4 de maio de 2013


Gosto das perdas que me tiram tudo. Pra sentar em mim, olhar ao redor, e ficar. Até redescobrir em mim força e possibilidades de recomeçar. Tudo que vivi já me ampliou os vãos de dentro, e tanto, que me sinto tão menor em mim. Mas, com espaços para crescer. Silêncio. Tudo que quero dizer está na ponta dos dedos. 

Cecília Braga

Chega um momento, depois de algum caminho percorrido, em que a gente pode até considerar que avançou menos do que supunha, mas entende ter avançado o máximo que conseguiu até então. E a gente agradece, com gentileza e compaixão por todos os caminhantes, porque somente quem caminha sabe o valor, o tamanho, a conquista, de que é feita a história de cada único passo. Há quem pare no meio da estrada e se enrede no suposto cansaço que mente o medo de prosseguir. Há quem corra tão freneticamente de si mesmo que nem percebe a paisagem ao seu redor. Há quem pareça recuar dois passos para cada um alcançado. No fim das contas, todos avançam, de uma forma ou de outra, ainda que, aos próprios olhos e aos alheios, o avanço seja imperceptível. E, nos trechos da jornada em que já é possível caminhar com mais atenção, respirando os sentimentos singulares de cada passo, a gente percebe que não há exatamente um lugar onde chegar. Nós somos o lugar. A gente percebe que pode aprender a relaxar e a usufruir também da viagem e que essa é forma mais hábil e generosa de avanço. Não há movimento que se assemelhe àquele que nasce de um coração contente. 

Avanço - Ana Jácomo

2 de maio de 2013


Sei que amor não se pendura
mas é preciso deixar ao sol o coração 
para que seque 
que escorra 
para que não morra 
não mofe em gaveta escura. 

André Gonçalves

Pode parecer promessa
mas eu sinto que você é a pessoa
mais parecida comigo que eu conheço
só que do lado do avesso

Pode ser que seja engano, bobagem ou ilusão
de ter você na minha
mas acho que com você eu me esqueço
e em seguida eu aconteço

Por isso eu deixo aqui meu endereço
se você me procurar eu apareço
se você me encontrar
te reconheço... 

Avesso - Alice Ruiz

23 de abril de 2013


Nem especialmente alegre ou triste se precisa estar. Ocorre como os chamados movimentos autônomos do corpo. Sem aviso me apanho cantando: "... Atestam-te os meus olhos rasos d'água a dor que a tua ausência me causou...." São preciosos registros, farelos de ouro, retalho de pano bom. Me levanto para guardar, botar no cofre, certamente em vão, têm natureza de nuvem, passam. Você olha, acha bonito, mas segurar não pode. Sofro por causa do meu espírito de colecionador-arqueólogo. Quero pôr o bonito numa caixa com chave para abrir de vez em quando e olhar. [...]

Adélia Prado


Eu segui em frente. E o que mais eu poderia fazer? Quebrar a casa, desarrumar o quarto, jogar tudo o que me lembrava de você fora? E de que isso ia adiantar? Isso é coisa de gente que não tem mais o que fazer, minha mãe diria. No outro dia, eu acordaria e você continuaria aqui. Eu poderia ter ficado agarrada a minha cama, poderia ter parado de comer, poderia até mesmo ter deixado de sair com meus amigos. Você sabe, essas coisas que a gente faz quando sai dizendo por aí que está deprimido. Mas minha depressão nem tentou ser mais forte que você. No fundo, eu sabia, não importava o que eu fizesse, você não largaria o posto, não abandonaria totalmente meu coração. Por algum motivo doentio, eu sei que você estará gravado em mim de um jeito meio que permanente. Eu sei que vou esbarrar com você depois de anos e sentir uma pontada na boca do estômago. Conheço bem o diagnóstico. Chama-se: falta do que não foi. 

Não, eu não sinto saudade do nosso passado. Tenho carinho, talvez, mas me lembro bem dos motivos que nos fizeram terminar. Ainda me lembro dos nossos gritos, ainda guardo os motivos das nossas brigas e amargo o gosto das minhas lágrimas. Sei bem que acabamos porque tínhamos que acabar. Mas e tudo aquilo que a gente jurou que ia ser? A gente jurou que ia ser feliz. Que acho que foi nossa promessa mais irresponsável. Como é que se promete algo assim para o outro? “Eu vou te fazer feliz?”. A gente jurou que ia arrumar as coisas, viajar o mundo, conhecer lugares. Juramos que seríamos um casal de sucesso. Olha isso: a gente jurou até que ia se amar para sempre. Talvez seja isso o que dói: cadê o amor que a gente jurou que ia ter? 

Sinto falta das coisas que poderíamos ter sido. E acho que você não sai de mim exatamente por esse nosso futuro prometido que não me abandona. Eu sei, eu sei, eu poderia ter chorado muito. Você vive dizendo que eu não sofri tanto, que superei rápido, que logo estava com outro. O que você queria que eu fizesse? Morresse, me descabelasse, chorasse até não aguentar? É, eu poderia ter feito isso, mas ia fazer passar? Já disseram por aí e eu repito: a vida não para, eu continuei tendo que ir para a faculdade, continuei tendo que trabalhar, pagar as contas, sorrir e ser simpática com as pessoas. Você era importante, mas novidade: há vida além de nós dois. 

