quarta-feira, abril 24, 2013

"Os Americanos na Revolução Portuguesa (1974-1976)"

Os Estados Unidos da América foram apanhados de surpresa pelo levantamento militar (e depois popular) de 25 de Abril de 1974. Por isso, mantiveram primeiro uma posição de "esperar para ver". Mas, assim que entenderam o rumo revolucionário que os acontecimentos estavam a tomar, os responsáveis políticos norte-americanos preocuparam-se e tentaram influenciar o processo político português. Para Washington, era inaceitável que Portugal pudesse ter o Partido Comunista no governo, pois isso poderia desequilibrar a correlação de forças na Europa (onde os partidos comunistas de Itália e França tinham já, também, uma influência social e peso político e eleitoral crescentes).

No entanto, os próprios EUA estavam divididos quanto ao que fazer no caso português. O então secretário de estado, Henry Kissinger, defendia aquilo que ficou conhecido como a doutrina da "vacina": que os EUA apoiassem as forças contra-revolucionárias ou que deixassem mesmo os comunistas chegar ao poder, combatendo-os depois violentamente - dessa forma, pensava o famoso estratega da linha dura norte-americana, Portugal seria visto como um "mau exemplo" para o resto da Europa, e os comunistas portugueses como os agentes do caos.

Opinião diferente tinha o então embaixador fos EUA em Lisboa, Frank Carlucci. Homem mais ligado aos serviços "de inteligência" norte-americanos (e destacado para a embaixada em Portugal só após o 25 de Abril, para "lidar com a situação" ao seu jeito), preferiu combater a revolução apoiando os "moderados" - particularmente Mário Soares e o Partido Socialista. E foi essa a tendência que vingou.

São estas, em resumo, as ideias defendidas por Tiago Moreira de Sá, na investigação jornalística que publicou no livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa (1974-1976)" (Editorial Notícias, 2004).

Escreve o autor: "os acontecimentos de Lisboa coincidiram com um momento em que o bloco ocidental enfrentava um cenário de crise no flanco sul da NATO, isto é, no Mediterrâneo, fazendo temer pela perda do controlo deste importante ponto estratégico. A oriente, eclodia o conflito de Chipre entre a Grécia e a Turquia, dois membros da NATO, e o subsequente início de um processo de transição de regime em Atenas. A ocidente, o problema era colocado pela crescente probabilidade da chegada dos comunistas ao governo em França e Itália. Isto para além da incerteza quanto ao futuro da Espanha em transição de regime. O processo político português era visto em Washington como um factor potenciador desta crise no Mediterrâneo, uma vez que se temia que a chegada do PCP ao Governo, primeiro, e a possibilidade de instauração de um regime comunista, depois, podiam influenciar negativamente Roma, Paris, Madrid e Atenas, com o risco de toda a Europa do Sul se tornar comunista a prazo.
Os EUA só podiam estar preocupados com a evolução política do seu aliado do outro lado do Atlântico. No fundo eram os equilíbrios da guerra fira que podiam ser postos em causa pelos acontecimentos em Portugal, logo, também estava em jogo o interesse nacional de Washington"
(segundo a doutrina intervencionista norte-americana) "Deste modo, podia-se esperar tudo menos desinteresse norte-americano."

Entende-se, assim, a razão de os governos provisórios do período 1974/75 serem de tão curta duração: não apenas por problemas internos, do processo revolucionário em curso, mas também (ou principalmente) pela pressão e mesmo ingerência dos EUA.

"Washington (...) actuou prioritariamente em duas frentes. Primeiro, ameaçando directamente Portugal de expulsão da NATO, o que no fundo queria significar a sua exclusão do sistema ocidental. Era uma forma de pressão de alto grau de eficácia, uma vez que os dirigentes portugueses não podiam desconhecer a elevada dependência do País face ao Ocidente e as consequência políticas, económicas e de segurança que uma exclusão deste bloco poderia acarretar.
Segundo, ameaçando directamente a URSS com o fim do clima de desanuviamento Leste-Oeste(...)."

Isto num primeiro momento. Depois, os EUA passam também a intervir no plano interno com o apoio à oposição "moderada", que lhes podia garantir uma transição pacífica para uma "democracia ocidental", ou seja, capitalista.

Processo que o autor explica ao longo de 160 páginas, com recurso a importantes documentos da época (incluindo documentos do Congresso e do Governo dos EUA) e citando depoimentos de alguns dos intervenientes.

Em suma, um livro importante para entender aspectos menos claros (e normalmente ignorados, embora os papeis de Kissinger e Carlucci não tivessem passado despercebidos aos revolucionários da época - e este livro vem dar-lhes razão) do processo revolucionário e, principalmente, do processo contra-revolucionário subsequente ao 25 de Abril de 1974.

quarta-feira, abril 17, 2013

Banalização da violência ou do medo?

Debateu-se muito (e ainda se debate) a hipótese de a violência nos meios de comunicação social influenciar comportamentos violentos nos espectadores. É verdade que alguns estudos apontam nesse sentido (ver, por exemplo, o relatório 'The Influence of Media Violence in Youth'). Mas os casos de crimes ou actos de violência extrema por imitação do que se vê nos media são raros (os estudos que apontam para relação causa-efeito falam de outro tipo de violência, mais disseminada, menos intensa e menos espectacular).

A partir da década de 1960, George Gerbner, um investigador norte-americano, professor de Comunicação na Annenberg School of Communication, de Filadéfia, colocou uma hipótese ligeiramente diferente, e com implicações muito mais profundas. Segundo ele, o visionamento prolongado e repetido de actos de violência (real ou ficcionada) nos écrans não conduz a uma reacção causa-efeito imediata (ninguém "no seu perfeito juízo", como se costuma dizer, vai matar o vizinho só porque viu um assassinato na televisão) mas causa, sim, a ideia de que o mundo e as comunidades em que vivemos são mais perigosas do que são efectivamente. E o efeito disso é que as pessoas ficam mais receosas, mais desconfiadas - e mais facilmente aceitam a violência exercida sobre si ou sobre terceiros como forma aceitável de resolver conflitos e aceitam, também, que lhes retirem liberdades civis, para terem a segurança que, supostamente (ilusoriamente) lhes falta.

Isto foi objecto de estudos aprofundados, ao longo de anos. E deu origem ao que hoje é conhecido como "teoria da cultivação" (ou "do cultivo"). O efeito dessa exposição à violência nos media, demonstrado por Gerbner e colaboradores é conhecido como "síndrome do mundo mau".

 Em entrevista recente a um programa de rádio norte-americano, Michael Morgan, investigador da Media Education Foundation da Universidade de Massachusetts, explica, de forma sucinta mas bem fundamentada, os resultados dessa investigação.

Resultados que podem surpreender. Por exemplo, quando afirma que, para o efeito de medo e insegurança, o consumo de imagens reais ou ficcionadas é indiferente (têm ambas o mesmo efeito) ou que, quando se trata de exposição à violência nos media, pessoas de todas as idades e com níveis de educação diferentes estão vulneráveis na mesma medida.

Nota: encontram uma (tentativa de) tradução para português do principal conteúdo desta entrevista em
http://vitorinices.blogspot.pt/p/blog-page.html

quinta-feira, abril 11, 2013

Um desenho


Eu sempre achei que não tinha grande "jeito" ou "talento" para desenhar. Bem tentava, mas, durante muito tempo, não saía nada que se aproveitasse.

