As empresas
capitalistas só funcionam recorrendo ao crédito como modo de financiamento das
suas actividades quotidianas. Isso sempre aconteceu neste modo de produção e muito mais do que um
antagonismo entre o sector financeiro e o sector industrial existe, de fato,
uma complementaridade. Claro que existem oposições e certamente rivalidades.
Mas essas rivalidades também ocorrem entre empresas industriais do mesmo ramo
económico ou entre o capital industrial e o comercial, etc.
A questão fundamental
das teses que defendem esse pretenso antagonismo entre a finança e a produção é
que a economia produtiva não cresceria fruto do garrote que a primeira
colocaria sobre a segunda. Ora, a verdade é que os investimentos produtivos
transnacionais necessitam de um volume maciço de capital-dinheiro que só pode
ser colocado através do sistema financeiro. Na realidade o sistema financeiro
existe em função da aplicação e da expansão dos negócios e dos investimentos
produtivos, mobilizando a uma escala realmente transnacional enormes volumes de
capital-dinheiro. Considerar que a financeirização teria impedido o crescimento
da economia produtiva nas últimas décadas é esquecer que esta cresceu de um
valor aproximado de 15 para quase 70 triliões [na escala longa] de dólares, isto em apenas 30
anos.
Por outro lado, na
sequência de um longo artigo que estou a preparar para publicação noutro
espaço, a consulta que tenho vindo a levar a cabo de material do FMI, do Banco
Mundial, do BCE, do BIS (Bank for International Settlements), etc. sobre o modo
como a classe dominante perspectiva os instrumentos financeiros e como ela
perspectiva a relação entre finança e produção demonstra totalmente o contrário
do que as teses produtivistas preconizam. Com efeito, o que os relatórios
existentes e que já compilei demonstram é precisamente o inverso do que a
esquerda nacionalista apregoa. Por um lado, os instrumentos financeiros são
vistos como uma forma essencial de alocação de capital-dinheiro para
incrementar os investimentos e, por sua vez, a produtividade do trabalho. Por
outro lado, como uma forma de regulação (ou tentativa de regulação) do grau de
incerteza inerente ao processo económico, daí a multiplicação de instrumentos
de securitização e de cobertura dos investimentos. Ou seja, as críticas que os
capitalistas fazem a instrumentos financeiros são sempre à opacidade com que se
desenrolaram alguns dos negócios antes da crise e não à sua utilização e sua
oportunidade. Ora, o que os economistas chefes e economistas principais de
todos os organismos transnacionais de organização institucional apontam é que
tem de haver uma maior regulação de instrumentos que, por si só, já são
destinados a regulação financeira. E aqui há dados muito interessantes do modo
como os gestores percepcionam os derivados. Onde a esquerda histérica vê neles
meros objectos de especulação e de jogo de casino, os capitalistas e os
gestores vêem-nos (e aplicam-nos) como instrumentos de regulação e de tentativa
de controlo da incerteza relativamente às flutuações económicas.
Ora, esta parece-me ser
uma ideia fundamental para desmontar as teses fantasiosas do juro como
categoria pretensamente arbitrária e ditada pela "vontade e maldade"
dos bancos. Pelo contrário, o mundo da finança repercute uma intenção clara de
tentativa de controlo e de coordenação global (dentro de cada empresa e a nível
nacional e transnacional) dos mecanismos económicos. Onde a esquerda
nacionalista tem visto nos mercados financeiros um conjunto de Shyllock’s
desejosos de carne e sangue da "economia produtiva", a realidade
parece apontar para os instrumentos financeiros como tentativas de redução do
risco económico, logo, como instrumentos complexos de aumento dos ganhos de
eficiência na aplicação de investimentos produtivos. Claro que como tudo numa
economia movida a crédito existe um risco associado. Senão não existiriam
crises económicas... Todavia, os derivados e afins existem, pelo contrário,
para controlar o risco inerente.
Em resumo,
"produtos" financeiros que aparentam ser exclusivamente especulativos
são, na verdade, instrumentos muito parecidos com os seguros. (Têm diferenças técnicas
importantes, mas para o que nos importa penso que a parecença pode ser
elucidativa). São, portanto, instrumentos que ajudam os capitalistas a
regularem as oscilações dos mercados e a garantirem que os capitais aplicados
em investimentos não se percam na sua totalidade, no caso de falência. Claro
que esses derivados levantam problemas. Mas a questão da sua relação com a
reprodução alargada do capitalismo e da sua dinâmica produtiva coloca-se
novamente. Por cada dois anos de crise financeira, eles permitiram um
crescimento económico de outros 30. Evidentemente à custa da exploração da
força de trabalho, exploração que tem ficado completamente de lado pela
esquerda nacionalista ou, igualmente pernicioso do ponto de vista político,
concebida como um mero saque dos bancos sobre os “produtivos”.
Em suma, a finança
interliga-se profundamente com a produção e não a obstaculiza. Ao invés é o que
permite gerir o sistema capitalista de produção num plano territorial e
sectorial muitíssimo mais vasto e com uma tentativa de controlo das
expectativas de negócio. O que se entende regularmente por especulação é uma
ninharia comparado com o papel muito mais importante de regulação global do
sistema financeiro que permite a expansão da produção (e da exploração
económica). Assim, o sistema financeiro existe não apenas em função da produção
capitalista mas opera muito mais como tentativa de coordenação e de alocação
global do que como espaço de especulação (que também o é).
Por conseguinte, a
crítica da finança não pode deixar de lado a crítica às relações de trabalho no
capitalismo sob pena de os críticos da agiotagem o reconstruírem em novos moldes, independentemente das cores das bandeiras ou das palavras de ordem. Quando tal remodelação
do capitalismo ocorreu não se tratou de um novo governo ou de um simples ajuste
das políticas económicas. O nome político dessa remodelação assente numa
aliança nacionalista entre trabalhadores e sectores industrialistas das classes
dominantes foi um: fascismo.