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segunda-feira, dezembro 24, 2012

Natal

 
Leio o teu nome
Na página da noite:
Menino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos.
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.



Miguel Torga


Nota da Redacção: SANTAS E FELIZES FESTAS

sexta-feira, julho 13, 2012

lendo..... "SÚPLICA"


O que não pude erguer nunca se ergueu.
Rasas, as coisas são anãs, sem mim.
E quando as olho como agora, assim
Desiludido,
A vida não tem força, nem sentido,
E é um calvário vivê-la.

Vê se brilhas no céu, ó minha estrela
De poeta!
Sem ti, como há-de ser?
Como darei, com esta luz de asceta,
Grandeza ao que é preciso engrandecer?


In. "Penas do Purgatório" - MIGUEL TORGA

segunda-feira, abril 30, 2012

O Espírito


Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.
Natália Correia, in “Poesia Completa”

sexta-feira, abril 20, 2012

Balada dos Aflitos

Irmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas - dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais valia.

Irmãos meus que passais um mau bocado
e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.

Talvez Deus esteja a ser crucificado
neste reino onde tudo se avalia
irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.

Rogai por nós Senhora dos Aflitos
em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.

Manuel Alegre

terça-feira, fevereiro 21, 2012

soneto de Carnaval


Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.


Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.


E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim


De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.



 Vinicius de Moraes

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

paraíso

 

Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja
Numa taça de sombra estilhaçada
Deita sumo de lua e de laranja

Arranja uma pianola, um disco, um posto
Onde eu ouça o estretor de uma gaivota
Crepite em derredor o mar de agosto
E outro cheiro, o teu, à minha volta

Depois podes partir, só te aconcelho
Que acendas tudo, para ser perfeito
Á cabeceira a luz do teu joelho
E entre os lençois o lume do teu peito

Podes partir, já nada mais preciso
Na minha ilusão do paraiso


David Mourão Ferreira

sábado, fevereiro 04, 2012

havia um pajem loiro....

 Havia um pajem loiro, desse loiro luz ridente,

que de vivo nos dizia o que era amor de cravo.
Despia-se insinuante sem despir nada de si
e tão perturbável era seu luar de inteiro encanto,
quadrado como ele tinha a voz minguada doçura
que chegava a ser decente seu local corpo de infante
escapulido na rua.

Nem o tocava nem via, nem tolhia o seu ar,
no desejo de o tocar como sendo água fria
onde o pé entra ligeiro e logo entrado é certeiro
que tudo há-de molhar.

Ó dolente melodia noutra louca cidadela,
quem me dera cinderela, corça silente e tardia
debruçada na janela da minha alma vazia.

Ó mais dura solidão de estar por ti rodeado,
como cavalo poltrão que não respeita terrado
e ameaça romper o cordão, o emblema,
tudo aquilo que é sagrado, por minutos de ilusão
em minha crina morena.

António Botto

terça-feira, janeiro 17, 2012

sonharei....


Sonharei, no teu seio calmo,
O sonho invisível do cego de nascença.
Dormirei, no teu cerrar de pálpebras,
Como um peixe desliza entre os ramos de árvore
Reflectidos na água.
Dormirei, nas tuas mãos pousadas no meu corpo,
O desejo de te acariciar sem perigo
- não vá tirar-te escamas, borboleta presa.
Dormirei, no teu sexo, a solidão do meu
Ao existir para que eu pense em ti.
Dormirei, na tua vida, a teimosia humana
De um sentido universal para as coisas connosco.
E se, depois, meu amor, formos estéreis,
Se a demora do tempo tiver tido um gesto abandonado,
E a morte, à nossa volta, um moleiro sem trigo,
O mundo que vier inveja-nos
E o nosso espírito há-de perdoar-nos.