Mesmo depois de vários anos a aprender no atelier de artes gráficas do Centro Cultural de Almada, o melhor que conseguia fazer eram cartazes. Não muitos, mesmo assim. Entre 1981 e 1986, não produzi grande coisa que se visse - exceptuando, talvez, o cartaz da Festa da Amizade de 1985, o do Carnaval de Almada de 1986 e um ou outro sobre cursos que o CCA organizava.

A partir de 1986, já não me lembro como nem porquê (mas suponho que por estar mais em contacto com pessoas que faziam desenho desenho mesmo, e não apenas "trabalhos gráficos") começo a aprender, também, a desenhar. E invento o pseudónimo Sturrefsit Adjukaatrix, que tenho usado desde então.

Este desenho é dessa primeira fornada. Terá uma história, como todos os desenhos. Neste caso, e a esta distância, parece-me que é uma tentativa (tentativa inconsciente) de "retratar" uma época em que Portugal vislumbrava no horizonte um "crescimento" capitalista e a miragem da "modernização" (1986 foi o ano da adesão à CEE). Mas a minha realidade era, ainda, a de um país "suburbano", que olhava o "progresso" de longe e, enquanto sonhava, tinha que fazer pela vida e desenrascar-se com o que tinha à mão. Um país de grandes desigualdades económicas e sociais, ainda com indústria, sustentada pela tal população suburbana, da qual faziam parte muitos imigrantes das ex-colónias.

Julgo que tentei meter isso tudo num desenho...

Mais tarde, a Câmara Municipal de Almada decide incluir no seu boletim municipal um suplemento de 4 páginas sobre políticas para "a juventude" (expressão que começara a ficar muito popular no discurso político desde 1985, Ano Internacional da Juventude) e abre um espaço para colaborações de jovens autores. Mas, por ser a primeira edição, não tinham ainda muito material para incluir e convidam-me para enviar colaboração. Envio-lhes, então, alguns desenhos e meia dúzia de poemas.

A primeira edição do suplemento de juventude do Boletim Almada Autarquias-Povo sai, então, em Março de 1990 (edição n.º 74 do boletim), e inclui dois desenhos meus. (Outra edição, em Dezembro desse ano, há-de incluir mais um desenho e também um poema - e foram esses, se não me engano, os únicos trabalhos que publiquei, até hoje, em qualquer edição da Câmara Municipal de Almada.)

Entretanto, em 1996, crio o fanzine de poesia (poezine) Debaixo do Bulcão, que chegou agora à sua edição 41 (encontram os poemas dessa edição clicando aqui). Para esta edição faltava-me uma imagem de capa. Lembrei-me, então, do velho desenho. E pronto, aí está ele, de volta.

E qual é o interesse disto tudo? Pois, se calhar não interessa nada. Mas, como já não actualizava este blogue há muito tempo... ;)

sábado, fevereiro 23, 2013

Almada, 1999

Em 1999 a câmara Municipal de Almada (CMA) lutava contra um plano de urbanização proposto pelo Grupo Mello para o terreno da Margueira, ocupado então (e ainda hoje) pelos já desactivados estaleiros navais da Lisnave.

O terreno tinha sido retirado à tutela do município em 1996 pelo recém-eleito governo PS (liderado por António Guterres) - na sequência de um processo rocambolesco relacionado com o Plano Director Municipal (PDM) de Almada. O governo anterior (PSD / Cavaco Silva) tinha recusado aprovar o documento; o novo governo aprovou-o, mas passando para a Administração Central três parcelas do território: o Plano Integrado de Almada, o Alfeite e a Margueira (Lisnave).

No terreno ocupado pelo estaleiro de reparação naval o Grupo Mello (principal accionista da Lisnave) queria construir uma urbanização para 30 mil habitantes. A CMA contestava, alegando que aquele território estava destinado a usos industriais e que pretendia instalar ali empresas que ajudassem a diversificar a base económica do concelho após a desactivação da Lisnave (que, desde a dévada de 1970 e até à data, tinha sido o maior empregador de mão-de-obra, no concelho e na região).

A divergência entre os projectos da Câmara e do Grupo Mello foi subindo de tom até que, em  Abril de 1999, a presidente da edilidade, Maria Emília de Sousa, sugeriu, em conferência de imprensa, que a população de Almada tomasse posição sobre o caso. Mas sem especificar que tipo de acções gostaria de ver desenvolvidas.

Interessado (como compete a um jornalista) agarrei no assunto, fiz as perguntas que deviam ser feitas, e desenvolvi este trabalho.

Do qual me lembrei agora, a propósito das intenções anunciadas pelo actual governo sobre a deslocalização do terminal de contentores do Porto de Lisboa para a Trafaria, no concelho de Almada.

A Margueira não seria uma hipótese melhor a considerar?

Eu sei: há um projecto da CMA apara urbanização daquele local, com construção em altura, dentro de água e em cima de uma falha sísmica. Mas é ainda projecto. E a CMA já recuou (infelizmente, penso eu) em projectos mais estruturantes, como no caso do Plano de Mobilidade.

E aquele terreno não era, supostamente, para fins industriais? Para diversificar a base económica do concelho? Um terminal de contentores, se for bem aproveitado, não pode ser uma boa aposta nesse sentido?

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Explosão no 'Picapau Amarelo' (1994)



Morei durante muitos anos no bairro amarelo do Monte de Caparica (sim, esse, o popularmente chamado "Picapau Amarelo").

Em 1994 trabalhava eu como jornalista na Rádio Voz de Almada. E suponho que no dia 27 de Janeiro desse ano (uma quinta-feira) estaria a fazer o turno da tarde. Porque aí a meio da manhã (mais precisamente às 11h48, segundo relatam as fontes da época) ainda estava em casa, e à janela do 5º andar onde morava, na Rua do Moinho. A ver como estava o tempo antes de sair de casa, se ia chover, se precisava de me agasalhar muito e essas coisas... bem, ou tinha acabado de acordar, já não me lembro.

E então, bum! (sim, foi um bum! sem chama, relativamente pequeno e abafado, e não um BUM! ao estilo Hollywood - lamento desapontar-vos) ouço um estrondo ao longe e, logo a seguir, ao fundo da rua do lado esquerdo, umas coisas atiradas pelos ares. Coisas, tipo bocados da parede de um prédio, mobiliário e outros objectos que, normalmente, não sabem voar.

Ora eu era jornalista (já vos disse?) e, então, fiz o que qualquer jornalista teria feito: imediatamente agarro no telefone e ligo aos meus colegas da rádio a alertar que tinha acontecido qualquer coisa. Atende-me a colega Gertrudes Guerreiro e eu, para não ser demasiado alarmista, digo qualquer coisa tipo "olha, houve agora um rebentamento aqui no meu bairro, não sei ainda o que foi, mas vou lá abaixo ver o que se passa e já volto a ligar".

Ela primeiro riu-se, não sei se pela palavra "rebentamento" que usei em vez de "explosão" (que daria ao assunto um ar mais sério e grave, sem dúvida) ou se por não ser hábito os jornalistas telefonarem para os departamentos de informação a dar conta de assuntos de interesse informativo que tivessem testemunhado (e eu ainda trabalhava naquela rádio há menos de um mês - a bem dizer, eles ainda não me conheciam... ainda tinha feito poucos RMs...). Mas ficou logo alerta e interessada pelo caso, como compete a uma jornalista.

Então desço, vou ao café do outro lado da rua, e vejo já toda a gente assustada, dizendo que foi uma grande explosão lá para cima. Uma explosão de gás, pensava-se. E parece que foi feio, mesmo.

