É possível que essa tenha sido a última entrevista concedida por Ildásio Tavares. É a primeira vez que a publico na íntegra.
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1940 - 2010 |
GUSTAVO FELICÍSSIMO - Fazer poesia, atualmente, tem sido o mesmo que tirar de onde está vazio e colocar onde está cheio?
ILDÁSIO TAVARES – Eu diria que sempre foi muito mais perceber o vazio para tentar alcançar plenitude. A graça está na tentativa.
GF – Na lírica moderna o poeta passou a cantar a própria poesia em oposição à realidade opressora do nosso tempo. Como você analisa tal fato?
IT – Sempre foi assim. Contudo, em nossa época, o poeta sofre uma crise tão forte de identidade ante um sistema esmagador que, às vezes, cantar sabe a um grito no escuro.
GF – E o que, na sua ótica, justifica esse grito?
IT – A total necessidade de expressão do indivíduo amordaçado pelo sistema.
GF – É possível que a falta de critério no uso do verso livre esteja proporcionando a retoma do estudo da versificação por parte dos novos escritores ou você acha que essa é uma condição cíclica?
IT – Eu precisaria ter mais dados para fazer uma avaliação. Todavia este é um processo dialético, o esvaziamento de um conduz a valorização do outro. O verso medido nunca saiu de cena, nem em 22, mais tarde Vinicius e, com ênfase em 45. Cada período tem seu verso medido, tem seu verso livre. E precisa achá-los. Achar a dicção do seu tempo. O decassílabo de Camões e o de Carlos Falck, ambos têm dez sílabas métricas. Mas são dois versos diferentes.
GF – Por falar em 22, o que o modernismo trouxe de colaboração à poesia e aos poetas brasileiros?
IT – 22, por um lado, trouxe um maior sentido de liberdade e de brasilidade a uma poesia que tendia para cair na camisa de força e por outro lado a imitar apenas os modelos estrangeiros. Contudo, 22 prestou um desserviço à poesia brasileira que a partir da liberdade caiu, muitas vezes, na permissividade e no vulgarismo.
GF – Você já afirmou que acha mais difícil criar um poema com versos livres que um poema dentro da métrica, por quê?
IT – Por que a métrica te dá um parâmetro, uma referência fixa, um modelo estrutural para você preencher. Para o verso livre, você tem que criar este modelo estrutural. Enquanto para um você tem uma métrica geral pré-estabelecida para o outro você tem que criar uma métrica particular para cada poema. Muitos poetas quebram a cara aí porque pensam que o verso livre é anárquico ou prosaico. Não, você pode fazer arte do caos, mas não fazer caos da arte. O verso é livre, não caótico ou frouxo.
GF – Você está otimista quanto ao futuro da poesia feita no Brasil e na Bahia em particular?
IT – Nem otimista nem pessimista. Realista. Oropa, França e Bahia, sempre haverá bons e maus poetas. Difícil é a má poesia grassar como um todo. Vai sempre aparecer uma luzinha brilhando.
GF – Existe algo na literatura que o tem deixado feliz?
IT – A maior capacidade, de certo tempo pra cá, de realizar o poema do jeito exato que eu queria. Não me preocupo se o poema é bom ou ruim, se vão gostar ou não, é aquela sensação de que eu consegui colocar no papel exatamente o que eu concebi como poema, um ser, um animal, um bicho novo, me olhando ali no papel, É muito gratificante. Tenho poemas assim há mais de 20 anos na gaveta.
GF – Pra terminar. Apesar de ter nascido aqui na região cacaueira, muito cedo você foi morar em Salvador. Você se sente grapiúna?
IT – Sempre disse que antes de ser baiano sou grapiúna. Ilhéus é a minha capital. Meu umbigo está enterrado em Gongogi, na Fazenda São Carlos.