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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

com os lábios perseguir nas tuas mãos, a noite
que um gesto separou.
Lá fora, o muro de granito rodeia a primeira neve.
E os corvos parecem debicá-la com uma fome cheia de rancor.
Uma rapariga acena:
e a eternidade desfaz-se na clareira de um gesto

Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio d'Água, 2007

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

hoje não estás próximo, és somente um animal
indeciso onde o tempo se mostra, a linha de água
que a noite encontrou para ter luz, e vejo-te
como um nome que não sei decifrar:
placa toponímica num país estrangeiro.
Uma longa viagem uma improvável chegada
acolhem-se na minha desordem,
sei agora porém que existe um lugar:
cisterna vulnerável ou praça com palmeiras,
um livro inacabado ou a voz de Hellen Watts:
o thou that tellest good tidings to Zion,
o tempo no entanto vacilou,
os corpos, as cidades, os caminhos,
desconhecem os segredos que os diziam,
as letras mudam de lugar, e o teu nome
adquiriu a paz de uma palavra
que não conseguirei nunca soletrar:
és assim uma presença fechada na estranheza
como Deus o era para Kant:
ponto de fuga onde a paisagem
reencontra o seu íntimo destino

Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio d'Água, 2007
com uma pressão de ar, o homem estilhaçava
as borboletas que pousavam nas rosas;
por uns instantes, pequenos farrapos brancos
pairavam imprecisos sobre o canteiro;
cada minuto era o tempo todo a soletrar
uma história saturada de mortos.
Estou a meio do jardim que explode
à custa do meu corpo: disse o homem:
sou o seu desejo. A sua fome.

Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio d'Água, 2007
não ser
capaz é o corvo
no seu negro
que aprofunda a desordem.
Nas penas cresce o pó. E a luz
reabre o vento
no bosque das acácias a cor
é inacabado movimento.

Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio d'Água, 2007