Pronto, confirmava-se. Volto para casa, ligo novamente para a rádio, confirmo que houve mesmo uma explosão (agora já me sentia à vontade para usar essa palavra). Ofereço-me para ir ao local fazer reportagem e peço que me enviem um carro de reportagem devidamente equipado (com microfone e equipamento de transmissão).

Não tenho dúvida nenhuma de que terei sido o primeiro jornalista a dar o alerta (pois se o fiz em tempo real e se não havia, que eu saiba, outros jornalistas por ali) e suponho que a Rádio Voz de Almada terá sido o primeiro órgão de comunicação social a ter conhecimento do ocorrido.

Mas foi o último a reportar! Até o Sul Expresso chegou antes!

Estava eu no local da guerra, perdão, da explosão, à espera que viesse o carro de reportagem, e vejo chegar, em caravana e numa correria, carros das televisões, rádios e principais jornais nacionais. Da Rádio Voz de Almada, népia. Só eu, mas sem nada que me identificasse. E porquê? Bem, parece que, lá na rádio, era muito complicado falar com a pessoa que poderia dar a autorização para que o carro saísse...

Enquanto não chegava o carro, desenrasquei-me com o que podia. Tento falar com as pessoas, gravo alguns depoimentos, peço para usar um telefone de uma das instituições de apoio social que existiam naquela rua, e vou enviando para a rádio a informação que consigo apurar. Era assim que se fazia quando ainda não tinhamos telemóveis e internet.

No meio da confusão e da aflição das pessoas que, de um momento para o outro, ficaram sem casa, às tantas começa a correr o rumor de que havia "um morto confirmado". E eu transmito-a em directo e sem a confirmar. Felizmente ninguém morreu e, no noticiário seguinte, lá tive que corrigir: "felimente não se confirma" o "morto confirmado". Asneira que me serviu de lição e que tentei nunca mais repetir. Nunca se dá uma informação como certa sem a confirmar primeiro!

Já agora, o que terá acontecido, segundo uma reportagem (não assinada e meio folclórica, para dizer a verdade) publicada no Sul Expresso no dia 3 de Fevereiro de 1994: "Na contagem das vítimas faltava uma criança, felizmente estava na escola e não sob os escombros". De acordo com o jornal, registaram-se "cinco feridos e vinte e uma famílias interditadas dos seus lares". Quanto às causas da explosão, não eram ainda conhecidas, mas falava-se de "suspeitas sobre uma possível fuga de gás butano, ou acumulação de biogás na fossa que canaliza os dejectos para o sistema de saneamento".
Para a maior parte dos órgãos de comunicação social aquilo foi um estrondo que nasceu e morreu ali. Nesse caso sim, podemos falar de um morto confirmado: o interesse pela sorte das pessoas que ficaram sem casa.

Mas a Rádio Voz de Almada era um órgão de comunicação local e, como tal, preocupava-se em ter assuntos locais nos seus conteúdos informativos. Portanto, em vez de deixarmos caír o assunto, tratámos de o acompanhar nos dias que se seguiram. As pessoas foram realojadas temporariamente em condições muito precárias, nos "fundos vazados" dos outros edifícios do bairro, enquanto esperavam ser enviadas para urbanizações do Estado (naquele tempo, sob tutela do IGAPHE - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado).

O processo foi longo e chegou a dar origem a uma polémica quando o então Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins (depois Bispo Emérito, porque um bispo nunca deixa de o ser), foi ao local, ficou impressionado com as condições em que aquelas pessoas estavam a viver e acusou forte e feio o IGAPHE de ser um "patrão sem rosto", insensível ao destino dos seus inquilinos. Viviamos então num tempo em que, apesar de tudo, muitos jornalistas ainda não tinham abdicado do seu dever de investigar para informar. E falámos com todos os que pudessem ajudar a entender (e a resolver) o problema - moradores, bispo, instituições de apoio social no terreno, responsáveis do IGAPHE...

Ainda tenho gravações de algumas dessas reportagens. Estou aqui a pensar com os meus botões que um dia destes edito o que tecnicamente ainda se aproveita e publico-as...

Notas de rodapé: as fotografias que acompanham este artigo são do jornal Sul Expresso, edição citada, que não menciona o respectivo autor; RM é abreviatura de registo magnético, ou seja, as gravações (registadas então em fita magnética) que os jornalistas faziam para passar no decorrer dos noticiários - acontece que, nos departamentos de informação em que trabalhei, tinha a fama, e o proveito, de passar muitos, demasiados, RMs.

domingo, janeiro 20, 2013

Essa treta dos "skills"

Skill: dom, arte, destreza, rapidez, habilidade (dos dicionários)


Antes do 25 de Abril, quando andava na escola primária (que era como se chamava então o ensino básico), fazia competições de leitura com um colega.

Já nem me lembro como a brincadeira começou. A professora chamava-o a ler um texto em voz alta para toda a turma ouvir, e ele lia-o muito depressa, pensando que assim demonstrava que já sabia ler muito bem. Ora, eu, que também pensava que já sabia ler muito bem, não me ficava - e sempre que a professora me chamava a ler um texto, lia-o ainda mais depressa do que ele. Claro que, quando o meu colega era novamente chamado a ler um texto, lia-o ainda mais depressa que eu. Depois, chegada a minha vez, eu respondia, lendo ainda mais depressa que ele. E assim sucessivamente. Até que, às tantas, a única coisa que interessava era a velocidade com que debitávamos sílabas quase sem respirar entre elas.

Tinhamos desenvolvido uma extraordinária competência para ler depressa. Uma habilidade. Um skill. (Palavra que não se usava naquele tempo - mas usar-se-ia hoje, certamente.)

Farta desse circo, a nossa professora disse-nos um belo dia, e muito diplomaticamente, que "ler bem não é só ler depressa: o mais importante é entendermos aquilo que se lê".

Confesso que, ao ouvir aquilo, não aceitei muito bem. Então, anda uma criança a esforçar-se para depois levar com isto? Não aceitei muito bem mas - como naquele tempo os professores tinham ainda alguma autoridade, as crianças alguma educação, e ninguém ficava traumatizado por tão pouco - não fiz cenas nem me fui queixar à mãmã ou ao papá. Pensei durante um bocadinho (pouco, como convém nessas idades) e rapidamente esqueci o reparo.

Depois, mudei de escola. Estava em São Pedro do Estoril e vim morar para um subúrbio de Almada, ainda em 1973. E aqui, como é natural, o ambiente era outro, intelectualmente muito mais pobre. E habilidades, competências, destrezas (numa palavra: skills) eram outros, também.

A chatice é que ninguém me avisou, e eu não podia adivinhar. Assim, quando fui chamado pela primeira vez naquela escola a ler um texto em voz alta, fiz aquilo para que estava treinado: debitei sílabas, rapidamente e em força.

Quando acabei a performance, ao olhar em volta, vi uma coisa extraordinária, um caso nunca visto. Professora e turma em silêncio, de olhos esbugalhados e queixo praticamente no chão, olhando para mim como se estivessem perante um extraterrestre, o último dos moicanos, o fim do mundo em cuecas ou... (inserir aqui metáfora ao gosto do freguês).

E eu mais surpreendido que eles. Então, mas não era normal, ler depressa?

Confesso que esses 15 segundos de glória me souberam muito bem, e deram-me uma ilusão de importância, grandeza, genialidade e essas coisas.

Grande erro, rapaz. Grande erro!

É que, se na escola de onde vinha olhavam para mim como um puto cheio de talento mas a precisar de aprender mais do que simples habilidades de circo - na escola para onde viera passei a ser olhado como o tipo "inteligente". E não, isso não era necessariamente um elogio.