Jorge de Sena

domingo, janeiro 15, 2012

os amigos

 
Esses estranhos que nós amamos 
e nos amam 
olhamos para eles e são sempre 
adolescentes, assustados e sós 
sem nenhum sentido prático 
sem grande noção da ameaça ou da renúncia 
que sobre a luz incide 
descuidados e intensos no seu exagero 
de temporalidade pura 

Um dia acordamos tristes da sua tristeza 
pois o fortuito significado dos campos 
explica por outras palavras 
aquilo que tornava os olhos incomparáveis 

Mas a impressão maior é a da alegria 
de uma maneira que nem se consegue 
e por isso ténue, misteriosa: 
talvez seja assim todo o amor 


José Tolentino de Mendonça 
De Igual Para Igual 

quarta-feira, janeiro 11, 2012

O Último Negócio

Certa manhã                                                                          
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.

As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.

Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.

O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.


Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
(1861-1941)

sexta-feira, janeiro 06, 2012

Chamamento


Como podes tirar de mim
o chamamento
um minuto que seja
apagares a chama?


Por ti eu tiro tudo
e enrodilho
queimando tudo depois à cabeceira

Devagar convoco a tempestade aberta
e no meu peito
o coração tropeça

E não há nada que eu queira
imaginar
que entre nós depois
não aconteça


Maria Teresa Horta

Prémio poesia D. Dinis 2011

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Noite feliz


Dói tanto que se pudesse diria:
me fere de lepra.
Mas que importa a Deus o monte de carne podre?
Tem piedade de mim, Vós, cujo filho duas vezes gritou,
apesar de ser Deus. Me dá um sonho.
É como se meu pai não me amasse
e não tivesse dado a vida por mim.
Só belos versos, não.
Uma linha depois da outra,
tão finamente escritas,
com tão primoroso fecho
- e o que sinto é cansaço.
Basta a beleza própria
da estocada das coisas no meu peito.
Comer, sonhar, talvez morrer, quem sabe?
A morte existe, ó pai?
Sei que na Polónia católica
ninguém escreveu com estas mesmas palavras
na carrocinha de doces:
'Para todos e sua família desejo um feliz natal.'
No Brasil sim, na minha rua,
usando uma língua pobre e uma caneta de cor,
alguém sentiu o inefável.
Não se perderá o fermento, ó comadre.
Bebem? Não pagam as contas?
- Vamos fazer um teatro.
Tem a máscara do boi, do burro,
as vestes de José e Maria,
tem a roupa do homem que negou hospedagem
mas que veio depois, depois da estrela,
dos anjos, depois dos pobres pastores, e que mais recebeu.
Porque não merecia.
Sou miserável.
Um monte de palha seca
é obra de minhas mãos.
Tem piedade de mim,
desce, orvalho do céu,
desce sobre nós,
restabelece o fio das conversas saudáveis.
Traze a fresca manhã.


Adélia Prado
in:  Terra de Santa Cruz, 1981

quinta-feira, dezembro 22, 2011

Sonho


Ontem sonhei que sonhava
e me mantinha desperto
contente por me escapar
de um mundo que me era incerto

seguro porque voltava
ao que é lógico e real
à vida que firme sabe
do que é bem e do que é mal

quando tornei a dormir
já rompia a madrugada
e na clara luz não tinha
certeza alguma de nada

Agostinho da Silva

terça-feira, dezembro 20, 2011

Chove. É dia de Natal.


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
Fernando Pessoa

quarta-feira, dezembro 14, 2011

As Sete Penas do Amor Errante


Eu não sei se os teus olhos se gaivotas
mas era o mar e a Índia já perdida
as ilhas e o azul o longe e as rotas
minha vida em pedaços repartida.

Eu não sei se o teu rosto se um navio
mas era o Tejo a mágoa a brisa o cais
meu amor a partir-se à beira-rio
em uma nau chamada nunca mais.

Eu não sei se os teus dedos se as amarras
mas era algo que partia e que
ficava. Ou talvez cordas de guitarras
ó meu amor de embarque desembarque.

Eu não sei se era amor ou se loucura
mas era ainda o verbo descobrir
ó meu amor de risco e de aventura
não sei se Ceuta ou Alcácer Quibir.