Não, não vou dizer que te esqueci. Não vou mentir que passou. Pra que tudo isso? Pra que fingir que você não foi nada, que amar você não foi quase tudo e que te perder não me doeu? Só eu sei o buraco que nossa história deixou em mim. Só eu sei como tive que respirar fundo, engolir em seco e seguir a vida. Seguir-a-vida. Não é pecado, eu juro. Foi só o que me restou fazer. Mas esquecer você de vez? Em outra vida, quem sabe.


Pra seguir em frente - Karine Rosa

8 de abril de 2013


Eu tinha tanta coisa para te dizer. Mas esqueci. Esqueci porque olhei bem no fundo dos teus olhos. E reparei em como eles ficam bonitos como o reflexo do sol. Por distração, cheguei mais perto. Senti a fragrância do teu perfume importado. Aquele que compramos juntos na véspera do Natal de 2009. Foi meu presente e agora, é meu passado. Minhas mãos estão tremendo. Estamos conversando sobre qualquer assunto que faz a mínima diferença. Minha mãe te adora. Te deixou entrar e agora, estamos aqui, frente a frente, sem saber o que fazer com nossas mãos. Alguma coisa dentro de mim começa a acontecer. É como se eu estivesse sendo anestesiada. Está acontecendo. Pouco a pouco. Não sinto dor, não sinto nada. Sou um vazio, tão leve, que poderia voar agora mesmo para os seus braços e cair nesse sofá. Nesse nosso sofá. Onde nos descobrimos e nos perdemos. Onde me encontrei, por várias semanas, sozinha. 

Tenho uma lista de motivos para te odiar. Uma vontade enorme de pegar agora mesmo esse vaso de vidro azul da estante e jogar na sua direção. E vai doer. Menos em você do que em mim. Mas pelo menos assim, terá um motivo para me odiar. Um motivo para deixar de aparecer na porta enquanto eu espero o cara do restaurante. Mentira, eu espero você. Minha fome não importa. Nem o clima. Nem o dia do mês. Nem o que dizem no facebook. Não tem graça. É para mim, mas não é de você. 

O assunto era a matéria da prova de história. Segunda guerra mundial. Mas agora, estamos discutindo o quanto sou egoista por não te dar mais uma chance. O que você diz não faz sentido algum, mas em alguns minutos, me faz acreditar. A culpa é minha. Eu fiz você mentir naquele final de semana e ao invés de passar a madrugada jogando Warcraft, sair e ir para um barzinho com nome tosco. Fiz você beber mais do que devia e aceitar o convite para balada. Fiz você ter amigos mulherengos que te encorajaram. Fiz você se aproximar daquela garota que estava perto da mesa do Dj. Fiz você reparar no tamanho do vestido bandage rosa bebê . Fiz você colocar a mão em sua cintura, e dizer alguma coisa que nem você mesmo se lembra. Fiz você piscar e por último, fiz você segurá-la na parede e beijar, lentamente, sua boca e pescoço como se não houvesse amanhã. Como se não houvesse alguém, no outro lado da cidade, dormindo profundamente, com um pijama de bolinhas, luz apagada e um urso enorme segurando um coração com aquelas três palavras. Era eu.

Estou gritando e dizendo tudo o que penso. Sem joguinhos e planos para você achar que já superei ou sou uma garota desapegada. Minha cadelinha late incessantemente e agora, você está do outro lado da porta. Também gritando. Escorrego pela parede e desabo. Abro os olhos e estou na minha cama. Não sei se o dia já acabou o se é madrugada. Meus olhos estão inchados e mentalmente, acabo de listar todos os motivos que tenho para manter meu corpo longe de você. Assim como fiz ontem e provavelmente, farei amanhã. 

A lista - Bruna Vieira

Recolhe os cacos dessa paixão cheia de cor 
E antes que desbote 
Faz um alicerce forte 
Ergue uma parede que suporte 
Todo o peso de sua dor.
 
André Gonçalves

3 de abril de 2013


Pendura o coração ao sol, menina, que é de luz que se alimenta esse músculo que estica e rasga e se arrebenta. Sangra, arde, dói, mas não aguenta bater sem cor, sem lágrima, sem céu, sem nuvem, sem vento. Levanta o olhar e vê. E, quando você menos perceber, tum tum tum tum tum tum tum. Ele vive.

André Gonçalves 
em “Coisas de Amor Largadas na Noite”

Vendo urgente dor semi-nova, com pouco uso, leve arranhão na borda superior esquerda causado por um sorriso irresponsavelmente atirado pela janela. Aceito troca por alegria mesmo que com defeito ou melancolia regada à coca-cola. Não aceito esperança porque, mesmo sendo a última, acaba morrendo. Tratar com o proprietário. 

André Gonçalves 
em “Coisas de Amor Largadas na Noite”

30 de março de 2013

   
Eu não quero perder nada dos meus erros e acertos.
É com muito tropeços, que se aprende a ser grande.
Que em muito há de ser tolerante.
Que a fé sozinha, não é o bastante.
Quero passar por tudo, em tudo, aprendendo de todos.
Calando mais meus impulsos, escutando mais de meu Deus.
Porque daí eu sei, que eu vou estar pronta,
e que amadurecer, não é somente uma questão de se ter sorte...
Que embora assim pequena,
eu vou ter aprendido a ser forte!

 

Cáh Morandi


Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário. 
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas. 
Se achar que precisa voltar, volte! 
Se perceber que precisa seguir, siga! 
Se estiver tudo errado, comece novamente. 
Se estiver tudo certo, continue. 
Se sentir saudades, mate-a. 
Se perder um amor, não se perca! 
Se o achar, segure-o! 

 Fernando Pessoa
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