Por uma questão de decência (e para frustrar as vossas expectativas) não vou contar aqui os dissabores que essa fama de "inteligente" me trouxe na escola. Basta, por agora, ficarem a saber que, no bairro de barracas de tijolo em que então vivia e que era habitado por uma classe operária (Lisnave e Setenave, maioritariamente) que, com o 25 de Abril, em breve ficaria em alvoroço, a minha fama de "inteligente" propagou-se como uma nódoa.

Assim quando se dão os acontecimentos revolucionários, no período 1974/1975, eu começo a interessar-me por política, começo a ir a comícios e manifestações, começo a achar que entendo os assuntos e que tenho opiniões, pelo que, sempre que digo qualquer coisa sobre qualquer coisa, lá vem a frase feita "ele é muito inteligente".

Não o diziam com maldade. Nem com ironia. Era mais com um misto de admiração, alguma inveja e uma certa dose de pena. Sim, pena: porque ser "inteligente" era, naquele contexto, não ser "normal".

Naquele contexto, o que interessava eram as competências que faziam das pessoas bons operários. A sua destreza, a sua habilidade, os seus "skills". E os meus "skills", naquele contexto, não serviam para nada. Eram "inteligência".

Claro que, com o decorrer do acelerado processo histórico que então se vivia, com a consciencialização política daquela classe operária, a inteligência (a que servia para mudar o mundo, não aquela que viam em mim) passou a ser mais valorizada. Infelizmente, isso durou pouco tempo. Mas adiante, que se vamos falar sobre isso não saimos daqui hoje.

Ora, toda esta história dos "skills" e da inteligência, acabou por ser útil anos mais tarde. Em 1981, depois de largar o ensino secundário porque achava que não aprendia ali nada que me interessasse, procurei instrução no Centro Cultural de Almada. E encontrei-a.

Aprendizagem ao mesmo tempo técnica, prática, teórica e integrada, abrangendo várias áreas do conhecimento. Aprendizagem que me habilitou a exercer actividades tão díspares como elaborar um cartaz, imprimi-lo, fazer a cobertura fotográfica ou em vídeo de um acontecimento, projectar para uma audiência filmes ou a reportagem que fizera em vídeo, sujar as mãos na serigrafia, organizar um evento, montar tubos, painéis de madeira e toldos para construir o espaço onde esse evento iria decorrer, massacrar furiosamente as teclas de um piano para fazer qualquer coisa parecida com música e depois ajudar a carregar esse piano escada acima para a sala onde, nessa noite, o maestro Victorino d'Almeida iria massacrar furiosamente as teclas desse mesmo piano para fazer música. Etc.

(Foi nesse tempo que defini dois objectivos, não sei já se ambiciosos ou modestos, para a minha vida: conhecer-me a mim próprio e alcançar o que então chamava uma visão global do mundo.)

"Skills"? Inteligência? Mas o que é que isso interessava? Interessava, sim, que estava a adquirir conhecimento e competências, a trabalhar e a divertir-me, assim, sem mais nem menos, experimentando muito sem me especializar em nada. E estava - pequeno pormenor... - a aprender a pensar.

Portanto, quando chega o momento de optar por uma profissão, vi-me com experiência de vida e competências técnicas para escolher entre várias opções possíveis, e com maturidade e esclarecimento suficientes para o fazer sem me arrepender mais tarde. (Obviamente, a conjuntura económica também favorecia essa possibilidade de escolha: depois de anos muito difíceis, estávamos então naquele período de crescimento económico, na transição da década de 1980 para 1990 - crescimento nunca igualado até hoje.)

Escolhi fazer rádio. Na rádio meteram-me a fazer jornalismo.

Aí, toda aquela destreza/rapidez/habilidade das competições de leitura da escola primária voltou, naturalmente e mecanicamente. Saber falar bem e depressa é (ou era) uma condição sine qua non para ser um bom locutor de rádio. Mas, para ser um bom jornalista, é preciso, também, não apenas saber ler bem o texto, mas saber entendê-lo bem.

Ter rapidez de raciocínio, sim, mas também ter clareza de raciocínio. E, acima de tudo isso, não apenas entender os assuntos (muito diversificados) com os quais trabalhamos, mas entender também como se relacionam, e porque são assim e se relacionam assim e não de outra forma qualquer. Chama-se a isso pensamento crítico. Eu chamo-lhe, também, inteligência. E sim, nesse tempo, habilidade e inteligência foram, indissociadamente, vantagem competitiva no mercado profissional.

Tinha razão, a minha professora da primária.

A inteligência não é um amontoado de "skills". No mínimo é a relação dinâmica entre todos eles. Talvez seja, ainda mais, um processo holístico, em que o resultado final é superior à soma das partes.

Não é, de certeza, uma exibição de habilidades circenses.

E quem ensina para desenvolver "skills" esquecendo-se de incentivar o pensamento crítico (e a inteligência emocional, de que não falei, mas que não é menos importante), estará, quando muito e na melhor das hipóteses, a formar bons técnicos, mas de inteligência limitada às funções que é suposto desempenharem. É a minha modestíssima opinião...

Chamam a isso inteligência? Pronto, chamem-lhe o que quiserem. Eu chamo-lhe (porque não?) uma máquina de encher chouriços. Informacionais, talvez. Mas chouriços, na mesma.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

O espertinho do costume e a autoridade que não vê

O veiculo Kia de cor cinzenta estacionado em cima do passeio é um dos clientes habituais nesta rua. Mesmo depois de toda a gente aqui já ter entendido que não há necessidade nenhuma de meter o carro em cima do passeio (até porque, ao fazê-lo, estão não só a dificultar a circulação de peões, mas a contribuir para o avançado estado de degradação da calçada), o proprietário deste carro deve achar-se com mais direitos que os outros, ou com algum tipo de impunidade. Porque continua, sistematicamente, a fazer o mesmo.

Um destes dias, aconteceu a situação documentada nas fotos. Um carro da Polícia ficou, durate algum tempo, estacionado atrás do Kia cinzento. Depois foi-se embora sem fazer rigorosamente nada quanto à infracção que tinha testemunhado mesmo à sua frente.

Assim, com estes exemplos de permissividade, não admira que o proprietário daquela viatura continue a fazer pouco dos que são respeitadores e cumpridores. Não admira que continue a sentir-se impune.


Estacionar em cima do passeio é ilegal, de acordo com o artigo 49, alínea f), do Código da Estrada.
http://www.ansr.pt/default.aspx?tabid=256

Ah, e então o que é feito da Ecalma, perguntam vocês? Pois, boa pergunta...

sexta-feira, dezembro 14, 2012

O "fim do mundo" e o jornalismo parolo

Notícia encontrada no site do jornal Público: "Guitarrista dos Radiohead espera fim do mundo no Brasil. Johnny Greenwood está a morar num hotel situado no interior de São Paulo, há um mês, e aguarda pela profecia Maia, que aponta 21 de dezembro como dia do apocalipse."

A notícia sobre a estadia do músico no Brasil "à espera do fim do mundo" (notícia que não apareceu apenas neste jornal, como é óbvio) já foi desmentida entretanto.

Mas não é isso o que me interessa.

Há quem acredite que os Maias previram o fim do mundo, tal como há quem acredite que existe o Pai Natal (o Papai Noel, para os amigos no Brasil) ou os unicórnios, ou o Monstro de Loch Ness (se bem que este último não seja completamente absurdo). O guitarrista dos Radiohead teria todo o direito de estar mal informado e agir de acordo com os mitos em que acredita - se fosse esse o caso.