Eu não sei se era perto se distante
mas era ainda o mar desconhecido
ou Camões a penar por Violante
as sete penas do amor proibido.

Eu não sei se ventura se castigo
mas era ainda o sangue e a memória
talvez o último cantar de amigo
amor de perdição amor de glória.

Eu não sei se teu corpo se meu chão
mas era ainda a terra e o mar. E em cada
teu gesto a grande peregrinação
das sete penas do amor lusíada.


Manuel Alegre

domingo, dezembro 11, 2011

dia internacional das montanhas


É áspera a americana cordilheira,
nevada, hirsuta e dura,
planetária:
o azul dos azuis é ali que jaz,
o azul solidão, azul secreto,
o ninho do azul, o lápis-lazúli,
o esqueleto azul da minha pátria.

A mecha arde, cresce o estalido
e esmigalha-se então o peito à pedra:
depois do dinamite é ténue o fumo
e sob o fumo o ossamento azul
e os terrões de pedra ultramarina.

Oh catedral dos azuis enterrados,
pequeno abalo de cristal azul,
olho do mar coberto pela neve
uma outra vez à luz voltas da água,
ao dia, à pele clara
do espaço,
ao céu azul volta o terrestre azul.


Pablo Neruda


(de As Pedras do Céu, in Por Outras Palavras, traduções de António Manuel Couto Viana, Vega, 1997 / original: Las piedras del cielo, 1970)

terça-feira, dezembro 06, 2011

GÉNESIS


No princípio era o verbo, e eu traduzia-o
em palavras com um sentido fundo como o poço
de onde as mulheres puxavam os baldes de água,
à tarde, para refrescar o chão de agosto. Nas
cordas de roupa do quintal, eu estendia as palavras
para as secar: e via o sol atravessá-las até ao osso,
dissecando o seu corpo mais vago — as vogais fechadas
do fim, ou a enunciação de um infinito
Até ao limite do verbo.

No principio também eram as coisas: umas
sobre as outras, no alinhamento curvo do destino,
corno se não estivessem para cair nessa trepidação
de rimas que um fim de verso pode trazer. Então,
levantava-as do chão onde se tinham partido em pedaços,
as coisas brancas da lua e as coisas vermelhas do sol,
e colava-as na parede, vendo o muro subir
até ao tecto celeste..

E no fim, volta a ser o verbo. Arranha-me a língua
com as suas unhas de consoantes; e pego-lhe ao colo,
para que não fira os pés nas pedras do campo, ouvindo
a sua voz de carne e oo escrever-me, no fundo
da cabeça, e a toda a largura da alma, a frase
redonda do amor. Trabalho a sua sintaxe, até
descobrir as articulações do segredo; e abraço
o corpo que nasce na conjugação
das suas pálpebras, abertas até ao fundo
dos olhos, onde te vejo.
NUNO JÚDICE, in O ESTADO DOS CAMPOS (Pub. Dom Quixote, 2003)

segunda-feira, novembro 28, 2011

EQUINÓCIO

Chega-se a este ponto em que se fica à espera
Em que apetece um ombro o pano de um teatro
um passeio de noite a sós de bicicleta
o riso que ninguém reteve num retrato

Folheia-se num bar o horário da Morte
Encomenda-se um gim enquanto ela não chega
Loucura foi não ter incendiado o bosque
Já não sei em que mês se deu aquela cena

Chega-se a este ponto Arrepiar caminho
Soletrar no passado a imagem do futuro
Abrir uma janela Acender o cachimbo
para deixar no mundo uma herança de fumo

Rola mais um trovão Chega-se a este ponto
em que apetece um ombro e nos pedem um sabre
Em que a rota do Sol é a roda do sono
Chega-se a este ponto em que a gente não sabe


(de Do Tempo ao Coração, 1966) 

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, novembro 21, 2011

tenho uma grande constipação



Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.


Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa