de António Gedeão ouve-se "mesmo morto hei-de passar". E passou. Não com a Concórdia que ele queria... 

Mesmo assim abriu os braços para acolher a Humanidade, 
transmitindo-lhe o que considerava um bem precioso:
a noção de liberdade.





Adriano Correia de Oliveira
"Fala do Homem Nascido"

(Poema: de António Gedeão
Música: José Niza)


***


Amílcar Lopes da Costa Cabral, (Bafatá, Guiné Portuguesa, actual Guiné-Bissau, 12 de setembro de 1924 — Conacri, 20 de janeiro de 1973) foi um político, agrónomo e teórico marxista da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. aqui



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Poema publicado aqui, no Xaile de Seda

quinta-feira, 31 de março de 2022

Vem...senta-te que a história não é curta





O teu mensageiro

Não te afastes
aproxima-te de mim
traz a tua esteira e senta-te

Vejo tremenda aflição no teu rosto
mostrando desespero
andas
e os teus passos são incertos

Aproxima-te de mim
pergunta-me e eu contar-te-ei
pergunta-me onde mora o dissabor
pede-me que te mostre
o caminho do desassossego
o canto do sofrimento
porque sou eu o teu mensageiro

Não me subestimes
aproxima-te de mim
não olhes estas lágrimas
descendo pelo meu rosto
nem desdenhes as minhas palavras
por esta minha voz trémula
de velhice impertinente

Aproxima-te de mim
não te afastes
vem...

senta-te que a história não é curta

in: No fundo do canto


Odete Semedo (Maria Odete da Costa Soares Semedo), nasceu em Bissau, em 7 de Novembro de 1959. Poeta, contista, professora universitária e política. Aos 18 anos iniciou as suas atividades como professora. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1989/1990). Ao regressar à Guiné-Bissau, assumiu a Coordenação Nacional do Projeto de Língua Portuguesa no Ensino Secundário, financiada pela Fundação Gulbenkian. Foi Diretora da Escola Normal Superior Tchico-Té; exerceu ali ao mesmo tempo suas atividades de professora. Em 2006 mudou-se para o Brasil para realizar o seu doutorado em Letras, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, em 2010, defendeu a tese "As mandjuandadi – cantigas de mulher na Guiné-Bissau: da tradição oral à literatura".
Mais aqui...



Flor Ave do Paraíso



Eneida Marta - Mandjuandadi


Tenham uma boa quinta-feira, meus amigos.

Abraços
Olinda

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Veja, se interessar: 

Odete Costa Semedo - ancestralidade e a poética do desassossego

Título do post retirado do poema
Imagem: pixabay 

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dores e desaires dos caminhantes




Que palavras
poderão espelhar este desaire
ensinaram-me o abc
deram-me a conhecer
letras e sílabas
sentenças e provérbios
ditos e cantigas

Ensinaram-me
que as letras
que as palavras
traduzem
reproduzem
encantam
contam
pensamentos
intentos
devaneios
e sonhos


Para tanta aflição expressar
esta dor queimando
a minha alma
o nosso infortúnio

Este punhal...
cravado no meu chão
maldição de que deuses
para dilacerar
as estranhas da gente?
como aplacar tanta
e tamanha dor
ninguém me desvendou
tal segredo.
-



Maria Odete da Costa Soares Semedo nasceu em Bissau, a 7 de Novembro de 1959. Aos 18 anos iniciou as suas atividades como professora. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1989/1990). Assumiu, ao regressar à Guiné-Bissau, a Coordenação Nacional do Projeto de Língua Portuguesa no Ensino Secundário, financiada pela Fundação Gulbenkian. Foi Diretora da Escola Normal Superior Tchico-Té; exerceu ali ao mesmo tempo suas atividades de professora. A partir de 1995 passou a desempenhar as funções de Diretora Geral do Ensino. Foi Presidente da Comissão Nacional para a UNESCO - Bissau. Assumiu as funções de Ministra da Saúde e de Ministra da Cultura. Doutorou-se em Letras pela PUC Minas, Brasil.



Eneida Marta : Guiné-Bissau

Traduziu para crioulo o guião do filme Olhos Azuis de Yonta do cineasta Flora Gomes e participou na rodagem do mesmo filme como assistente de realização.

Participou na Anthologie de Literatures Francophones de l'Afrique de l'Ouest, Éditions Nathan, Paris, 1994. Foi co-fundadora e é membro do Conselho de Redacção da Tcholona, Revista de Letras, Artes e Cultura. Mais: aqui


Leia, se interessar:

O que é feito da Guiné-Bissau?
    Um paraíso (quase) perdido
   Reportagem da TVI24


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Poema: No fundo do canto.Odete Semedo, Belo Horizonte: Nandyala, 2007.

Veja posts, desta série, sobre:
Amílcar Cabral
Vasco Cabral
António Baticã Ferreira

Agnelo Regalla

Hélder Proença

.A Literatura Guineense: Contribuição para a identidade da Nação, de Joaquim Eduardo Bessa da Costa Leite (Tese de doutoramento, 2014 - Coimbra) - pg 10


Imagem: daqui

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Não posso adiar a Palavra




Não posso adiar a Palavra

Quando te propus
um amanhecer diferente
a terra ainda fervia em lavas
e os homens ainda eram bestas ferozes

Quando te propus
a conquista do futuro
vazias eram as mãos

negras como breu o silêncio da resposta

Quando te propus
o acumular de forças
o sangue nómada e igual
coagulava em todos os cárceres

em toda a terra
e em todos os homens

Quando te propus
um amanhecer diferente, amor
a eternidade voraz das nossas dores
era igual a «Deus Pai todo poderoso 

                           criador dos céus e da terra»

Quando te propus
olhos secos, pés na terra, e convicção firme
surdos eram os céus e a terra
receptivos as balas e punhais

as amaldiçoavam cada existência nossa

Quando te propus
abraçar a história, amor
tantas foram as esperanças comidas
insondável a fé forjada

no extenso breu de canto e morte

Foi assim que te propus
no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu
o hastear eterno do nosso sangue
para um amanhecer diferente!


Helder Proença
    (1956-2009)

Hélder Proença foi um escritor, professor e político da Guiné-Bissau, havendo lutado na guerra de independência do país, na década de 1970. Desde a adolescência que Proença escrevia poemas, àquele tempo sob a temática anti-colonialista, que resultou na publicação, em 1977, da primeira antologia poética guineense, sob sua coordenação, entre outros, e que também prefaciou, intitulada "Mantenhas Para Quem Luta!" - Mais... aqui




De uma forma ou de outra a História acaba sempre por nos apresentar a factura das nossas decisões, más práticas e incompetências. A nós ou a nossos filhos e netos, ou seja, aos vindouros. Trata-se aqui da tal História de que se não fala muito, porque incómoda. Assim a História da África Negra. Esquecer a Conferência de Berlim de 1884/1885, em que se procedeu à partilha de África pelas potências de então, parece remeter aos povos que depois ascenderam à independência a responsabilidade, na íntegra, de todos os seus insucessos sociais e políticos. O que não corresponderá à realidade. 

Estou a pensar no caso da Guiné-Bissau. Ano após ano assistimos à tentativa falhada de que o regime político que lhe foi imposto dê resultado, a forma de auscultação popular exportada do chamado ocidente, como boa, dê frutos. E nós, na nossa alta consciência e detentores de todas as razões e lógicas encolhemos os ombros e damo-lo como caso perdido. Terra de vários povos, alguns separados arbitrariamente do seu torrão, de grande variedade étnico-cultural, difícil se torna a integração desses valores num objectivo comum. 

E tomando como mote este poema de Hélder Proença, escrito num momento outro, diria que a Palavra não poderá ser adiada por mais tempo. Uma nova visão desse mundo com idiossincrasias próprias e que nos passa ao lado deveria ser abordada. Pelos próprios guineenses, naturalmente. E pela nossa predisposição de melhor entender essa realidade...

Continuando um pouco na senda do que expresso acima, apresento-vos um dos grandes pensadores africanos dos nossos dias: 

Kuasi Wiredu que, em DEMOCRACIA E CONSENSO NA POLÍTICA TRADICIONAL AFRICANA: Um apelo para uma política apartidária - argumenta que o sistema político multipartidário frequentemente visto como o fundamento para a democracia, nem sempre conduz à unidade e à estabilidade. Em vez disso, a democracia de consenso é muito mais adequada ao contexto africano. Wiredu elabora a sua tese a partir do exemplo do sistema político tradicional dos Ashantis em Gana...*

Posição que estudada e experimentada poderia conduzir a certezas ou formas de governo mais adaptadas ao meio e às diversas culturas. Quem sabe?
Diz-se que a democracia é um sistema com muitos defeitos mas melhor que todos os outros. De acordo. Isso, no nosso mundo que o foi buscar à antiga Grécia tendo sido adaptado e acrescentado e reinterpretado ao longo dos tempos...

Bom fim-de-semana, meus amigos.

Abraços.


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Poema: daqui
Veja posts, desta série, sobre:
Amílcar Cabral
Vasco Cabral
António Baticã Ferreira

Agnelo Regalla

.A Literatura Guineense: Contribuição para a identidade da Nação, de Joaquim Eduardo Bessa da Costa Leite (Tese de doutoramento, 2014 - Coimbra) - pg 10
*.Democracia e Consenso na Política Tradicional Africana - de Kuasi Wiredu

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O último adeus dum combatente

Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só o teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade
Sim! foi por isso que eu parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!


 (1926-2005)


Numa preciosa resenha sobre a Literatura Guineense, Filomena Embaló, de quem já falámos aqui no Xaile através da sua obra, "Tiara", coloca Vasco Cabral, António Baticã Ferreira e Amílcar Cabral no período compreendido entre 1945 e 1970 - período esse de produção poética a que deu a designação de "Poesia de Combate".

Sobre este autor, F. Embaló diz-nos:

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior produção poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou. A sua pluma passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor à paz e à criança.... Inicialmente com uma abordagem universalista, a sua obra se orienta, a partir dos anos 1960 para a realidade guineense. Em 1981, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado “A luta é a minha primavera”, obra que reúne 23 anos de criação poética entre 1951 e 1974. Esta obra foi ulteriormente publicada pela União Latina numa versão trilingue português, francês e romeno.

Também deixo alguns dados biográficos referentes a poeta guineense:

Estudou em Portugal onde se formou em Ciências Económicas e Financeiras pela Universidade Técnica de Lisboa e foi militante do MUD juvenil, movimento unitário de oposição à ditadura fascista, fortemente influenciado pelo PCP. Foi preso político no Aljube e em Caxias. Na guerra contra o império colonial, Vasco Cabral tornou-se um dos principais dirigentes do Partido Africano pela Independência de Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC) (...)
Foi companheiro de armas de Amilcar Cabral, líder da luta pela independência da Guiné Bissau e de Cabo Verde (...) aqui




Da obra referida, "A luta é a minha Primavera", trarei, oportunamente, mais alguns poemas. Aliás, este Xaile de Seda vai ocupar-se um pouco da Literatura Guineense nos próximos dias, com uma ligeira interrupção no dia 22.

Bom fim de semana, meus amigos.


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Poema: daqui
A luta é a minha primavera, 1981
Em: Manuel Ferreira, 50 Poetas Africanos. Lisboa, Plátano Editora, 1989