O que me parece grave - e estúpido - é que os jornalistas acreditem nisso.

Porque "a profecia Maia, que aponta 21 de dezembro como dia do apocalipse" não é, na verdade, nenhuma profecia dos Maias: é um guião de um filme de Hollywood!

Que as pessoas nesta "sociedade da informação" estejam tão mal informadas a ponto de confundirem produções de Hollywood ou tretas do facebook com a realidade... enfim, é uma tristeza, mas já me vou habituando a isso.

Mas os jornalistas!? Os que têm a obrigação de confirmar o que lhes é dito antes de passarem essa informação ao público?...

E note-se que esta notícia - que apresento como mero exemplo, sem querer fazer uma crítica especificamente ao jornal ou à jornalista em questão - está longe de ser caso único! Nos últimos dias vi multiplicarem-se em respeitáveis órgãos de comunicação, títulos como "os maias dizem que afinal 21 de dezembro não é o fim do mundo" (como se alguma vez tivessem dito que era!).
Substituiu-se o trabalho jornalístico sério, que procura fontes credíveis e confirma a informação antes de a publicar, por mitos cinematográficos e memes da internet? É nisto que estamos?

Não há pachorra para tanta parolice e tanto folclore!

Hei-de voltar a este assunto, que merece ser melhor analisado. Um dia destes, depois do "fim do mundo".

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Joaquim Benite (1943 - 2012)

"O teatro, sendo também uma indústria e um comércio é, acima de tudo, uma forma de arte. Tem de haver espaços de liberdade para todos os criadores. Mas nós vivemos num país onde muitas vezes existe um grande sectarismo de análise, onde as pessoas ainda puxam muito pelos seus próprios interesses.  

Eu penso que é da confrontação de experiências, de linguagens e das várias formas de interpretar o mundo (porque no fundo é disso que se trata) que pode nascer algo de positivo. É assim que nos enriquecemos e modificamos: o contacto entre artes gera conexões mútuas em que todos beneficiamos.

Penso também que o teatro é uma prática que se exerce no campo da moralidade, não no sentido religioso do termo, mas no que diz respeito aos comportamentos e maneiras de viver. Não se faz espectáculos se não com o intuito de influir no gosto, no pensamento, nos costumes das pessoas"


Entrevista à revista Sem Mais, em Julho de 1996
texto completo aqui:
http://vitorinices2.blogspot.pt/2012/12/joaquim-benite-em-1996.html

domingo, novembro 11, 2012

"Uma cultura da violência", Luísa Costa Gomes

Eis um texto da escritora Luísa Costa Gomes, publicado há 10 anos na revista Notícias Magazine. Para pensar: o que aprendemos, ou desaprendemos, no espaço de uma década, depois de termos sido devidamente alertados?

Nem é preciso estar a chamar outra vez a atenção para o tema, porque todos sabemos que a violência e o espectáculo da violência são inevitáveis. Parece que nunca houve na História tantas coisas inevitáveis. São as tais coisas que são mesmo assim, como a miséria, a guerra, a doença, a injustiça, a morte - factos da vida natural. É, portanto, um daqueles temas que suscitam uma primeira indignação e depois um encolher de ombros, diante do permanente caldo de pornografia e tiros avulsos, já a caminho de se tornar banal. Não se pode dizer nada contra, não é chique. É moralismo. E todos sabemos que o moralismo é sempre bacoco. Talvez tenhamos, enquanto sociedade, uma curiosidade laboratorial de saber o que vai sair daqui? Como é que as gerações vão sobreviver emocionalmente? Como é que os miúdos, que as gerações responsáveis não sabem, nem querem, nem têm a coragem moral de proteger, se hão-de couraçar por dentro contra a brutalidade que lhes entra constantemente pelos olhos?

Impotentes diante do que nos despejam dentro de casa: concursos e séries e programas baixos e baratos. E o mais barato é o pontapé. O pontapé é que rende. Psicólogos trabalham para nos convencer de que, no fundo, somos todos bastante maus e gostamos de ver gente a apanhar pancada e que quanto mais depressa o assumirmos e nos desculpabilizarmos em relação a esses impulsos naturais (perdoarmo-nos a nós próprios é a expressão canónica), mais depressa andaremos felizes e descontraídos. Sociólogos, por esta vez, concordam com psicólogos. O espectáculo da violência e a glorificação do murro não fazem mal a ninguém, até porque é comummente sabido que as crianças são burras e não têm mecanismos de identificação e de imitação e não percebem a moral dos programas em que se encoraja a resolver os problemas todos recorrendo ao argumento da força bruta. O espectáculo da violência serve apenas, dizem - diziam, que há agora já vozes tímidas discordantes - e comprovam com estudos estatísticos feitos na América, para uma saudável catarse colectiva, espécie de terapia social, em que os pobres e desvalidos, pelo menos em fantasia, atiram sobre os ricos e poderosos, ou quem quer que lhes passe diante da mira. Hoje, alguns começam a pôr em causa esta teoria que dominou, de forma paternalista, as décadas anteriores.

Há ainda cândidos que imaginam que é possível desligar a televisão, que aquilo a que fechamos a porta não nos entra pela janela. Que é possível não ver filmes, não comprar jogos de vídeo, manter-se alheado e puro, longe de uma realidade que é formatada pelos parâmetros mediáticos em que a violência reina suprema. Atiramos todas estas coisas para cima dos miúdos, esperamos talvez que eles tenham uma força que nos falta. Dizem que o aparelho de televisão traz um botão de ligar e desligar. Ainda não dei por ele. Pelo contrário. Quanto menos televisão se quer ver, menos aparelhos de televisão se quer ter, mais eles arranjam forma de se multiplicarem e de povoarem a casa toda. Nunca chegam. São permanente objecto de discórdia. Não dizia alguém que se reconhece a estrutura duma família quando se sabe quem comanda o comando da televisão? Mas nunca chegam os ecrãs, os canais, os programas. A gente desune-se nas escolhas. Vai cada um para o seu canto comportar-se à maneira da sua fatia de público-alvo. Até em si mesmo, o espectador encontra-se o mais das vezes dividido. A sua melhor parte quer ver um programa interessantíssimo sobre os Romanos e a parte pior puxa-o para uma série americana de piada fácil e risos pré-fabricados. Não resiste, porque havia de resistir? Trata-se de entretenimento, a televisão não faz pedagogia. A não ser a da instauração da dependência em relação ao entretenimento. Ou seja, da reconfirmação do domínio da violência.

Luísa Costa Gomes

Texto publicado na revista Notícias Magazine
em 19 de Maio de 2002

quinta-feira, outubro 25, 2012

Portugal no seu melhor

Encontrei ontem este papelinho no quintal da casa onde estou a morar. Não sei se veio parar aqui por engano, ou se é mesmo para mim.

Se for para mim, não tenho grande coisa a dizer. Não me apetece perder tempo com tentativas de intimidação cobardes e ridículas. Tenho mais que fazer.

No entanto, se houver alguma verdade nisto, se alguém estiver a "colher" informação sobre mim, esclareço já o meu amiguinho (ou amiguinha) anónimo (e a quem mais se interesssar) que não vejo porque hei-de ficar preocupado ou ter "cuidado".

Aliás, dou uma ajuda para esclarecer as vossas dúvidas.

Vejam aqui, nesta entrevista publicada no livro "Almada - Gente Nossa, volume 3", de Artur Vaz:
http://vitorinices.blogspot.pt/p/antonio-vitorino-entrevistado-por-artur.html

Não há mistério nenhum sobre quem sou ou o que faço. Parem lá de fazer "filmes", ok?

quarta-feira, outubro 17, 2012

A teoria dos usos e gratificações explicada às criancinhas

Era uma vez um galinheiro cheio de galinhas. E era uma vez uma raposa que inventava truques e mais truques - qual deles o mais arguto e sofisticado! - para se fazer passar por amiga das galinhas. Fazia-o, por exemplo, contando-lhes bonitas e comoventes histórias sobre a solidariedade entre raposas e galinhas para, assim, conseguir ganhar a sua confiança, entrar no galinheiro e papá-las.

Ora, as galinhas (que não eram tão estúpidas quanto a raposa tenta fazer crer) não se deixavam papar facilmente. Desconfiavam dos truques da raposa. Algumas delas eram mesmo especialistas em estudar esses truques, investigar o que andava a raposa a tramar, desvendar as intenções ocultas nas bonitas e comoventes histórias.

Depois, passavam essa informação ao galinheiro. E, assim, as galinhas (que não eram tão estúpidas quanto a raposa tenta fazer crer) lá se desenrascavam a evitar que a raposa entrasse no galinheiro e as papasse. Conheciam-lhe os truques.

Até que, num belo dia, uma galinha vinda de um galinheiro muito muito distante, com fama de ser muito muito lúcida, revolucionária e visionária, chegou ao nosso galinheiro, reuniu as nossas galinhas e disse-lhes:

- Camaradas galinhas! Até hoje temo-nos preocupado em demasia com o estudo da raposa, dos seus truques e das suas mentiras, como se fossem elas o que determina a nossa vida, como se não tivéssemos nós, camaradas galinhas, a capacidade de resistir e não assumir as atitudes que a raposa nos tenta impôr para que a aceitemos como uma de nós e a deixemos entrar no galinheiro para nos papar. Isso, camaradas galinhas, são crenças de uma escola antiquissima, que até pode ser muito interessante mas que, quando relida, tudo reduz a objecto de propaganda. Pois, mas não o é! Há mais vida para além da propaganda!

Vendo que tinha captado a atenção do galinheiro, a nossa visionária e revolucionária galinha continuou a explicar as suas ideias:

- Nós, camaradas, não somos uma massa inerte de receptores das mentiras da raposa! Sabemos descodificá-las e utilizamo-as de acordo com os nossos propósitos, e não com os propósitos da raposa. Temos consciência suficiente dos truques. E mais: digo-vos, camaradas galinhas, que não existe apenas uma raposa! Não, camaradas! As raposas são várias, competindo entre si para captar a nossa simpatia a a nossa atenção. E somos nós que, ao escolher ouvir a mensagem desta ou daquela raposa, escolhemos livremente a história que mais nos interessa ouvir. O importante não é o que as mentiras da raposa fazem de nós, mas sim o que nós fazemos com as mentiras da raposa. Devemos, por isso, suspender os juízos de valor acerca do significado cultural das histórias da raposa. Até hoje temo-nos preocupado apenas com o estudo da raposa. Mas a questão é estudarmo-nos a nós próprias! O tempo da ingenuidade e do obscurantismo está a chegar ao fim. Entremos na nova era de luz e sabedoria. Se nos conhecermos a nós próprias seremos imbatíveis! Galinhas unidas jamais serão galinhas fritas!

O galinheiro, conquistado por tal argumentação - que parecia, de facto, muito razoável - emocionou-se. E, logo ali, reunido em assembleia popular de galinhas, elaborou uma moção - aprovada por unanimidade e aclamação - no qual todas as galinhas se comprometiam, de esse dia em diante, a dar mais atenção a si próprias e menos à raposa (ou raposas, de acordo com o novo conceito, a que chamaram teoria dos usos e gratificações).

E foi o que fizeram. De aí em diante menosprezaram os estudos sobre a raposa. E multiplicaram os estudos sobre a forma como recebiam, assimilavam e descodificavam as mensagens da raposa (ou raposas, de acordo com a nova teoria), como as escolhiam ou rejeitavam em função das suas próprias necessidades e das gratificações que esperavam obter com elas.

E publicaram todos esses estudos, dentro e fora do galinheiro.

E entretanto, a raposa (sim, nesta fábula é de facto só uma raposa, apesar de as galinhas estarem agora convencidas do contrário, possivelmente porque um dos novos truques preferidos da raposa é aparecer junto do galinheiro usando várias máscaras e disfarces - há até quem diga que aprendeu a disfarçar-se de galinha vinda de um galinheiro muito muito distante - e de terem perdido, as galinhas, a capacidade de olhar para lá do seu agora limitado horizonte de análise), que é feito dela?

Pois, a raposa agora passa a maior parte do seu tempo entretida a ler os estudos que as galinhas fizeram sobre o comportamento das galinhas perante os truques da raposa. Conhece-as melhor do que nunca. Sabe quais são os seus pontos fracos e sabe como as provocar para baixarem as defesas do galinheiro. E elas cada vez sabem menos sobre a raposa. O que só pode ser bom, obviamente. Para a raposa.

Moral da fábula? Citando um antigo general chinês: "conhece o teu inimigo e conhece-te a ti próprio; se conheceres o teu inimigo como te conheces a ti próprio tens a vitória garantida; se apenas te conheceres a ti próprio tens as mesmas hipóteses de vitória que tem o teu inimigo; mas se não te conheces a ti próprio nem ao teu inimigo, a tua derrota é certa".

sexta-feira, agosto 24, 2012

"A Violência na televisão e o bom pastor"


 (Texto de António-Pedro Vasconcelos, escrito em 1994 e publicado no livro "Serviço Público, Interesses Privados - o que está em causa na polémica da RTP", edição Oficina do Livro, Lisboa, 2003. As notas de rodapé são minhas.)


Com um humor desenvolto, o primeiro-ministro (1) afirmou, há dias, que se recusava a "tributar o disparate". E acrescentou, sorridente, qualquer coisa como isto: "se o disparate pagasse imposto, eu deixava de ter problemas com o Orçamento". Esqueceu-se apenas de mencionar que, nesse caso, teria que começar por tributar os membros do seu próprio Governo.

A iniciativa do buliçoso ministro Marques Mendes (2) de propor um pacto de conduta às televisões, é um belo exemplo de tolice e de demagogia. Quando a opinião pública se agita, como foi agora o caso, à volta de um problema que ele considera merecer a sua alta intervenção, o ministro, em pessoa, intervém: foi assim com os arquivos da RTP, por exemplo, em que despachou com firmeza as ordens absurdas e levianas que apenas formalizaram a anarquia com o selo avulso do disparate.

Decidiu agora o ministro da Propaganda mostrar-se sensibilizado, durante uns dias, com o problema da violência na televisão, partilhando as inquietações públicas da esposa do Presidente da República (3), com quem não convém abrir frentes gratuitas de combate político. Tomou chá com essa inteléquia chamada sociedade civil e posou para a comunicação social com os 3 responsáveis dos 4 canais (4), aconselhando-os, com a autoridade de um bom pastor, a que doravante moderassem as imagens de violência nos telejornais, evitassem traumatizar as crianças e se abstivessem de mostrar filmes com sádicas exibições de tortura física e lascivas contorções de prazer sexual.

O assunto ficou por aqui e por aqui ficará. Porquê?

Primeiro, porque nem o actual Ministro nem o ex-Primeiro-Ministro e o Ex-ministro da Educação, hoje promovidos a presidentes de canais privados (5), estão genuinamente preocupados com o assunto, e estes, mesmo que estivessem, não iam perder audiências só para satisfazer as generosas preocupações da Dr.ª Maria Barroso, nem que ela fosse a Madre Teresa de Calcutá.

Segundo, porque, tal como foi proposto, o problema de combater a violência na TV é um enunciado vazio, e por isso tão consensual e inútil como proclamar que se deve combater o insucesso escolar ou eliminar a corrupção.

A melhor maneira de evacuar um problema, já se sabe, é reduzi-lo a uma fórmula simples, nobre e atraente, mas evasiva. Quando o Ministro gravemente se dispõe a mostrar-se preocupado com "a violência na televisão" está a solenizar um equívoco, deixando que se misturem no mesmo saco roto, vários e complexos problemas.

O primeiro é que a televisão comercial (isto é, a televisão que nos chega gratuitamente a casa e que nos é, de facto, paga pelos anunciantes a troco de comprarmos os seus produtos), é em si uma violência. A sua regra é atrair audiências, isto é, agradar às maiorias, o que é, no entender desse fino intérprete das pulsões populares que é Emídio Rangel, a forma suprema da democracia. A partir daí, vale tudo: é bom o que rende anúncios.

O segundo, é que convém, metodicamente, separar o telejornal do resto da programação, e que a informação está, por lei (e por imposição da directiva comunitária) impedida de ser interrompida por anúncios em blocos inferiores a meia-hora. Coisa que nenhum canal cumpre, mas a que o Governo zelosamente fecha os olhos (6).

Que importância tem isto? Tem toda. Desde que a informação pode servir também para atrair comerciantes, a sua função perverteu-se: tem que render. E o que rende é o pivot avisar, por exemplo, antes do bloco publicitário: "não saia daí porque na segunda parte vamos mostrar-lhe a reportagem do pai que matou o filho à sachada"; ou: "não perca, logo a seguir ao intervalo, as imagens do atentado suicida em Jerusalém, cujo primeiro balanço aponta para 20 mortos carbonizados"; ou então: "depois da publicidade, vamos ainda falar-lhe do último escândalo da família real inglesa". (ver nota 6)

Se a lei impede a interrupção dos serviços informativos por blocos publicitários, em períodos inferiores a meia-hora (e, a meu ver, a própria limitação horária já é uma cedência), não é por um capricho malévolo do legislador, mas porque é essencial que a informação não seja condicionada por qualquer perversão comercial, mas apenas pela preocupação de assegurar ao público a melhor qualidade do serviço. Foi isso que fez, por exemplo, a BBC. Hoje, se a informação televisiva em Portugal se degradou a níveis preocupantes foi, em parte, porque o Ministro que a tutela tem ao seu dispor um instrumento dissuasor - a lei - que, por ignorância ou hipocrisia, se coíbe de usar ou de mandar aplicar.

Dito isto, condenar a violência da informação, sem algumas cautelas, é abrir a porta às mais graves perversões. Onde está a violência? No que acontece ou no que se transmite? No que se passou no cemitério de Díli ou na sua exibição? Nas imagens transmitidas em directo pela CNN para o mundo inteiro, da excisão do clitóris numa criança muçulmana, ou nessa hedionda mutilação, corrente entre os seguidores de Maomé, e a que o Ocidente fecha os olhos? O que é chocante: o que se passa ou o que se mostra?

Não fazer esta elementar distinção é querer resolver o problema da violência, que é antigo como o mundo (haverá alguma coisa mais violenta do que a Bíblia?), imitando os tiranos da antiguidade, que mandavam cortar as mãos aos mensageiros das más notícias.

Na televisão salazarista não havia violência, como não haveria na de Ceausescu, porque ela repousava sobre uma violência absoluta que era a privação geral da liberdade.

O problema, na informação como no resto, não está em mostrar a violência - o que é legítimo e necessário, por vezes mesmo pedagógico - mas na sua possível obscenidade, e esse é o risco que corre com frequência a televisão comercial e a imprensa de escândalos (mas essa, ao menos, está identificada).

Quando as cadeias americanas se batem para comprar o direito de transmitir uma execução em directo, ou uma televisão brasileira filma o suicídio de uma jovem em directo e transmite, também em directo, a notícia aos pais, estamos no domínio da obscenidade, isto é da exibição despudorada da morte ou da dor de alguém, sem outra justificação que não seja a exploração mórbida do voyeurismo de todos nós. Pela simples e demolidora razão de que isso vende (7).

Digamo-lo sem rodeios: a programação das televisões comerciais é, sobretudo em países sem recursos como o nosso, tendencialmente obscena. Obsceno foi, por exemplo, o "Perdoa-me" como o é o "All you need is love"(8), porque exploram sentimentos ingénuos para os transformar em receitas publicitárias. É barato e dá dinheiro, e o dinheiro não tem moral.

Outra coisa é a ficção. Tentar eliminar ou neutralizar a violência que toda a ficção traz consigo é abrir a porta a todas as censuras: não há nada mais violento que Édipo (que mata o pai e dorme com a mãe) ou Medeia (que mata os filhos), para não falar das tragédias de Shakespeare (que são um inventário de todos os crimes e perversões e de todas as paixões ruins). Ignorá-lo é ignorar a função catártica da ficção, sobre a qual o mundo ocidental fundou a sua superioridade sobre as civilizações que a reprimiram.

Dito isto, e para tentar contribuir utilmente ao debate, termino com duas sugestões sumárias:

1 - A televisão generalista tem uma componente informativa e outra de programação, diversificada. Os jornalistas, como os médicos ou os advogados, devem reger-se por códigos deontológicos que fundam a sua própria credibilidade e a credibilidade dos órgãos de informação onde trabalham. Além disso, existe a lei que proíbe os abusos de liberdade de imprensa. Aplique-se.

2 - Na informação, como no resto, prefiro sempre os riscos da liberdade à ditadura dos censores. A lei nº 58/90 que define o regime da actividade da televisão em Portugal (nomeadamente, o art.º 6º, o art.º 17º e o art.º 28º, nº4, que remete para o art.º 11º, nº5 da Directiva), e que o Ministro persiste em ignorar, chega para prevenir os abusos da programação. Arranje-se, isso sim, quem a aplique. Com celeridade e rigor.


António-Pedro Vasconcelos

28 de Novembro de 1994



Notas:

(1) Cavaco Silva, primeiro-ministro entre 1985 e 1995.

(2) Em 1994, Marques Mendes era ministro-adjunto do primeiro-ministro.

(3) Maria Barroso. O Presidente da República era, então, Mário Soares.


(4) Na época existiam em Portugal apenas canais generalistas, emitidos em sinal aberto via feixe hertziano. A RTP (canal 1 e 2), a SIC e a TVI.

(5) Respectivamente, Pinto Balsemão (SIC) e Roberto Carneiro (TVI)

(6) Neste aspecto, a realidade ter-se-á alterado desde 1994, mas apenas no que diz respeito à televisão generalista emitida em canal aberto ou, eventualmente, aos canais temáticos transmitidos por cabo. Na internet a situação é pior ainda do que a descrita neste texto. Quando se tenta aceder a vídeos com notícias é frequente que esses vídeos sejam precedidos de anúncios publicitários, sem que o utilizador (cidadão transformado em consumidor à força) tenha, pelo menos, a opção de ignorar essa publicidade e ir directamente à notícia que lhe interessa.

(7) Hoje, na internet, multiplicam-se os sites que exploram de forma "despudorada" esses fenómenos, "sem outra justificação que não seja a exploração mórbida do voyeurismo de todos nós". São sites que recolhem imagens de assassinatos, execuções e torturas e as publicam, na internet aberta e sem restrições. Mas, mais do que isso, tentam vender o seu produto (esses vídeos) em canais populares como o youtube. Fazem-no de forma indirecta: convidado pessoas com contas no youtube (normalmente jovens ou mesmo crianças) a filmarem-se a ver esses vídeos, a meterem a sua reacção no youtube, de preferência com "link" para o site onde tais vídeos se encontram disponíveis. Dessa forma contornam as regras do youtube e ganham novos "clientes" (e os seus alvos são jovens e crianças - repito para que não fiquem dúvidas); ao aumentar o número de visualizações e ao tornar o site mais visível tornam-no também mais apetecível para os anunciantes. É um ciclo de negócio que se alimenta de morte, degradação e absoluta falta de respeito pela dignidade humana.

(8) Programas populares de grande audiência na televisão privada em Portugal durante a primeira metade da década de 90. Compare-se a "receita" destes programas ("exploram sentimentos ingénuos para os transformar em receitas publicitárias") com muitos conteúdos que circulam hoje na internet, particularmente em "redes sociais" como o facebook, onde se exibem marcas comerciais de forma aparentemente não comercial, disfarçada de piadas políticas ou nobres causas humanitárias - um fenómeno que os publicitários conhecem como "marketing viral".

terça-feira, junho 26, 2012

Walter Benjamin sobre o teatro épico

"A interrupção da acção, que levou Brecht a designar o seu teatro como épico, suprime permanentemente uma ilusão no público. Tal ilusão é inútil para um teatro que queira tratar os elementos da realidade no sentido de uma ordem de experiências.

As situações estão no fim, e não no princípio, desta experiência. Situações que, observadas por qualquer aspecto que seja, são sempre as nossas. Elas não se tornam mais próximas do espectador, mas sim mais afastadas. Ele reconhece-as como as situações verdadeiras, não com arrogância, como no teatro do naturalismo, mas com espanto. O teatro épico não reproduz, portanto, situações, acabando por as descobrir.

A descoberta das situações cumpre-se com a interrupção das acções. Mas aqui, a interrupção não tem um carácter excitante, mas sim uma função organizativa. Ela imobiliza o decurso da acção, levando o espectador a tomar posição relativamente ao acontecimento e o actor a tomar posição relativamente ao seu papel.

Com um exemplo quero mostrar-vos como, com a sua descoberta e concepção do gesto, mais não representa do que uma reconversão de métodos decisivos de montagem, de rádio e de cinema, transformando processos frequentemente em moda, numa acção humana.

- Imaginem uma cena de família: a mulher está pronta a pegar num objecto de bronze para o atirar à filha, o pai está prestes a abrir a janela para pedir socorro. Neste momento, entra um estranho. A acção é interrompida; o que em vez dela surge é a situação em que esbarra o olhar do estranho: semblantes perturbados, janela aberta, mobiliário destruído.

Mas há um outro olhar perante o qual, mesmo as cenas mais habitáveis da existência actual, não se apresentam muito diferentemente. É o olhar do dramaturgo épico.

Ele contrapõe as obras de arte dramática ao laboratório dramático. Regressa, de forma inovadora, à velha particularidade do teatro - o expor aquilo que está presente. O ponto central das suas experiências é o homem. O homem de hoje, reduzido e arrefecido num ambiente glacial. Mas como só dispomos deste, temos interesse em conhecer. É submetido a provas, a apreciações. O que resulta é o seguinte: a acção não é alterável nos seus pontos altos, através da virtude ou da decisão, mas sim no rigoroso fluxo habitual, através da razão e do exercício.

Construir, a partir dos mais ínfimos elementos de tipos de comportamento, aquilo que na dramaturgia aristotélica se chama "actuação", eis o sentido do teatro épico. Os seus meios são, pois, mais modestos do que os do teatro tradicional; os seus objectivos também."


Walter Benjamin, em "O Autor Enquanto Produtor" (1934)

Foto: imagem de "Oratória", espectáculo do Teatro da Cornucópia, a partir de textos de Brecht, Goethe e Gil Vicente, levado à cena em 1983 no Teatro do Bairro Alto.
http://www.teatro-cornucopia.pt/

sábado, junho 23, 2012

ÚLTIMA HORA: Grécia sai do Euro!

ÚLTIMA HORA: Angela Merkel demite-se, o presidente grego demite o governo e convida o Syriza para formar novo executivo, Durão Barroso diz que o Euro afinal não foi boa ideia porque bem vistas as coisas só prejudica as massas trabalhadoras e impede a tomada de consciência revolucionária da aliança operária-camponesa e do proletariado europeu, o BCE concorda com o presidente da Comissão e marca reunião de urgência do Clube Bilderberg com a presença de dirigentes do Banco Mundial, do Pentágono e de Vladimir Putin para decidirem a criação de uma Nova Ordem Mundial na qual o poder será retirado aos grandes grupos económicos, devolvido ao povo e exercido através de assembleias de operários, camponeses e soldados. Ah, e para que o plano resulte, os árbitros do Alemanha-Grécia são militantes do Syriza.

Eu não tenho jeito nem paciência para trollar ninguém. Mas não resisti a fazer estas piadas (a do título e a do texto acima) mais ou menos óbvias, e a publicá-las naquele site norte-americano a que chamamos "rede social" (sim, esse, o facecoiso).

A chatice é que houve quem acreditasse. Ou, pelo menos, admitisse que podia ser verdade.

Agora digam lá que eu não tenho razão para estar preocupado com a facilidade com que as pessoas se deixam manipular e acreditam facilmente nas tretas que lhes contam desde que pareçam ir de encontro às expectativas que alimentam.

Parece que para muitas pessoas a realidade - ou pelo menos a realidade não mediatizada - deixou de ser uma opção desejável - tal como se verifica nos casos em que, ao verem num écran (de computador, por exemplo) algo que as incomoda, desviam o olhar... para outro écran (por exemplo, do telemóvel).

Ilusões perigosas...

sexta-feira, junho 22, 2012

Para memória futura

 "Não é admissível existir estacionamento ilegal nas proximidades de um parque de estacionamento" - frase do vereador Rui Jorge Martins (vereador da Câmara Municipal de Almada, responsável pela ECALMA - Empresa Municipal de Estacionamento e Circulação, que tem a ser cargo a fiscalização e aplicação do Código da Estrada, com poderes de polícia, em todas as vias sob jurisdição do município). Notícia do Jornal da Região, edição Almada, em 25 de Abril de 2012.

As fotos seguintes são da Rua Leonel Duarte Ferreira - rua onde existe um parque de estacionamento da Câmara gerido pela Ecalma (e que é o maior parque de estacionamento municipal da cidade) além de vários outros locais onde se pode estacionar sem incomodar os peões e sem infringir o código da estrada. As imagens são de Junho de 2012. Mas poderiam ser de qualquer outra data, já que isto acontece - nas barbas da Ecalma! - todos os dias e a toda a hora.  E sim, a Ecalma e a Câmara de Almada têm conhecimento desta situação, mas recusam-se a resolvê-la.



Conforme assinalado no título, isto é um pequeno apontamento para memória futura. O problema não é novo e, pelos vistos, não será resolvido em breve. Apesar de - repito - a Câmara e a Ecalma estarem devidamente informadas. Até já fingiram que resolviam o problema... Mas parece que foi só para a fotografia (cf. artigo que escrevi em 18 de Outubro de 2011 e artigos anteriores a esse sobre o mesmo assunto).